2k3q71
Um
sculo de barbrie e de
direitos humanos
Clvis Rossi
DUDH
Principal
| Verso
Integral | Verso
Resumida | Verso
Popular | Verso
Cordel | Histria
da Declarao | ABC
Declarao | Textos
e Reflexes | Artigos
Comentados | udios
I | udios
II | Vdeos
| Exposio
I | Exposio
II | Edio
Histrica CESE | Carta
da Terra | Sistema
Global ONU | ABC
da ONU | CD-ROM
Multimdia
A Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 10
de dezembro de 1948, nasceu como uma resposta de profundo contedo
humanista s atrocidades inditas cometidas durante
a 2 Guerra Mundial (1939/45).
Na essncia, um hino vida, liberdade
e a padres de justia consagrados internacionalmente,
exatamente os itens que mais foram violados durante a guerra.
Ou, posto de outra forma, "so os direitos humanos fundamentais,
porque sem eles no se goza dos demais direitos", como
diz Carlos Alberto Idoeta, da seo brasileira da Anistia
Internacional, uma das maiores e mais respeitadas ONGs (Organizaes
No Governamentais) do campo dos direitos humanos.
Ao longo dos 50 anos seguintes, os "demais direitos" mencionados
por Idoeta foram crescentemente incorporados ao elenco de direitos
humanos igualmente fundamentais, sem, no entanto, que se conseguisse
fazer respeitar os mais essenciais, mais bsicos.
Direito vida? liberdade? A padres de justia
internacionalmente consagrados? O relatrio da Anistia Internacional
de 1997, o mais recente, afirma, logo de sada: "A misria
e o medo continuam presentes 50 anos depois da adoo
da Declarao Universal dos Direitos Humanos. A promessa
de 1948 no foi cumprida. Para a maioria das pessoas, aqueles
direitos so pouco mais que letra morta".
A Anistia pe nmeros nessa constatao
retrica: em 141 dos 185 pases que fazem parte da
ONU foram constatadas violaes dos direitos humanos
cometidas por governos e grupos armados de oposio.
Violaes como tortura, homicdios ilegais, "desaparecimentos" e
encarceramento de presos de conscincia.
Mais nmeros: execues extrajudiciais em 55
pases e judiciais em 40. Presos de conscincia em pelo
menos 87 pases, tortura e maus tratos em 117, "desaparecimentos" em
31.
Um fracasso completo, ento, dos belos ideais de meio sculo
atrs?
Depende do ponto de vista.
Sim, para Eric Hobsbawn, um dos poucos grandes pensadores marxistas
que resistiu queda do Muro de Berlim.
O que ele chama de "barbrie" tem estado em ascenso
na maior parte do sculo 20 e no h sinais
de que a ascenso esteja por ceder. Hobsbawn d palavra "barbrie" dois
significados:
1 - Quebra e
colapso dos sistemas de regras e conduta moral pelos quais as sociedades
regulam
as relaes entre seus
membros e, em menor grau, entre seus membros e os de outras sociedades;
2 - A reverso do projeto de estabelecimento de um sistema
universal de tais regras e padres de conduta moral, corporificado
em instituies do Estado dedicadas ao progresso racional
do ser humano.
Outro pensador, este socialista, o italiano Norberto Bobbio, ao contrrio,
acha que a crescente importncia atribuda ao reconhecimento
dos direitos humanos um sinal positivo dos tempos que, para
Hobsbawn, so de "barbrie".
Para Bobbio, o problema agora menos falar dos e justificar
os direitos humanos e mais o de efetivamente proteg-los.
Tem razo. Ainda mais que o elenco de direitos humanos a proteger
cresceu consideravelmente at se chegar ao slogan com que
a ONU festeja os 50 anos da declarao de 48: "Todos
os direitos para todos".
O "todos" no mero slogan. O elenco agora
inclui, entre outros, os seguintes pontos:
-Preveno da discriminao e proteo
das minorias, o que inclui minorias raciais, religiosas ou lingusticas.
-Promoo dos direitos da mulher nos campos econmico,
social e educacional.
-Proteo dos direitos de todos os trabalhadores migrantes
e membros de suas famlias.
-Proteo dos direitos das crianas.
Em qualquer desses campos, as estatsticas internacionais
demonstram que as convenes internacionais permanecem "letra
morta", como diz a Anistia Internacional a respeito dos direitos
humanos bsicos.
