Insurreio
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte 1962
Revolucionrios
Potiguares em Memrias do Crcere
Graciliano Ramos
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreio | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexes | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vdeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produo
Lauro Corts Lago
Funcionrio pblico,
10 anos de priso 13
Alcides
Washington Guerra Carlindo
Revoredo Carlos
Wan der Linden Domicio Fernandes
Ephifnio
Guilhermino Ezequiel Fonseca
Filho Gasto
Correia da Costa Joo
Anastacio Bezerra Joo
Francisco Gregrio Joo
Alves Rocha Jos
Macedo Lauro Corts Lago
Leonila Felix
Mario Ribeiro de Paiva Miguel
Bezerra Morais Paulo Pinto Pereira
Ramiro Magalhes
Paiva Sebastio Felix
Arago Vicente
Ribeiro da Silva
“Agora
a suspeita se desfazia. Sebastio Hora
parolava com Jos Macedo e Lauro Lago a
respeito da Aliana Nacional Libertadora,
a princpio sufocada, afinal posta no xadrez;
os meus companheiros de Alagoas, apenas entrevistos
no quartel, mal examinados nos sacolejos do caminho,
desconhecidos quase todos, comeavam a
entender-se com a gente do Rio Grande; e, sem
chapu, sem valise, exibindo-me em camisa,
despojava-me da feio policial.”
“Estavam ali dois figures, dois
responsveis, dois criminosos, porque tinham
sido pegados com o rabo na ratoeira. No
me arriscaria a dizer como se chamavam. Macedo
e Lauro Lago. Isso, repetido com freqncia,
me permanecia na memria, mas, se me dirigisse
a qualquer deles, trocaria as designaes.
Falavam-me tambm num terceiro chefe da
sedio, o mais importante, conservado
em Natal por no se poder ainda locomover:
seviciado em demasia, agentara pancadas
no rim e, meses depois da priso, mijava
sangue. Arrepiava-me pensando nisso. Achava-me
ali diante de criaturas supliciadas e, conseqentemente,
envilecidas.
dispensados antigamente aos escravos e agora aos
patifes midos. E estvamos ali,
encurralados naquela imundcie, tipos da
pequena burguesia, operrios, de mistura
com vagabundos e escroques. E um dos chefes da
sedio apanhara tanto que l
ficara em Natal, desconjuntado, urinando sangue.”
“Em atitude canina, mastigando qualquer
coisa, parecia continuar no exerccio do
seu cargo, esperando ordens do Presidente, que
discutia com Jos Macedo e Lauro Lago,
todos eles muito considerveis. “
“Escrevi at noite. Se houvesse
guardado aquelas pginas, com certeza acharia
nelas incongruncias, erros, hiatos, repeties.
O meu desejo era retratar os circunstantes, mas,
alm dos nomes, escassamente haverei gravado
fragmentos deles: os olhos azuis de Jos
Macedo, a contrao facial de Lauro
Lago, a queimadura horrvel de Gasto,
as duas cicatrizes de Epifnio Guilhermino,
o peito cabeludo e o rosrio do beato Jos
Incio, a calva de Mrio Paiva,
os braos magros de Carlos Van der Linden,
o rosto negro de Maria Joana iluminado por um
sorriso muito branco.”
NO DIA seguinte descobri em Sebastio Hora
uma extravagncia: exps, quando nos
avizinhvamos da Bahia, o projeto de comunicar-se
com o governador, que certamente iria visit-lo
a bordo. A princpio julguei que se tratasse
de brincadeira e resolvi colaborar nela. Perfeitamente:
um chefe de governo entrando no poro,
com ajudante-de-ordem coberto de alamares e troos
dourados, para entender-se com um prisioneiro
muito bem, nada mais natural. Em seguida alarmei-me.
O homem falava srio. Conhecera anos atrs
Juraci Magalhes, que certamente iria v-lo,
prestar-lhe auxlio. Lauro Lago sorriu
e murmurou: Iluso pequeno-burguesa.
Esse reparo foi insuficiente para chamar o nosso
amigo realidade: forjara uma convico
oposta aos fatos, queria firmar-se nela, cegar
voluntariamente, confessar aos outros a cegueira
e receber confirmao, pelo menos
apoio tcito que lhe preservasse o engano.
Tencionei divergir, indicar a degradao,
a misria em que nos achvamos.
O desacordo seria intil: ningum
ali precisava que lhe avivassem os sentidos. Loucura
imaginar um poltico influente descendo
quela profundeza; “
“antes de cair a noite Sebastio
Hora se decepcionaria. Claro, intuitivo. Mas no
desejava convencer-se e tinha fome de considerao.
Quando a miragem se dissie e o estado lastimoso
novamente lhe surgisse, maquinaria outros fantasmas,
embalar-se-ia noutros sonhos. Fora isso, revelava-se
perfeitamente lcido examinando, com Jos
Macedo e Lauro Lago, as causas do insucesso do
movimento de Natal. Refugiava-se no ado ou
entretinha-se a adornar um futuro improvvel;
no queria ver o presente. “
“A sinceridade patenteava-se no rosto de
Lauro Lago, na voz breve, sacudida, incisiva.
