Insurreio
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte 1962
1935
Setenta anos depois
Isaura Amlia Rosado Maia
e Lalio Ferreira de Melo (Organizadores)
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
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de Produo
O
velho e o novo (sob a aleluia da redeno
nacional)
Juliano Siqueira
Temos sido acusados, geralmente por pessoas que
gostam de aderir ao falatrio dominante,
por imbecilidade ou por interesses patrimoniais
e polticos, de ter “um discurso
ultraado”. Os primeiros so uns
pobres diabos: perderam o rumo e rodam a bolsinha
miservel para o todo-poderoso capital,
sonhando com as migalhas do banquete. Os outros
esto na sua. Acumularam, sabe-se l
como, e defendem ferozmente suas regalias.
Na
verdade, h muita coisa ultraada nesta
podre (e pobre) imitao chinfrim
do Reino da Dinamarca. Muitos Polnios;
nenhum prncipe Hamlet. A lista
mesmo vergonhosa (ver Dirio de Natal,
15/11/95). So dez milhes de desempregados,
ou seja, dezesseis por cento da populao
economicamente ativa em potencial; trinta e dois
milhes abaixo da linha de misria
absoluta; sete milhes de crianas
submetidas a trabalho escravo; cinqenta
e sete por cento de evaso escolar; centenas
de reas de conflito pela posse e uso da
terra; mortalidade infantil nas nuvens, com o
Rio Grande do Norte na frente, apresentando como
ndice do genocdio domstico
oitenta mortos no primeiro ano de vida para cada
mil nascidos; violncia urbana, na qual
o povo vtima do fogo cruzado
entre quadrilhas oficiais e marginais, numa guerra
sem nome. Esto brincando com fogo... E
com o povo. Diplomatas do trfico de influncia
e ministros apadrinhando banqueiros e grandes
negociatas. Assim se afunda o planalto.
Somente
um louco teria prazer em denunciar esses dados.
Sujeitos sem escrpulos e ingnuos
de todo o mundo, silncio, por favor. Respeitem
a indignao, a revolta, a tristeza
de quem carrega uma grande dor no peito. Como
homem e cidado, tenho, ao longo de minha
vida, procurado o novo, um mundo solidrio
e justo. No me alegram as estatsticas
da morte. Prefiro vida, trabalho e po.
A coletividade em festa, no na degradao.
Queria ser otimista e escrever coisas suaves,
bonitas, delicadas. Mas quem sabe das coisas,
se no um cretino, como pode faz-Io?
Quem no sabe de nada, que se cale.
No
fao os meus discursos, apenas falo e escrevo.
Os autores, de fato, so as elites minoritrias,
parasitas e plutocrticas. No entanto,
certo que no dano de
acordo com a msica. Resisto uniformidade
massificadora do tom, do ritmo, do som dos cartis
da mdia. E, umas vezes incompreendido,
outras isolado, confesso que vou bem. Mesmo no
sendo, como tentou provocar uma escriba municipal,
o “coerente dos coerentes”. E mais
simples: bajulao? Estou fora.
Fcil de entender, no? Para muitos,
nem tanto.
Por
isso o meu orgulho de filho de Natal. Setenta
anos so ados e no samos
dos desafios postos pela Insurreio
Nacional-Libertadora de 1935. De l at
os nossos dias, quantas transformaes
– econmicas, polticas, ticas,
tecnolgicas... No Brasil e no mundo. Contudo,
no parece muito distante, no tempo e no
espao, um movimento que tenha como consignas
Po, Terra e Liberdade.
J
sabemos que ningum morreu dormindo, que
donzelas continuaram como tal, que a populao
gostou e, dez anos depois, em 1945, fez majoritrio,
a depender do voto natalense, o candidato presidencial
comunista.
Os
fatos de 1935 e a ANL (Aliana Nacional
Libertadora) saem das pginas policiais,
da marginalidade da histria e, como gesta
antifascista, ingressam, aps longo e difcil
vestibular, na universidade, na academia, como
objetos de estudo e pesquisa. A “Intentona”
transformada em matria-prima da cincia.
Na poltica, feita a subtrao
das circunstncias, lio
acumulada, tradio revolucionria
e.inspirao continuidade
da luta pela sociedade livre dos explorados, o
socialismo.