No caso mais lancinante, por afetar os mais indefesos (crianas),
os nmeros so tpicos da "barbrie" citada
por Hobsbawn: na ltima dcada, cerca de 2 milhes
de crianas foram mortas em conflitos armados, muitas das
quais por algumas das 100 milhes de minas terrestres dispostas
em cerca de 62 pases; acredita-se que perto de 80 milhes
de crianas de menos de 15 anos trabalhem; estima-se que o
nmero de crianas com menos de 18 anos envolvidas
na prostituio supere 2 milhes, metade das
quais na sia e 300 mil nos Estados Unidos.
E tais nmeros no incluem mazelas sociais de que as
crianas acabam sendo, de novo, as vtimas mais indefesas.
Relatrio do Unicef (Fundo das Naes Unidas
para a Infncia) informa que h mais de uma dzia
de pases nos quais as condies para as crianas
esto bem abaixo do que seria de esperar ante os seus nveis
de desenvolvimento econmico.
Condies que incluem desnutrio, taxas
de mortalidade de menores de 5 anos, porcentagem de crianas
que chegam ao quinto grau da escola primria etc.
Ante tantos sinais de "barbrie", soa como extrema
utopia a "Declarao sobre o Direito ao Desenvolvimento",
adotada pela Assemblia Geral da ONU em 1986 e que acaba sendo
uma espcie de consolidao das leis sobre direitos
humanos.
Diz que "o desenvolvimento um abrangente processo econmico,
social, cultural e poltico que visa a aperfeioar
constantemente o bem-estar de toda a populao e todos
os indivduos, com base no seu desenvolvimento ativo, livre
e significativo e na justa distribuio dos benefcios
resultantes".
a perfeita configurao de "todos os direitos
para todos", pois prega "a promoo e proteo
dos direitos civis, polticos, econmicos, sociais e
culturais".
Ou, posto nas palavras de Mary Robinson, titular do Alto Comissariado
das Naes Unidas para os Direitos Humanos, no
se trata mais de "compartimentalizar" os direitos humanos
entre o que ela chama de "corrente principal" (civis e
polticos) do segundo conjunto de direitos (econmicos,
sociais e culturais).
"
O desafio que enfrentamos aos 50 anos (da Declarao
Universal) como conseguir a implementao
efetiva, rigorosa e equilibrada de todos os direitos humanos para
todos".
Bonito de dizer, difcil de pr em prtica. Robinson
chega heresia de propor que instituies voltadas
para as finanas internacionais, como o Fundo Monetrio
Internacional e o Banco Mundial, incluam os direitos humanos, no
sentido mais abrangente, na pauta de seus trabalhos.
de fato possvel que o mundo todo se disponha a proteger e
promover todos os direitos humanos para todos?
Responde Carlos Alberto Idoeta, da Anistia Internacional: "Arrisco
que a resposta no. Somos ainda poucos, com pouca
capacidade de seduzir e arrecadar. Os recursos so limitadssimos,
a imprensa tem outras prioridades, a truculncia e o cinismo
marcam a ao das autoridades. Desconfio inclusive
da capacidade de os governos mais bem intencionados protegerem e
promoverem eficazmente todos os direitos humanos, embora singularmente
equipados em termos de recursos e de legitimidade (arrecadam impostos,
assumem obrigaes fundamentais perante seus governados
e o resto do mundo e detm o monoplio da fora
legtima).
Tudo somado, volta-se a Bobbio: os direitos humanos no precisam
mais ser justificados,
mas protegidos. Se no o forem, a "ascenso
da barbrie" que Hobsbawn enxerga no sculo 20
invadir igualmente o sculo seguinte.
O jornalista Clvis Rossi faz parte do Conselho Editorial
do jornal Folha de S. Paulo.
(Folha de S. Paulo)
DUDH
Principal
| Verso
Integral | Verso
Resumida | Verso
Popular | Verso
Cordel | Histria
da Declarao | ABC
Declarao | Textos
e Reflexes | Artigos
Comentados | udios
I | udios
II | Vdeos
| Exposio
I | Exposio
II | Edio
Histrica CESE | Carta
da Terra | Sistema
Global ONU | ABC
da ONU | CD-ROM
Multimdia