SUSP
Sistema nico de Segurana
Pblica Estados
Arquitetura
institucional do SUSP
CAPTULO
8
Sistema
Penitencirio
1.
Introduo
Entre
1995 e 2003 o nmero de presos no Sistema
Penitencirio brasileiro dobrou. amos
de 148.760 para 302.495 homens e mulheres
privados da liberdade no pas. No clculo
de presos por 100.000 habitantes, necessrio
para se dimensionar o tamanho da populao
presa, comparando-se com o da populao
livre, os ndices revelam-se impressionantes:
amos de 95,5 para 184,4 presos por
100.000 habitantes, ou seja, um crescimento
de 93%. E, o que pior, a despeito de
um extraordinrio esforo de construo
de inmeras unidades prisionais pelo pas
afora, com a gerao de cerca de 100.000
novas vagas, continua faltando lugar para
mais de 100.000 presos.1 Se adicionarmos
ao clculo o nmero de mandados de priso
no cumpridos no pas, nmero sobre o
qual nem a Polcia, nem a Justia, conseguem
chegar a qualquer acordo, poder-se-ia
dizer que falta lugar para muitos outros
milhares de infratores. Outros 100.000?
200.000? 300.000? Ningum sabe.
Como
se tudo isto no bastasse, a velocidade
de novos ingressos nas prises do pas
absolutamente assustadora. No sistema
penitencirio do estado de So Paulo,
por exemplo, ingressam, em mdia, 1.000
novos presos a cada ms. Acentue-se que,
ao se falar de novos presos, j se est
considerando a diferena entre presos
que ingressam e presos que saem em liberdade.
Resultado: brutais nveis de superlotao.
Superlotao. Violncia. Corrupo. Condies
de cumprimento de pena absolutamente desumanas
e degradantes. Homens e mulheres tratados
como animais. O sistema penitencirio
brasileiro vive uma crise profunda. Aqui
so sistematicamente ignoradas tanto a
legislao nacional, quanto a extensa
legislao internacional que trata da
questo penitenciria. E no nos esqueamos:
o Brasil signatrio dessa legislao
internacional. Parece no haver qualquer
compromisso com a istrao de um
sistema penitencirio respeitador das
leis.
A
crise do Sistema Penitencirio brasileiro
tem sido objeto constante de cobertura
da mdia, principalmente quando presos
se rebelam, freqentemente fazendo refns,
nas fugas e nos constantes episdios de
violncia entre grupos de presos que controlam
unidades prisionais e disputam poder dentro
e fora dos muros. A corrupo que grassa
nas prises do pas e a dramtica situao
de superlotao tambm povoam o noticirio
cotidiano. As poucas aes positivas,
que eventualmente geram resultados concretos
para a melhoria da gesto prisional, raramente
chegam ao conhecimento da sociedade. A
sensao mais comum de que estamos diante
de uma situao absolutamente catica,
principalmente se nos detivermos na anlise
das finalidades da pena privativa de liberdade,
tal como preceituam as leis vigentes no
pas.
De
acordo com a legislao brasileira e com
a legislao internacional, obrigao
do Estado prover educao, sade, trabalho
e assistncia material bsica que contribuam
para a futura reinsero social do preso.
, portanto, inaceitvel que ao custodiar
indivduos que infringiram normas sociais,
o Estado se revele um infrator das leis,
violando toda sorte de direitos, alm
de no agir com rigor no combate violncia
e corrupo. Ademais, o descalabro das
condies de aprisionamento d lugar
busca de estratgias de sobrevivncia,
por parte da populao presa, que acabam
por perpetuar e fortalecer a socializao
de valores de desrespeito vida, de ausncia
de responsabilidade e autonomia e de descrena
na autoridade do Estado e da Lei.
Alterar
o quadro em que se encontra o Sistema
Penitencirio brasileiro requer aes
governamentais firmes que garantam a implementao
das leis, principalmente da Lei de Execuo
Penal/LEP (Lei Federal 7.210/1984) e dos
regulamentos estaduais existentes. Requer,
obviamente, a proposio de uma poltica
penitenciria que estabelea os instrumentos
que possam efetivar as disposies legais.
O trabalho aqui apresentado busca discutir
estratgias que apontem para possibilidades
concretas de mudana, levando-se em conta
as propostas para o Sistema Penitencirio
inseridas no Plano Nacional de Segurana
Pblica proposto pelo candidato Luiz Incio
Lula da Silva durante sua campanha.
O
Captulo 2 traa um rpido panorama do
Sistema Penitencirio brasileiro em nmeros.
Primeiramente, a anlise de algumas sries
histricas d bem a noo da gravidade
do problema que enfrentamos acentuado
crescimento da populao prisional e do
dficit de vagas. Em seguida, apresentamos
um sumrio dos dados encaminhados coordenao
deste trabalho pelos diferentes estados
brasileiros. A anlise detalhada desse
material, acompanhada dos quadros e tabelas
correspondentes, encontra-se no Anexo
1. Para o estabelecimento de uma poltica
penitenciria imprescindvel que se
tenha clareza acerca das bases conceituais
que fundamentam este empreendimento.
necessrio, portanto, esclarecer, diante
das proposies legais e dentro da construo
de um Estado Democrtico de Direito, como
se contextualiza a pena privativa da liberdade
e as suas alternativas na sociedade brasileira,
face aos altos ndices de criminalidade
verificados. preciso indicar, mesmo
que brevemente, em que contexto se gesta
a excluso social de parcela significativa
da populao brasileira, se agudizam os
nveis de desigualdade e se produz solo
frtil para o crescimento brutal da criminalidade
violenta. Tal a discusso pretendida
no Captulo 3.
O
Captulo 4 dedicado ao tema da Gesto
Prisional em seus mltiplos aspectos,
analisando o cotidiano da vida intramuros
e buscando estratgias de superao dos
principais problemas com que se defrontam
presos e seus custodiadores no gerenciamento
da privao da liberdade. Discutiremos
em que medida a priso, enquanto instituio
executora das penas, adquire feies muito
especiais quanto s formas como gerencia
o cotidiano de milhares de pessoas confinadas.
Inmeras so as situaes dirias a serem
istradas, em meio das quais se entrecruzam
exigncias legais, de segurana individual
e coletiva, de satisfao de necessidades
bsicas objetivas e subjetivas, considerando-se,
ainda, que existem diferentes regimes
de cumprimento de penas (regimes fechado,
semi-aberto e aberto). Problemas corriqueiros
podem, rapidamente, dar lugar a episdios
de insurgncia e violncia. Tratase, pois,
de uma gesto delicada, em que os custodiadores
tm um papel muito importante, j que
a ausncia da liberdade tambm retira
dos presos grande parte de sua autonomia.
O
conhecimento da cultura prisional revela
que a convivncia dos presos entre si
e com seus custodiadores apresenta muitas
peculiaridades. Tambm as relaes entre
os gestores da segurana penitenciria
e os da assistncia aos presos so objeto
de permanentes dificuldades. Mdicos,
dentistas, enfermeiros, assistentes sociais,
psiclogos e professores aparentemente
se colocam como os gestores da assistncia,
enquanto que os agentes de segurana se
vm como responsveis pela segurana individual
e coletiva. Tal dicotomia acaba sinalizando
responsabilidades distintas, enganosas,
como se um grupo de custodiadores trabalhasse
pr preso, enquanto outro atuasse contra
o preso. Na verdade, todos trabalham
na custdia de presos, com inseres diferenciadas
de acordo com suas atribuies profissionais,
o que possibilita operacionalizar a execuo
da pena.
O
Captulo 5 discute as formas de controle
interno e externo do sistema penitencirio
e traz propostas muito concretas de aperfeioamento
dos rgos existentes e da criao de
novos mecanismos de controle. A despeito
de a mdia ocupar-se do sistema penitencirio
no momento do escndalo, das rebelies,
dos episdios vergonhosos de corrupo
e das fugas, o cotidiano da vida nas prises
padece de brutal invisibilidade e poucos
so os mecanismos institudos que efetivamente
funcionam no sentido de revelar como se
processa o confinamento dos indivduos
presos. Carecemos de instrumentos que
dem visibilidade ao que ocorre no interior
das prises: a Lei de Execuo Penal prope
rgos fiscalizadores, mas nem todos tm
a eficcia necessria, seja por que nos
acostumamos a naturalizar que a priso
sempre foi assim, ou mesmo por que no
existe por parte da sociedade a proposio
firme de exercer o controle sobre a ao
do Estado na custdia de presos. Por isso
mesmo, a criao de instituies de controle
interno e externo do sistema prisional,
que possam realizar o contnuo monitoramento
da vida intra-muros, fundamental se
desejamos alterar uma cultura de violncia
institucional e ar para uma cultura
de proteo aos direitos humanos.
Em
busca desta nova cultura, a capacitao
continuada dos recursos humanos que desempenham
a custdia fundamental, sendo tema para
o Captulo 6 que versa sobre Capacitao
de Pessoal no sistema penitencirio. Vale
lembrar que no temos, no Brasil, formao
profissional anterior ao o ao emprego
dos agentes do Estado envolvidos com a
custdia, principalmente dos agentes de
segurana penitenciria. Estes so recrutados
por mecanismos formais que, na verdade,
no logram avaliar conhecimentos ou formao
tico-poltica voltados ao desempenhodas
funes de segurana. Tudo isto porque
no temos, ainda, o cargo de agente de
segurana penitenciria ocupado por um
profissional. O que existe o detentor
de um ofcio e a proposta aqui apresentada
a da profissionalizao para a rea
de segurana penitenciria, a ser desenvolvida
como uma poltica pblica de educao.
Ao lado disto, discutiremos a necessidade
da capacitao continuada a ser realizada
por Escolas de Formao Penitenciria
nos estados, tanto para agentes, quanto
para os demais profissionais da assistncia.
O
Captulo 7 trata de um tema muito delicado:
a gesto de recursos humanos no mbito
do sistema penitencirio. Hoje, a maior
parte dos sistemas penitencirios estaduais
no dispem de planos de cargos e salrios.
Tal situao produz graves conseqncias
no gerenciamento de pessoal. Alm desta
falta de definio quanto projeo do
futuro funcional dos servidores, acrescem
as ms condies de trabalho, vivenciadas
em ambiente em que so constantes as situaes
de emergncia e risco. Carecemos de uma
poltica de sade do trabalhador, instrumento
usual hoje em toda empresa de mdio e
grande porte.Propostas nessas reas fazem
parte do Captulo 7.
Alguns
temas muito esquecidos e carentes de propostas
adequadas tambm sero objeto de discusso
do trabalho aqui apresentado: a situao
da mulher presa, e de seus filhos em idade
de freqncia a creches, e a questo dos
egressos diante dos dilemas da reinsero
social. O Captulo 8 tratar desses temas.
Como a populao prisional masculina
significativamente mais numerosa em todos
os pases do mundo, as prises so basicamente
concebidas para homens e suas regras e
regulamentos definidos por homens. A especificidade
da mulher presa freqentemente ignorada.
As questes de gnero, quando se discute
sistemas penitencirios, deve ser tema
central das preocupaes de quem istra
a privao da liberdade. A questo do
egresso penitencirio tambm mereceu ateno
neste trabalho. Raros so os programas
que objetivam apoiar o indivduo que reencontra
a liberdade, embora a legislao seja
muito clara a respeito das obrigaes
do Estado nesta rea. A reviso de algumas
estratgias hoje existentes e propostas
no sentido de criar mecanismos de e
ao egresso penitencirio fazem parte do
Captulo 8.
No
Captulo 9 ser discutida a questo da
terceirizao de unidades prisionais e
da privatizao. Foram realizadas visitas
aos estados do Paran e Cear que adotam
o sistema que intitulam de terceirizao,
mas que no a de completa privatizao
dos diferentes servios, inclusive daquele
de segurana. Uma anlise da realidade
brasileira nessa rea e uma breve discusso
mais geral do tema fazem parte desse item.
Nas concluses sero revistas, de forma
resumida, as propostas contidas ao longo
do documento, com a preocupao de enfatizar
a necessidade ou no de mudanas legislativas
para que se viabilizem as referidas propostas.
Dedicaremos, tambm, espao ao tema das
alternativas pena de priso no contexto
brasileiro e necessidade de mudanas
legislativas emergenciais que permitam
maior utilizao das alternativas como
uma das formas decontribuir para a superao
da crise do sistema penitencirio no pas.
O Brasil definitivamente no pode se dar
ao luxo de encarcerar o infrator que no
violento e perigoso. Nunca demais
lembrar que um preso no pas custa, por
ms, dezessete vezes mais do que um aluno
em programas de alfabetizao. Se levarmos
em conta que o Brasil convive com a cifra
infamante de um milho e quinhentos mil
adolescentes analfabetos, no difcil
imaginar que precisamos, com urgncia,
reservar as prises para o infrator que
se constitui em risco concreto segurana
da populao.
