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Tecido Social Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN N. 059 – 01/07/04 6t1l4e

VISES ALTERNATIVAS DO SNDH - VOZES DISSONANTES DA CONFERNCIA

DEBATENDO O TEXTO BASE DA IX CONFERNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

Hlio Bicudo - Guilherme de Almeida - Paulo de Mesquita Neto

At o ano de 2003 as Conferncias Nacionais de Direitos Humanos foram eventos de grande relevncia no cenrio poltico nacional. Reuniam em mdia 1.500 pessoas: militantes de direitos humanos, acadmicos, servidores pblicos, defensorias, policias, universidades, embaixadas. Comisso de Direitos Humanos (CDH) da Cmara dos Deputados em parceria com entidades nacionais da sociedade civil cabia a promoo do evento. A CDH patrocinava os gastos de divulgao do evento. Cabia aos participantes, das mais diversas regies do pas, ou as suas entidades custear a viagem e a hospedagem em Braslia. Apesar de no se denominarem explicitamente deliberativas as Conferncias Nacionais debateram temas substantivos que acabavam por influenciar a agenda poltica.

Caso exemplar foi a IV Conferncia (1999) intitulada "Sem direitos sociais, no h direitos humanos" a discusso desse tema resultou na 2 verso do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH II) que teve por objetivo incluir os direitos econmicos, sociais e culturais que ficaram ausentes do primeiro programa.

As Conferncias constituram-se em um espao privilegiado de discusso e elaborao de novas linhas de polticas pblicas para direitos humanos. A participao da sociedade civil sempre foi ampla aberta a participao de toda e qualquer pessoa. Essencial que seja mantida a periodicidade anual das Conferncias e que ela seja preservada como espao pblico privilegiado da discusso dos mais relevantes temas de direitos humanos do pas. Inoportuna a idia de reduzir a conferncia a um nico tema o SNDH, j que ser impossvel a discusso de temas substantivos e de carter emergencial como: as violao de direitos humanos cometidas no presdio de Urso Branco (Porto Velho) e a violncia policial.

De 1996 a 2002 podemos afirmar, sem sobra de dvida, que a Conferncia Nacional de Direitos Humanos promovida pela Comisso de Direitos Humanos da Cmara estabeleceu uma tradio de dilogo, pluralismo poltico e independncia do poder executivo para a promoo dos direitos.

Todavia nesse ano contrariando essa tradio de sucesso as entidades governamentais e no governamentais de direitos humanos esto se organizando para realizar, de 29 de junho a 02 de julho de 2004, a IX Conferncia Nacional de Direitos Humanos promovida pela Secretaria Especial de Direitos Humanos e que ter como tema exclusivo a construo de um Sistema Nacional de Direitos Humanos (SNDH).

Segundo o regimento do encontro as decises da IX Conferncia tero carter explicitamente deliberativo. A organizao do encontro tem sua inspirao no modelo adotado para as convenes dos partidos polticos. Pela primeira vez a Conferncia convocada pelo Poder Executivo, bem como, so financiadas as agens e hospedagens para os delegados eleitos nas conferncias municipais e estaduais.

Uma conferncia no deve legislar, nem impor, mas recomendar e trabalhar para que suas recomendaes sejam levadas em considerao. Nesse sentido as decises das ltimas conferncias nacionais, dentro de um marco democrtico, participativo e plural sempre tiveram carter deliberativo. O que literalmente significa que "tomaram uma deciso aps uma consulta" (Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa, p. 932). Deduzimos, na falta de maior clareza, que os organizadores da IX Conferncia Nacional de Direitos Humanos querem dotar as decises dessa Conferncia no de um carter deliberativo, mas de norma vinculante na perspectiva de criao do SNDH.

A partir de um texto base intitulado "Construindo o Sistema Nacional de Direitos Humanos" que est sendo distribudo s entidades referidas, discute-se e vota-se um organismo de extenso nacional, incumbido de racionalizar e monitorar as atuaes da sociedade civil em matria de direitos humanos. Tudo isto acarreta a criao de uma verdadeira Burocracia Nacional dos Direitos Humanos com as mesmas caractersticas de um partido poltico, dependente de verbas governamentais, por meio das quais, buscar-se- nortear e dirigir de forma centralizadora sua atuao.

Como exemplo de atuao com grande desenvoltura, independncia e autonomia temos a Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados, a qual, nestes oito anos de atuao, tem sido fator de vigilncia e denncia de graves violaes de Direitos Humanos no territrio nacional. Recorde-se que, sob os auspcios dessa Comisso, importantes julgamentos simblicos, audincias pblicas, caravanas da cidadania e campanhas contra baixaria na televiso foram realizadas, com evidentes resultados prticos, obrigando uma mudana de rumo na atuao dos rgos do Estado.

Dessa maneira, quando falamos em rgos do Estado incumbidos da defesa dos direitos humanos, precisamos dar um o frente ... O CDDPH e, depois, a Secretaria Especial de Direitos Humanos foram iniciativas importantes. Mas esses rgos tm sua ao limitada pelos interesses do Estado, tanto no campo istrativo como, e sobretudo, no campo poltico.