Quando,
sentindo vergonha pela nao, vemos
atravs de imagens vivas Diolinda, a dos
Sem-Terra, sendo algemada, num pas de
tantos crimes impunes, de criminosos premiados
e gangsters cheios de mordomias e poder, temos
a certeza de que aquela priso
bem o smbolo de um povo em grilhes,
da ptria amada amordaada. Em conseqncia,
somos todos aliancistas.
E,
voltando no tempo, em novembro de 1935, coloco-me
s ordens do Governo Popular Revolucionrio,
sob “a aleluia da redeno
nacional”, distribuindo a poesia panfletria
do jornal A Liberdade pelas ruas de Natal.
William
Waack na mira da histria
A edio de 28/11/93 da Tribuna
do Norte, em matria assinada por Carlos
Peixoto e Nilo Santos, “Camaradas rebatem
duras crticas do livro de W. Waack”,
na inteno de abordar a Insurreio
de 1935, envereda pelo caminho da apologia mais
simplria de uma extensa reportagem (que
virou livro), eivada de confuses e propositais
distores dos fatos histricos,
da autoria de William Waack (WW).
Louvvel
a insero do depoimento do veterano
comunista mossoroense Francisco Guilherme. Lamentvel
a forma como foi explorada a primeira, exclusiva,
longa e rica entrevista de Giocondo Dias, com
autoridade de quem foi o comandante militar das
operaes que resultaram na formao
do Governo Popular Revolucionrio em 1935.
Fica-se
com a impresso, pelas contradies
entre as declaraes tio Cabo Dias
(em Os objetivos dos comunistas) e certas afirmaes
feitas no curso do texto, que este no
foi sequer lido. Por que, ento, cit-Io?
O incio, a evoluo e a
derrota do movimento, confrontando-se o dito na
matria com as palavras do falecido dirigente
comunista, no guardam qualquer ponto de
convergncia. Isso no simples,
nem aceitvel de pronto. E muito estranho.
To incompreensvel quanto o silncio
(ao contrrio do que ocorre com o de WW)
que cerca o livro de Joo Falco
(G. Dias: vida de um revolucionrio), lanado
em outubro do corrente, e, ainda assim, j
na segunda edio, com detalhado
captulo acerca dos acontecimentos de 1935
em Natal.
Cabe
assinalar que atravs de dezenas de livros,
entrevistas, estudos, pesquisas, artigos, o movimento
revolucionrio de 1935 vem sendo inventariado,
nos ltimos cinqenta anos. E os autores,
de diversas tendncias poltico-ideolgicas
e nacionalidades vrias, j abordaram
de modo mais honesto, sem esgotar, rigorosamente,
as questes que, ao inverso do afirmado
(“no se sabia e as dvidas
agora esclarecidas, a partir dos detalhes secretos
que faltavam sobre a revoluo brasileira
de 1935 (?), at o momento guardados nos
arquivos de Moscou”), j eram de
pleno conhecimento – exceo
feita ao que creditado ao “realismo
fantstico” de WW.
“Muitas
surpresas.” E quantas... Vamos ao concreto.
1.
O Partido Comunista do Brasil (PCB), esses o nome
e sigla corretos, em 1935 - “brasileiro”
coisa do incio dos anos 1960
-, aps o XX Congresso do PCUS e seus reflexos
no Movimento Comunista Internacional, era uma
Seo da lU Internacional-Comunista
(IC), dirigida pelo Comit Executivo Internacional
(Comintern), at sua dissoluo,
em 1943, e conseqente substituio
pelo Cominform (Comit de Informaes).
A
sede da IC, lgica e naturalmente, ficava
em Moscou. A URSS era, ento, o nico
pas socialista do mundo. Na Internacional
participavam os partidos comunistas que existiam
no planeta, e o seu Comit Executivo era
integrado por dirigentes de diferentes naes
(Dimtrov, Mao, Ho, Tito, Thorez, Togliatti,
Dolores Ibarruri, Prestes etc.). falso,
portanto, dizer que o partido brasileiro “era
controlado por Moscou”. Se no h
inteno de inverdade, ocorre, no
mnimo, grave amadorismo, descuido, relativamente
ao objeto em foco, cuja importncia, que
no merece, nos marcos deste esclarecimento,
maiores sustentaes, pois desnecessrias,
exige abordagem segura, tratamento fundado no
estudo – em suma, o conhecimento, sem o
qual impossvel penetrar cientfica
e conscientemente a histria. Salvo, como
diria Marx, com o fim predeterminado de violent-Ia.
2.