Nesse
sentido, discutiremos, a necessidade de
o governo federal desenvolver ampla campanha
de esclarecimento da populao quanto
ineficcia da pena de priso enquanto
instrumento de controle social. Est mais
do que na hora de se itir, sem qualquer
hipocrisia, que a pena de priso serve
para castigar e que a to proclamada ressocializao
do infrator no a de uma impostura,
ou, como diz Maria Lucia Karan2 de propaganda
enganosa de um sistema de justia
criminal que foi idealizado para punir
o pobre, nada mais do que isso.
O
presente trabalho vem acompanhado de trs
Anexos. O Anexo 1 constitudo por grficos
e tabelas que renem as informaes encaminhadas
pelos estados, em resposta ao questionrio
elaborado pela coordenao deste trabalho.
Ao todo, 27 estados responderam o questionrio,
com exceo de Roraima e Paraba. So
61 grficos e 78 tabelas com informaes
das mais variadas, desde temas relativos
gesto prisional, at dados sobre o
perfil dos presos. Integra o Anexo 1 a
anlise de todo este material que, na
verdade, mapeia a realidade do sistema
penitencirio brasileiro nos dias de hoje.
Vale ressaltar a importncia do Anexo
1 na medida em que se conhece muito pouco
do que vai pelas prises do pas os
estados no produzem dados para consulta
e, em geral, no esto informatizados.
O
Anexo 2 uma avaliao de documentos
enviados pelos sistemas penitencirios,
a nosso pedido: leis, decretos, portarias,
editais de concursos, etc. 14 estados
nos encaminharam algum tipo de documentao
e consideramos importante reunir e analisar
esse material, produzido pelos diferentes
estados, de forma a conhecer um pouco
como se d a gesto penitenciria pelo
Brasil afora. Com isso constituiu-se um
banco de dados que pode ser extremamente
til para consulta por estados que buscam
orientao para elaborar documentos semelhantes.
H referncias a modelos de regulamentos
penitencirios, a portarias que disciplinam
a revista de visitantes, etc.
O
Anexo 3 a proposta de criao de uma
diviso de sade no DEPEN, considerando
que, muito em breve, haver unidades prisionais
federais.
Finalmente,
importante mencionar que, embora o texto
final deste trabalho seja de inteira responsabilidade
da equipe que o produziu, alguns especialistas
tiveram importante participao em sua
elaborao. Ressaltem-se as seguintes
contribuies:
1.
Na rea da sade, uma equipe da Superintendncia
de Sade da Secretaria de istrao
Penitenciria do Estado do Rio de Janeiro
desenvolveu o Anexo 3, do qual foram retiradas
recomendaes constantes dos itens 4.4.2.
e 7.3. Para a relao dos profissionais
que contriburam para a elaborao do
documento conferir Anexo 3.
2.
O item 4.4.3. incorpora sugestes de Julio
Ribeiro.
3.
O texto que Olga Spinoza elaborou sobre
a questo da mulher presa encontra-se
reproduzido no item 8.1. e 8.1.1.
4.
A questo das creches um resumo do
texto que Claudia Stella preparou a pedido
da coordenao deste trabalho.
5.
O item 8.2. , tambm, um resumo do texto
que Milton Julio de Carvalho Filho redigiu
a nosso pedido.
6.
O captulo 9, Privatizao no sistema
penitencirio, incorpora o texto que Augusto
Thompson elaborou, tambm a nosso pedido.
2.
Panorama Geral do Sistema Penitencirio
Brasileiro em Nmeros
2.1.
A Evoluo da Populao Carcerria
Existem
dados razoavelmente confiveis para o
crescimento da populao carcerria no
Brasil entre os anos de 1995 e 2003, quando
o nmero de presos por 100.000 habitantes
cresceu 84%, como demonstra o Grfico
1, abaixo. Considerando-se o crescimento
da populao carcerria em outras partes
do mundo, percebe-se que tal nmero
bastante acentuado. Ao longo dos anos
1990 o crescimento mdio do nmero de
presos variou entre 20 e 40% nos mais
diversos pases. No entanto, alguns pases
das Amricas tiveram crescimento muito
maior: Estados Unidos, Mxico, Argentina,
Brasil e Colmbia, viram sua populao
carcerria crescer entre 60 e 85%. 1 De
maneira geral, os especialistas sustentam
que o crescimento da populao prisional
ao redor do mundo no guarda qualquer
relao com as taxas de criminalidade.
Ou seja, o nmero de presos no cresceu
porque havia mais infratores cometendo
crimes. As taxas de encarceramento por
100.000 habitantes aumentaram, basicamente,
porque os diferentes pases adotaram legislaes
mais duras em dois momentos: na condenao
(impondo penas mais longas) e na liberao
de presos (limitando os benefcios que
abreviavam as penas). Voltaremos a esse
assunto no Captulo 9.
Grfico
1. Crescimento da populao carcerria
no Brasil - 1995 a 2003
Fonte:
Para o Rio de Janeiro: DESIPE; para So
Paulo: Sistema istrao Penitenciria;
para outros estados: Ministrio da Justia.
Para o ano de 2003 foram utilizados os
dados colhidos por este trabalho.
2.2.
A Evoluo do Nmero de Presos, Vagas
e Dficit
Considerando-se
o somatrio do nmero de presos nos sistemas
penitencirios estaduais e aqueles abrigados
em delegacias policiais, ainda de acordo
com dados do Ministrio da Justia, o
Brasil ou de 148.760 presos em 1995
para 284.989 em 2003. Houve, no mesmo
perodo, um esforo muito grande de gerao
de novas vagas, tendo sido criadas 112.132
novas vagas em dezenas de unidades prisionais
pelo pas afora. amos, assim, de 68.597
para 180.726 vagas. No entanto, a despeito
do investimento de recursos considerveis,
nos diferentes estados, para a construo
dos novos estabelecimentos, o dficit
de vagas hoje muito maior do que em
meados dos anos 1990. De acordo com os
nmeros do Ministrio da Justia, o dficit,
em junho de 2003, era de 104.363 vagas.
Vale ressaltar que este assunto ser tambm
retomado no Captulo 9 e, por ora, basta
que se registre a dimenso do problema.
Grfico
2. Populao carcerria, nmero de vagas
e dficit de vagas- 1995 a 2003
Fonte:
Ministrio da Justia
1.2.
Anlise das Informaes dos Estados
No
Anexo 1 ao presente trabalho, podem ser
encontrados o modelo do questionrio que
foi encaminhado aos estados e a ntegra
da anlise de todas as informaes geradas
pelo referido instrumento, relativas ao
contedo de 68 grficos e 78 tabelas.
O material a seguir um sumrio desse
conjunto de informaes, cabendo recomendar
que os resultados sejam considerados com
cautela, na medida em que, a despeito
do esforo de crtica dos dados e checagem
de muitos deles com os diferentes estados,
ainda se constatam algumas inconsistncias.
H informaes truncadas e h dados faltosos.
Os estados no possuem dados informatizados
e, em sua maior parte, muitas informaes
foram coletadas exclusivamente para este
trabalho. Embora, ao longo do Anexo 1,
sejam apontados diversos problemas com
os dados, procuraremos aqui, a ttulo
de sumarizar os resultados, cobrir as
questes mais gerais e menos contaminadas
por incongruncias. Vale ressaltar que
os dados referem-se ao ano de 2003.
Segundo as informaes coletadas,
o Brasil tinha, em novembro de 2003, 302.495
presos, dos quais, 227.670, ou 75,3%,
em unidades dos sistemas penitencirios
e 74.825, ou 24,7%, em delegacias policiais.
De acordo com a lei, xadrezes de delegacias
no esto destinados ao abrigo de presos,
a no ser pelo tempo necessrio para lavratura
de um flagrante e identificao;
O nmero de presos abrigados em delegacias
de polcia muito grande em diversos
estados. Em trs estados mais de 50% dos
presos esto fora dos sistemas penitencirios
e em sete estados mais de 30% dos presos
esto em delegacias, em flagrante desrespeito
legislao do pas;
As mdias mensais de novos ingressos
nos sistemas penitencirios so muito
altas. Em 10 estados a mdia mensal
de novos ingressos superior a 5% do
total da populao carcerria abrigada
nos sistemas penitencirios, o que, bviamente,
inviabiliza qualquer tentativa de planejamento
estratgico conseqente da poltica penitenciria;
Comparando-se as mdias mensais de
novos ingressos e de liberaes (seja
por trmino de pena, liberdade condicional
ou desinternao, esta no caso dos inimputveis),
percebe-se que os primeiros equivalem
a quase o dobro do nmero de liberaes.
Ou seja, o sistema penitencirio funciona
como um verdadeiro funil, o que explica
o crescimento do nvel de superlotao
ao longo dos anos, a despeito da criao
de milhares de novas vagas, como j mencionado;
Nos sistemas penitencirios, cerca
de 70% dos presos esto condenados e o
restante aguarda julgamento, o que pode
ser considerado aceitvel segundo mdias
internacionais;
75,8% dos presos nos sistemas penitencirios
cumprem pena em regime fechado, aproximadamente
13% em regime semi-aberto e 2,7% em regime
aberto, o que parece indicar rigor do
judicirio na aplicao da lei e mesmo
o endurecimento da legislao.
36% dos presos que se encontram em
delegacias policiais j esto condenados,
contrariando diplomas legais do pas e
internacionais;
Mais de 4.000 presos, condenados nos
regimes semi-aberto e aberto, cumprem
pena em delegacias policiais, estando
impossibilitados de usufruir dos benefcios
que a lei faculta a condenados nesses
regimes, como o trabalho externo e as
visitar ao lar;
Em 20% dos estados houve a criao
de Secretarias de istrao Penitenciria
para gerir os sistemas penitencirios
estaduais, demonstrando a crescente importncia
dessa rea da istrao pblica, sempre
marcada por crises e convivendo com uma
populao carcerria crescente;
25% dos estados no possuem Regulamento
Penitencirio. Ora, a Lei de Execuo
Penal data de 1984 e deveria ter sido
regulamentada a seguir, por todos os estados.
O fato de 25% dos estados, depois de 20
anos, ainda no contarem com tais instrumentos
de gesto, constitui-se em fato muito
grave. E, pior ainda, apenas 50% dos estados
contam com manuais de atribuies das
diferentes funes nos sistemas penitencirios.
Tudo isto est a indicar que a improvisao
parece ser a marca da gesto prisional
em muitos estados do pas;
42% dos estados tm convnio com o
SUS na rea do sistema penitencirio.
Tomando-se como referncia o estado do
Rio de Janeiro, o primeiro a estabelecer
convnio com o SUS para o Sistema Penitencirio,
ainda em 1992, lamentvel constatar
que, mais de dez anos depois, ainda
pequeno o nmero de estados que recebem
verbas do Ministrio da Sade para atender
s necessidades de assistncia sade
dos presos;
94,4% da populao carcerria constituda
de homens e 4% de mulheres, o que se aproxima
s mdias internacionais;
A populao carcerria muito jovem:
18,3% tm entre 18 e menos de 25 anos
e 23,2% dos presos tm entre 25 e menos
de 30 anos. Acompanhando uma tendncia,
tambm mundial, a populao de presos
vem apresentando um perfil cada vez mais
jovem;
A populao carcerria brasileira
apresenta nvel de escolaridade muito
baixo. 70% dos presos no completaram
o 1 grau e, o que pior, 10,4% dos presos
so analfabetos;
Quanto aos artigos de maior condenao,
23,9% dos presos esto condenados no Art.157
(roubo); 10,5% no Art. 12 (trfico de
entorpecentes); 9,1% no Art. 155 (furto);
e 8,9% no Art. 121 (homicdio);
Quanto ao tamanho da pena, 15,7% dos
presos foram condenados a penas de 1 a
4 anos; 20,2% dos presos foram condenados
a penas de 5 a 8 anos; e o restante, ou
seja, 64%, foram condenados a penas de
9 anos ou mais, o que indica o rigor do
Judicirio na aplicao de uma legislao,
por si mesma rigorosa;
Em 17% dos estados no h controle
do trmino de pena dos presos e, o que
pior, entre os estados que o fazem cerca
de 32% no tm esse controle informatizado,
o que nos leva a supor que muitos presos
permanecem privados da liberdade para
alm dos prazos legais, no apenas no
que se refere a penas cumpridas, como
obteno do livramento condicional;
Apenas 17,3% dos presos esto envolvidos
em alguma atividade educacional.
