Insurreio
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte 1962
1935
Setenta anos depois
Isaura Amlia Rosado Maia
e Lalio Ferreira de Melo (Organizadores)
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreio | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexes | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vdeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produo
Aconteceu em 1935
Braslia Carlos Ferreira
Em novembro de 1935, uma inesperada insurreio
comunista irrompeu nas cidades de Natal, Recife
e Rio de Janeiro. O aniversrio de 70 anos
deste surpreendente evento, alm de possibilitar
reflexes sobre esse acontecimento singular
de nossa histria, uma boa oportunidade
para lanar um olhar crtico sobre
os anos 1930, nos quais este conflito
apenas um dos episdios e atravs
dele refletir sobre a histria social e
poltica de nosso pas. Tambm
um momento adequado para lembrar seus
protagonistas e os elementos que possibilitaram
sua adeso quele acontecimento.
Nosso
objetivo neste texto refletir, ainda
que de modo breve, sobre os elementos que convergiram
para a ecloso da rebelio, a partir
dos condicionantes polticos, sociais e
culturais vigentes poca e que
tornaram possvel sua realizao.
Este movimento acabou por se constituir em marco
fundador do imaginrio anticomunista brasileiro,
que mesmo em menor grau sobrevive em nossos dias
nas representaes produzidas em
torno da pretensa vocao autoritria
da esquerda brasileira.
No
decorrer dos anos 1920, diversas rebelies
militares pontuaram nossa histria, estando
na origem do movimento tenentista e da Coluna
Prestes. Ao final da dcada, a formao
da Aliana Liberal culminaria na Revoluo
de 1930 que marcou o final da Primeira Repblica.
O movimento de 1930 ps fim poltica
caf com leite que alternava os presidentes
entre So Paulo e Minas Gerais. Aquele
foi um perodo rico em acontecimentos que
teriam repercusses definitivas em nossa
histria. As pessoas comuns comeavam
a pensar o Brasil, a buscar meios para conhecer
e integrar este imenso pas.
Pela
primeira vez a discusso poltica
ganhou amplitude nacional, unificando-se: as Caravanas
Liberais percorreram o pas, fazendo comcios
em que pregavam modernizao poltica,
atravs da adoo do voto
secreto. Em nosso Estado foram realizados comcios
em Natal, na poca o centro istrativo
do Estado e em Mossor, que concentrava
um operariado expressivo na indstria do
sal. Foi um daqueles momentos em que se discutia
muito tudo era posto em questo, na busca
de rumos para o Brasil. As discusses,
que pela primeira vez incluam amplos setores
da sociedade, eram polarizadas pela disputa ideolgica
– que se estendia a combates de rua –
entre comunistas de um lado e integralistas de
outro.
A
participao poltica deixa
de ser prerrogativa dos grandes grupos proprietrios
e comea a ser exercitada tambm
por setores mdios urbanos emergentes e
trabalhadores. At ento estes personagens
estavam margem do processo poltico.
O Movimento de 1930 teve apoio dos trabalhadores
organizados e setores mdios da populao,
rompendo a hegemonia da representao
poltica da oligarquia cafeeira paulista.
A unio de Minas Gerais, Rio Grande do
Sul e Paraba, em oposio
poltica vigente, agrupou segmentos
diversos da sociedade na crtica aos vcios
do processo eleitoral.
Os
trabalhadores urbanos, desde a virada do sculo,
buscavam, sem sucesso, atravs do movimento
operrio e sindical, conquistas relativas
ao mundo do trabalho – regulamentao
de jornadas, melhorias salariais e nas condies
de trabalho. Entre as oligarquias, divergncias
de ordem econmica ou poltica produziam
dissidncias, fissuras no tecido social.
Entre
os militares, a jovem oficialidade iniciara, em
1922, o movimento que seria conhecido como Tenentismo,
expresso atravs de sublevaes,
cuja maior faanha foi a formao
da Coluna Prestes, que em 1926 atravessou o pas.
Nesse tempo, as classes mdias urbanas
eram impedidas de participar da cena poltica,
monopolizada pela presena e alternncia
das oligarquias.
Havia
muita inquietao diante das seguidas
rebelies protagonizadas pelos militares.
A dcada de 1920 revelaria, em alguns julhos,
acontecimentos surpreendentes: do julho de 1922,
do Forte de Copacabana, ao julho de 1930, do assassinato
de Joo Pessoa, ando pelo julho de
1926, da Coluna Prestes, temos fatos inesperados
regendo o como da Histria.