J tempo de se dar a esses rgos autonomia diante do poder central (mandato certo aos seus responsveis), provendo-os de estrutura e de meios oramentrios adequados s suas atividades. Temos uma oportunidade de seguindo os Princpios de Paris, construir uma Instituio Nacional de Direitos Humanos dotada de mandato amplo, claramente estabelecido em lei, com previso oramentria e, mais requisito fundamental, com independncia e autonomia em relao ao poder pblico.

As Instituies Nacionais tem carter consultivo, competncia especfica para a promoo e proteo dos direitos humanos, no integram o poder judicirio, nem o poder legislativo podem ter uma ligao com o poder executivo mas so independentes dele. A estrutura e o funcionamento das instituies nacionais de direitos humanos so reguladas pelos "Princpios de Paris". Esse documento aprovado pela Assemblia Geral das Naes Unidas por meio da resoluo 48/134, de 20 de dezembro de 1993, oferece parmetros mnimos para criao e funcionamento de Instituies Nacionais de Direitos Humanos.

O Alto Comissariado das Naes Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) sedia o Comit Internacional de Coordenao das Instituies Nacionais de Direitos Humanos, cujo atual coordenador Orest Nowosad.

A independncia das Instituies Nacionais garantida por um oramento prprio que lhe deve ser destinado e pela sua composio que se constitui de: organizaes nogovernamentais; representantes do pensamento religioso ou filosfico; professores universitrios e experts qualificados; parlamentares e representantes do governo (que s atuam em carter consultivo, vale dizer, tem voz mas no votam).

O carter consultivo, a independncia em relao ao poder soberano e a rede internacional coordenada pelo Comit de Coordenao das Instituies Nacionais vinculado ao ACNUDH fazem a Instituio nacional de Direitos Humanos algo essencial para a coordenao das aes de promoo e proteo dos diretos humanos em nosso pas.

Desconsiderando o conhecimento e a prtica do Alto Comissariado e da comunidade internacional a IX Conferncia prope a criao de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, sobre a qual a IX Conferncia dever deliberar, a proposta consta do documento "Construindo o Sistema Nacional de Direitos Humanos - Esboo de Texto Subsdio".

A proposta em tela no est muito clara para a maioria das pessoas.
Est evidente, entretanto, que a proposta transforma radicalmente a natureza das conferncias e dos conselhos nacionais, estaduais e municipais de direitos humanos, atribuindo a eles o papel de rgos centrais de um sistema estatal de direitos humanos, responsveis pela definio de diretrizes gerais, no caso das conferncias, e de polticas, aes e oramentos, no caso dos conselhos - que tambm teriam a responsabilidade de monitorar a situao dos direitos humanos, receber, investigar e encaminhar denncias de violaes de direitos humanos.

Na prtica, a proposta transforma as conferncias e os conselhos em rgos de governo, de um sistema estatal de direitos humanos, ao qual seriam integradas as organizaes da sociedade civil. Produz uma confuso de papis, atribuindo responsabilidades que so da sociedade civil ao Estado e responsabilidades que so do Estado sociedade civil. Com a inteno de fortalecer, desvirtua e enfraquece o sistema de proteo e promoo dos direitos humanos constitudo no pas.

Ora, para um bom observador, temos hoje, no Brasil, um sistema de proteo dos direitos humanos que tem atuado segundo as nossas possibilidades e precariedades, mas que, na sua grande maioria, livre e autnomo. No nvel municipal, os centros, conselhos, comisses governamentais ou no oferecem uma gama de servios, que vo desde o atendimento inicial s vtimas at o encaminhamento de suas denncias aos rgos estatais competentes e, diante das omisses acaso verificadas, a apresentao do caso aos sistemas internacionais.

No mesmo sentido, operam as organizaes que exercem suas atividades nos Estados e diante do ente federativo. As entidades no governamentais tm contado, em inmeros casos, com o apoio da Universidade, como o caso da USP, que mantm um Ncleo de Estudos da Violncia, que oferece assessoria e, bem assim, propicia a formao de pesquisadores especializados em direitos humanos, incluindo cursos de ps-graduao no mesmo setor.

Alm de relatrios sobre os mais variados problemas, incluindo pesquisas de alto padro tcnico, o Ncleo promove eventos em que personalidades dos direitos humanos, como foi o caso dos breefings em que intervieram, entre outros a ento alta comissria da ONU para os direitos humanos, Mary Robinson, e Jean Ziegler, relator especial tambm das Naes Unidas, para o problema da alimentao. A est o Movimento Nacional de Direitos Humanos de relevantes servios prestados causa dos direitos humanos.