Levando-se em conta que 70% dos presos
no terminaram o 1 grau e que cerca de
10% so analfabetos, bvio que os sistemas
penitencirios no parecem estar interessados
em alterar esse quadro. Ademais, considerando
que 83,3% dos estados mantm convnios
com as Secretarias de Educao para o
desenvolvimento de atividades educacionais,
o quadro resulta ainda mais absurdo;
Apenas 26% dos presos esto envolvidos
em atividades laborativas o que, no mnimo,
limita a possibilidade da remio da pena
pelo trabalho (um dia trabalhado = menos
trs dias de pena), o que se constitui
em direito do preso, alm de refletir
a histrica incompetncia do Estado brasileiro
em prover trabalho ao preso. E, o que
pior, em muitos estados menos de 10%
dos presos trabalham. Se muitos cometeram
crimes por jamais terem aprendido um ofcio
ou, por inmeras circunstncias da vida,
jamais terem desenvolvido o gosto pelo
trabalho, os sistemas penitencirios fazem
muito pouco para mudar tal estado de coisas;
Apenas 20% dos presos condenados em
regime semi-aberto trabalham fora dos
muros, mas 76% tm autorizao para visitar
suas famlias;
70% dos presos recebem visitas e 27
% recebem visita ntima. Vale ressaltar
que 36% dos estados afirmaram que autorizam
visitas ntimas entre parceiros homossexuais.
H mais de 2.000 presos comprovadamente
portadores do vrus HIV+ no sistema penitencirio
brasileiro. Considerando-se que, de acordo
com orientao da Organizao Mundial
de Sade, a checagem obrigatria vedada,
pode-se imaginar que este nmero seja
muito mais alto;
Cerca de 88% dos estados informaram
que h distribuio regular de material
de higiene nos seus sistemas penitencirios
e 40% sustentam que distribuem vesturio
e roupa de cama. Vale ressaltar que em
nossas visitas a diferentes estados foi
constatado que, mesmo aqueles que eventualmente
distribuem tais itens, no o fazem regularmente.
Aproximadamente 50% dos sistemas penitencirios
estaduais no contam com creches para
os filhos pequenos de mulheres presas,
o que contraria a Lei de Execuo Penal;
Em 60% dos estados h censura correspondncia,
em desrespeito Constituio Brasileira;
Em 82,6% dos estados h servidores
desviados de funo, o que aponta para
uma grave distoro dos sistemas penitencirios.
Historicamente, se realizam muito mais
concursos para agentes de segurana penitenciria
do que para as reas istrativa e
tcnica (advogados, psiclogos, assistentes
sociais, mdicos, etc). O resultado so
carncias profundas em determinadas reas
que acabam supridas por quem fez concurso
para agente de segurana penitenciria
e revela aptido para tal ou qual tarefa,
ou mesmo possui diploma universitrio
que permite o exerccio desta ou daquela
profisso dentro dos muros;
Nos diferentes sistemas penitencirios,
policiais militares participam das atividades
de formas diversas. Em 45,8% dos estados,
policiais militares dirigem os sistemas
penitencirios e em 66,7% dos casos h
policiais militares dirigindo unidades
prisionais. Em cerca de 80% dos estados
a polcia militar que faz a escolta
de presos e em todos os estados, exceo
de So Paulo, so policiais militares
que se responsabilizam pela segurana
externa das unidades;
Apenas 20% dos estados contam com
Escolas de Formao Penitenciria, o que
revela o absoluto descompromisso com a
formao e a capacitao continuada do
pessoal penitencirio;
Em 70,8% dos sistemas penitencirios
no h planos de cargos e salrios, o
que aponta para o improviso em que se
d a gesto prisional;
Apenas 16,7% dos estados contam com
Patronatos, indicando que a questo do
egresso no considerada uma questo
importante. Muito ao contrrio, os sistemas
penitencirios apenas se ocupam daqueles
privados da liberdade, e se ocupam mal,
como est demonstrado pelos nmeros aqui
relatados, no havendo qualquer compromisso
em apoiar quem sai da priso;
Em 66,7% dos estados j se encontra
a terceirizao de uma srie de servios,
notadamente daqueles relacionadas com
a feitura e distribuio de alimentao
aos presos.
Em 68% dos estados h projetos em
parceria com a sociedade civil;
Em 72% dos estados os sistemas penitencirios
identificam e separam presos por faces,
indicando que o Estado est longe de exercer
controle efetivo sobre as unidades prisionais.
E, o que pior, sabe-se que, freqentemente,
a identidade com determinado grupo acaba
por materializar-se a partir da provocao
do gestor prisional;
39% dos estados no tm Conselhos
da Comunidade e, onde tais Conselhos existem,
os mesmos so atuantes, fazendo monitoramento
das unidades prisionais, em apenas 52%
dos casos;
Em 28% dos estados no existe Defensoria
Pblica, sendo a assistncia jurdica
aos presos muito comprometida;
Em 24% dos estados os castigos e recompensas
no esto regulamentados.
Em apenas 88% dos estados havia, em
novembro de 2003, CTCs constitudas de
acordo com a LEP;
Houve mais de 4.000 fugas no sistema
penitencirio brasileiro no ano 2003;
303 presos foram assassinados por
outros presos nos sistemas penitencirios
estaduais. Ora, considerando-se que homens
e mulheres privados da liberdade encontram-se
sob a responsabilidade do Estado, gravssimo
constatar que as mortes acontecem em propores
alarmantes e rigorosamente nada se faz,
no se ouvindo falar de indenizaes s
famlias desses presos;
50% dos sistemas penitencirios no
contam com Corregedorias, rgo de controle
interno por excelncia, que deveria necessariamente
fazer parte da estrutura de qualquer sistema
penitencirio estadual. Considerando-se
os nveis de corrupo e violncia, de
irregularidades e ilegalidades de toda
ordem, que grassam nas prises do pas,
indesculpvel que no se trate de criar
Corregedorias para lidar com tais problemas.
36% dos estados alegaram ter Ouvidorias,
o que, no mnimo, surpreendente, se
levarmos em conta os dados do tem anterior.
Ouvidorias so rgos de controle externo
e seriam necessrias anlises cuidadosas
sobre o funcionamento de tais Ouvidorias
para que as mesmas pudessem ser consideradas
efetivos rgos de controle externo, ao
invs de estratgias dos prprios sistemas
penitencirios, com independncia muito
limitada e relativa;
91,7% dos sistemas penitencirios
estaduais contam com detectores de metal
em suas unidades e 8,3% com bloqueadores
de telefones celulares. A grande quantidade
de detectores de metal, basicamente de
portais para tal fim, esto a indicar
a possibilidade de reviso dos mtodos
empregados na revista dos visitantes,
sempre humilhantes e vexatrios;
Em cerca de 30% dos estados as revistas
dos visitantes no se encontram regulamentadas,
o que, obviamente, d margem a muita arbitrariedade.
3.
Requisitos para uma Poltica Penitenciria
3.1.
O Estado e a Poltica Penitenciria
A
poltica penitenciria no Brasil, enquanto
poltica pblica, responsabilidade do
Estado, inserindo-se nas chamadas polticas
de segurana pblica. E, para se compreender
os dilemas da poltica penitenciria
preciso rever, mesmo que brevemente, como
se constituiu o Estado brasileiro, especialmente
no sculo XX. preciso que nos voltemos
para a histria recente do Brasil, principalmente
dos anos 1930 at hoje, perodo em que
ocorrem grandes mudanas no cenrio brasileiro,
decorrentes das condies mais gerais
do desenvolvimento do capitalismo mundial.
Nos
anos 1930, o Brasil era um pas eminentemente
rural, com 70% de sua populao vivendo
no campo, vinculada produo agrcola
e pecuria. Cinqenta anos mais tarde,
constatava-se o inverso: 70% da populao
habitava as cidades e 30% o campo. Assim,
at 1930, a economia brasileira centrava-se
na produo e comercializao de produtos
agrcolas. A partir de ento, a industrializao
nas grandes cidades transforma o pas,
em 1980, na oitava economia do mundo.
O Brasil torna-se uma potncia industrial
mdia, produzindose ao longo do sculo
uma mudana radical no perfil da sociedade:
gradualmente, a fora de trabalho desloca-se
do campo para as cidades, confluindo em
cintures urbanos de migrantes, a grande
maioria se inserindo no mercado industrial,
trazendo consigo o analfabetismo, o desraizamento
cultural, ao lado da expectativa de uma
vida melhor na cidade grande. Entretanto,
o grande sonho foi sendo cotidianamente
desmontado, com a gradativa ausncia do
Estado na promoo de o daquela populao
e de suas geraes descendentes a direitos
sociais bsicos como educao, sade,
habitao e saneamento, entre tantos outros.
Para se compreender o caos urbano dos
cintures de pobreza, formados nos ltimos
cinqenta anos, preciso lembrar o Estado
que tnhamos e qual o seu legado.
A
marca fundamental do Estado brasileiro
no perodo 1920-1980 seu carter desenvolvimentista
(lembremos o governo JK e os cinqenta
anos em cinco), conservador, centralizador
e autoritrio. O Brasil no vivenciou
o chamado Estado do Bem Estar (Welfare
State) europeu. O Estado brasileiro se
notabilizou como promotor do desenvolvimento,
buscando consolidar o processo de industrializao
e tornar o Brasil uma grande potncia.
Implcito, pois, estava o papel do Estado
de promover a acumulao privada na esfera
produtiva.
Na
sua funo desenvolvimentista, o Estado
no buscava alterar a qualidade das relaes
na sociedade, marcada desde o perodo
colonial pela escravido, pelo autoritarismo
das istraes pblicas e das elites
em relao populao. Do ponto de vista
poltico, o Estado no alterou as relaes
de explorao entre as classes, de subjugao
dos pobres lei, e da distribuio de
benesses s elites dirigentes e aos mandatrios
da economia. A essncia das polticas
pblicas gestadas pelo Estado est voltada
para o crescimento e a acumulao econmica,
acompanhando o movimento do capitalismo
internacional, nos seus avanos e crises.
E,
ao lado de seu carter desenvolvimentista,
o Estado brasileiro revela-se profundamente
centralizador e conservador. Vem de longe
a tradio do Estado brasileiro de assumir
muito mais o objetivo de crescimento econmico
e, muito menos, o da proteo social do
conjunto da sociedade. O Estado centralizador
busca fazer, produzir, conservando
as relaes sociais estabelecidas. No
se construiu um Estado regulador das
relaes sociais, proposto a dialogar
e negociar com a sociedade. E, alm de
centralizador , tambm, autoritrio:
tivemos duas longas ditaduras o perodo
Vargas e a ditadura militar inaugurada
com o golpe de 1964.
Considerando
seu carter autoritrio, o Estado no
necessitou legitimar-se perante maior
parte da sociedade. As questes sociais
decorrentes, desde o incio do sculo
ado, do processo de industrializao
e da prioridade econmica, foram se acumulando
e tratadas, na maior parte das vezes,
como caso de polcia. As ditaduras produziram
uma vertente ideolgica de segurana
pblica caracterizada pelo combate aos
subversivos ordem oficial instituda,
transformando-se, ao longo das ltimas
dcadas, em combate aos pobres. O chamado
Estado fazedor promoveu o desenvolvimento
da infraestrutura de portos, rodovias,
telecomunicaes e siderurgia, rea que
exige investimento substantivo, para oferecer
ao setor produtivo privado as bases para
sua expanso. Alm de implementar e conservar
tal infraestrutura, acabou por privatizar
grande parte daquilo que foi construdo
com recursos pblicos.
Ao
lado da grande tarefa desenvolvimentista,
o Estado fazedor ocupou-se, diante de
circunstncias conjunturais, de regular
os interesses contrrios a seu projeto.
No Governo Vargas, por exemplo, o Estado
estabeleceu as regras de convivncia entre
capital e trabalho, regulamentando tais
relaes atravs da legislao trabalhista.
A criao de inmeros rgos de assistncia
ao operariado, como o SESC, SENAI, SESI,
Institutos de Aposentadorias e Penses
(embrio do INSS), so o legado getulista
concebido para dirimir conflitos nasrelaes
dos trabalhadores com o patronato.
Ao
longo dos ltimos vinte anos, acentuaram-se
as chamadas polticas compensatrias,
de reparao e atendimento s necessidades
bsicas de sobrevivncia da populao
pobre, das quais so exemplo o ticket
do leite no Governo Sarney, cestas bsicas,
cheque cidado, vale gs, e tantos outros,
sem que se tenham constitudo polticas
pblicas que realmente contribussem para
alterar significativamente a condio
de vida desses indivduos.
A
partir de 1988 temos uma Carta Constitucional
com proposies inclusivas de toda a populao,
por exemplo, na questo da sade, com
o universal rede pblica, ao contrrio
do que acontecia anteriormente, quando
os recursos de sade estavam destinados
ao cidado trabalhador com vnculo empregatcio.
O Sistema nico de Sade, como poltica
pblica, trouxe a possibilidade de tratamento
da populao, sem qualquer categorizao,
e a Carta de 1988, promulgada ao longo
do perodo de redemocratizao do pas,
prope as bases para um novo Estado Democrtico
de Direito. A sociedade brasileira recupera
na dcada de 1980 um conjunto de direitos
civis e polticos que possibilita a mobilizao
e luta pelo o a direitos sociais
e pela busca da diminuio da distncia
que separa as classes, as regies e os
bairros de uma cidade, como se fossem
mundos excludentes quanto qualidade
de vida e condies de sobrevivncia.
