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Insurreio Comunista de 1935 em Natal e Rio Grande do Norte 1962

1935 Setenta anos depois
Isaura Amlia Rosado Maia e Lalio Ferreira de Melo (Organizadores)

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O velho e o novo (sob a aleluia da redeno nacional)
Juliano Siqueira

Temos sido acusados, geralmente por pessoas que gostam de aderir ao falatrio dominante, por imbecilidade ou por interesses patrimoniais e polticos, de ter “um discurso ultraado”. Os primeiros so uns pobres diabos: perderam o rumo e rodam a bolsinha miservel para o todo-poderoso capital, sonhando com as migalhas do banquete. Os outros esto na sua. Acumularam, sabe-se l como, e defendem ferozmente suas regalias.

Na verdade, h muita coisa ultraada nesta podre (e pobre) imitao chinfrim do Reino da Dinamarca. Muitos Polnios; nenhum prncipe Hamlet. A lista mesmo vergonhosa (ver Dirio de Natal, 15/11/95). So dez milhes de desempregados, ou seja, dezesseis por cento da populao economicamente ativa em potencial; trinta e dois milhes abaixo da linha de misria absoluta; sete milhes de crianas submetidas a trabalho escravo; cinqenta e sete por cento de evaso escolar; centenas de reas de conflito pela posse e uso da terra; mortalidade infantil nas nuvens, com o Rio Grande do Norte na frente, apresentando como ndice do genocdio domstico oitenta mortos no primeiro ano de vida para cada mil nascidos; violncia urbana, na qual o povo vtima do fogo cruzado entre quadrilhas oficiais e marginais, numa guerra sem nome. Esto brincando com fogo... E com o povo. Diplomatas do trfico de influncia e ministros apadrinhando banqueiros e grandes negociatas. Assim se afunda o planalto.

Somente um louco teria prazer em denunciar esses dados. Sujeitos sem escrpulos e ingnuos de todo o mundo, silncio, por favor. Respeitem a indignao, a revolta, a tristeza de quem carrega uma grande dor no peito. Como homem e cidado, tenho, ao longo de minha vida, procurado o novo, um mundo solidrio e justo. No me alegram as estatsticas da morte. Prefiro vida, trabalho e po. A coletividade em festa, no na degradao. Queria ser otimista e escrever coisas suaves, bonitas, delicadas. Mas quem sabe das coisas, se no um cretino, como pode faz-Io? Quem no sabe de nada, que se cale.

No fao os meus discursos, apenas falo e escrevo. Os autores, de fato, so as elites minoritrias, parasitas e plutocrticas. No entanto, certo que no dano de acordo com a msica. Resisto uniformidade massificadora do tom, do ritmo, do som dos cartis da mdia. E, umas vezes incompreendido, outras isolado, confesso que vou bem. Mesmo no sendo, como tentou provocar uma escriba municipal, o “coerente dos coerentes”. E mais simples: bajulao? Estou fora. Fcil de entender, no? Para muitos, nem tanto.

Por isso o meu orgulho de filho de Natal. Setenta anos so ados e no samos dos desafios postos pela Insurreio Nacional-Libertadora de 1935. De l at os nossos dias, quantas transformaes – econmicas, polticas, ticas, tecnolgicas... No Brasil e no mundo. Contudo, no parece muito distante, no tempo e no espao, um movimento que tenha como consignas Po, Terra e Liberdade.

J sabemos que ningum morreu dormindo, que donzelas continuaram como tal, que a populao gostou e, dez anos depois, em 1945, fez majoritrio, a depender do voto natalense, o candidato presidencial comunista.

Os fatos de 1935 e a ANL (Aliana Nacional Libertadora) saem das pginas policiais, da marginalidade da histria e, como gesta antifascista, ingressam, aps longo e difcil vestibular, na universidade, na academia, como objetos de estudo e pesquisa. A “Intentona” transformada em matria-prima da cincia. Na poltica, feita a subtrao das circunstncias, lio acumulada, tradio revolucionria e.inspirao continuidade da luta pela sociedade livre dos explorados, o socialismo.