“
“Do lugar em que me achava distinguia-se
metade do alojamento; o sorriso e a barriguinha
de Macedo, os culos de Lauro Lago, as
listas do pijama vistoso de Sebastio Hora
e o acaapamento do negro Doutor, estavam
invisveis”
“Inquietao vaga no
me permitia ficar muito tempo num lugar. Entrava
no camarote, saa, ouvia com fingido interesse
as conversas de Sebastio Hora, Macedo
e Lauro Lago. Tinha de cor diversas mincias
da rebelio de Natal; contudo, por mais
que me esforasse, no me era possvel
entenda-las.
De p, encostado ao umbral, confundindo
pessoas e acontecimentos do Rio Grande, as pernas
abertas para evitar alguma cambalhota, distraa-me
olhando a escada. as viagens incessantes dos companheiros
latrina. Foi a curiosidade que me fez
imit-los Isso e tambm a lembrana
de viver entre eles cinco ou seis dias, sem ter
ido ali uma s vez A imobilidade esquisita
das vsceras comeava a alarmar-me.”
“Entra como se estivesse em sua casa.
Cheio de vergonha, nada respondi, pois me faltavam
elementos para refutar a opinio do homem.
Se ele, observador profissional dos delinqentes,
me via assim, teria l as suas razes.
Ponderei, extingui melindres. Tinha motivo para
escandalizar-me? No. Em duros casos, a
observao podia ser considerada
elogiosa. Consigo realmente ambientar-me de pressa,
acomodar-me s circunstncias. Percorrendo
o serto, muitas vezes, quando a noite
descia, amarrei o cavalo a uma rvore,
envolvi-me na capa, estirei-me na terra e dormi,
tranqilo e s. No seriam
piores que as cobras e outros bichos do mato os
habitantes da priso. Mas que teria eu
feito para o indivduo confundir-me com
eles? Muitos ali aparentavam serenidade, riam,
falavam naturalmente, e a preferncia me
tocara. Esquisito. ramos quarenta pessoas,
a maioria aquela gente amorfa que, durante a viagem,
se arrumava pelos cantos do poro, no anonimato
e no enjo. Lembro-me apenas de Sebastio
Hora, capito Mata, Lauro Lago e Macedo.
Num instante abriram-se os malotes, desdobraram-se
e estenderam-se as redes no pavimento mido.
Se no houvessem tomado as cordas, seria
possvel armar algumas nos vares
de grades opostas. Agora serviam de camas. Sobre
a de Macedo, muito larga, foi aberto espesso cobertor
de l; em seguida apareceram lenis
e um travesseiro de penas.
Sentado na valise, encostado ao muro, distraa-me
seguindo os movimentos vagarosos e o capricho
do homenzinho gordo, envolto na fumaa
do cachimbo; as mais insignificantes pregas se
desfaziam, alisava-se cada pea com rigor.
Despojara-me voluntariamente, pela manh,
de um objeto necessrio: aria a noite
mal. Onde estaria o sem-vergonha carrancudo que
me furtara cinco mil-ris e estivera uma
semana a esconder-se? Talvez no nos tornssemos
a ver. ramos ali quarenta desordeiros,
quase todos espritas e catlicos,
segundo os papis oficiais escritos
tarde sobra do refugo humano acumulado no poro.
Dispersavam-nos, rompiam-se camaradagens alinhavadas
pressa; a inquietao de
Miguel e a energia imvel de Joo
Anastcio iriam morrer-me no esprito.
Novas caras surgiriam, novos hbitos e
no teramos tempo de fixar-nos.”
“Chegando ao Pavilho dos Primrios,
fora recebido com o Hino do Brasileiro Pobre:
A tardinha surgiram novamente os caixes
e organizou-se a fila para o jantar. Devolvidos
os pratos, percebi um tilintar de chaves; fui
ao adio, vi no pavimento inferior
um guarda trancando portas; iam-se pouco a pouco
dissolvendo os grupos. Os tinidos aproximaram-se,
recolhi-me, um instante depois achava-me enclausurado,
um livro nas garras, tentando ler luz
escassa da lmpada. Capito Mata
se acomodava, divagando por assuntos vrios.
No cubculo direita haviam-se
alojado Macedo e Lauro Lago; esquerda
estavam Benjamin Snaider e Valdemar Bessa, mdico,
cearense, bicudo. Julguei distinguir a voz de
Renato:
Al! al! Fala a Rdio Libertadora.”
“A direita os nossos vizinhos eram Macedo,
Lauro Lago, um terceiro, provavelmente do Rio
Grande tambm, pois aquela gente vivia
sempre junta. Perdidas as cordas na rouparia,
Macedo arranjara outras, muito longas, e conseguiria
armar a rede em vares das grades. Ficava
sentado nela horas extensas, calmo, risonho, fumando
cachimbo. De p, gordinho, barrigudinho,
amvel e resoluto, parecia-me deslocado.”
“Lauro Lago narrou o barulho de Natal.”
^
Subir
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreio | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexes | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vdeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produo |