No se pode deixar, neste o, de mencionar o trabalho fecundo desempenhado pelas ouvidorias das nossa polcias. Na medida em que se estabeleam de maneira autnoma, sero fatores que levam a uma polcia voltada para a segurana das pessoas ao invs de faz-lo, como at agora tem sido feito, em benefcio do Estado, produto dos equvocos que levaram sua instituio, como guardi da ento chamada segurana nacional.

Outras organizaes no governamentais tm, por igual, trazido a sua colaborao na defesa dos direitos da criana, da mulher, do negro, dos homossexuais ou das minorias excludas. De lembrar-se o trabalho desenvolvido contra a prtica da tortura, dos desaparecimentos forados, pela restaurao da memria dos desaparecidos polticos, por respeitveis organizaes no governamentais. E podemos ir, ainda, adiante, mencionando os esforos do Ministrio de Relaes Exteriores ao instituir um departamento com atribuies especficas para a implementao dos Direitos Humanos no Pas. No poderamos, neste o, omitir os trabalhos que tm sido levados a efeito pelo Ministrio Pblico. A instituio, una e indivisvel, tem apoiado aes que objetivam a restaurao de direitos, sejam eles civis, polticos, econmicos, sociais, culturais, ambientais, etc..

Ora, poder-se- dizer que muitas vezes os rgos do Estado se omitem e, assim, dificultam ou impedem a investigao das violaes ocorridas, deixando de punir os responsveis ou de indenizar as vtimas. Nesses casos, e isto tem acontecido ultimamente com relativa freqncia, as ONGs levam suas denncias CIDH e, agora com possibilidades abertas pelo novo Regimento Interno desse rgo da OEA, de pleitear perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos o reconhecimento de direitos fundamentais, cujas sentenas devem ser obrigatoriamente cumpridas pelo Governo Brasileiro.

As organizaes no governamentais tm tomado, muitas vezes, a seu cargo o acompanhamento do cumprimento das recomendaes da CIDH ou das decises da Corte. Note-se, a propsito, que as decises da Corte so de execuo imediata. No necessitam para tanto do nihil obstat do Supremo Tribunal Federal, pois no so sentenas estrangeiras, mas sentenas emanadas de um Tribunal Internacional, s quais o Brasil est obrigado a cumprir.

Como se v, temos no Brasil, funcionando, talvez no da maneira que desejamos, um sistema de proteo e promoo dos direitos humanos. Pois sistema uma reunio ou combinao de partes reunidas para concorrerem para certo resultado. E isto o que est sendo feito. Falar em sistema nacional de direitos humanos como organizao governamental querer entregar ao poder pblico a direo daquilo que compete e deve ser realizado pela sociedade civil.

Ora, como proceder da maneira pretendida, entregando ao Estado, direta ou indiretamente, o monitoramento da problemtica dos direitos humanos, se so os seus agentes os maiores responsveis pelas violaes correntes? De citar-se as violncias policiais, as omisses no campo da sade ou da educao, as carncias conseqentes aos ajustes fiscais impostos para o pagamento dos juros e das dvidas interna e externa.

O sistema interamericano, o sistema europeu ou o sistema africano tem por finalidade proteger a pessoa humana contra as violncias praticadas pelo Estado. certo que, alm das vtimas ou de terceiros engajados, o Estado tem o a esses sistemas, mas apenas para apresentar denncias contra outros Estados. Mas, na sua maioria esmagadora as denncias partem das vtimas, de seus familiares ou de entidades de direitos humanos. So denncias contra o Estado. Tenhamos claro que o Estado o grande responsvel por violaes dos direitos humanos.

ttulo de concluso quero dizer que no municpio de So Paulo, contamos com uma Comisso de Defesa dos Direitos Humanos que goza de aprecivel autonomia, pois a sua direo exercida atravs de mandato por tempo determinado que para ser revogado deve obedecer a um procedimento que praticamente inibe a revogao simplesmente poltica e que poder ser considerada to somente diante de prticas irreconciliveis com a boa performance na defesa dos direitos da pessoa humana. O relatrio apresentado sobre as atividades da CMDH, em 2003, atesta a sua desenvoltura e autonomia no desempenho de suas atribuies.

Gostaria aqui de anunciar que a partir desse ato montaremos um grupo de estudos a fim de adaptar a CMDH aos princpios de Paris. Para que ela seja um exemplo e uma semente de nossa futura Instituio Nacional de Direitos Humanos.

O sistema brasileiro de defesa dos direitos humanos a est. Atua, at certo ponto, a contento, mas deve superar-se a si prprio, mediante a instituio de uma rede que ir permitir aes conjuntas coordenada por uma Instituio Nacional de Direitos Humanos que permitir atender dinmica de complementao ao sistema interamericano e internacional de proteo dos direitos humanos.

Veja tambm:
- O FRUM DE ENTIDADES NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E A SECRETARIA CHEGAM A UM ACORDO SOBRE O ENCERRAMENTO DA CONFERNCIA
- ORLANDO FANTAZZINI, DEPUTADO FEDERAL (PT/SP): "UM SISTEMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS J EXISTE"

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