Os
anos 1930 so fundamentais na histria
poltica do Brasil. Marcam a entrada dos
trabalhadores urbanos na cena pblica,
sendo itidos como interlocutores pelos vitoriosos
da Aliana Liberal que levou Getlio
Vargas ao poder. um perodo de
efervescncia poltica, o movimento
sindical est em ascenso e os sindicatos
so organizados pelos militantes do Partido
Comunista, formados no discurso ideologizado e
sectrio da frente nica.
Da
tica dos trabalhadores, aquele momento
visto com muita expectativa e esperana.
Em todos os Estados do Nordeste os trabalhadores
simpatizaram com o Movimento de 1930. Mesmo no
se oficializando uma posio partidria,
sabe-se que importantes lideranas e dirigentes
locais do PCB chegaram a participar do movimento.
Cristiano Cordeiro, um dos fundadores do PCB depois
da vitria, integraria a equipe do interventor
Carlos Lima Cavalcanti, em Pernambuco.
Em
meados de 1930, o Movimento Tenentista dividiu-se.
De um lado ficou o lder da Coluna, Lus
Carlos Prestes, e parte do Movimento Tenentista
que aderira ao comunismo. De outro, o grupo tenentista
que optou pelo integralismo. Esta diviso
refletia a disputa que se travava no plano internacional
entre comunistas e nazi-fascistas.
Em
maro de 1935, a criao
da Aliana Nacional Libertadora (ANL) inaugurou
um perodo singular em nossa histria.
Um indito processo de mobilizao
reuniu tenentes, comunistas, socialistas, democratas
e liberais. Para a ANL tambm convergiram
setores da classe mdia, estudantes e trabalhadores.
As consignas Deus, Ptria, Famlia
e Terra, Trabalho e Liberdade contrapunham integralistas
e comunistas.
Lus
Carlos Prestes foi aclamado presidente de honra
da ANL. A entidade defendia um programa nacionalista
de reformas sociais, econmicas e polticas,
que inclua a reforma agrria. Aproveitando
o apoio da sociedade causa antifascista,
Prestes lanou, em julho de 1935, um manifesto
pedindo a renncia de Vargas. Em represlia,
o governo decretou a ilegalidade da ANL, o que
provocou a insatisfao e a revolta
das pessoas a ela filiadas.
Entre
os diversos grupos h a percepo
de que algo poderia ser alterado na sociedade,
com reflexos imediatos em suas vidas. Da parte
da frao organizada dos trabalhadores,
esta expectativa contribui para a emergncia
de um movimento intenso de mobilizaes,
reivindicaes, greves. So
iniciativas que externam para a sociedade sua
inteno de interferir de algum
modo no processo poltico. Nossa compreenso
de que os diversos elementos de uma conjuntura
de crise, especialmente a luta que se desenrolava
no campo da regulamentao do mercado
de trabalho, eram utilizados pelos trabalhadores
como ponte para o exerccio da cidadania
poltica.
O
que h de novo no Nordeste ps 1930
a presena dos trabalhadores na
cena pblica. Para alm das demandas
pelos direitos sociais, seus pleitos ganham um
contedo simblico mais profundo
do que poderia expressar aumento de salrios
ou respeito lei de frias. Numa
sociedade com o nvel de explorao
social e de excluso poltica como
a nordestina, os trabalhadores manifestarem suas
vontades recorrendo ao exerccio do direito
de participao e, portanto, de
cidadania, era muito mais do que uma novidade,
era quase uma revoluo.
O
movimento operrio visualiza naquela conjuntura
de crise econmica e poltica o momento
adequado para se rearticular em duas frentes:
de um lado intensificando o processo organizativo,
pela constituio de novas entidades
e retomada das antigas, junto a uma postura mais
incisiva no debate sobre suas condies
de vida e trabalho. um perodo
de muitas greves, em particular no ano de 1932,
motivadas principalmente pela resistncia
do empresariado em acatar a legislao
social proposta pelo novo governo.
Nesse
perodo o Partido Comunista penetra com
mais vigor entre os assalariados urbanos do Nordeste,
viabilizando, inclusive, a formao
de chapas prprias para disputas nos processos
eleitorais. No apenas em Pernambuco, com
uma tradio poltica anterior,
mas tambm nos demais Estados e cidades
do interior do Nordeste, a grande novidade poltica
a presena do partido e a atrao
que exerce sobre os setores urbanos; gesta-se
uma cultura poltica extremamente ideologizada,
que tem na perspectiva de uma transformao
revolucionria o objetivo para onde confluem
todas as lutas cotidianas.
