Tecido
Social
Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
014 – 01/12/03 151c52
ENTREVISTA
Olvia Rangel
(Mdica do trabalho e Conselheira da Unio Brasileira de Mulheres)
"A violncia um componente constitutivo das relaes
de gnero desiguais"
Por
Antonino Condorelli
Qual
a situao da mulher, hoje, no Brasil?
Ainda
uma situao bastante difcil. claro que em alguns aspectos
houve avanos e melhoras: desde o perodo do regime militar
houve avanos nas leis, principalmente com a Constituio de
1988. Mas, infelizmente, estas conquistas nas legislao ainda
no entraram a fazer parte da vida cotidiana, onde as mulheres
continuam enfrentando enormes dificuldades nas condies de
trabalho, nas condies de moradia, dentro de casa nas relaes
com seus companheiros, etc. E a violncia um componente central
desta realidade.
O
Governo Lula realizou polticas visadas promoo dos direitos
das mulheres?
Ainda
est no comeo. Tem uma Secretaria da Mulher com estatuto de
Ministrio, dirigida por Emlia Fernandes, e as primeiras medidas
que eles esto tomando so justamente direcionadas ao combate
violncia, no sentido de acabar com a impunidade e de promover
conjuntamente com outros Ministrios polticas pblicas que
contribuam a conscientizar as pessoas. Mas est no comeo e
esta uma luta muito longa, no uma questo que vai ser resolvida
em poucos anos. uma luta de longo prazo.
Quais
so as razes do fenmeno da violncia contra as mulheres na
sociedade brasileira?
Eu
acho que no um problema da sociedade brasileira, um problema
das relaes de gnero em qualquer lugar. Em todo o mundo, as
relaes de gnero so relaes desiguais. Em todos os pases
que a gente conhece (mesmo aqueles considerados mais desenvolvidos),
existe uma diferena flagrante na situao de homens e mulheres.
E um dos elementos desta diferena social e cultural entre gneros,
de razes milenares, a violncia. As relaes de gnero so
marcadas pela violncia, do mesmo jeito que as relaes de classe
ou as raciais. Sempre que tem algum oprimindo e algum oprimido,
inevitavelmente h um componente de violncia que parte integrante
desta relao.
O
mercado de trabalho, hoje, continua a ser sexista?
Sim.
Embora as mulheres estejam ficando mais tempo no emprego, isto
no se deve ao fato delas estarem favorecidas mas ao fato de
que os seus salrios so mais baixos. As mulheres, historicamente,
aprenderam a ser polivalentes e como hoje o mercado est exigindo
justamente pessoas polivalentes elas esto conservando mais
facilmente seus postos. Elas realizam sozinhas diversos servios
que antigamente eram realizados por mais duma pessoa e ganham
salrios mais baixos. O mercado de trabalho continua a ser sexista
sim.
Na
sua opinio, polticas afirmativas como a das cotas no referente
questo racial poderiam ajudar a melhorar a situao das mulheres?
Eu
acho que sim, mas as polticas afirmativas sozinhas no so
suficientes. Alis, realizar s este tipo de polticas pode
ser uma perigosa armadilha, porque com elas voc cria postos
para as mulheres mas no cria condies efetivas para que elas
possam ocupar estes postos. preciso dar capacitao s mulheres,
preciso criar condies para o exerccio dos seus direitos.
Por exemplo, se voc cria postos de trabalho, tem que criar
tambm instituies onde elas possam deixar seus filhos. E
preciso que elas tenham capacitao. As mulheres, em sua grande
maioria, esto excludas da alfabetizao digital, portanto
vo ter maiores dificuldades na insero no mercado. Criar postos
sem dar condies objetivas no suficiente.
As
desigualdades sociais que h no Brasil repercutem tambm na
questo das mulheres? As mulheres das classes altas tm mais
direitos, de fato, do que as das classes menos favorecidas?
Do
ponto de vista das relaes de classe, as mulheres das classes
altas, tendo mais dinheiro, evidentemente tm melhores condies
de vida. Mas do ponto de vista das relaes de gnero propriamente
ditas, no. Os ndices de violncia tambm so grandes nas classes
altas. Eu fiz minha dissertao de mestrado sobre violncia
na classe A, justamente para acabar com o mito de que a violncia
domstica seria um problema exclusivo das classes menos favorecidas,
com menos culturas, etc. No assim. Minha pesquisa se desenvolveu
com pessoas de formao superior, que s vezes falam vrias
lnguas, que tm uma renda superior a 5.000 reais mensais e
os ndices de violncia que registrei so muitos semelhantes
queles encontrados nas classes sociais mais baixas.
A
mulher brasileira uma das principais vtimas do turismo sexual
e do trfico internacional de prostitutas. Que medidas podem
ser tomadas para erradicar estes fenmenos?
Em
primeiro lugar, eu acho que h que agir do ponto de vista econmico.
preciso realizar polticas afirmativas para garantir sustento
para estas mulheres. Elas acabam vtimas destes fenmenos, em
grande parte, porque no tm meios para viver, ainda mais quando
tm filhos. Portanto, preciso que haja polticas econmicas
afirmativas visadas a permitir que estas mulheres tenham renda
prpria. Alm disso, preciso punio: a impunidade, tanto
no Brasil como no exterior, favorece este tipo de fenmenos.
E tambm necessria uma poltica cultural em larga escala
que implante uma discusso social sobre o papel da mulher e
que permita uma valorizao da mulher dentro da sociedade.
O
Brasil rural o lugar do pas onde a cultura machista mais
profundamente enraizada. Como fazer chegar ao Agreste, ao Serto,
ao meio da floresta, etc., a conscincia dos direitos das mulheres?
Esta
uma questo de organizao e participao, e evidentemente
nos centros urbanos mais fcil cri-la pelo fato das pessoas
estarem aglomeradas. Mas, por outro lado, h organizaes sindicais
que tm na prpria agenda a questo dos direitos das trabalhadoras
agrcolas. Seria muito importante que o movimento de mulheres
fizesse uma aliana com estas entidades. Seria importante levar
a questo da opresso de gnero a estas entidades que mobilizam
as mulheres do interior, como a CONTAG, o prprio MST que realiza
um trabalho de conscientizao, etc. S deste jeito a questo
dos direitos da mulher como tal poder chegar ao interior do
pas.
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