Assim,
torna-se claro que, para o Estado Democrtico
de Direito se consolidar, muito significativa
a luta pela efetividade das leis. Enfrentamos
o desafio de fazer com que as leis no
se efetivem apenas para os pobres quando
se trata, por exemplo, de pun-los ou
enquadrar suas aes ilcitas. A efetividade
de um regime democrtico, pautado sob
o ponto de vista formal, no seu aparato
legal, avana no sentido de estabelecer
no apenas quem so os portadores de direitos
de cidadania, mas garantir o o universal
e includente a esses direitos. E a garantia
do o aos direitos requer a gesto
de mecanismos de controle social para
a sua efetivao.
Guilhermo
ODonnell3 discute a no efetividade das
leis nos pases da Amrica Latina e sustenta
que o que a populao conhece o
Estado Democrtico que pode estar presente
na forma de prdios e funcionrios pagos
pelos oramentos pblicos. Mas, o Estado
legal est ausente: qualquer que seja
a legislao formalmente aprovada existente,
ela aplicada de forma intermitente e
diferenciada.
Ao
longo da dcada de 1980, sob a gide da
liberdade poltica, parte da populao
a claramente a reivindicar direitos.
Do ponto de vista econmico, ingressamos
na dcada de 1990 com dois teros da populao
fora do mercado formal de trabalho, vivendo
tambm o pas a grande crise mundial do
capital e seus corolrios: a globalizao,
a reestruturao produtiva e a financeirizao
da riqueza, com a agudizao das questes
sociais. Tudo isto, evidentemente, perado
pela hegemonia da ideologia neoliberal.
Alguns ditames prevalecem, tais como:
Quanto menos Estado e quanto mais mercado
melhor, ou ainda: Quanto mais individualidade
e quanto menos coletividade melhor. Dentro
desta tica neoliberal redefine-se o papel
do Estado: este recolhe-se da produo.
H menos Estado na regulao e, portanto,
h mais presena do mercado. Em conseqncia,
o Estado enxuga a sua responsabilidade
na promoo e gesto de polticas pblicas
e, em substituio, mais mercadorias e
servios substitutivos surgem no mercado.
A sade pblica transforma-se na mercadoria
Planos de Sade, a educao tratada
como mercadoria, ada atravs da
variedade de cursos pagos. O Sistema Penitencirio,
igualmente, j encontra na sua gesto
servios vendidos ao Estado por empresas
privadas.
No
Brasil, nos estados do Paran, Acre e
Cear os governos compram os servios
de custdia e assistncia aos presos de
empresas executoras da pena privativa
de liberdade. O Estado se desonera, pois,
de sua funo precpua, contrariando inclusive
a legislao internacional. A ausncia,
ou qui, a fragilidade das polticas
penitencirias, como instrumentos do Estado
para operar a Lei de Execuo Penal no
Brasil se reportam, pois, aos diferentes
aspectos cultuados ao longo da histria
do Estado brasileiro na conduo das polticas
pblicas: autoritarismo e maus tratos
fsicos de um lado, escassez de investimentos
pblicos em programas de capacitao profissional,
de educao formal, de trabalho e ocupao
da mo de obra ociosa de outro, alm da
falta de manuteno dos prdios das prises
e da capacitao continuada dos funcionrios,
do abandono da assistncia sade, jurdica
e material. Portanto, as prises reproduzem,
no seu interior, a mesma irresponsabilidade
do Estado em relao populao como
um todo, quadro agravado em relao aos
presos face ao fato de sofrerem da excluso
moral peculiar aos transgressores das
normas sociais. Insista-se que o Estado
mnimo brasileiro tornou estrutural a
excluso social de grande percentual de
nossa populao. So mais de 40 milhes
de brasileiros vivendo abaixo da linha
da pobreza. Tal conjuntura acelera ainda
mais a histrica concentrao de renda
em nosso pas, onde 1% dos mais ricos
detm mais de 35% de nossas riquezas,
enquanto os 10% mais pobres detm somente
1,1% da riqueza nacional. Esta imobilidade
social sistmica faz da populao mais
pobre uma massa de sub-cidados, sem possibilidade
de se empregarem.
Nasce
uma nova classe perigosa4 , aqueles que
sobraram da sociedade de mercado. Essa
massa de excludos formado por pobres,
sendo uma maioria de jovens no brancos,
que sem direitos sociais, vai superlotar
delegacias de polcia, manicmios, abrigos
de menores, ruas e presdios. Segundo
Zigmunt Bauman, a pobreza no mais
um exrcito de reserva de mo de obra,
tornou-se uma pobreza sem destino, precisando
ser isolada, neutralizada e destituda
de poder.5
A
dcada de 90 traz grandes avanos democrticos
para o Brasil, porm a conquista da democracia
no resolve, sozinha, os entraves econmicos
e sociais mais agudos da sociedade. Foi
neste perodo que o Brasil se consolidou
como pas mais desigual do mundo. A ideologia
dos modelos de segurana pblica, por
exemplo, continuam pautados pela necessidade
de preservao da ordem excludente, atravs
de rgidos instrumentos de controle social.
A manuteno da ordem vigente se foca
na necessria visibilidade de um inimigo
pblico. O que amos a assistir a
mais absoluta criminalizao da pobreza.
Como diz Loic Wacquant6 , a manuteno
da ordem de classe e a manuteno da ordem
pblica se confundem.
Manter
isolados os novos inimigos pblicos da
sociedade sinal de eficcia do sistema
penal, consolidando-se atrs das grades
a pena de morte social. As prises so
sempre reflexos das sociedades que as
produzem e o abandono e ausncia de polticas
pblicas so espelho da relao do Estado
com as populaes pauperizadas.
3.2.
As Instituies da Execuo Penal
A
Lei 7.210 estabelece quem participa da
execuo penal: O Conselho Nacional
de Poltica Criminal e Penitenciria (CNP),
o Juzo da Execuo Penal (as Varas de
Execues Penais), o Ministrio Pblico,
o Conselho Penitencirio local, o Departamento
Penitencirio Nacional (DEPEN), os Departamentos
Penitencirios locais (na esfera estadual),
o Conselho da Comunidade e os Patronatos.
exceo do ltimo, todos estes rgos
tm, entre outras funes, a de fiscalizar
a aplicao da Lei de Execuo Penal,
o que raramente feito. Nem os rgos
federais, nem os rgos locais que participam
da execuo penal, visitam regularmente
as unidades prisionais, cobrando das autoridades
responsveis pelos sistemas penitencirios
a implementao da lei.
Se
nos detivermos nas funes precpuas do
Conselho Nacional de Poltica Criminal
e Penitenciria e no Departamento Penitencirio
Nacional, ambos da esfera do Poder Executivo
Federal e inseridos no Ministrio da Justia,
perceberemos que a relao entre ambos
se consolida na LEP. O primeiro responsvel
por propor a poltica criminal e penitenciria
e pela insero de metas e prioridades
dessa poltica nos planos nacionais de
desenvolvimento. O Departamento Penitencirio
Nacional, por seu turno, o rgo executor
da poltica estabelecida pelo Conselho
Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria.
Cabe lembrar o que o Plano Nacional de
Segurana Pblica, do ento candidato
Luiz Incio Lula da Silva, recomenda em
relao ao Departamento Penitencirio
Nacional/DEPEN (pg. 74): aprimoramento
do Departamento Penitencirio Nacional
transformando-o em rgo que realmente
cumpra suas finalidades, com dotao financeira
e recursos humanos adequados. De acordo
com a Lei de Execuo Penal (Captulo
VI, Seo 1), o DEPEN rgo executivo
da Poltica Penitenciria Nacional com
responsabilidade, entre outras, de fiscalizar
periodicamente os estabelecimentos penais(o
que nunca feito) e de assistir tecnicamente
as unidades federativas na implementao
dos princpios e regras estabelecidos
neta Lei (o que absolutamente ignorado).
Em
relao ao Conselho Nacional de Poltica
Criminal e Penitenciria, diz o Plano
Nacional de Segurana Pblica (pg. 74):
aprimoramento do Conselho Nacional de
Poltica Criminal e Penitenciria (CNP)
no sentido de que cumpra suas finalidades.
De acordo com a Lei de Execuo Penal,
o CNP tem a responsabilidade de propor
a poltica criminal e penitenciria do
pas e, no entanto, seus membros am
a quase totalidade do tempo .... emitindo
pareceres sobre projetos de lei em tramitao
no Congresso Nacional que raramente se
transformam em realidade. Uma de suas
obrigaes, a de fiscalizar os estabelecimentos
prisionais do pas, ignorada.
Ora,
tanto o DEPEN, quanto o CNP, tm a obrigao
de fiscalizar as unidades prisionais do
pas, cobrando adequao Lei de Execuo
Penal. Evidentemente, o poder de coero
desses rgos s poder ser efetivo quando
o governo federal puder dispor de verbas
significativas para a rea. preciso
prover o DEPEN de recursos humanos e materiais
adequados, alm de verbas considerveis
para auxiliar os estados, no s na construo
de unidades prisionais, mas, principalmente,
no assessoramento tcnico da gesto prisional,
para que se possa pensar no estabelecimento
de uma poltica penitenciria respeitadora
dos direitos dos presos, orientada por
Braslia.
No
possvel itir, por exemplo, que recursos
do Fundo Penitencirio Nacional (FUNPEN)
sejam contingenciados, por ser esta uma
verba que legalmente est destinada, com
exclusividade, ao sistema penitencirio.
Como tambm lembra o Plano Nacional de
Segurana Pblica, no ano 2000 mais de
R$ 200 milhes do FUNPEN foram contingenciados,
em flagrante desrespeito legislao.
Por outro lado, estabelece o Projeto (pg.
74) que devem ser impostas condies especficas
e rigorosas na liberao de verbas federais
para os sistemas penitencirios: Os estados
devero demonstrar que esto desenvolvendo
esforos, por exemplo, na rea do respeito
aos direitos humanos e aos direitos sociais,
combatendo a tortura e os espancamentos
e oferecendo condies mnimas de subsistncia
para a populao carcerria.
Em
relao aos outros rgos da execuo
penal, vale lembrar que tampouco seus
representantes fiscalizam, regularmente,
as unidades prisionais. Embora no se
pretenda, aqui, discutir com maior detalhe
a atuao desses rgos, importante
ressaltar que, com o advento da Lei 10.792,
de 1 de dezembro de 2003, os Conselhos
Penitencirios locais deixam de ter qualquer
responsabilidade sobre a concesso de
livramentos condicionais.
Assim
sendo, ficam dezenas de profissionais
que atuam nesses conselhos, pelo pas
afora, com tempo ocioso que pode ser dedicado,
quase que integralmente, fiscalizao
dos sistemas penitencirios. Mais adiante,
no Captulo 5, voltaremos ao tema da fiscalizao
e suas vantagens.
4.
A Execuo Penal: o Lugar dos Custodiadores
4.1.
A Gesto Prisional
O
mandato da sociedade relativo forma
de punio instituda pela pena privativa
de liberdade encontra, no aparato poltico
ideolgico e burocrtico do Estado, as
condies necessrias para gerenciar os
sujeitos confinados dentro dos muros das
prises. Este mandato vai se alterando
de acordo com o quadro de criminalidade
do pas. Na ltima dcada, o clamor pblico
pelo endurecimento das penas e dos regimes
prisionais tem sido uma constante no cenrio
brasileiro e os meios de comunicao tm
contribudo para o aumento da sensao
de insegurana. Principalmente os crimes
cometidos por adolescentes e jovens adultos
recebem extensa cobertura na mdia e so
utilizados para reforar a necessidade
do agravamento das medidas scio-educativas
e das penas. E, como dizem os juristas,
o resultado a edio de novas leis que,
no seu conjunto, podem ser definidas como
legislao do pnico que nenhum impacto
tm sobre as taxas de criminalidade.
Na
dcada de 1990, surge, por exemplo, a
Lei dos Crimes Hediondos: penas mais altas
e rigor maior na concesso de benefcios
legais, como o livramento condicional.
Em 2003, o movimento para endurecer os
regimes disciplinares vitorioso, culminando
com a edio da Lei n 10.792, de 1 de
dezembro daquele ano, que inclui o Regime
Disciplinar Diferenciado, j experimentado
em vrios estados. Isto tudo posto, o
grande desafio que se impe aos sistemas
penitencirios no Brasil resume-se ao
seguinte: como a gesto prisional pode
pugnar pela garantia dos direitos fundamentais
constantes na legislao internacional
e nacional, num espao institucional coercitivo
e autoritrio?
