MEMRIA HISTRICA E CULTURA
POPULAR
Entrevista a Nei
Leandro de Castro - Escritor
A
cultura oficial e a mdia nacional relegam o Nordeste
margem da histria
Por Antonino Condorelli
Potiguar radicado no Rio de Janeiro h 36 anos, Nei Leandro
de Castro poeta, contista e romancista, tendo ado
pelo jornalismo (escreveu no dirio natalense Tribuna
do Norte e no semanrio nacional de stira O
Pasquim) e a publicidade. Nascido em Caic, com cinco
anos de idade foi morar em Natal, onde permaneceu at 1968.
um dos poucos autores brasileiros que se dedicam com sistematicidade
e paixo literatura ertica, tanto nos contos e romances
como na poesia. Seus poemas erticos foram apreciados por
Carlos Drummond de Andrade e esto reunidos nos volumes
Zona Ergena e Era uma vez Eros. fascinado pela cultura
e a linguagem popular nordestina, que
inspiraram seu romance mais lido, As
Pelejas de Ojuara, que em breve ter uma verso cinematogrfica
produzida por Luiz Carlos Barreto. Na ada tera-feira,
24 de agosto, Nei Leandro de Castro lanou em Natal seu
ltimo romance, As
Dunas Vermelhas, ambientado durante a insurreio comunista
de 1935 na capital potiguar e que, misturando fatos histricos
e fico literria, conta histrias de amor, traio e crimes
ionais entremeadas com doses de humor. Antes de voltar
ao Rio, o autor concedeu esta entrevista a Tecido Social na ada sexta-feira, 27 de agosto.
Tecido Social: As Dunas Vermelhas, seu ltimo romance, ambientado durante a insurreio
comunista de 1935 em Natal, um acontecimento
muito pouco conhecido pelos brasileiros e muito pouco estudado
pelos historiadores. De onde veio o impulso de ambientar
uma histria durante este levante?
Nei Leandro de Castro: Primeiro de tudo, eu cresci
ouvindo histrias sobre esta insurreio. Meu pai era militar
e combateu no interior contra os rebeldes que, depois de
tomar o poder na capital, estavam caminhando em direo
ao Serid. Meu pai contava muitas histrias daquele levante.
Mais tarde, me interessei com aquela histria e comecei
a ler para conhec-la. Infelizmente, a bibliografia sobre
o tema muito escassa. Os grandes historiadores nacionais,
quando relatam o fato, o fazem de forma muito breve e superficial.
Por exemplo, Hlio Silva, que dedicou grande parte da vida
ao estudo de Getlio Vargas e da sua poca, quase no escreveu
nada sobre o assunto. No livro Olga,
de Fernando Morais, h uma referncia muito pequena. Para
achar algum que escreveu mais sobre esta tentativa de golpe
ada histria com o nome que eu no gosto - de intentona
comunista, h que voltar para o Rio Grande do Norte. Ento,
encontraremos Joo Maria Furtado, que escreveu sobre o levante
de um ponto de vista a favor da insurreio, e Joo Medeiros
Filho, que o fez do ponto de vista oposto, pois em 1935
era chefe de polcia e foi preso e quase fuzilado durante
a rebelio. Mais recentemente, com mais preciso
e uma slida pesquisa histrica, escreveu sobre o
assunto o professor Homero Costa, da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, uma das minhas principais fontes
para o romance. Agora, eu no sou historiador: usei a insurreio
de 35 como cenrio para desenvolver temas de fico, e juntei
fico com realidade.
Tecido Social: Na
sua opinio, porque este acontecimento to pouco estudado
e to pouco conhecido a nvel nacional, apesar de ser to
relevante para a histria no apenas do Brasil, mas da Amrica
Latina toda, pois se tratou da primeira insurreio de carter
marxista do continente?
Nei Leandro de Castro: Eu tenho certeza de que, se
esta rebelio tivesse acontecido no Rio de Janeiro ou em
So Paulo, no seria um rodap da histria, mas faria parte
dela a pleno ttulo. Infelizmente, o Nordeste relegado
s margens. A mdia nacional no olha para c, no s no
que diz respeito histria, mas tambm poesia, os romances...
A produo cultural do Nordeste muito pouco divulgada,
conhecida, considerada pelos grandes meios de comunicao.
Gostaria que meu livro servisse pelo menos para despertar
novos pesquisadores, novos historiadores para se debruarem
sobre a insurreio de 35 em Natal.
Tecido Social: As Pelejas de Ojuara, outro seu romance, uma re-elaborao pessoal de
histrias e personagens da cultura popular sertaneja, especialmente
a da regio onde nasceu, o Serid. O romance surgiu de uma
vontade explcita de resgatar esta cultura ou se tratou
simplesmente de inspirao?