Quando, sentindo vergonha pela nao, vemos atravs de imagens vivas Diolinda, a dos Sem-Terra, sendo algemada, num pas de tantos crimes impunes, de criminosos premiados e gangsters cheios de mordomias e poder, temos a certeza de que aquela priso bem o smbolo de um povo em grilhes, da ptria amada amordaada. Em conseqncia, somos todos aliancistas.

E, voltando no tempo, em novembro de 1935, coloco-me s ordens do Governo Popular Revolucionrio, sob “a aleluia da redeno nacional”, distribuindo a poesia panfletria do jornal A Liberdade pelas ruas de Natal.

William Waack na mira da histria
A edio de 28/11/93 da Tribuna do Norte, em matria assinada por Carlos Peixoto e Nilo Santos, “Camaradas rebatem duras crticas do livro de W. Waack”, na inteno de abordar a Insurreio de 1935, envereda pelo caminho da apologia mais simplria de uma extensa reportagem (que virou livro), eivada de confuses e propositais distores dos fatos histricos, da autoria de William Waack (WW).

Louvvel a insero do depoimento do veterano comunista mossoroense Francisco Guilherme. Lamentvel a forma como foi explorada a primeira, exclusiva, longa e rica entrevista de Giocondo Dias, com autoridade de quem foi o comandante militar das operaes que resultaram na formao do Governo Popular Revolucionrio em 1935.

Fica-se com a impresso, pelas contradies entre as declaraes tio Cabo Dias (em Os objetivos dos comunistas) e certas afirmaes feitas no curso do texto, que este no foi sequer lido. Por que, ento, cit-Io? O incio, a evoluo e a derrota do movimento, confrontando-se o dito na matria com as palavras do falecido dirigente comunista, no guardam qualquer ponto de convergncia. Isso no simples, nem aceitvel de pronto. E muito estranho. To incompreensvel quanto o silncio (ao contrrio do que ocorre com o de WW) que cerca o livro de Joo Falco (G. Dias: vida de um revolucionrio), lanado em outubro do corrente, e, ainda assim, j na segunda edio, com detalhado captulo acerca dos acontecimentos de 1935 em Natal.

Cabe assinalar que atravs de dezenas de livros, entrevistas, estudos, pesquisas, artigos, o movimento revolucionrio de 1935 vem sendo inventariado, nos ltimos cinqenta anos. E os autores, de diversas tendncias poltico-ideolgicas e nacionalidades vrias, j abordaram de modo mais honesto, sem esgotar, rigorosamente, as questes que, ao inverso do afirmado (“no se sabia e as dvidas agora esclarecidas, a partir dos detalhes secretos que faltavam sobre a revoluo brasileira de 1935 (?), at o momento guardados nos arquivos de Moscou”), j eram de pleno conhecimento – exceo feita ao que creditado ao “realismo fantstico” de WW.

“Muitas surpresas.” E quantas... Vamos ao concreto.

1. O Partido Comunista do Brasil (PCB), esses o nome e sigla corretos, em 1935 - “brasileiro” coisa do incio dos anos 1960 -, aps o XX Congresso do PCUS e seus reflexos no Movimento Comunista Internacional, era uma Seo da lU Internacional-Comunista (IC), dirigida pelo Comit Executivo Internacional (Comintern), at sua dissoluo, em 1943, e conseqente substituio pelo Cominform (Comit de Informaes).

A sede da IC, lgica e naturalmente, ficava em Moscou. A URSS era, ento, o nico pas socialista do mundo. Na Internacional participavam os partidos comunistas que existiam no planeta, e o seu Comit Executivo era integrado por dirigentes de diferentes naes (Dimtrov, Mao, Ho, Tito, Thorez, Togliatti, Dolores Ibarruri, Prestes etc.). falso, portanto, dizer que o partido brasileiro “era controlado por Moscou”. Se no h inteno de inverdade, ocorre, no mnimo, grave amadorismo, descuido, relativamente ao objeto em foco, cuja importncia, que no merece, nos marcos deste esclarecimento, maiores sustentaes, pois desnecessrias, exige abordagem segura, tratamento fundado no estudo – em suma, o conhecimento, sem o qual impossvel penetrar cientfica e conscientemente a histria. Salvo, como diria Marx, com o fim predeterminado de violent-Ia.