A
primeira questo que se coloca gesto
prisional de que ela istra uma
relao de custdia, vivida por presos
e custodiadores em trs regimes de pena:
o fechado, o semi-aberto e o aberto. Face
esta diferenciao dos regimes, a gesto
prisional adquire funes especficas,
embora evidencie-se, em todos os regimes,
o dilema da falta de autonomia dos presos
na relao com seus custodiadores. Estes,
agentes do Estado, esto presentes para
garantir a ordem, utilizando-se dos instrumentos
de disciplina e de vigilncia direcionados
ao produto esperado pela istrao
pblica e pela sociedade: a segurana
individual e coletiva, intra e extra-muros.
Para a obteno desse produto, a gesto
prisional trabalha sobre um grande tabuleiro
composto por peas burocrticas: uma
imensido de portarias, regulamentos,
ordens de servio formais e um conjunto
de crenas e valores que agilizam procedimentos
informais, reforando a cultura prisional.
Como
contraponto falta de autonomia dos presos,
surge outro fenmeno: a organizao dos
presos em faces, revelia da istrao
pblica ou com seu consentimento.
o lado perverso da conquista de autonomia:
os presos se auto-denominam membros de
determinada faco. Dentro do grupo, constrem
regras tpicas de disciplina, prmios
e castigos, alm de estabelecerem formas
peculiares de governo que, freqentemente,
colidem com os interesses da gesto prisional
ou propiciam alianas esprias com os
custodiadores.
A
separao dos presos por faces foi instituindo
ao longo dos anos uma forma oficiosa de
classificao e, em alguns estados do
Brasil, a a ser o critrio fundamental
para a lotao dos presos nas unidades
prisionais. Esta delicada questo tem
sido um grande desafio para os gestores,
uma vez que so legalmente responsveis
pela integridade fsica dos presos. Romper,
pois, com esta auto-classificao de pertencimento
s faces significa, de um lado, no
compactuar com uma forma de organizao
com razes ilegais, de outro, expor os
custodiados morte e violncia. A organizao
das faces com sua conexes extra-muros
veio contribuir com novas formas de interao
entre funcionrios e presos, estabelecendo
vnculos de interesse financeiro e agravando
formas de maus tratos e violncia letal.
Tal
quadro, importante lembrar, agrava o
autoritarismo, j que a gesto prisional
no carrega, em si, nenhuma tradio de
participao democrtica dos presos nas
decises dos gestores. Os presos, obrigados
a cumprir rotinas dirias impostas ( a
hora do banho de sol, a hora da visitao,
a hora do atendimento dos servios tcnicos,
por exemplo), vo criando suas prprias
formas de burlar as normas oficiais. No
raro, esta burla se realiza com a aquiescncia
de funcionrios, seja em troca de favores
e de informaes privilegiadas, ou atravs
de dinheiro. Em todas estas circunstncias,
o funcionrio corrompido/corruptor, rompe
com seu papel de custodiador, colocando
em risco a prpria gesto prisional
a vida do coletivo, seja de presos ou
de companheiros. Diante deste quadro em
que grassa a corrupo, o produto final
esperado - a segurana individual e coletiva
intra e extra-muros resulta altamente
fragilizado, a despeito da existncia
de adequado aparato fsico ou tecnolgico
na unidade prisional.
A
gesto prisional, pois, alm das dificuldades
mencionadas, tem sob sua responsabilidade=
cotidiana istrar a burocracia do
confinamento de presos provisrios, condenados
ou em medida de segurana, no sentido
de satisfazer desde necessidades humanas
bsicas (vestir-se, alimentar-se, higienizar-se,
ocupar-se) at necessidades existenciais,
afetivas e sexuais. Tudo isto requer uma
gama de recursos, providncias e estratgias
muito especiais, sendo tal gesto bastante
diferenciada daquela vivenciada pelos
cidados livres, que mantm autonomia
e responsabilidade, essenciais para resolver
os problemas cotidianos. O
desse elenco de situaes o gestor e
executor da custdia, na figura de diretores,
chefes e funcionrios. Situaes corriqueiras,
de carter domstico, como o mau funcionamento
na confeco e distribuio da alimentao
ou no fornecimento da gua, no so apenas
incmodos ou desconfortos, mas podem ser
estopim de incidentes prisionais de propores
imprevisveis.
Outra
questo importante de que se ocupa a gesto
prisional refere-se disciplina e s
condies de trabalho dos funcionrios.
preciso determinar quem se desempenha
mais efetivamente em cada rea de responsabilidade,
como criar o aos espaos de poder,
como istrar o espao do poder, como
e quando punir os funcionrios faltosos,
como usar punies previstas na legislao
ou constante do rol oficioso. Trata-se,
por vezes, de istrar interesses diversos
como, por exemplo, negociar a carga horria
para compatibilizar o trabalho na priso
com outros empregos ou servios autnomos.
So inmeras as necessidades dos funcionrios
e os gestores necessitam de competncia
tcnica e habilidade para encaminhar as
solues mais adequadas.
No
raro, os espaos de gesto so ocupados
a partir da presso de grupos polticopartidrios,
no contando a maioria dos estados brasileiros
com planos de cargos e salrios que disciplinem
o o dos funcionrios aos cargos superiores
e intermedirios de gerenciamento. Predominam
ainda os critrios de relaes amistosas,
clientelistas ou de revesamento dos mesmos
sujeitos em cargos distintos.
Na
gesto dos trabalhadores das prises tem-se
ainda demandas significativas, face
especificidade do trabalho, tal como a
formao profissional dos agentes de segurana,
ainda inexistente no Brasil como requisito
para isso, assim como a capacitao
continuada de todos os profissionais,
visando seu desenvolvimento. Outra questo
presente nos vrios sistemas prisionais
no Brasil refere-se constituio de
parcerias com organizaes da sociedade
para istrar as penas: so instituies
religiosas, universitrias, organizaes
no-governamentais ou pblicas, que permitem
ampliar a transparncia, a permeabilidade
quanto vida intramuros. So organizaes
parceiras na prestao de servios de
cultura e lazer, assim como no acolhimento
de egressos ou de famlias de presos.
Estas parcerias se distinguem radicalmente
das formas de terceirizao instaladas
nos ltimos cinco anos em sistemas prisionais,
como o do Paran: o Estado abre mo de
sua prerrogativa de uso legtimo da fora
e do poder de coero, outorgando-a
iniciativa privada.
O
trabalho prisional, voltado ocupao
e capacitao dos presos, tem-se revelado,
do ponto de vista istrativo e burocrtico,
praticamente inistrvel pela gesto
prisional. Em geral, tal atividade est
entregue a fundaes, fundos e at organizaes
da sociedade, sem que os gestores diretos
da custdia tenham poder decisrio sobre
os tipos de atividades de trabalho, escoamento
dos produtos para o mercado, reaplicao
do capital auferido pela venda dos produtos,
etc. A estrutura istrativa de rgos
como as fundaes implica, em tese, numa
agilidade maior nos negcios, no entanto,
a convivncia difcil destes rgos paralelos
com o poder decisrio dos gestores prisionais
tm obstaculizado a dinamizao do trabalho
prisional. Outro desafio de gesto se
refere mudana de perfil da populao
prisonal, ou seja, nos ltimos dez anos
a populao se juvenilizou, trazendo para
o ambiente prisional as caractersticas
subjetivas prprias do sujeito recm sado
da adolescncia: impacincia, onipotncia,
dificuldade de obedecer s regras. Por
outro lado, a populao de funcionrios,
sobretudo no que se refere aos agentes
de segurana, tambm se juvenilizou: ter
18 anos completos ou a ser a exigncia
dos concursos pblicos. So jovens custodiadores
guardando jovens presos!
No
que tange custdia dos presos provisrios,
a gesto prisional no Brasil no s deixa
muito a desejar no sentido de no cumprir
o que est prescrito nas Regras Mnimas
para o Tratamento de Reclusos, (Regras
84 a 93), como expe dramaticamente os
presos a toda sorte de violncias. Nas
cadeias pblicas insalubres, a falta de
o s vrias assistncias legais
a regra. As Regras Mnimas denominam preso
preventivo toda pessoa detida ou
presa em virtude de lhe ser imputada a
prtica de uma infrao penal, detida
sob custdia da polcia ou em outro estabelecimento,
mas que ainda no tenha sido julgada e
condenada. De fato, cada estado brasileiro
mantm um grande contingente de presos
preventivos fora da gesto prisional
dos sistemas penitencirios, alojados
sob a istrao das delegacias e cadeias
pblicas, excludos das oportunidades
de assistncia que lhes so devidas, por
vezes cumprindo integralmente suas penas
nessas condies ilegais de custdia.
Situaes
cotidianas especficas implicam em cuidados
especiais da gesto prisional: as mulheres
presas, grvidas ou aquelas que tm junto
de si seus bebs. Tanto a legislao internacional
( Regra 23), quanto a LEP (Art. 89), dedicam
ateno especial s parturientes, s mes
e bebs, prevendo-lhes locais especiais
com cuidados especficos. Tal condio
sempre apresenta dilemas, pois a gesto
prisional no Brasil no tem sob sua responsabilidade
recursos hospitalares para parturientes,
o que demanda o deslocamento da presa
grvida e das respectivas escoltas para
a rede pblica de sade. Tambm a manuteno
de creches junto s unidades femininas
implica numa estrutura de recursos materiais
e humanos diferenciada, nem sempre disponveis
istrao penitenciria. Como se
pode perceber, a gesto prisional representa
um grande desafio, que nem sempre tem
como norte uma poltica penitenciria
consistente, a nvel estadual ou federal.
O trabalho aqui apresentado, visa detalhar
os pontos at aqui discutidos. No entanto,
vale lembrar algumas responsabilidades
dos gestores prisionais, tanto a nvel
micro, quanto a nvel macro.
A
nvel micro, necessrio enfatizar que
o gestor prisional local, ou seja, os
diretores de unidades prisionais, tm
a obrigao legal de conceder, regularmente,
audincias aos presos. Por outro lado,
as reunies de equipe so instrumentos
de que dispe o gestor prisional para
diluir feudos profissionais, em conflitos
de objetivos de trabalho. Tratar das diferenas,
dar visibilidade s contradies inerentes
execuo da pena, so atribuies do
gestor, no seu papel de mediador dos conflitos.
A posio de gestor da unidade prisional,
face ao acmulo de responsabilidades,
nem sempre favorece a aproximao fsica,
a circulao pelas dependncias da unidade,
a checagem das condies de higiene e
de satisfao dos presos e funcionrios.
Andar, observar e conversar so formas
rias essenciais para conhecer, avaliar
e decidir com maior segurana sobre as
situaes em curso.
Os
gestores dos rgos de istrao penitenciria
superior devem construir canais de comunicao
com os gestores das unidades finalsticas
presdios, penitencirias, casas de
custdia, centros de recuperao, etc
- atravs de reunies peridicas, de despachos
individuais e de visitas. De acordo com
o tamanho da estrutura burocrtica estadual
do sistema prisional, os gestores da istrao
superior devem escolher os instrumentos
mais eficazes de comunicao com os rgos
da base. Vale ressaltar que quanto mais
verticalizada a estrutura burocrtica,
mais dificuldades para conhecer, avaliar
e decidir com vistas a propor mudanas
e a sensibilizar o governo face necessidade
de obteno de recursos. A istrao
superior necessita criar mecanismos que
dem visibilidade problemtica das prises
junto ao governo. A publicizao dos dados
acerca da populao presa, da populao
de funcionrios e a busca de parcerias
na sociedade para o fomento da pesquisa,
auxiliam a dar transparncia vida intra-muros
e construo de argumentos para obteno
dos recursos humanos e financeiros que
propiciem mudanas na qualidade de vida
de presos e funcionrios.
4.2.
Segurana e Assistncia: Duas reas em
Conflito?
O
cotidiano da vida prisional, aos olhos
de um observador atento, mas desprovido
de conhecimentos acerca desta realidade,
assemelha-se ao jogo de cabo de guerra:
de um lado, os agentes de segurana, com
sua ateno voltada para as aes de manuteno
da ordem, em que o desassossego para a
consecuo de tal objetivo trazido pelo
outro profissional, estabelecido na outra
ponta do jogo, que so os profissionais
da assistncia. Estes, por sua vez, reclamam
freqentemente dos empecilhos ao seu trabalho,
trazidos pelos agentes., O conflito est
posto e, no discurso de ambos os grupamentos,
parece insolvel: uns se colocam como
guardies da segurana coletiva e individual,
os outros como trabalhadores das diversas
formas de assistncia7 , na busca de capacitar
o preso para sua futura reinsero social.