No verdade que a Aliana
Nacional Libertadora (ANL) “no foi
criada pelos comunistas”. Foi. Basta a leitura
das obras e memrias de destacados historiadores
e personalidades da cena poltica dos anos
1930 e posteriores, num arco que vai de Lacerda
a Prestes, ando por Giocondo Dias, Dinarco
Reis, Juarez Tvora, Cordeiro de Farias,
Joo Alberto, Agildo Barata, Gregrio
Bezerra, Stanley Hilton, Jos Joffily,
Robert Levine, Ronald Chilcote, Paulo Cavalcanti,].
W. Foster Dulles, Pedro Pomar, Joo Amazonas,
Edgar Carone, Nelson Werneck Sodr, Jacob
Gorender, Hlio Silva, Graciliano Ramos,
entre outros. Rodolfo Ghioldi, mximo dirigente
comunista argentino e membro da direo
da IC, muito alm, pelo visto, de “homem
do Comintern na Argentina”, tem absoluta
razo quando afirma que a ANL “tinha
sido fundada por iniciativa dos comunistas”.
Sobre esse item, bastante elucidativa seria uma
ada, rpida que fosse, no famoso Informe
de G. Dimrov, na abertura do VII Congresso
da IC. A bibliografia est espalhada, nas
bibliotecas e livrarias, aguardando consulta (ou
compra).
3.
ausente de fundamentao
ampla e slida, no a de meia
verdade, dizer que o partido comunista “no
tinha naquele, nem conseguiu reunir depois em
nenhum momento, penetrao popular...”,
ou que apenas nos quartis os comunistas
“tinham alguma penetrao”.
No preciso ir muito longe. Um
dado suficiente:o desempenho dos comunistas
nas eleies de 1945/1947. Alguns
exemplos soltos: duzentos mil filiados; quinze
constituintes (terceira bancada); seiscentos mil
votos (dez por cento do eleitorado) para Yeddo
Fiza. desconhecido candidato do partido
presidncia da Repblica;
senador mais votado do Brasil (Prestes),eleito
pelo Distrito Federal; maior bancada na Cmara
Municipal carioca; dezenas de parlamentares estaduais;
eleio de prefeitos. Destaque-se,como
julgamento de 1935, pelo voto popular, a vitria
de Yeddo Fiza, em Natal.
A
linha ascendente da performance eleitoral e do
crescimento dos efeitos dos comunistas forou
o imperialismo a exigir dos serviais internos
a cassao do registro do Partido.
4.
“O livro mostra um Lus Carlos Prestes
oportunista, caudilhista e incompetente em termos
polticos e militares”. Divergncias
postas de lado, uma leviandade adjetivar
desse modo uma das maiores figuras da fase republicana
da histria do Brasil. Prestes com certeza
tinha defeitos e cometeu erros; contudo, sem dvida,
desde a Coluna, traou uma vida de “lutas
e autocrticas”. Morreu com dignidade
e sem abdicar de suas convices.
Suas condies materiais de existncia
so prova bastante da falcia fbica
do “ouro de Moscou”. No fosse
a ajuda, fruto da amizade fraternal e desinteressada,
da amizade forjada na mtua irao,
de Oscar Niemeyer, no teria sequer onde
morar. Esse meu testemunho, o de quem
acompanhou essa relao de perto.
Mesmo
assim, pouco antes de sua morte, rejeitou penses
oficiais, em solidariedade a trabalhadores grevistas,
e mandou s favas promoes
e soldos militares que considerava no
reparadores efetivos das injustias de
que fora vtima.
No
sou prestista. Nunca fui. Sou marxista-leninista.
Trabalhamos juntos, no perodo 1979/1982.
A partir de 1983, razes de ordem poltica,
sem que abandonssemos o campo da revoluo
(“sempre esquerda”), levaram-nos
a posies divergentes. Mas, precisamente
por isso, no posso silenciar frente
calnia. Respeitem a memria de
Prestes.
5.
Por fim, devo, seguindo o exemplo de Sobral Pinto,
catlico, humanista e corajoso, fazer a
defesa de quem to desleixadamente
mencionado como o “alemo Arthur
Ewert”. Saibam que esse “alemo”
foi deputado do parlamento incendiado pelo terror
nazista e um dos poucos parlamentares comunistas
sobreviventes (6 num total de 112) farsa
do “Incndio do Reichstag”,
desmascarada por Dimtrov, no Processo
de Leipzig; contribuiu na Revoluo
Chinesa, tinha a cabea posta a prmio
pela Gestapo; veio para o Brasil como voluntrio
internacionalista, revolucionrio e comunista.