2. No verdade que a Aliana Nacional Libertadora (ANL) “no foi criada pelos comunistas”. Foi. Basta a leitura das obras e memrias de destacados historiadores e personalidades da cena poltica dos anos 1930 e posteriores, num arco que vai de Lacerda a Prestes, ando por Giocondo Dias, Dinarco Reis, Juarez Tvora, Cordeiro de Farias, Joo Alberto, Agildo Barata, Gregrio Bezerra, Stanley Hilton, Jos Joffily, Robert Levine, Ronald Chilcote, Paulo Cavalcanti,]. W. Foster Dulles, Pedro Pomar, Joo Amazonas, Edgar Carone, Nelson Werneck Sodr, Jacob Gorender, Hlio Silva, Graciliano Ramos, entre outros. Rodolfo Ghioldi, mximo dirigente comunista argentino e membro da direo da IC, muito alm, pelo visto, de “homem do Comintern na Argentina”, tem absoluta razo quando afirma que a ANL “tinha sido fundada por iniciativa dos comunistas”. Sobre esse item, bastante elucidativa seria uma ada, rpida que fosse, no famoso Informe de G. Dimrov, na abertura do VII Congresso da IC. A bibliografia est espalhada, nas bibliotecas e livrarias, aguardando consulta (ou compra).

3. ausente de fundamentao ampla e slida, no a de meia verdade, dizer que o partido comunista “no tinha naquele, nem conseguiu reunir depois em nenhum momento, penetrao popular...”, ou que apenas nos quartis os comunistas “tinham alguma penetrao”. No preciso ir muito longe. Um dado suficiente:o desempenho dos comunistas nas eleies de 1945/1947. Alguns exemplos soltos: duzentos mil filiados; quinze constituintes (terceira bancada); seiscentos mil votos (dez por cento do eleitorado) para Yeddo Fiza. desconhecido candidato do partido presidncia da Repblica; senador mais votado do Brasil (Prestes),eleito pelo Distrito Federal; maior bancada na Cmara Municipal carioca; dezenas de parlamentares estaduais; eleio de prefeitos. Destaque-se,como julgamento de 1935, pelo voto popular, a vitria de Yeddo Fiza, em Natal.

A linha ascendente da performance eleitoral e do crescimento dos efeitos dos comunistas forou o imperialismo a exigir dos serviais internos a cassao do registro do Partido.

4. “O livro mostra um Lus Carlos Prestes oportunista, caudilhista e incompetente em termos polticos e militares”. Divergncias postas de lado, uma leviandade adjetivar desse modo uma das maiores figuras da fase republicana da histria do Brasil. Prestes com certeza tinha defeitos e cometeu erros; contudo, sem dvida, desde a Coluna, traou uma vida de “lutas e autocrticas”. Morreu com dignidade e sem abdicar de suas convices. Suas condies materiais de existncia so prova bastante da falcia fbica do “ouro de Moscou”. No fosse a ajuda, fruto da amizade fraternal e desinteressada, da amizade forjada na mtua irao, de Oscar Niemeyer, no teria sequer onde morar. Esse meu testemunho, o de quem acompanhou essa relao de perto.

Mesmo assim, pouco antes de sua morte, rejeitou penses oficiais, em solidariedade a trabalhadores grevistas, e mandou s favas promoes e soldos militares que considerava no reparadores efetivos das injustias de que fora vtima.

No sou prestista. Nunca fui. Sou marxista-leninista. Trabalhamos juntos, no perodo 1979/1982. A partir de 1983, razes de ordem poltica, sem que abandonssemos o campo da revoluo (“sempre esquerda”), levaram-nos a posies divergentes. Mas, precisamente por isso, no posso silenciar frente calnia. Respeitem a memria de Prestes.

5. Por fim, devo, seguindo o exemplo de Sobral Pinto, catlico, humanista e corajoso, fazer a defesa de quem to desleixadamente mencionado como o “alemo Arthur Ewert”. Saibam que esse “alemo” foi deputado do parlamento incendiado pelo terror nazista e um dos poucos parlamentares comunistas sobreviventes (6 num total de 112) farsa do “Incndio do Reichstag”, desmascarada por Dimtrov, no Processo de Leipzig; contribuiu na Revoluo Chinesa, tinha a cabea posta a prmio pela Gestapo; veio para o Brasil como voluntrio internacionalista, revolucionrio e comunista. Preso e torturado, juntamente com sua esposa Elise, enlouqueceu. Nada falou aos inquisidores. Mas no ou a intensidade das violncias sofridas, nem assistir companheira ser seviciada pelos torturadores de elite da polcia especial do fascista Filinto MIler. Na defesa de Arthur Ewert, ou Herry Berger, Sobral Pinto invocou a Lei de Proteo aos Animais.