Lembrando Chauvenet8 , os agentes teriam
um papel sujo, enquanto os profissionais
da assistncia, um bom papel. Esta discriminao
mtua aponta, inicialmente, para uma divergncia
de finalidades quanto presena destes
grupamentos na execuo da pena privativa
de liberdade: enquanto os tcnicos das
diversas formas de assistncia necessitam
movimentar os presos de suas celas em
diferentes horrios para participarem
de atividades educativas, religiosas,
mdicas e tantas outras, os agentes, responsveis
pela circulao, retirada e escolta dos
presos no espao da unidade prisional,
entendem que os primeiros perturbam a
rotina com atividades em demasia e, por
vezes, desnecessrias. No jogo de cabo
de guerra entre a autoridade e o poder
de agentes e tcnicos, figura
a direo da unidade como mediadora, interpretando
para os subordinados o que considera mais
exeqvel em cada momento. No entanto,
pode-se apreender esta realidade cotidiana
de outra forma: a execuo da pena forjou
uma outra forma de punio diferenciada
do suplcio em praa pblica, no qual
o ato de punir se concretizava com a ao
do carrasco.9 Modernamente, os profissionais
envolvidos com a execuo penal esto
no exerccio da custdia: isto significa
uma ao de guarda, proteo dos presos
sob responsabilidade dos agentes do Estado,
sob determinadas condies reguladas pela
legislao internacional e nacional, em
que a reproduo da vida seria impossvel
sem a ao efetiva de ambos os grupamentos
profissionais. As necessidades humanas
oriundas da vida em confinamento so especficas
e demandam a insero diferenciada do
pessoal penitencirio10 na execuo das
penas privativas de liberdade. As contradies
postas aos objetivos perseguidos por agentes
e profissionais da assistncia no podem
ser identificados com os objetivos do
jogo mencionado: todos se debruam sobre
o exerccio de um objeto comum a custdia.
Portanto,
as aes de guarda e proteo dos presos
no fluem se no estiver em jogo um duplo
movimento: ao mesmo tempo que se depende
das rotinas de vigilncia (abrir e fechar
cadeados, as revistas corporais e de ambientes
, as escoltas) para assegurar a ordem
e a segurana do ambiente, tambm a satisfao
dos presos quanto s suas necessidades
vai depender da ao dos profissionais
da assistncia. possvel, pois, perceber
que uma cadeia segura no s aquela
em que todos os equipamentos e agentes
de segurana cumprem bem suas finalidades,
mas sobretudo onde os presos tm o
a seus direitos de assistncia e se sentem
contemplados na sua condio de sujeitos
submetidos s leis e ao de custdia
do Estado. Basta lembrar as reivindicaes
mais freqentes manifestas pelos presos
em rebelies no Brasil: maior o
assistncia mdica e jurdica, tratamento
respeitoso a seus visitantes, alimentao
suficiente e de qualidade.
Ressalte-se
que as competncias do pessoal penitencirio
vinculado rea de segurana penitenciria
no esto definidos, nem sequer mencionados
na Lei de Execuo Penal. J em relao
aos profissionais das assistncias assistentes
sociais, mdicos, religiosos, educadores
- , h diretrizes gerais estabelecidas,
acrescidas daquelas relativas assistncia
material. Lacuna significativa diz respeito
aos psiclogos, que so apenas mencionados
na constituio das Comisses Tcnicas
de Classificao. Para discutir a capacitao
do profissional penitencirio, fundamental
que se entenda a questo de ofcios e
profisses inseridos na custdia. Os ofcios
se revestem de prticas baseadas no conhecimento
emprico, que subsidia, por exemplo, o
agir dos agentes de segurana e se acumula
ao longo das diferentes geraes. um
conhecimento transmitido oralmente, com
vistas a solucionar situaes imediatas
e rotineiras. Portanto, caracterizase
pela baixa sistematizao e pelo acentuado
pragmatismo. Poucas so as aes do cotidiano
dos agentes que aparecem escritas. Quando
isto ocorre, so normas istrativas
expressas sob a forma de portarias ou
resolues, emitidas por autoridade istrativa,
visando disciplinar algum assunto na esfera
da ao de vigilncia. Na transmisso
oral entre as geraes de agentes de segurana
reproduzem-se os diferentes vcios da
cultura prisional. A repetio das aes
ao longo do tempo, sem nenhum respaldo
terico-metodolgico face ausncia de
sistematizao terica, propicia a cristalizao
das verdades inquestionveis diante
de qualquer pergunta de um estranho
rea. Algumas prticas violadoras da legislao
so exemplares no que diz respeito proteo
de direitos legais dos presos, como o
hbito arraigado do uso da tranca (cela
de isolamento), sem nenhum processo disciplinar
que o respalde, a intimidao dos presos
novatos, ou, ainda, a crena inquestionvel
de que a tcnica mais eficaz para evitar
a entrada de drogas e armas seja a revista
amiudada das partes ntimas dos corpos
dos visitantes.
Na
perspectiva de fiscalizao e controle
da ao anti-tica dos agentes, no se
conta com nenhum rgo na sociedade
voltado a seu monitoramento, por se tratar
de um ofcio, ao contrrio das profisses
providas de Conselhos Profissionais. Por
ltimo, o ofcio de agente de segurana,
como outros na rea da segurana pblica,
no dispe de qualquer requisito de profissionalizao
para ingresso no cargo, uma vez que no
existe no Brasil poltica educacional
neste mbito. A profissionalizao possibilita
maior sistematizao terico-prtica,
alm de referencial tico-poltico, com
consecuo clara de objetivos profissionais.
As profisses, portanto, dispem do aparato
referido. Os profissionais da assistncia,
a partir de suas diversas formaes profissionais,
esto referenciados em seus Cdigos de
tica, sob fiscalizao de seus respectivos
Conselhos Profissionais, e tm sua tradio
terica construda sobre o acervo das
diferentes correntes de pensamento terico
de suas disciplinas. No jargo prisional,
o termo tcnico sempre se reporta aos
profissionais das assistncias, nunca
aos agentes, o que significa que no so
reconhecidos, por exemplo, como tcnicos
da segurana penitenciria.
Para
se alterar este quadro, a contribuio
governamental mais significativa se refere
profissionalizao dos agentes de segurana
como pr-requisito ao ingresso no servio
pblico. Isto requer a instituio de
um aparato educacional profissionalizante,
sob o comando do Ministrio da Educao,
concomitante criao de legislao de
reconhecimento da funo de agente de
segurana penitenciria, como tem ocorrido
com outros ofcios que foram transformados
em profisses, tema que ser discutido
mais adiante, no Captulo 5.
4.3.
Instrumentos da Segurana Penitenciria:
a Disciplina e a Vigilncia
A
utilizao eficaz dos instrumentos de
vigilncia e disciplina so, teoricamente,
garantidores de que a custdia dos presos
se efetive de modo a produzir segurana
no ambiente prisional, na comunidade circundante,
alm de garantir a integridade fsica
de presos, visitantes e funcionrios.
Sabemos, no entanto, que esta ordem e
segurana so frgeis, sendo a custdia
operada pelos agentes constituda de um
processo de trabalho pautado por emergncias
e riscos. Os instrumentos da segurana
so utilizados exatamente na perspectiva
da previsibilidade e na correo de fatos
graves.
4.3.1.
As Atividades de Vigilncia
As
atividades de vigilncia requerem um permanente
estado de alerta que seguidamente acompanhado
da sensao de medo. Este estado de alerta,
em que a audio e a observao tm papel
fundamental, tende a se transformar numa
atitude de desconfiana e suspeita: o
agente, em geral, desconfia no s dos
presos, mas de seus prprios companheiros
de trabalho. Tambm a vida pessoal do
agente se reveste dos mesmos sentimentos:
determinados lugares pblicos de lazer
so evitados, as formas de o moradia
alteradas, informaes sobre seu trabalho
no so divulgadas a vizinhos e parentes.
Os agentes vo construindo formas auto-defensivas
para no serem identificados no seu ofcio.
Os instrumentos de vigilncia mais comuns,
utilizados nas prises brasileiras e,
tambm, encontradas em outros pases so:
A revista de objetos, ambientes
e pessoas;
A distribuio de agentes em postos
de servios, que cobrem espaos fsicos
especficos e determinados nmeros de
presos;
A utilizao de registros dirios
por escalas de planto, de ocorrncias,
sejam rotineiras ou ocasionais, no chamado
livro de ocorrncias;
A escolta de presos que se locomovem
internamente no espao fsico do estabelecimento,
naquelas reas onde usualmente o preso
no deva transitar sozinho ou, nos espaos
externos quando deve ser levado presena
do juiz ou a consultas mdicas externas;
A ronda noturna;
O uso de algemas, armas e carros;
A realizao de conferes, ou seja,
a contagem rotineira diria, pela manh
e noite, do nmero de presos custodiados
no estabelecimento, assim como conferes
especiais aps tentativas de fugas ou
rebelies;
A custdia de bens de valor financeiro
significativo trazidos pelo preso ao ingressar
no estabelecimento ou ofertado por seus
visitantes;
A vistoria das grades.
Alguns
dos instrumentos de vigilncia assinalados
mostram claramente seu carter invasivo
da intimidade do preso: as revistas de
sua cela, de sua cama, de seus objetos,
de seu corpo. Assim, o desempenho do agente
est fortemente vinculado s atividades
cujo limite quanto ao uso de seu poder
coercitivo sobre o preso no s est dado
pela legislao, mas, sobretudo, pelo
sentido tico sobre o qual se fundamenta
seu agir. De forma anloga, por exemplo,
o mdico estabelece com seu paciente uma
relao em que o exame do corpo obedece
a rotinas pautadas na tica mdica. Portanto,
as tarefas de vigilncia no podem ser
descontextualizadas, nem vistas como mera
burocracia, mero hbito aprendido e repetido
pelas geraes de agentes, sem a reflexo
necessria sobre seu contedo tcnico
e tico-poltico.
4.3.2.
A Ao Moralizadora da Disciplina.
Em
todos os espaos onde convivem pessoas
h formas de funcionamento coletivas e
individuais, pautadas em normas disciplinares.
Nos espaos de trabalho, lazer, negcios
e de convivncia familiar, sempre existem
formas consensadas em que direitos e deveres
so exercidos, expressando o desenvolvimento
da sociabilidade no grupo e, em ltima
instncia, a moral dos sujeitos em determinado
contexto e poca. Podemos dizer que na
priso existem expresses concretas da
moral na vida coletiva que reproduzem
formas morais da sociedade, mas que adquirem
feies caractersticas da vida em confinamento.
Destas expresses da moral podemos salientar
a linguagem, com seu glossrio tpico,
assim como os preconceitos manifestos
atravs de atitudes dogmticas, movidas
pela intolerncia e pelo irracionalismo.
Em
alguns espaos coletivos, as regras disciplinares
construdas pelos sujeitos revelam participao
efetiva de todos e a busca por deveres
e direitos consensados. o caso de assemblias
de grupamentos profissionais ou de partidos
nos quais o ritual de funcionamento no
precisa ser expresso necessariamente por
regulamentos escritos. Os sujeitos incorporam
as normas disciplinares como forma de
convivncia necessria interao na
coletividade.
Noutros
espaos da vida, as regras disciplinares
so dispostas num aparato legal, como
ocorre com a disciplina a ser seguida
pelos jogadores de futebol, de volley,
de tenis ou de outras prticas esportivas.
Tais regras permitem presenciarmos torneios
internacionais entre representantes de
culturas, lngua e etnias diversas, sem
que tenhamos qualquer dificuldade de compreenso
do desenrolar da atividade esportiva,
pois as regras disciplinares representam
o elo que facilita a disputa e o entendimento
entre os esportistas. Assim, podemos perceber
que regras disciplinares so consensadas
de modo mais democrtico em alguns espaos,
com participao expressa dos sujeitos
envolvidos ou, ento, so construdas
atravs de seus representantes, como nas
confederaes esportivas.
As
primeiras regras disciplinares na vida
do sujeito so consensadas na famlia,
que expressam a moral atravs da cultura
familiar das geraes parentais. Tanto
a autoridade paterna quanto materna contribuem
de forma decisiva na construo das regras
com vistas educao de seus filhos.
Em continuidade, os sujeitos vo vivenciar
na escola novas regras disciplinares,
fundadas na moral da sociedade e na disciplina
pedaggica orientadora da relao de ensino-aprendizagem.
A
relao de custdia instituda na priso
est fundamentada por regras disciplinares
inscritas desde 1955 na Regras Mnimas
de Tratamento dos Reclusos e se estende
pelas legislaes especficas de cada
pas. No so regras consensuais negociadas
entre custodiadores e custodiados. Seu
parmetro legal prev direitos e deveres
a partir da tica do legislador, circunscrito
na produo das leis num determinado perodo
histrico, considerando as presses e
demandas da sociedade e dos representantes
do Estado no intuito de compatibilizar
direitos fundamentais dos presos com requisitos
de segurana individual e coletiva. Sabemos
que, graas ao Direito, cujas normas contam
com o poder coercitivo do Estado, consegue-se
que os sujeitos aceitem, voluntria ou
involuntariamente, a ordem social juridicamente
formulada e, assim, se enquadrem no estatuto
social em vigor.