Em
meados de 1935, circularam boatos sobre a iminncia
de mais uma rebelio. Em Mossor,
um grupo de trabalhadores e sindicalistas que
atuava na indstria salineira e era perseguido
pelos proprietrios e pela polcia,
entrou para a clandestinidade, iniciando uma espcie
de guerrilha. Esconderam-se nas matas, pelos arredores
das cidades, mantendo-se mobilizados no aguardo
da deflagrao da rebelio.
Integravam este grupo Jos de Alencar;
Manoel Torquato, tropeiro, militante comunista
e chefe da guerrilha; Z Mariano, de Areia
Branca; Chico Guilherme; Joel Paulista; Francisco
Freire Amorim; Jonas Reginaldo; Anastcio
Lopes; Gonalo Isidro e Antonio Reginaldo,
entre outros.
A
insurreio comeou dia 23
de novembro, em Natal, com a sublevao
do 21 BC. O movimento ps o governador
Rafael Fernandes e demais autoridades em fuga.
Assumiu o poder uma Junta Provisria composta
por Quintino Clementino Barros, Lauro Lago, Jos
Macedo, Joo Galvo, Jos
Praxedes e Joo Lopes. Como primeira medida,
a junta apresentou decreto destituindo o governador
e a Assemblia Legislativa. Foi publicado
tambm o jornal revolucionrio A
Liberdade. O ttulo-exortao
do artigo principal diz bem da inspirao
do movimento: "Delenda, Fascismo!".
Em
Recife, no dia seguinte, rebelaram-se duas unidades
militares, recebendo a adeso de trabalhadores,
mas sendo logo dominadas. Trs dias depois,
no Rio de Janeiro, sublevou-se 3 Regimento
de Infantaria, na Praia Vermelha, e a Escola de
Aviao, no Campo dos Afonsos. Dois
batalhes, sob o comando do capito
Agildo Barata, tentaram sair s ruas, mas
foram dominados. A discrepncia das datas
permanece um enigma em meio s verses
disponveis.
Em
resposta s tentativas de rebelio,
Vargas decretou estado de stio e fechou
o Congresso em 10 de novembro de 1937. As eleies
foram suspensas, a Constituio
de 1934 foi anulada, partidos polticos
foram proibidos, e rdios e jornais foram
censurados. A partir da, rebeldes e simpatizantes
foram caados, perseguidos, presos, torturados,
mortos. Prestes ficou na priso at
1945, e sua mulher judia, Olga Benrio,
mesmo grvida, foi entregue Gestapo,
polcia poltica nazista, vindo
a morrer em um campo de concentrao
da Alemanha, em 1942. Gregrio Bezerra,
Graciliano Ramos, e muitos trabalhadores norte-rio-grandenses
foram levados presos para Fernando de Noronha,
fatos imortalizados pelo prprio Graciliano
Ramos nos dois volumes do seu livro Memrias
do Crcere.
O
ponto comum aos trs movimentos
a participao determinante do PC,
mesmo que jamais assumida oficialmente pelo partido.
Olhados com olhos de hoje, pode soar voluntarista
um movimento com aquelas caractersticas.
Ele s pode ser compreendido no contexto
de intensa agitao social, rebeldia
dos militares e presena ativa do PCB.
Fundado em 1922, o PCB encontra-se fortalecido
pela participao nas eleies
de 1928 que lhe deu grande penetrao
no proletariado urbano atravs dos sindicatos.
Os movimentos sociais ocupam a cena e as greves
de trabalhadores urbanos desafiam o Governo Vargas.
A
explicao para estes eventos incomuns
est relacionada cultura de rebelio
que vinha se formando desde os anos 1920, com
a participao dos militares, do
qual a Coluna Prestes exemplar. Nos anos
1930, a Aliana Liberal protagonizou uma
indita mobilizao em todo
o Nordeste, atraindo setores de uma classe mdia
emergente e os trabalhadores organizados em sindicatos,
para seus comcios. Militantes do Partido
Comunista tambm assumiram o iderio
liberal, mesmo que seus dirigentes no
tenham aderido oficialmente.
Que
balano podemos fazer destes polmicos
acontecimentos? Em primeiro lugar, devemos lembrar
que eles se situam num tempo de disputa poltica,
tempo de luta pelo socialismo, tempo de utopias
e de entrega a um ideal. Tempo de uma cidadania
em gestao que trouxe para a cena
pblica, as pessoas comuns, trabalhadores
empenhados na busca de um projeto de pas.