Nei Leandro de Castro: Nasceu de uma idia: queria
ter um heri nordestino. Ai comecei
a pesquisar: ei oito meses lendo literatura popular
nordestina, especialmente cordis feitos no Serid, que
me inspiraram muito. Depois destes oito meses, me isolei
e ei quatro meses escrevendo. Toda minha memria afetiva
aflorou abundantemente enquanto estava exilado voluntariamente
no inverno de Chicago. Escolhi uma cidade qual ningum
vai se no por negcios, larguei a famlia, o emprego, me
tranquei num apartamento e comecei a escrever. E l, em
Chicago, veio tudo... A memria dos grandes mentirosos que
conheci na minha infncia, estes fabulistas maravilhosos
que amedrontavam a gente noite com histrias de terror
e que hoje, infelizmente, no existem mais... todo
aquele mundo mgico do Nordeste. Ojuara um personagem
que mostra dois aspetos do nordestino: seu herosmo e seu
erotismo.
Tecido Social: Confia
na verso cinematogrfica do romance, acha que vai respeitar
o esprito da obra?
Nei Leandro de Castro: Vou torcer para que seja assim,
porque no posso fazer nada. J dei opinies sobre o roteiro,
vou ficar muito perto do diretor, Moacir Ges (que de
Natal, filho do professor Moacir de Ges, militante potiguar
perseguido pela ditadura militar), e de Luiz Carlos Barreto,
a pedido dele. Na verdade, eu no queria, foi ele que insistiu.
At queria que eu escrevesse o roteiro, mas recusei porque
esta no a minha especialidade: escrevi o romance e, com
isso, j fiz minha parte. Pedi que pegasse um bom roteirista,
porque eu no sei desenvolver a linguagem do cinema. De
todas as maneiras, ele disse que vai fazer o filme mais
bonito da sua vida, melhor de Dona
Flor e seus dois maridos, e eu vou torcer para que seja
realmente assim.
Tecido Social: Na
sua opinio, existem esforos para preservar e reproduzir
a cultura popular nordestina ou ela est fadada inevitavelmente
a desaparecer?
Nei Leandro de Castro: Acho que, neste momento, h
um excelente trabalho a favor da cultura nordestina aqui,
no Rio Grande do Norte, realizado pelo diretor geral da
Fundao Jos Augusto, Franois Silvestre. Graas sua
atuao, esto sendo abertas casas de cultura em muitos
municpios do interior do Estado e a Fundao est produzindo
uma revista de alto nvel, a Pre,
onde a cultura do Serto, das regies mais esquecidas do
nosso Estado, uma cultura at ento desconhecida ainda por
ns da capital, est sendo mostrada em toda a sua riqueza
e diversidade.
Tecido Social: De
onde nasceu sua paixo pela poesia ertica e porque, na
sua opinio, este gnero to pouco cultivado pelos poetas
brasileiros?
Nei Leandro de Castro: Acho que destino ou maldio.
Eu no vou deixar de escrever poesia ertica, porque gosto
e um dos meus temas, mas at no Rio de Janeiro isso
visto com um certo preconceito. J fiz vrios recitais de
poemas do meu livro Era
uma vez Eros e, certa vez, um amigo meu me apresentou
a uma amiga dele e disse: Este aqui Nei, que escreve
versos de sacanagem. A viso dos outros pejorativa, quase
de desprezo. Eu no sei de onde vem tanta implicncia com
a poesia ertica no Brasil. Ns no temos uma tradio,
os grandes poetas que fizeram versos erticos se esconderam:
Drummond ou a vida toda sem public-los, deixando-os
para depois da morte; Bandeira era, na minha opinio, um
grande poeta ertico, mas reprimiu sua sensualidade. Bernardo
Guimares, que era um bom romancista e um mal
poeta, escreveu dois longos poemas erticos muito ruins:
O Elixir do Paj
e A Origem do Mnstruo.
E pronto, no h uma obra como a de Bocage: grandiosa, monumental
e de um erotismo forte e explcito, sem meios termos...
Isso o tornou uma glria nacional em Portugal. iro muito
a poesia ertica portuguesa, a sa de Verlaine,
a do grande renascentista italiano Pietro Aretino, aquela
poesia bem forte, sem pudores... Este o caminho que gosto
de trilhar.
Tecido Social: O
senhor um nordestino no Rio de Janeiro. Que sensao
essa?
Nei Leandro de Castro: Eu s conheo o meu lado,
porque existe aquela triste epopia do nordestino que vai
para o Sudeste para ser mo de obra barata, trabalhar
em empregos humildes, pouco qualificados, e para
este viver no Rio de Janeiro significa ar a vida inteira
trabalhando duro, mal pago e sofrendo preconceito. E o preconceito
existe e muito. No Rio de Janeiro, quando voc abre a boca
em certas rodas e o sotaque nordestino, j h um clima
diferente. No meu caso, sempre trabalhei em ambientes intelectuais:
fui jornalista, publicitrio, escrevo poemas e romances...
Mas, mesmo assim, diversas vezes encontrei manifestaes
de desprezo devido a minha maneira de falar. Moro a 36 anos
no Rio e fao tudo para preservar meu sotaque, porque tenho
orgulho dele e tenho orgulho de ser nordestino. Amo o Rio
de Janeiro, no quero sair de l, mas sou acima de tudo
nordestino.
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