Na
priso, o termo disciplina corrente
e adquire um significado especial dentro
da relao de custdia, tal como expressa
o Art. 44 da LEP: A disciplina consiste
na colaborao com a ordem, na obedincia
s determinaes das autoridades e seus
agentes e no desempenho do trabalho.
Tanto na LEP, como no cotidiano das prises,
a disciplina tida como instrumento moralizador,
que visa adequar o comportamento dos sujeitos
a uma ordem determinada, em que a obedincia,
a hierarquia e a tradio so valores
essenciais que concorrem para a manuteno
daquela ordem. Basta que examinemos com
mais vagar tanto as faltas graves (as
nicas previstas pela LEP, j que as mdias
e leves pertencem s legislaes estaduais),
como as sanes, recompensas e todo o
procedimento disciplinar. Tais aspectos,
apreciados na cultura prisional, acabam
por provocar formas esdrxulas, tais como
a prtica contumaz e banalizada do uso
de cela de isolamento, muitas vezes durante
o tempo cronolgico imposto pelo custodiador.
Outros rituais dessa cultura so reconhecidos
como exemplos de disciplina, tal como
o preso colocar as mos para trs e baixar
a cabea diante da autoridade ou de visitantes.
Fitar os olhos ou apertar a mo do outro
seguidamente so gestos que podem significar
desrespeito ou inteno de aproximao,
reprovveis dentro da relao subordinada
implcita custdia. Disciplinar, pois,
adquire para os custodiadores o sentido
corriqueiro de cobrar: significa reafirmar
para o preso que a correlao de foras
entre ele e seu custodiador mesmo desigual
e pode ser exacerbada, seja atravs da
repreenso brusca, seja atravs de maus
tratos fsicos.
Assim,
a cultura prisional forjou uma determinada
disciplina, que mais do que seguir os
requisitos das leis, repousa sobre uma
relao poltica de sujeio e domnio.
Em oposio, seria desejvel que a disciplina
pudesse ser para o preso um exerccio
de responsabilidade consigo mesmo e de
respeito ao outro, no sentido da reviso
daqueles valores que outrora garantiram
seu ingresso na criminalidade.
O
papel disciplinador exercido pelos trabalhadores
das prises se concretiza junto aos tcnicos
de forma diferenciada da ao dos agentes
de segurana penitenciria. No entanto,
para todos, talvez, a ao disciplinadora
seja a questo mais crucial da relao
de custdia pela fragilidade que desnuda:
custodiado e custodiador estabelecem forosamente
uma relao de convivncia, sem escolhas
mtuas, mas de carter compulsrio, pautada
por uma cultura em que disciplinar significa
apenas adequar os sujeitos quela ordem.
Ora, de que ordem estamos falando? O cio
generalizado, por exemplo, resultado da
falta de postos de trabalho dentro da
priso poderia ser compreendido como imensa
desordem provocada pelos agentes do Estado.
Por outro lado, quando o preso trabalha
num dos postos existentes, respondendo,
assim, aos requisitos disciplinares que
concorrem para a ordem, qualquer deslize
de comportamento pode ser computado como
infrao, acarretando imediato desligamento
do trabalho. Esvaziado de seu sentido
de desenvolver habilidade e responsabilidade,
o trabalho adquire o objetivo
de ser instrumento de premiao e castigo.
4.3.3.
Mudanas Importantes na Legislao
Como
j foi ressaltado, tanto a legislao
internacional, quanto a nacional, so
omissas no que se refere s competncias
especficas da rea da segurana penitenciria.
Por isso mesmo, vale propor alterao
na Lei de Execuo Penal de forma a definir
a questo. H necessidade da introduo
de um captulo para descrever tais competncias,que
poderia ser o seguinte:
Captulo
XXX
Da
Segurana Penitenciria:
Artigo
1. Com o sentido amplo de preservar e
proteger pessoas - presos, funcionrios,
visitantes e cercanias das unidades
a segurana penitenciria visa aes de
vigilncia que propiciem um ambiente favorvel
ao desenvolvimento das atividades cotidianas
e da boa convivncia de todos aqueles
envolvidos na execuo penal.
Artigo
2. A vigilncia dos ambientes internos
das unidades compete ao grupamento de
agentes de segurana penitenciria, parte
integrante do pessoal penitencirio (Art.
76 e 77 da atual LEP).
Artigo
3. As aes de vigilncia devem ser adaptadas
s condies fsicas da unidade, ao regime
de pena, ao perfil e quantitativo de presos,
rotina de visitao e de atividades
estratgicas, observando-se formas de
conduta funcional pautadas nos parmetros
dessa Lei e da legislao internacional.
Artigo
4. A istrao penitenciria dever
se apropriar de equipamentos tecnolgicos
de vigilncia que garantam a segurana
das unidades, reduzindo as prticas aviltantes
de invaso da privacidade dos presos e
visitantes.
Artigo
5. Os agentes de segurana penitenciria
devero, nas capacitaes necessrias
s diferentes funes, ser introduzidos
ao conhecimento relativo a pessoas portadoras
de doena mental e dependncia qumica,
internadas nos Hospitais de Custdia e
Tratamento Psiquitrico.
Continuando,
nessa linha de proposies, a alterao
do Artigo 44 da atual Lei de Execuo
Penal tambm deve ser considerada. Para
tanto, sugerimos a seguinte redao:
Artigo
44. A disciplina prisional visa superar
o binmio prmio- castigo, contribuindo
para uma convivncia coletiva harmnica
e constitui-se no compromisso de todos
pessoal penitencirio, presos e visitantes
para o exerccio responsvel das atividades
dirias e do respeito a todas as pessoas.
4.4.
Instrumentos da Assistncia: Questes
Gerais
Com
a promulgao da Constituio Federal,
em 1988, encontramos a assistncia social,
integrante da seguridade social, entendida
como um conjunto de aes prestadas a
quem dela necessitar, independentemente
de contribuio seguridade social.
Ainda que o texto Constitucional no se
atenha explicitamente s pessoas que cumprem
penas privativas de liberdade, (Art. 203),
podemos depreender que a proteo famlia,
maternidade, infncia, adolescncia
e velhice se reportam, no mnimo, aos
familiares dos presos e presas, e a estas,
mais propriamente. A Lei Orgnica de Assistncia
Social ( LOAS, Lei no. 8742, de 7/12/93)
dispe sobre a Assistncia Social, tal
como colocada na Constituio Federal.
O Art. 1 da LOAS define que:
A
Assistncia Social, direito do cidado
e dever do Estado, poltica de seguridade
social no contributiva, que prov os
mnimos sociais, realizada atravs de
um conjunto de aes de iniciativa pblica
e da sociedade, para garantir o atendimento
s necessidades bsicas.
Na
Lei de Execuo Penal, de 1984, portanto,
anterior Constituio Federal, o sentido
de assistncia social mais
e se expressa como sinnimo da ao dos
profissionais de Servio Social junto
aos presos e seus familiares. No entanto,
as assistncias enunciadas pela LEP nos
Art. 10 e 11 incluem os mbitos da sade
e das assistncias jurdica, educacional,
social, religiosa e material. Note-se
a falta de referncia assistncia psicolgica.
Refletindo-se sobre a compatibilizao
dos textos da Constituio, da LOAS e
dam LEP, possvel deduzir que:
1.
A assistncia um direito do preso provisrio,
do condenado e do portador de medida de
segurana;
2.
Os familiares e pessoas de referncia
dos presos esto cobertos pela prerrogativa
constitucional de que a assistncia
direito de todos, para garantir o atendimento
s necessidades bsicas;
3.
As mulheres presas, na sua condio de
mes, assim como seus filhos, so portadores
do mesmo direito constitucional assistncia,
tal como j se fazia anotar na LEP, conforme
o Art. 89 a penitenciria de mulheres
poder ser dotada de seo para gestante
e parturiente e de creche com a finalidade
de assistir ao menor desamparado cuja
responsvel esteja presa;
4.
A assistncia um dever do Estado e est
consubstanciado nas leis citadas, embora
o dever do Estado na proteo e garantia
desse direito venha se exercendo com extrema
fragilidade e inconsistncia. Face qualidade
da vida cotidiana dos presos na maior
parte das unidades prisionais e delegacias,
percebe-se que a assistncia ainda um
direito formal, necessitando adquirir
urgente efetividade.
Dentre
as assistncias nomeadas em lei, a assistncia
material dirige-se satisfao de necessidades
bsicas como higiene pessoal, vesturio,
sapatos, limpeza do ambiente e roupas
de cama e banho. As demais reas de assistncia
a serem providas dependem sobretudo da
alocao de recursos humanos mdicos,
dentistas, assistentes sociais, agentes
religiosos, professores e pedagogos -
assim como de diretrizes tcnicas e polticas
sobre a natureza e finalidade do trabalho
desses profissionais.
Na
cultura prisional no incomum a rotulao
do bom papel atribudo aos profissionais
da assistncia, como assinalado anteriormente,
quando se mencionou o jogo do cabo de
guerra. No entanto, as contradies inerentes
ao papel profissional dos tcnicos de
assistncia na priso se produzem dentro
do binmio assistir/custodiar: assegurar
condies que garantam a integridade fsica
e psicolgica dos custodiados, concomitante
manuteno da ordem e segurana. Como
j mencionado, freqente ouvirem-se
queixas interminveis dos tcnicos quanto
aos obstculos que as questes relacionadas
segurana penitenciria impem a seu
agir profissional. Tais queixas revelam
dificuldades reais, mas traduzem, por
vezes, uma viso fatalista e, portanto,
acrtica, de que na hiptese de se removerem
os obstculos referentes segurana
penitenciria ter-se-iam as condies
timas para as assistncias se concretizarem
de modo eficaz.
As
questes acima remetem necessidade constante
de reflexo acerca da identidade profissional
dos tcnicos no campo da execuo penal,
certamente com contornos distintos daquela
construda em outros campos de trabalho,
onde inexiste a privao da liberdade
impondo limites rotina diria de vida.
4.4.1.
Propostas Especficas para a rea das
Assistncias
Uma
srie de propostas visando o aperfeioamento
das prticas profissionais de assistncia
so absolutamente viveis e no dependem
de qualquer alterao legislativa. Neste
sentido esto colocadas as sugestes que
se seguem.
Com
o objetivo de melhor articular os Conselhos
Profissionais com os rgos de monitoramento
da execuo penal e com as istraes
penitencirias, propriamente ditas, as
seguintes aes so recomendadas a nvel
federal e estadual:
Nvel
federal: os diferentes Conselhos Federais
de enfermagem, servio social, psicologia,
medicina, etc., devero se responsabilizar
pela articulao com o CNP e DEPEN quanto
a aes que lhe dizem respeito no mbito
da poltica penitenciria, em relao
ao desempenho das respectivas reas profissionais
da assistncia, assim como de diretrizes
nacionais para este campo de ao profissional.
Paralelamente, os rgos referidos devem
se valer da assessoria dos Conselhos Federais
para o aprimoramento das aes profissionais
de assistncia.
Nvel
estadual: os diferentes Conselhos
Regionais, articulados com os Conselhos
Federais, devero acompanhar as aes
profissionais de suas respectivas reas
de assistncia no mbito dos sistemas
penitencirios.
Os
seguintes temas devem, necessariamente,
ocupar a agenda dos Conselhos Regionais:
a)
Aprofundamento da discusso acerca da
identidade profissional no sistema prisional,
atravs de palestras, cursos, etc;
b)
Articulao dos Conselhos com os respectivos
cursos de graduao no sentido de incluso
e discusso do exerccio profissional
no sistema prisional;
c)
Fiscalizao das condies de trabalho
dos profissionais de suas respectivas
reas.
4.4.2.
Pensando a rea da Sade
A
Lei de Execuo Penal, em seu artigo 14,
preceitua o dever do Estado no que tange
sade do preso, insistindo que a assistncia
sade direito, tanto a de carter
preventivo como a de carter curativo,
compreendendo o atendimento mdico, farmacutico
e odontolgico. No entanto, omissa quanto
ao atendimento psicolgico, o que nos
leva proposio contida no final deste
item.
