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Tecido Social Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN N. 058 – 01/07/04 2g706t

CARTA AO MINISTRO NILMRIO MIRANDA

Natal/RN, 25 de junho de 2004

Ofcio n. 0001/2004 - OJC/RN
Assunto: sugesto de pauta para as discusses acerca da reforma do Sistema Judicial

Senhor Ministro:

Vimos, atravs desta, sugerir que seja colocada na pauta de discusses da IX Conferncia Nacional de Direitos Humanos a questo acerca da reforma do Sistema Judicial brasileiro (Poder Judicirio, Ministrio Pblico e Defensoria Pblica), uma vez que o tema de grande interesse para a Sociedade Civil, mas que as Instituies no vm travando dilogo a respeito, de modo que a formatao e construo do novo modelo que est proposto no Congresso Nacional algo que no est sendo discutido com a Sociedade Civil.

Entendemos que preciso criar um espao de interlocuo, bem como que a Sociedade Civil se manifeste a respeito, dizendo que Justia quer para si mesma e que tipo de modelo Institucional lhe satisfaz. Acreditamos que importante um pronunciamento da IX Conferncia sobre o tema, a fim de que possa vir a influenciar o Congresso Nacional, pois a Sociedade Civil no pode ficar margem desse processo.

Ou seja, cremos que necessrio que a Sociedade Civil formule uma contraproposta acerca da reforma do Sistema Judicial, informando, assim, o Congresso Nacional e os demais Poderes Estatais acerca de como pensa um modelo Institucional que melhor funcione e sirva populao.

Nesse contexto, tivemos algumas idias sobre o assunto que queremos apresentar para que possam ser debatidas e avaliadas nesse espao de formao da vontade geral da Sociedade Civil acerca das Instituies e seus papis com relao efetivao dos Direitos Humanos e construo do Sistema Nacional de Direitos Humanos. Algumas delas foram, inclusive, includas na IV Conferncia Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte, como, por exemplo, a criao de Ouvidoria para o Judicirio e para o Ministrio Pblico, cujo Ouvidor deve ser eleito pelos respectivos Conselhos de Direitos Humanos. Outras, porm, foram elaboradas depois e no foi possvel serem expostas na IV Conferncia Estadual, por isso que vo ser declinadas a seguir.

Primeiramente, pensamos que a Sociedade Civil deve propor o fim do famigerado foro por prerrogativa de funo, pois as (pseudo)justificativas para essa frmula de privilgio no se afiguram razoveis aos olhos da Sociedade Civil.
Ademais, a prtica e a experincia histrica j demonstraram que o foro privilegiado favorece a impunidade daqueles agentes pblicos que tm maior responsabilidade para com os interesses da sociedade.

preciso salientar, ainda, que o foro por prerrogativa de funo gera uma srie de inconvenientes processuais e burocrticos, que prejudicam a persecuo criminal. Recentemente, por exemplo, o Ministrio Pblico Estadual desvendou, com base em documentos duma I da Assemblia Legislativa e duma Auditoria realizada pelo novo Governo Estadual, uma srie de desvios e irregularidades no Programa do Leite, nas quais os nomes do Senador Garibaldi Alves Filho (ex-Governador) e de seu irmo, Paulo Roberto Chaves Alves, membro do Tribunal de Contas, apareceram nas investigaes. Nesse caso tudo teve que ser parado para remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que decida se prossegue ou no com as investigaes contra o Senador e seu irmo, de forma que, afora a perda de tempo e do fio da meada nas investigaes, sero suscitadas inmeras questes processuais (formais) para procrastinar o curso do processo e desviar o foco das investigaes, como sempre ocorre nesses casos graves - muitos outros exemplos poderiam ser citados, conforme a pesquisa que fizemos, mas o espao limitado no permite isso.

Sob outro aspecto, convm assinalarmos que a "envergadura e dignidade" do cargo, por exemplo, um argumento falacioso para a fixao do foro por prerrogativa de funo. O critrio, na verdade, outro. Refere-se ao simples fato de que, no atual Sistema Judicial, os Tribunais so formados a partir de indicao e nomeao poltica por parte do Governador e do Presidente da Repblica. Portanto, o foro por prerrogativa de funo visa garantir um privilgio ao ocupante do cargo: de ser julgado por pessoas que ele prprio colocou no cargo do Sistema Judicial.