Elise Ewert e Olga Benrio morreram no forno de gs de um campo de concentrao nazista. Portanto, no so “tpicos” de nenhuma polmica sria o local e a data do assassinato de Olga Benrio. Exceto na cabea doentia e provocadora de WW. Harry Berger morreu na ex-RDA, hoje anexada e esmagada pela ofensiva anticomunista do capital monopolista germnico.

1935 – A falsificao da histria pelo sr. Waack
WIadimir Ilitch Lnin, debruando-se sobre os elementos informadores da primeira tentativa revolucionria russa, sob direo e perspectiva bolchevique, o “ensaio geral de 1905”, afirma que “a verdade sempre revolucionria”. , numa expresso simples, direta e concisa, a continuidade coerente da abordagem histrica sistematizada por Marx e Engels.

Na contramo da cincia, o livro Camaradas, de William Waack (WW), com indisfarveis insumos da “historiografia” de inspirao nazista, promove o culto das informaes secretas e inveis, levanta aleivosias (“a mentira repetida torna-se verdade”), articula um grandioso aparato da mdia, divulgao e adeses. E o extrato da mistificao pela propaganda.

1935 uma insurreio insultada. Maldita e amaldioada pelas elites brasileiras. Contudo, por mais de meio sculo, muito se trabalhou e produziu para que se promovesse o primado da verdade. A bibliografia existente nos limites do nosso conhecimento pessoal uma prova eloqente desse esforo. A reportagem de WW tem endereo. Nestes tempos de apostasia, conforme R. Corbusier, vale tudo, desde que o objetivo de denegrir o comunismo e os comunistas venha tona. O relato histrico das caractersticas socioeconmicas e polticas que contextualizem as aes individuais e coletivas da luta antifascista, de uma poca de feio obscurantista e traos sombrios, cede ao delrio fbico do anticomunismo.

“Os comunistas aparecem como grotescos, cnicos, intrigantes, burros, desconfiados, trapalhes, apressados, ingnuos, descuidados, irresponsveis, uma adjetivao excessiva, comparada com os fatos revelados, to expressivos em si mesmos.” Esta a considerao insuspeita do social-democrata Daniel Aaro Reis.

Quais so os alvos de WW? Alm do Movimento Comunista Internacional, claro, os personagens principais da insurreio: Prestes, Olga Benrio, Arthur Ewert (Harry Berger), Rodolfo Ghioldi.

Da figura de Prestes, buscando sintetizar o carter da Internacional Comunista (IC) e dos seus dirigentes, diz que “se tornar o dono do mais caro bilhete de entrada para a URSS” e, conseqentemente, para o Comintern. E de conhecimento pblico o nvel das divergncias polticas e ideolgicas entre Joo Amazonas e Lus Carlos Prestes. No entanto, frente s calnias de WVI/, numa atitude de grandeza tica e humana, de honestidade poltica e revolucionria, o presidente do PCdoB declara: “quem pode acreditar nesta balela? Nem Prestes era pessoa desse gnero, nem a Internacional adotava semelhante procedimento”.

Arthur Ewert, ou Harry Berger surge como um desprezvel dinamiteiro, “sempre a reclamar dinheiro”. WW no deve, nem um pouco, partilhar da indignao que, por exemplo, moveu o catlico Sobral Pinto, chocado com as torturas que levaram seu cliente loucura e, posteriormente, pelas seqelas, morte prematura, a usar como base da defesa jurdica de Berger a Lei de Proteo aos Animais. Acrescente-se que esse internacionalista alemo foi tambm forado a presenciar as cenas de sevcia de sua companheira Elise (deportada para a Alemanha nazista, aos cuidados da Gestapo, juntamente com Olga Benrio, onde foram companheiras de tragdia do campo de concentrao e da morte na cmara de gs). Fica uma dvida, em forma de interrogao: WW almeja a infmia de carrasco pstumo de Berger?

