Insurreio
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte 1962
1935
Setenta anos depois
Isaura Amlia Rosado Maia
e Lalio Ferreira de Melo (Organizadores)
Nosso
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de Produo
Dunas
vermelhas: a rara fico sobre o
levante
Lalio Ferreira de Melo
Minha homenagem especial ao velho e tinhoso Meneleu,
companheiro de Othoniel, meu pai, na jornada da
A Liberdade. Minha presena aqui
fcil de ser explicada. Estou representando
um velho amigo de juventude, colega do Atheneu,
chamado Nei Leandro de Castro, reconhecido poeta
e escritor, que est, hoje, no Rio de Janeiro,
tratando da elaborao do filme
baseado no romance de sua autoria As Pelejas de
Ojuara. No podendo vir, outorgou-me o
honroso mandato.
Para
este seminrio, a professora Isaura Amlia
Rosado Maia, pensou tambm em abordar a
rara fico que existe sobre o levante.
Sugeri, ao ser consultado, os nomes de Moacir
de Ges (pai) e de Nei Leandro de Castro.
O
inventor de Ojuara chegou muito perto da verdade,
descrevendo a saga dos que fizeram o primeiro
jornal dito “comunista” do hemisfrio,
e que custou a Othoniel Menezes, particularmente,
o estigma de “maldito” entre os intelectuais
da provinciana Natal de ento, dominada
pelos fascistas que vestiam verde e desfilavam,
fardados, rua acima e rua abaixo gritando “anau,
Deus, ptria e famlia”.
No
livro Dunas Vermelhas, Nei escreveu dois captulos
abordando a revolta de 1935. Peo ao mestre-de-cerimnias
que, por favor, leia os dois.
Captulo
16
Um grupo de revolucionrios invade a casa
de Othoniel Meneses. O poeta est no seu
quarto, de pijama, dentro de uma rede. Tem um
livro na mo e uma dzia de outros
embaixo da rede, sobre o acimentado do quarto.
ali onde Othoniel dorme, l, escreve
e a praticamente as quarenta e oito horas
dos seus sbados e domingos. mulher
que o avisa da visita inesperada, ele diz que
mande entrar. No vai sala nem
para receber o comandante Prestes. Entram os seis
camaradas, com o sargento Quintino frente,
pisando em ovos. A visita rpida:
apenas um convite para o poeta fazer o jornal
da revoluo vitoriosa. O poeta
coa o queixo, resmunga, quer uns dias
de prazo para decidir, embora ache a idia
boa.
–
A revoluo no pode esperar
– diz um dos visitantes e recebe um olhar
de Othoniel que vale por dez palavres.
O clima fica pesado, o silncio que se instala
ameaa acabar com a reunio, mas
a entra a habilidade do negro Santa: –
Meu caro poeta, o senhor conhece Maiakvski?
– pergunta o revolucionrio carioca,
atraindo para si todas as atenes.
Othoniel
no foi apresentado ao negro que sorri
sua frente e no faz idia
se ele quer agrad-lo ou embara-lo
com a pergunta. A resposta sai em tom pouco amistoso:
–
No senhor.
Joo
Lopes, o Santa, sem afetao, com
ar tranqilo, a a falar de um poeta morto
em 1930, depois de fazer os mais belos poemas
para a Revoluo de Outubro. Segundo
o negro, os reacionrios espalharam que
Maiakvski se suicidou, mas na verdade
foi assassinado por russos brancos, numa batalha
que durou dois dias e duas noites. No lugar onde
tombou o poeta, seu sangue formou o desenho da
foice e do martelo.
–Arretado!
– diz um camarada, que irava a sabedoria
de Santa.
Othoniel
acha que o negro deve estar mentindo, mas se deixa
seduzir pela sua arte de narrar. O que
um escritor, seno um grande mentiroso?
No fosse a presena do dito-cujo
mentiroso, ele j teria despachado todo
mundo. No gostava de perder tempo com
gente, mil livros no lidos e outros tantos
por reler estavam sua espera.