Com efeito, um Juiz da Repblica, seja Estadual seja Federal, possui a mesma "envergadura e dignidade" dos representantes quer do Executivo quer do Legislativo, seja Estadual seja Federal, na medida em que o Juiz integrante de um dos Poderes Estatais, inclusive, no modelo atual, com cargo vitalcio, ao contrrio dos ocupantes dos cargos do Executivo e do Legislativo. Logo, possui plena capacidade, segundo a harmonia e separao dos Poderes, para julgar os integrantes dos demais Poderes, seja qual for o nvel do cargo que ocupem. O que o representante do Sistema Judicial atualmente no possui a mesma legitimidade que os ocupantes do Executivo e do Legislativo, que so eleitos, mas isso ser alvo das prximas propostas.

Bem esses so alguns poucos argumentos para que se possa pretender o fim do privilgio do foro para os ocupantes de cargos do Executivo e do Legislativo. Certamente, o Plenrio da IX Conferncia encontrar muitos outros, com maior propriedade e mais profundidade, com a finalidade de convencer o Congresso Nacional a acabar com o foro por prerrogativa de funo.

Outra proposta, que j decorre um pouco da anterior, diz respeito ao fim da indicao e nomeao dos Ministros e Desembargadores dos Tribunais, por parte dos Chefes dos Executivos Federal e Estaduais, conforme cada caso. Realmente, essa forma viola o princpio da separao e harmonia entre os Poderes, ao invs de se amoldar a ele como dizem alguns, numa outra falcia sem tamanho.

No caso, entendemos que a prpria Sociedade Civil que deve eleger diretamente seus representantes para os Tribunais Superiores e para os Estaduais, a exemplo do que ocorre em relao ao Executivo e ao Legislativo. Manter-se-ia, porm, o critrio da idade mnima (35 anos) e se acrescentaria o critrio de no mnimo dez anos de carreira, como ocorre em relao ao quinto constitucional. Na nossa opinio, essa a forma que mais condiz com o Estado Democrtico de Direito.

Mas a eleio direta no deveria se restringir apenas escolha dos membros dos Tribunais e chefias do Ministrio Pblico e Defensoria Pblica. Nesse caso, teremos a terceira proposta, que se refere eleio direta tambm para o ingresso nas carreiras do Ministrio Pblico, da Magistratura e da Defensoria Pblica. Para esse caso, estabelecer-se-iam os critrios da idade mnima (25 anos), de no mnimo 5 anos de atuao na Advocacia, de o candidato residir na Comarca ou Seo h pelo menos um ano e do Curso de Formao prvio em uma das Escolas Superiores de cada categoria, conforme a vaga e escolha do candidato (Ministrio Pblico, Magistratura ou Defensoria Pblica), o qual deve ser pblico e gratuito.

O atual sistema de ingresso nessas carreiras - atravs de concurso pblico - vem se mostrando excludente e ineficiente. Significa dizer, no permite que trabalhadores e pessoas de camadas sociais mais baixas tenham o s carreiras, pois essas classes no tm tempo para os estudos teorticos e no possuem dinheiro para ter o aos livros doutrinrios que as Doutas Comisses possuem. Ademais, o concurso na rea jurdica transformou-se numa indstria de arrecadao, cujo controle acerca do dinheiro que se arrecada com as altas taxas de inscrio no existe, de modo que no se sabe o que fazem com as "sobras". Em verdade, o concurso no nada "pblico" por uma srie de fatores excludentes e de classe, de maneira que a maioria avassaladora dos que ingressam naquelas carreiras so pessoas abastadas e que j so filhas dos que j pertencem elite dominante.