“Olga era uma agente do servio secreto militar sovitico.” Essa denncia, reducionista e simplria, seria indicador justificativo do martrio da herona? Ento, isso? A fogueira, pois, com tudo o que se escreveu e com todos os documentos levantados acerca dessa “mulher de coragem”, como nos diz Ruth Werner. Olga, que dedicou sua vida por inteiro causa da revoluo socialista, vtima dos algozes dos povos do Brasil e da Alemanha, pela distoro de WW, resta como espi e mercenria. Sob todos os aspectos, inissvel, uma cretinice sem medida.

“Prestes enviou Joo Amazonas a Moscou, em 1949, com a denncia de que Ghioldi no se comportara como revolucionrio ao ser preso no Brasil”. De acordo com seu depoimento, a informao inteiramente falsa. Amazonas viajou pela primeira vez Unio Sovitica em junho de 1953, trs meses depois da morte de Stlin. E nunca foi portador de denncia contra o comunista argentino. Se existe no arquivo secreto tal indicao, quem teria interesse em incluir o nome de Amazonas nesse repositrio clandestino, matreiramente aberto a investigadores facciosos?

Aos preconceituosos e estreitos, se no bastam as afirmaes de Amazonas, recomendamos a leitura de Graciliano Ramos, em particular das agens de Memrias do crcere com referncias explcitas a Ghioldi. Ou ser que mestre Graa, por ser comunista confesso, entrou em descrdito, tambm caiu em desgraa?

WW um fascinado pelo ouro, mesmo o de Moscou. Coisa compreensvel, sinal dos tempos. Muito mais grave, porm, que a doena geral do consumismo. Afinal, nos dias que am, como nos tm chegado as elites dessa infeliz repblica das empreiteiras? A podrido exposta nas denncias crescentes de corrupo, mais um privilgio das classes dominantes, no surgem ao acaso. Sua origem est localizada no prprio processo de explorao capitalista, nos mecanismos da acumulao do capital, na busca sem escrpulos do lucro mximo.

Todavia, no obstante a idia fixa no vil metal, WW muito ruim de conta. Os “mercenrios” levavam uma vida modesta. Tome-se o caso de Prestes. Recebia uma mesada de 290 dlares, enviados da URSS. Hoje, essa quantia equivale a menos de trs salrios mnimos. E o oramento da “intentona”? Pouco mais de 20.000 dlares, o preo de um automvel (no importado).

Segundo o prprio WW, a documentao que utilizou “no pode ser consultada”, nem sequer possvel conhecer a sua localizao precisa. Como comprovar, portanto, a credibilidade das informaes contidas em Camaradas? Podemos acreditar nas palavras do autor, se no decorrer do texto encontramos afirmaes ridculas e sabidamente equivocadas, que depem contra a seriedade de WW? Para citar apenas alguns exemplos: afirma-se no livro que Genny Gleiser , a jovem expulsa do Brasil e deportada para a Europa por Getlio Vargas, como tantos outros judeus, teria sido a mulher de Fernando Lacerda, na verdade casado com Gina Lacerda; diz-se que Genny Gleiser teria abandonado Lacerda, apaixonada por E. Browder, o ento secretrio-geral do PC americano, que, alis, jamais esteve no Brasil. Outra sandice includa em Camaradas: Orlando Leite Ribeiro teria acompanhado Prestes e Olga em sua viagem clandestina para o Brasil. Se erros to grosseiros foram cometidos, qual a garantia de que as informaes supostamente extradas de documentos que ningum pode ver estejam corretas e no tenham sido manipuladas? Pode ser srio um trabalho de “histria baseado em fontes invisveis e secretas?”. Assim escreveu Anita Leocdia (Jornal do Brasil, 06/11/93), filha de Olga, Prestes e, como costuma justamente dizer, “da solidariedade internacional”.

Na falta de prefcio, que poderia (e muito adeqadamente) ter sido encomendado ao benemrito Pedro Bial, o livro de WW ganhou na louvao de Wilson Martins (WM) um correligionrio posfcio.