–
O senhor sabe de cor algum poema desse russo?
–
pergunta Othoniel.
Desde
o comeo, Santa esperava por essa pergunta.
Responde que sim, mostrando duas fileiras de dentes
alvssimos. Pede licena e comea
a recitar, com entusiasmo crescente, numa lngua
que ningum no Rio Grande do Norte e adjacncias
jamais ouvira. Em seguida, Santa explica que o
poema russo fala em liberdade, na igualdade dos
homens, na mquina de construir felicidade.
–
A Liberdade... – diz Othoniel, enigmtico.
Depois
do silncio que ningum ousa interromper,
ele acrescenta:
–
Vai ser o nome do jornal. Aceito a misso.
A
mulher do poeta, uma doce criatura, entra com
uma bandeja carregada de sequilhos e ponche de
graviola.
Captulo
20
Para que o jornal “A Liberdade” seja
composto e rodado ainda neste domingo de revoluo,
preciso convocar os funcionrios
que trabalham na imprensa do governo destitudo.
Otoniel Meneses despacha uma tropa para apanhar
em casa um linotipista, o clicherista, impressores
e serventes, que chegam sob escolta, cheios de
medo.
Otoniel
esclarece que a revoluo comunista
defende a causa dos operrios, dos explorados,
e logo os funcionrios arrebanhados
fora ganham alma nova e comeam
a trabalhar com nimo revolucionrio.
H muito o que fazer. Otoniel Meneses redige
quase todo o jornal. Capricha nas matrias
da primeira pgina, principamente no artigo
de fundo. Com o ttulo de Sob a Aleluia
da Liberdade, ele escreve que pelo esforo
invencvel dos oprimidos de ontem, pela
colaborao decidida e unnime
do povo, legitimamente representado por marinheiros,
soldados, operrios e camponeses, inaugura-se
no Brasil a era da liberdade, sonhada por tantos
mrtires, centralizada e corporificada
na figura legendria – onipresente
no amor e na confiana divinatria
dos humildes – de Lus Carlos Prestes,
o Cavaleiro da Esperana.
Ao
ler o trecho em voz alta, exaltado, sem a inibio
do poeta Otoniel, Z Aguinaldo arranca
vivas da equipe de trabalho.
A
primeira pgina completada com
dois telegramas sobre adeses em So
Paulo e na Paraba, inveno
do camarada Gasto Correia, e mais um artigo
intitulado Delenda Fascismo, de Otoniel Meneses.
O revisor entra na sala de Otoniel para perguntar
se no h erro no ttulo.
Que diabo delenda?
O
revisor aprende o significado da palavra e tambm
fica sabendo que na antiguidade existiu uma cidade
chamada Cartago, arrogante como o fascismo, de
que no restou pedra sobre pedra. Vale
a pena trabalhar com gente assim, orgulha-se o
revisor.
A
ltima pgina preenchida
com palavras de ordem e louvores revoluo,
nas maiores letras de que dispem. Penoso
compor as duas pginas centrais
que completam a edio. No
h notcias, no h
equipe para invent-las, a luta
tambm contra o tempo. O jornal tem que
ir para as ruas nas primeiras horas de segunda-feira,
j bastante atrasado.
s
oito da noite conseguem fechar a edio.
O jornal est indo para o prelo quando
algum percebe um espao em branco
na segunda pgina. Antes que Otoniel Meneses
chame a ateno dos culpados com
a necessria veemncia, o clicherista
encontra a soluo: ocupa o espao
com um reclame de Sal de Frutas Eno.
a colaborao capitalista
voz da liberdade revolucionria.
Agradeo
a Gileno a leitura do texto. Reservo-me, agora,
como filho de Othoniel Menezes, personagem deste
texto, para, no momento oportuno dos debates,
falar sobre A Liberdade.
Agradeo
a todos e considero cumprida a promessa feita
ao meu amigo Nei Leandro de Castro de represent-lo
neste seminrio.
Lalio
Ferreira de Melo
Poeta e pesquisador
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