Preso e torturado, juntamente com sua esposa Elise,
enlouqueceu. Nada falou aos inquisidores. Mas
no ou a intensidade das violncias
sofridas, nem assistir companheira ser
seviciada pelos torturadores de elite da polcia
especial do fascista Filinto MIler. Na defesa
de Arthur Ewert, ou Herry Berger, Sobral Pinto
invocou a Lei de Proteo aos Animais.
Elise
Ewert e Olga Benrio morreram no forno
de gs de um campo de concentrao
nazista. Portanto, no so “tpicos”
de nenhuma polmica sria o local
e a data do assassinato de Olga Benrio.
Exceto na cabea doentia e provocadora
de WW. Harry Berger morreu na ex-RDA, hoje anexada
e esmagada pela ofensiva anticomunista do capital
monopolista germnico.
1935
– A falsificao da histria
pelo sr. Waack
WIadimir Ilitch Lnin, debruando-se
sobre os elementos informadores da primeira tentativa
revolucionria russa, sob direo
e perspectiva bolchevique, o “ensaio geral
de 1905”, afirma que “a verdade
sempre revolucionria”. ,
numa expresso simples, direta e concisa,
a continuidade coerente da abordagem histrica
sistematizada por Marx e Engels.
Na
contramo da cincia, o livro Camaradas,
de William Waack (WW), com indisfarveis
insumos da “historiografia” de inspirao
nazista, promove o culto das informaes
secretas e inveis, levanta aleivosias
(“a mentira repetida torna-se verdade”),
articula um grandioso aparato da mdia,
divulgao e adeses. E o
extrato da mistificao pela propaganda.
1935
uma insurreio insultada.
Maldita e amaldioada pelas elites brasileiras.
Contudo, por mais de meio sculo, muito
se trabalhou e produziu para que se promovesse
o primado da verdade. A bibliografia existente
nos limites do nosso conhecimento pessoal
uma prova eloqente desse esforo.
A reportagem de WW tem endereo. Nestes
tempos de apostasia, conforme R. Corbusier, vale
tudo, desde que o objetivo de denegrir o comunismo
e os comunistas venha tona. O relato
histrico das caractersticas socioeconmicas
e polticas que contextualizem as aes
individuais e coletivas da luta antifascista,
de uma poca de feio obscurantista
e traos sombrios, cede ao delrio
fbico do anticomunismo.
“Os
comunistas aparecem como grotescos, cnicos,
intrigantes, burros, desconfiados, trapalhes,
apressados, ingnuos, descuidados, irresponsveis,
uma adjetivao excessiva, comparada
com os fatos revelados, to expressivos
em si mesmos.” Esta a considerao
insuspeita do social-democrata Daniel Aaro
Reis.
Quais
so os alvos de WW? Alm do Movimento
Comunista Internacional, claro, os personagens
principais da insurreio: Prestes,
Olga Benrio, Arthur Ewert (Harry Berger),
Rodolfo Ghioldi.
Da
figura de Prestes, buscando sintetizar o carter
da Internacional Comunista (IC) e dos seus dirigentes,
diz que “se tornar o dono do mais
caro bilhete de entrada para a URSS” e,
conseqentemente, para o Comintern. E de
conhecimento pblico o nvel das
divergncias polticas e ideolgicas
entre Joo Amazonas e Lus Carlos
Prestes. No entanto, frente s calnias
de WVI/, numa atitude de grandeza tica
e humana, de honestidade poltica e revolucionria,
o presidente do PCdoB declara: “quem pode
acreditar nesta balela? Nem Prestes era pessoa
desse gnero, nem a Internacional adotava
semelhante procedimento”.
Arthur
Ewert, ou Harry Berger surge como um desprezvel
dinamiteiro, “sempre a reclamar dinheiro”.
WW no deve, nem um pouco, partilhar da
indignao que, por exemplo, moveu
o catlico Sobral Pinto, chocado com as
torturas que levaram seu cliente loucura
e, posteriormente, pelas seqelas,
morte prematura, a usar como base da defesa jurdica
de Berger a Lei de Proteo aos
Animais. Acrescente-se que esse internacionalista
alemo foi tambm forado
a presenciar as cenas de sevcia de sua
companheira Elise (deportada para a Alemanha nazista,
aos cuidados da Gestapo, juntamente com Olga Benrio,
onde foram companheiras de tragdia do
campo de concentrao e da morte
na cmara de gs). Fica uma dvida,
em forma de interrogao: WW almeja
a infmia de carrasco pstumo de
Berger?