Crtico literrio medocre, ignorante em poltica, na condio de hierofante da indigncia cultural das elites (essas mesmas das mazelas e roubos que assolam o pas), WM todo elogios para o escrito de WW (Jornal do Brasil, 27/11/93).

Pretensioso e arrogante, o que uma prerrogativa dos pseudo-intelectuais, chegando, recentemente, a pr em dvida a veracidade da obra-prima da parcela poltico-memorial do labor literrio de Graciliano Ramos, Memrias do crcere, na tica da censura da rentvel indstria da falcatrua anticomunista, WM investe furiosamente contra os revolucionrios de 1935. Sugere a continuidade do crcere de Prestes, das torturas de Berger, do sacrifcio de Olga. Um nazista infeliz em perseguio do inglrio.

Fala, em tonalidades de cinismo crtico, das “condies de carter de Prestes”, “das hagiografias piedosas inspiradas entre ns por Olga Benrio”. Vai adiante, com a histeria tpica dos que tentaram e, por motivos inconfessveis, no conseguiram ser comunistas, referindo-se a Olga como “confidente das mais altas instncias soviticas, que a encarregaram da segurana do camarada Prestes, seu ltimo marido”. Qual a insinuao real dessa meno? Sumariamente, WM um completo velhaco e um refinado canalha.

A citao, a seguir, de um trecho do que elegemos como posfcio, em confirmao do juzo acima: “Olga Benrio, cuja memria se beneficia pela circunstncia irnica de ter sido eliminada pelos inimigos e no pelos camaradas de partido (ao contrrio do que aconteceu com todos os seus companheiros de aventura no Rio de Janeiro que cometeram o erro de regressar a Moscou)”.

Quanta frieza e mentira, em to curto espao! Seno, vejamos: qual a conotao “irnica” que pode ser apreendida nesse seqencial drama trgico – uma gestante, comunista e judia, deportada aos cuidados da Gestapo, encerrada num campo de concentrao, separada fora de sua filha de meses, morta numa cmara de gs? Quanto aos “companheiros”, os fatos so bem distintos do que inescrupulosamente insinuado. Elise Ewert, mulher de Berger, foi assassinada na Alemanha pelos fascistas. Teve final idntico ao de Olga. Arthur Ewert (Harry Berger) morreu louco, na dcada de 1950, na ex-RDA, em conseqncia do tratamento recebido pela polcia de Felinto Muller. Victor Allen Barron, jovem militante comunista norte-americano, barbaramente torturado, foi jogado do ltimo andar do prdio da Polcia Especial, no centro do Rio, que divulgou sua morte como suicdio. Rodolfo Ghioldi faleceu, octogenrio, em Buenos Aires.

Eis o jornalismo dessa gente. E com pretenses de reescrever a histria. No fosse o esquecimento, no que se refere ao Bial, a reportagem do Estado ficaria, desde a abertura at o fechamento, realmente fantstica.

Pobre Lord Wilson. To decadente quanto o imprio britnico. Um leo sem juba. Frente a tamanha e to grosseira falsificao, fica uma consolidada certeza: o comunismo est vivo. Os liberticidas falharam. Sabem que “o morto se levanta e anda”. Ronda o mundo, como um espectro. futuro, e no ado. Talvez isso explique suas prprias vitrias de trnsito. A aurora inexorvel, proclamava Neruda. Os vencidos de hoje sero os vencedores de amanh, confirmava Brecht.

Livros dessa qualidade tm um duplo efeito. Enquanto os revolucionrios (dinossauros?) dormem tranqilos, a sono solto, os reacionrios, no rpido fenecer da alegria fugaz da ignorncia, saem da euforia enganosa e mergulham na depressiva insnia dos invertebrados.

“1935 no chega a ser mistrio, nem fruto de manipulao estrangeira, como sugere W. Waack. Surge com formidvel ascenso da luta revolucionria no mundo, contrapondo-se ao nazifascismo, sria ameaa a todos os povos. A Aliana Nacional Libertadora (ANL), que teve apenas alguns meses de atuao legal, nasceu do sentimento libertador e antifascista do povo brasileiro” (Joo Amazonas).

Juliano Siqueira
Mestre em Direito e Teoria do Estado e professor do Curso de Direito da UFRN

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