Os revolucionrios de 1935 tm a
seu favor o inconformismo e a rebeldia diante
das injustias sociais e a indignao
frente a uma sociedade que continuava a reproduzir
a casa-grande e a senzala: de um lado os donos
do poder, que tudo tinham e tudo podiam, e de
outro o povo, miservel, os sem-nada: sem
trabalho, sem po, sem terra, sem sade,
sem educao, sem lazer, e sem perspectiva
de uma vida digna.
A
rebelio comunista deixou marcas decisivas
na cena poltica brasileira. O conflito
opondo comunismo e anticomunismo forneceu bases
polticas e sociais para a forte tradio
anticomunista em nossa sociedade. A insurreio
serviu como pretexto para o pensamento conservador
atribuir uma vocao golpista e
antidemocrtica s esquerdas. A
difuso do preconceito anticomunista gerou
o distanciamento entre a esquerda organizada e
a populao e alimentou o iderio
conservador antimudanas e antipovo. O
conjunto de representaes sobre
esses eventos originou vigoroso imaginrio
anticomunista, que desde ento, pontua
negativamente o espao da poltica,
especialmente por ocasio das campanhas
eleitorais.
O
tema deste seminrio nos estimula a fazer
uma rpida reflexo sobre a importncia
da preservao da memria
histrica nas sociedades humanas. A memria
e o esquecimento figuram no centro dos debates
atuais nas Cincias Sociais, na Antropologia,
Filosofia, Histria e Literatura. O tema
do esquecimento reclama a reflexo sobre
a memria, a primeira e mais fundamental
experincia do tempo. Representa a capacidade
humana de reter e guardar o tempo que se foi,
salvando-o da perda total, atravs do resgate
no tempo presente, de referncias situadas
no tempo ado, conforme Marilena Chau.
Na
formulao de alguns estudiosos
a memria figura como uma herana
das socializaes poltica
e histrica de grupos e indivduos.
A memria elemento constitutivo
do sentimento de identidade, sendo ambos, memria
e identidade, valores disputados em conflitos
que opem grupos polticos diversos.
Como exemplo, temos as verses sobre o
levante de 1935 no Rio Grande do Norte. Protagonistas
e opositores transformados em vencedores e vencidos
reivindicam o monoplio da verdade histrica,
que significa para uns o reconhecimento de certa
base de apoio popular ao movimento e, para outros
classific-lo como uma ao
militar do 21 BC, sem maiores ligaes
com grupos civis, a no ser as lideranas
comunistas.
Hobsbawn,
na Era dos Extremos, revela preocupao
com o declnio da memria social
ao afirmar que "a destruio
dos mecanismos sociais que vinculam nossa experincia
pessoal de geraes adas
– um dos fenmenos mais caractersticos
e lgubres do final do sculo 20.
Quase todos os jovens de hoje crescem numa espcie
de presente contnuo, sem qualquer relao
orgnica com o ado pblico da
poca em que vivem".
Nessa
concepo, a preservao
do ado fundamental para a construo
do presente. No se trata apenas da sobrevivncia
do ado e sim da iluminao do
presente pelas experincias do ado,
na construo do futuro. E ao articular
experincia, tempo e histria, chamamos
a ateno para o papel fundamental
das pessoas que detm maior parcela de lembranas:
os velhos. E constatamos sua importncia
na sociedade como instrumento de transmisso
de nossa histria e de nossa cultura.
Walter
Benjamin uma das vozes mais vigorosas
na crtica extino
de narradores no mundo contemporneo. Ao
refletir sobre a ausncia de intercmbio
de experincias no mundo moderno ele se
pergunta: qual o valor de todo o nosso patrimnio
cultural se a experincia no mais
o vincula a ns?
Na
busca de resposta, Benjamin resgata a figura do
narrador e a importncia e o significado
das narrativas como instrumento de transmisso
do ado e os perigos que envolvem o declnio
da experincia. E chama a ateno
dos intelectuais para a tarefa de preservao
da memria, a salvao do
esquecimento.
Acredito
que esta seja a motivao dos organizadores
deste seminrio, a quem parabenizo pela
importante iniciativa, sobre o que aconteceu em
1935.
Braslia
Carlos Ferreira
Doutora em Cincias Sociais;
professora da UFRN
^
Subir
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreio | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexes | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vdeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produo |