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Tecido Social Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN N. 091 – 30/09/04 6h2c59

LUTA FOME

Fome Zero mundial

Frei Betto*

O velho Marx tinha razo: ainda no samos da pr-histria da humanidade. Somos 6,1 bilhes de habitantes nesta nave espacial chamada Terra, dos quais 4 bilhes vivem abaixo da linha da pobreza. Vivem com menos de US$ 30 por ms. Desses, 1,2 bilho esto abaixo da linha da misria, dos quais 841 milhes esto ameaados pela desnutrio crnica.

A cada 24 horas morrem de fome no mundo 100 mil pessoas, entre as quais 30 mil crianas com menos de 5 anos de idade. No dia 11 de setembro, a derrubada das torres gmeas de Nova York completou trs anos. Houve imensa comoo internacional. A cada dia a fome faz desabar 10 torres gmeas repletas de crianas. Ningum chora nem se comove. Por qu?

Dias 20 e 21 de setembro, por ocasio da abertura da Assemblia Geral da ONU, o presidente Lula lanar em Nova York o Fome Zero Mundial. Estar respaldado por cerca de 55 chefes de Estado, inclusive o papa Joo Paulo II.

Se a fome o principal fator de morte precoce e vergonha para a civilizao do sculo XXI, por que no provoca mobilizao? Por uma razo cnica: ao contrrio do terrorismo e da guerra, do cncer e de outras doenas, a fome faz distino de classe. S atinge os miserveis. E, em geral, apoiamos campanhas em benefcio prprio. Nem sempre demonstramos sensibilidade quando se trata de direitos alheios.

Lula aprendeu, com a histria da escravido no Brasil, que um problema social s encontra soluo quando se transforma numa questo poltica. Durante mais de 300 anos a escravido foi considerada legtima e legal. Mas pouco antes de 1888 ela ou a ser tratada como uma questo poltica. Veio, ento, a sua abolio oficial (pois todos sabemos que ainda h, em nosso pas, fazendeiros que mantm trabalhadores em regime de escravido).

O Fome Zero beneficia, hoje, milhes de brasileiros (as), entre os quais 5 milhes de famlias que recebem renda mensal do programa Bolsa Famlia. Por ser uma poltica pblica no-assistencialista, e sim de incluso social, atrai a ateno de outros pases. Em funo desse interesse j estive no Paraguai, na Argentina, no Peru, na Guatemala, na Itlia, na Espanha e na ONU.

H iniciativas semelhantes no Chile, na Argentina, no Mxico e na Guatemala. Cresce a conscincia de que a fome um flagelo a ser imediatamente combatido. Devemos nos empenhar para que a pobreza, semelhana da escravido e da tortura, seja considerada crime hediondo, grave violao dos direitos humanos.

O presidente Lula quer evitar no exterior o que logrou no Brasil: que se pretenda combater a fome apenas com distribuio de alimentos. Se um pas rico envia toneladas de comida s regies mais pobres do mundo ele incorre em quatro erros: justifica seus subsdios agrcolas; destri as culturas locais; aumenta a dependncia dos beneficirios; e favorece os polticos corruptos que distribuiro os donativos. J bastam o fracasso da Aliana para o Progresso, nos anos 60, e da Revoluo Verde, na dcada seguinte, para sabermos por onde no ir.

A proposta mobilizar recursos mundiais, dos quais o Brasil no ser beneficirio, para no levantar suspeitas de advogar em causa prpria. Esses recursos, supervisionados pela ONU, financiariam projetos de empreendedorismo, cooperativismo e desenvolvimento sustentvel nas regies mais pobres. Pois fome no se combate com donativos, nem apenas com transferncia de renda. Precisa ser complementada por polticas efetivas de mudanas estruturais, com as reformas agrria e tributria, capazes de desconcentrar as rendas fundiria e financeira. Tudo isso amparado por uma poltica ousada de insumos e crditos s famlias beneficirias, que devem ser alvo de um intenso trabalho educativo na linha de Paulo Freire, de modo a se tornarem protagonistas socioeconmicas e sujeitos polticos e histricos.

Eu tive fome e me deste de comer , disse Jesus encarnado na figura do pobre. Combater a fome uma exigncia evanglica, um imperativo tico, um dever de cidadania e solidariedade, para que possamos tirar a humanidade dessa pr-histria em que bilhes de pessoas ainda no tm assegurado o direito animal mais elementar - comer.

*Escritor, autor e organizador, em parceria com outros autores, de Fome Zero (Garamond).

Fonte: Carta O Berro

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