“Olga
era uma agente do servio secreto militar
sovitico.” Essa denncia,
reducionista e simplria, seria indicador
justificativo do martrio da herona?
Ento, isso? A fogueira, pois,
com tudo o que se escreveu e com todos os documentos
levantados acerca dessa “mulher de coragem”,
como nos diz Ruth Werner. Olga, que dedicou sua
vida por inteiro causa da revoluo
socialista, vtima dos algozes dos povos
do Brasil e da Alemanha, pela distoro
de WW, resta como espi e mercenria.
Sob todos os aspectos, inissvel,
uma cretinice sem medida.
“Prestes
enviou Joo Amazonas a Moscou, em 1949,
com a denncia de que Ghioldi no
se comportara como revolucionrio ao ser
preso no Brasil”. De acordo com seu depoimento,
a informao inteiramente
falsa. Amazonas viajou pela primeira vez
Unio Sovitica em junho de 1953,
trs meses depois da morte de Stlin.
E nunca foi portador de denncia contra
o comunista argentino. Se existe no arquivo secreto
tal indicao, quem teria interesse
em incluir o nome de Amazonas nesse repositrio
clandestino, matreiramente aberto a investigadores
facciosos?
Aos
preconceituosos e estreitos, se no bastam
as afirmaes de Amazonas, recomendamos
a leitura de Graciliano Ramos, em particular das
agens de Memrias do crcere
com referncias explcitas a Ghioldi.
Ou ser que mestre Graa, por ser
comunista confesso, entrou em descrdito,
tambm caiu em desgraa?
WW
um fascinado pelo ouro, mesmo o de Moscou.
Coisa compreensvel, sinal dos tempos.
Muito mais grave, porm, que a doena
geral do consumismo. Afinal, nos dias que am,
como nos tm chegado as elites dessa infeliz
repblica das empreiteiras? A podrido
exposta nas denncias crescentes de corrupo,
mais um privilgio das classes dominantes,
no surgem ao acaso. Sua origem est
localizada no prprio processo de explorao
capitalista, nos mecanismos da acumulao
do capital, na busca sem escrpulos do
lucro mximo.
Todavia,
no obstante a idia fixa no vil
metal, WW muito ruim de conta. Os “mercenrios”
levavam uma vida modesta. Tome-se o caso de Prestes.
Recebia uma mesada de 290 dlares, enviados
da URSS. Hoje, essa quantia equivale a menos de
trs salrios mnimos. E o
oramento da “intentona”? Pouco
mais de 20.000 dlares, o preo
de um automvel (no importado).
Segundo
o prprio WW, a documentao
que utilizou “no pode ser consultada”,
nem sequer possvel conhecer a
sua localizao precisa. Como comprovar,
portanto, a credibilidade das informaes
contidas em Camaradas? Podemos acreditar nas palavras
do autor, se no decorrer do texto encontramos
afirmaes ridculas e sabidamente
equivocadas, que depem contra a seriedade
de WW? Para citar apenas alguns exemplos: afirma-se
no livro que Genny Gleiser , a jovem expulsa do
Brasil e deportada para a Europa por Getlio
Vargas, como tantos outros judeus, teria sido
a mulher de Fernando Lacerda, na verdade casado
com Gina Lacerda; diz-se que Genny Gleiser teria
abandonado Lacerda, apaixonada por E. Browder,
o ento secretrio-geral do PC americano,
que, alis, jamais esteve no Brasil. Outra
sandice includa em Camaradas: Orlando
Leite Ribeiro teria acompanhado Prestes e Olga
em sua viagem clandestina para o Brasil. Se erros
to grosseiros foram cometidos, qual a
garantia de que as informaes supostamente
extradas de documentos que ningum
pode ver estejam corretas e no tenham
sido manipuladas? Pode ser srio um trabalho
de “histria baseado em fontes invisveis
e secretas?”. Assim escreveu Anita Leocdia
(Jornal do Brasil, 06/11/93), filha de Olga, Prestes
e, como costuma justamente dizer, “da solidariedade
internacional”.
Na
falta de prefcio, que poderia (e muito
adeqadamente) ter sido encomendado ao benemrito
Pedro Bial, o livro de WW ganhou na louvao
de Wilson Martins (WM) um correligionrio
posfcio.
