Tecido
Social
Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
002 – 20/10/03 3w2w4r
ENTREVISTA
BENITO BARROS
"Os dirigentes da ALCALIS so os responsveis
principais pelos crimes, mas nunca so punidos"
Macauense,
professor universitrio, Benito Barros um dos maiores conhecedores
da histria das lutas dos pescadores de Macau contra a empresa
ALCALIS. Autor do livro Macausmos, que tenta traar uma histria deste conflito
a partir da dcada de 50, Barros participou da audincia pblica
sobre a situao dos pescadores
de Macau na ada quarta-feira e denunciou graves violaes
da vigilncia da empresa e da polcia contra trabalhadores que
s buscavam a sobrevivncia deles e das suas famlias.
Por
Antonino Condorelli
Quando
teve inicio o conflito entre a ALCALIS e os pescadores de Macau?
O
conflito surgiu com o barramento de um rio, o Rio Imburanas,
por parte da atual SALINOR (que na poca se chamava CCN): a
empresa transformou em propriedade privada a gua de servido
pblica. Os pescadores sempre pescaram no rio e no que eles
chamam de barraca. J no final da dcada de 50 houve um assassinato
na rea: um vigilante matou um pescador. Isso acontece desde
o incio e nunca houve uma punio severa aos vigilantes, pois
existe uma ligao muito estreita entre a companhia (em seus
diversos nomes: CCN, depois CIRNE, ALCALIS e hoje SALINOR) e
a polcia militar. O ltimo caso que aconteceu foi h duas semanas,
eu fui testemunha do estado em que se encontrava o pescador.
Da sexta para o sbado ele foi agredido por trs vigilantes,
estava detido e no sbado pela manh foi procurado pelas lideranas
dos pescadores, tentamos falar com o pescador preso mas no conseguimos. S quando dissemos que iamos procurar
o Promotor, eles o liberaram aps a nossa sada. Mas no pediram
que fosse solicitado exame de corpo de delito. Eu considero
esta priso ilegal, no foram ouvidos na hora os trs vigilantes
que o espancaram e na segunda-feira eu pude constatar que o
pescador (que foi nos procurar) estava cheio de hematomas e
feridas, com o rosto inchado, um olho avermelhado e machucados
por todo o corpo. Foi um trplice abuso: primeiro a priso,
pois o rapaz no estava cometendo nenhum crime
mas apenas pescando em guas que so de servido pblica,
depois a agresso e por ltimo o fato de que, sendo ele o agredido,
a vtima, foi quem terminou preso. E a autoridade policial no
pensou em nenhum momento em solicitar exame de corpo de delito.
A consequencia pior que este pescador teve medo e no foi
prestar queixa apesar da gente querer acompanh-lo, nem contra
os vigilantes (que a prtica comum) nem contra o responsvel
principal que o superintendente da ALCALIS, pois os vigilantes
angem segundo as ordens e os comandos da prpria chefia, que
nunca penalizada. Isso o mais grave da histria toda: quem
termina pagando pato so os pescadores e os vigilantes, os menores,
enquanto o superintendente no sofre absolutamente nada. Historicamente
sempre foi assim: os pescadores morrem (j foram assassinados
vrios), alguns vigilantes so presos por algum tempo mas depois so soltos porque tm bons advogados (os advogados
da empresa) e os verdadeiros responsveis pelos crimes sociais
e ambientais que acontecem em Macau ficam na mais completa impunidade.
A
conivncia entre a ALCALIS e a polcia militar devida corrupo
desta ltima por parte da primeira ou a razes, digamos assim,
"ideolgicas"?
H
causas ideolgicas, mas h principalmente um convvio que diria
"esprio" entre a empresa e a polcia militar na medida
em que a empresa cede a prpria barraca para que os policiais
pesquem. H uma srie de questionamentos a respeito desta pescaria.
Segundo se comenta na cidade, o fruto dela - que deveria ir
para as famlias dos soldados - fica na mo de alguns que vendem
o peixe e ficam com o dinheiro. De fato, quando ns criticamos
publicamente esta relao entre a empresa e a polcia alguns
soldados nos procuraram para dizer-nos que nunca receberam peixe,
suas famlias nunca comeram o produto da pescaria na barraca.
Portanto, existe esta relao no mnimo duvidosa,
estranha entre a polcia e a empresa. Esta ltima, na
verdade, acaba servindo como "capangagem" oficial
da ALCALIS. Eu creio que, devido s lutas dos pescadores e ao
envolvimento da Promotoria, isto esteja mudando um pouco, mas
esta relao espria ainda continua.
At
hoje quantas pessoas sofreram torturas ou maus tratos pela vigilncia
da empresa ou pela polcia?
Quase
todo ms h casos de espancamentos de pescadores por parte de
vigilantes. Tambm houve algumas mortes. H uns trs anos um
pescador foi assassinado, e poucos anos antes um outro morreu
tetraplgico por causa de um tiro que se alojou na coluna. E
este pescador morreu na misria, numa cama sem assistncia nenhuma pois a empresa no ligou a mnima pelo destino dele, e o mais
grave de tudo que ningum pagou por isso, no tem nenhum preso
por conta disso. Eu acho que a Justia deveria mudar a metodologia
de aplicao das penas. Eles sabem perfeitamente quem so os
verdadeiros culpados: no a mo que atira, mas quem est por
trs dela, quem arma esta mo. Acho que graas nossa luta
eles esto se conscientizando para no responsabilizar exclusivamente
os empregados da companhia, mas tambm os seus donos.
Houve
alguma interveno do Ministrio Pblico perante esta situao?
O
Ministrio Pblico sempre interveio na relao empresa-pescadores.
J houve uma srie de reunies para se tentar dar um ordenamento
na pescaria l na barraca com a presena e o aval do Ministrio
Pblico. Tambm depende da pessoa que ocupa o cargo. Hoje temos
uma pessoa que se interessa pelos problemas dos pescadores,
mas houve um perodo em que o Ministrio Pblico era aliado
da prpria empresa. Esta aliana entre judicirio e grande capital
no um fenmeno especfico de Macau, mas do Brasil todo. Mas
h algum tempo o Ministrio Pblico mudou a sua atitude. Eu
creio que o atual tentou fazer um mnimo de justia.
Quais
so as possveis sadas a esta situao?
Eu
sempre disse aos pescadores que isto depende da luta deles e
de como eles conduzem esta luta. Acho que eles esto pelo caminho
certo. Esto conseguindo um terreno na Ilha de Santana e no
Barro Preto para fazer um viveiro de peixes marinhos e camaro nativos. Isto vai aliviar um pouco a situao deles.
Com a invaso das salineiras nos manguezais,
o estoque pesqueiro desta regio diminuiu muito... mas
na hora em que forem cedidos espaos e estruturas apropriadas
para a criao de peixe e camaro, este conflito vai diminuir
um pouco. Agora, precisamos de medidas enrgicas e imediatas
para que no acontea novamente o que aconteceu h quinze dias:
o espancamento de pescadores por parte de funcionrios da segurana
da empresa.
Veja
tambm:
- Especial Denncia. Violncia
e impunidade contra os pescadores de Macau
- Audincia pblica discute as violaes
dos direitos humanos na regio salineira. O DELEGADO
DE MACAU: "NO ABRO MO DO MEU PEIXE"
- ENTREVISTA. Nilton
Baracho. "A ALCALIS roubou as terras ao povo"
<
Voltar
|