Diante disso, as categorias da Magistratura, do Ministrio Pblico e da Defensoria Pblica carecem de legitimidade perante a Sociedade Civil, pois as classes sociais que representam a maioria da populao no possuem representantes em nmero razovel junto queles rgos.

por isso que a eleio direta se afigura como modelo mais democrtico para as Instituies que formam o Sistema Judicial, a exemplo do que ocorre como o Executivo e o Legislativo. Poderiam ser elencados muitos outros argumentos e muitas outras causas para se propor essa modificao do Sistema Judicial, mas, novamente, no possvel expor tudo nesse curto espao. Deixamos a cargo do Plenrio da IX Conferncia que, certamente, com sabedoria, encontrar outros bons e melhores motivos para a defesa da proposta ora lanada, caso seja acatada.

Nessa esteira de raciocnio, resta apenas propor a quarta e ltima mudana que servir para democratizar o Sistema Judicial. Realmente, diante de tudo que j se exps, torna-se insustentvel manter a vitaliciedade dos membros da Magistratura e do Ministrio Pblico. Logo, de se pleitear o fim da vitaliciedade, porm, mantendo-se as demais prerrogativas e vedaes que esto postas na Constituio Federal.

Trata-se, pois, de uma questo de coerncia do modelo proposto. Ora, se vamos ter eleies diretas para os cargos do Sistema Judicial, ento, no se pode conceber que tais cargos sejam ocupados eternamente, mesmo que os vencedores dos pleitos eleitorais deixem de corresponder aos interesses Pblicos e da Justia Social. H que se conceber, por conseguinte, um mandato de 4 anos, renovveis, a exemplo dos cargos do Legislativo.

Ou seja, de quatro em quatro anos a populao poder reavaliar aquelas pessoas que elegeram para cumprir com to nobres funes pblicas, mantendo-as nos cargos, ou no, conforme tenham merecido ou no. Isto , a instituio do mandato temporrio um mecanismo eficaz para que os eleitos pelo povo mantenham um trabalho essencialmente direcionado aos interesses Pblicos e da Justia. Alm disso, o eleito ter que mostrar eficincia na istrao das atividades, de maneira que a proposta tende a gerar uma grande melhora na prestao jurisdicional.

Eis o que tnhamos, em rpidas linhas, a colocar acerca do tema para discusso em Plenrio.

Evidentemente, as idias ou propostas antes declinadas so sugestes ao Plenrio da IX Conferncia, como uma forma de contribuirmos para a criao do Sistema Nacional de Direitos Humanos que atendam aos interesses da Sociedade Civil.

Portanto, queremos, com isso tudo, "compor, e no impor; construir, e no destruir; convencer, e no vencer" (Subcomandante Marcos). Afinal, temos certeza que muitas outras idias e propostas surgiro no mbito das discusses plurais, democrticas e horizontais dessa IX Conferncia a respeito do tema, as quais, inclusive, tero plena legitimidade e sero mais aperfeioadas.

Finalmente, resta dizer que urge que a Sociedade Civil tome seu papel na discusso da reforma do Sistema Judicial, pois aqueles que defendem idias antidemocrticas j esto percebendo que ns estamos querendo participar diretamente da construo dessa mudana Institucional, de modo que esto "apressando" a votao da reforma no Congresso Nacional.

Sem mais para o momento, manifestamos votos de elevada estima e que a IX Conferncia obtenha o sucesso e o destaque merecidos, bem como alcance seus objetivos polticos e sociais.


Atenciosamente,

DANIEL ALVES PESSA
COORDENADOR DO OJC/RN

ROBERTO DE OLIVEIRA MONTE
COORDENADOR DO CDHMP

FBIO DOS SANTOS
COORDENADOR DO CDHEC

MARCOS DIONSIO MEDEIROS CALDAS
OUVIDOR DA DEFESA SOCIAL

Veja tambm:
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- ENTREVISTA. NILMRIO MIRANDA - Sub-Secretrio Especial de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica. "O Sistema vai contribuir para que a democracia brasileira tenha uma dimenso no apenas civil e poltica, mas econmica, social e cultural"
- REUNIO DO FRUM DE CONSELHOS ESTADUAIS DE DIREITOS HUMANOS
- PROPOSTAS DO RN - JUDICIRIO

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