Crtico
literrio medocre, ignorante em
poltica, na condio de
hierofante da indigncia cultural das elites
(essas mesmas das mazelas e roubos que assolam
o pas), WM todo elogios para
o escrito de WW (Jornal do Brasil, 27/11/93).
Pretensioso
e arrogante, o que uma prerrogativa dos
pseudo-intelectuais, chegando, recentemente, a
pr em dvida a veracidade da obra-prima
da parcela poltico-memorial do labor literrio
de Graciliano Ramos, Memrias do crcere,
na tica da censura da rentvel
indstria da falcatrua anticomunista, WM
investe furiosamente contra os revolucionrios
de 1935. Sugere a continuidade do crcere
de Prestes, das torturas de Berger, do sacrifcio
de Olga. Um nazista infeliz em perseguio
do inglrio.
Fala,
em tonalidades de cinismo crtico, das
“condies de carter
de Prestes”, “das hagiografias piedosas
inspiradas entre ns por Olga Benrio”.
Vai adiante, com a histeria tpica dos
que tentaram e, por motivos inconfessveis,
no conseguiram ser comunistas, referindo-se
a Olga como “confidente das mais altas instncias
soviticas, que a encarregaram da segurana
do camarada Prestes, seu ltimo marido”.
Qual a insinuao real dessa meno?
Sumariamente, WM um completo velhaco
e um refinado canalha.
A
citao, a seguir, de um trecho
do que elegemos como posfcio, em confirmao
do juzo acima: “Olga Benrio,
cuja memria se beneficia pela circunstncia
irnica de ter sido eliminada pelos inimigos
e no pelos camaradas de partido (ao contrrio
do que aconteceu com todos os seus companheiros
de aventura no Rio de Janeiro que cometeram o
erro de regressar a Moscou)”.
Quanta
frieza e mentira, em to curto espao!
Seno, vejamos: qual a conotao
“irnica” que pode ser apreendida
nesse seqencial drama trgico –
uma gestante, comunista e judia, deportada aos
cuidados da Gestapo, encerrada num campo de concentrao,
separada fora de sua filha de
meses, morta numa cmara de gs?
Quanto aos “companheiros”, os fatos
so bem distintos do que inescrupulosamente
insinuado. Elise Ewert, mulher de Berger, foi
assassinada na Alemanha pelos fascistas. Teve
final idntico ao de Olga. Arthur Ewert
(Harry Berger) morreu louco, na dcada
de 1950, na ex-RDA, em conseqncia
do tratamento recebido pela polcia de
Felinto Muller. Victor Allen Barron, jovem militante
comunista norte-americano, barbaramente torturado,
foi jogado do ltimo andar do prdio
da Polcia Especial, no centro do Rio,
que divulgou sua morte como suicdio. Rodolfo
Ghioldi faleceu, octogenrio, em Buenos
Aires.
Eis
o jornalismo dessa gente. E com pretenses
de reescrever a histria. No fosse
o esquecimento, no que se refere ao Bial, a reportagem
do Estado ficaria, desde a abertura at
o fechamento, realmente fantstica.
Pobre
Lord Wilson. To decadente quanto o imprio
britnico. Um leo sem juba. Frente
a tamanha e to grosseira falsificao,
fica uma consolidada certeza: o comunismo est
vivo. Os liberticidas falharam. Sabem que “o
morto se levanta e anda”. Ronda o mundo,
como um espectro. futuro, e no
ado. Talvez isso explique suas prprias
vitrias de trnsito. A aurora
inexorvel, proclamava Neruda. Os vencidos
de hoje sero os vencedores de amanh,
confirmava Brecht.
Livros
dessa qualidade tm um duplo efeito. Enquanto
os revolucionrios (dinossauros?) dormem
tranqilos, a sono solto, os reacionrios,
no rpido fenecer da alegria fugaz da ignorncia,
saem da euforia enganosa e mergulham na depressiva
insnia dos invertebrados.
“1935
no chega a ser mistrio, nem fruto
de manipulao estrangeira, como
sugere W. Waack. Surge com formidvel ascenso
da luta revolucionria no mundo, contrapondo-se
ao nazifascismo, sria ameaa a
todos os povos. A Aliana Nacional Libertadora
(ANL), que teve apenas alguns meses de atuao
legal, nasceu do sentimento libertador e antifascista
do povo brasileiro” (Joo Amazonas).
Juliano
Siqueira
Mestre em Direito e Teoria do Estado
e professor do Curso de Direito da UFRN
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