Nos
Anexos ao presente trabalho pode ser encontrada
uma proposta detalhada para a rea da
sade no sistema penitencirio, mais especificamente
para a criao de uma Diviso de Sade,
no mbito do DEPEN. De qualquer forma,
algumas recomendaes mais gerais, constantes
de tal Anexo, merecem ser enfatizadas:
No se deve negligenciar o padro
de qualidade na assistncia sade do
preso, considerando-se, sempre, a assistncia
proporcionada aos cidados livres;
O livre o aos cuidados de sade
nas unidades prisionais deve ser garantido,
recomendando- se que a triagem dos casos
para atendimento seja feita por pessoal
qualificado;
dever do profissional de sade respeitar
o direito do paciente/preso decidir livremente
sobre sua sade, a no ser em caso de
iminente perigo de vida, sendo vedado
o tratamento compulsrio;
Os presos provisrios e condenados
devem ter garantido o o s informaes
referentes sua condio de sade, aos
procedimentos e medicamentos prescritos;
O profissional de sade que atua no
sistema penitencirio no deve abrir mo
de sua independncia profissional, pautando
suas decises e procedimentos no bemestar
da pessoa assistida;
O profissional de sade que atua no
sistema penitencirio deve buscar conhecer
tanto a legislao de sade, como aquela
que se relaciona com a execuo penal
a fim de poder promover o bem-estar do
paciente e assegurar melhor qualidade
na prestao dos servios de sade s
pessoas sob seus cuidados.
Como
mencionado anteriormente, vale propor
uma pequena mudana legislativa no Artigo
11, inciso II, da LEP, acrescentando as
palavras fsica e mental quando
h referncia assistncia sade. J
no Artigo 14, h necessidade de que se
acrescente o atendimento psicolgico aps
a meno que se faz ao atendimento mdico,
farmacutico e odontolgico.
4.4.3.
Pensando a rea da Educao e do Trabalho
Qualquer
possibilidade de futura reinsero do
preso no mundo livre, afastado do crime,
a pelas oportunidades que lhe sejam
oferecidas nas reas de educao e do
trabalho, embora se saiba que de nada
adiantar ter o preso aprendido um ofcio,
se no houver programas efetivos de apoio
ao egresso penitencirio, tema que ser
discutido mais adiante. O Estado brasileiro
tem sido historicamente incompetente para
prover educao e trabalho ao preso. Constroem-se
unidades prisionais sem espao para oficinas
de trabalho. Constroem-se unidades prisionais
sem escolas. Existem escolas que no ensinam.
A educao para o trabalho absolutamente
ignorada, quando existem recursos do Fundo
do Amparo ao Trabalhador (FAT) que podem
ser utilizados para tal finalidade.
Aqui,
novamente, bom lembrar o que diz o Plano
Nacional de Segurana Pblica, defendido
pelo ento candidato Presidncia da
Repblica, Luiz Incio Lula da Silva.
Na rea da educao, lembra o documento,
em sua pgina 76, a necessidade da criao
de grupo de trabalho no Ministrio da
Educao visando desenvolver contedos
programticos e linha metodolgica especificamente
destinados educao do preso e, a partir
da, (o governo federal deve) incentivar
os estados a utilizarem tais recursos
e auxiliar financeiramente a implantao
dos cursos.
Quem
conhece escolas em prises sabe da urgncia
da efetivao de propostas como essas.
fundamental que currculos especficos
sejam desenvolvidos para a populao presa
e que se elaborem metodologias adequadas
s necessidades muito particulares desses
indivduos. Tudo isto s poder ser feito
com o empenho do governo federal, evidentemente.
A
reviso da Lei de Execuo Penal, no que
se refere remio pelo estudo, outro
tema que demanda urgentssima ateno.
Em alguns estados as Varas de Execuo
j vm aceitando que se computem dias/horas
dedicados ao estudo para efeito de remio.
No entanto, tudo ainda se d de maneira
informal, o que deve ser evitado com a
reviso da legislao. Por outro lado,
o mesmo Plano Nacional de Segurana Pblica
(pg.75) tambm aponta caminhos na rea
do trabalho prisional, sugerindo a abertura
de linhas de crdito especficas para
estmulo ao trabalho prisional e o apoio,
por intermdio de incentivos fiscais (federais,
estaduais e municipais) aos pequenos e
mdios empresrios que ocuparem a mo
de obra do preso em regime fechado, semi-aberto
e mesmo do egresso penitencirio. Correta
proposio. No entanto, h que se atentar
para a necessidade de reviso da Lei de
Execuo Penal, especificamente de seu
Artigo 28, pargrafo 2, se desejarmos,
de fato, proteger o trabalho do preso
da explorao de empresrios que, estimulados
por isenes fiscais, vierem a estabelecer
oficinas em unidades prisionais. O Artigo
28, pargrafo 2, da referida lei, diz
que o trabalho do preso no est sujeito
ao regime da Consolidao das Leis do
Trabalho. Tal fato, como lembra Alvim,
cria incentivo ganncia do empresariado
privado, medida que o livra, nas contrataes,
do rol de direitos embutidos na legislao
trabalhista, em cabal desrespeito igualdade
constitucional. Ademais, tal disposio
legal, ao negar a possibilidade de contrato
trabalhista, contradiz o artigo 28, caput,
que enfatiza a finalidade produtiva, portanto,
profissionalizante do trabalho prisional.11
Enfim, a necessidade de o trabalho do
preso ser protegido pela legislao trabalhista
algo que precisa ser revisto com urgncia.
4.5
As Comisses Tcnicas de Classificao
A
Lei 10.792 de 1 de dezembro de 2003 muda
substancialmente a destinao das Comisses
Tcnicas de Classificao, na medida em
que as libera das obrigaes referentes
confeco de exames criminolgicos para
fins de benefcios legais. Fica mantida
a CTC para realizao do exame criminolgico
inicial com vistas classificao dos
condenados. Ou seja, os profissionais
que, at ento, se dedicavam elaborao
de pareceres, basicamente para livramento
condicional e progresso de regime, devero
estar agora apenas envolvidos com
os programas individualizadores da
pena e com a prestao das assistncias,
de maneira mais geral.
ainda prematuro discutir o destino das
Comisses Tcnicas de Classificao, na
medida em que se sabe que em alguns estados,
tanto juzes, quanto istrao penitenciria,
continuam solicitando que os tcnicos
elaborem exames criminolgicos. Por outro
lado, embora a Lei 10.792, enfatize que
de responsabilidade do diretor do estabelecimento
prisional a imposio das sanes disciplinares,
acredita-se que isto no elimina a possibilidade
de as Comisses Tcnicas de Classificao
continuarem opinando sobre essas mesmas
sanes, embora haja quem argumente que
os profissionais que integram as CTCs
estejam dispensados deste papel.
De
qualquer forma, vale acentuar que, sobretudo,
psiclogos, psiquiatras e assistentes
sociais podero dedicar mais tempo ao
atendimento das necessidades individuais
dos presos e participao nas discusses
sobre o cotidiano das unidades prisionais
nas quais atuam. Mais ainda, est na hora
de as CTCs comearem a desempenhar um
papel que seu e que jamais foi assumido:
o de assessorar a istrao penitenciria
com vistas ao aperfeioamento da gesto
prisional e, sobretudo, o de construir
estratgias para lidar com o conflito
inerente pena privativa de liberdade,
ou seja, a contradio entre custodiar,
punir, assistir e proteger.
Algumas
prticas, j implementadas em sistemas
penitencirios pelo pas afora, devem
agora ser muito incentivadas, como por
exemplo:
1.
Reunies peridicas (semanais, quinzenais
ou mensais), agendadas pela Direo da
unidade prisional, de carter tcnico-istrativo,
para discutir os problemas do cotidiano
da unidade, buscando as propostas de cada
rea profissional (psicologia, servio
social, sade, istrao, segurana).
2.
Reunies peridicas da direo com uma
nica rea profissional no sentido de
debater o trabalho da rea no contexto
da micropoltica da unidade.
3.
Reunies de equipes de profissionais da
mesma rea profissional com sua chefia
imediata (chefia de segurana com seus
subordinados, chefia de servio social
com os assistentes sociais ou chefia da
rea assistencial, quando houver, com
os seus subordinados).
Essas
reunies, que podem ser vistas como mero
instrumento burocrtico, podem, na verdade,
constiturem espaos privilegiados de
troca de experincia e de discusso acerca
das finalidades da pena privativa de liberdade,de
tal forma que permita a tcnicos das reas
profissionais distintas repensarem seu
papel de custodiadores. Por outro lado,
tais reunies contribuem para horizontalizar
a gesto prisional, colocando as direes
das unidades como facilitadores desse
processo.
5.
Controle externo e interno
5.1.
Entendendo o Monitoramento e as Formas
de Controle Externo
O
sistema prisional, por sua prpria natureza,
tem como principal caracterstica o isolamento
do indivduo. Este isolamento, no entanto,
deve obedecer a determinadas regras e
limites para que se evitem violaes de
direitos humanos, muito comuns quando
suprimida a liberdade. A maioria das
violaes de direitos nos centros de deteno
resulta da falta de transparncia que
permeia este universo, o que muitas vezes
impede que o prprio Estado tome conhecimento
da gravidade de tais violaes.
O
monitoramento do sistema prisional deve
ser realizado de forma permanente e continuada
por representantes da sociedade civil
organizada e por todos aqueles rgos
cuja responsabilidade de fiscalizar as
prises e centros de deteno encontra-se
contemplada na Lei de Execuo Penal.
Evidentemente,
a melhor maneira de se efetuar o monitoramento
por meio de visitas in loco,
onde podem ser documentados abusos e irregularidades
e, de maneira geral, as principais funes
do monitoramento devem ser:
A preveno
A
fiscalizao regular das unidades, realizadas
por pessoas de fora do sistema, certamente
contribui para a proteo dos presos.
Aceitas ou toleradas, tais visitas representam
um mecanismo de controle de razovvel
eficcia que pode evitar a ocorrncia
de violaes;
A proteo direta
As
visitas proporcionam a oportunidade de
resposta imediata a determinados problemas
vivenciados pelos presos, em relao aos
quais as autoridades no se tenham pronunciado;
A documentao
As visitas exercem importantssimo
papel na documentao de informaes sobre
o sistema penitencirio, permitindo no
somente transparncia, mas principalmente
justificativas para propostas que visem
mudanas;
O e ao preso
O
contato direto com algum privado de liberdade,
por si s, pode significar valioso e
moral;
O dilogo com as autoridades
As
visitas tornam possvel estabelecer dilogo
direto e permanente com as autoridades,
objetivando a colaborao mtua e a procura
de alternativas para a soluo de problemas
detectados.
Pode-se
dizer, ento, que o monitoramento envolve
o exame regular de todos os aspectos da
deteno e sua importncia reside na possibilidade
de que, atravs de sua ao, as autoridades
responsveis pela rea possam ser chamadas
a cumprir o que determina a lei. Ressalte-se
que o monitoramento ter sempre mais eficcia
na medida em que as denncias estiverem
acompanhadas de propostas concretas. Ou
seja, o carter propositivo do monitoramento
condio primeira de seu sucesso.
5.2.
O Monitoramento e a Legislao
Tanto
a legislao internacional, como a Lei
de Execuo Penal, referem-se claramente
aos mecanismos de controle das prises.
A breve anlise dessa legislao importante
para se perceber a distncia entre os
dispositivos legais e a realidade do sistema
penitencirio brasileiro.
5.2.1.
Legislao Internacional
Uma
srie de acordos e tratados internacionais,
dos quais o Brasil signatrio, dispem
sobre questes relativas ao monitoramento
e inspeo dos sistemas penitencirios,
alm de ressaltar o direito dos presos
em apresentarem queixas. Antes de mais
nada, proporcionar ao preso um mecanismo
eficaz de comunicao com a autoridade
responsvel pelo sistema penitencirio
fundamental e est contemplado no Art.
2 do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Polticos: Cada Estado signatrio
do presente Pacto compromete-se a:
a)
Garantir que toda pessoa, cujos direitos
e liberdades reconhecidas no presente
Pacto hajam sido violados, possa dispor
de um recurso efetivo, mesmo que a violncia
tenha sido perpetrada por pessoas que
agiam no exerccio de funes oficiais;
b)
Garantir que toda pessoa que interp
tal recurso ter seu direito determinado
pela competente autoridade judicial, istrativa
ou legislativa ou por qualquer outra autoridade
competente prevista no ordenamento jurdico
do Estado em questo e a desenvolver as
possibilidades de recurso judicial;
c)
Garantir o cumprimento, pelas autoridades
competentes, de qualquer deciso que julgar
procedente tal recurso.
E,
mais ainda, o Princpio 33 do Conjunto
de Princpios para a Proteo de Todas
as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de
Deteno ou Priso, estabelece o seguinte:
1.
A pessoa detida ou presa, ou o seu advogado,
tm o direito de apresentar um pedido
ou queixa relativos ao seu tratamento,
nomeadamente no caso de tortura ou de
tratamentos cruis, desumanos ou degradantes,
perante as autoridades responsveis pela
istrao do local de deteno e a
autoridades superiores e, se necessrio,
para autoridades competentes de controle
ou de recurso;
2.
No caso de a pessoa detida ou presa ou
o seu advogado no poderem exercer os
direitos previstos no n1 do presente
princpio, estes podero ser exercidos
por um membro da famlia da pessoa detida
ou presa, ou por qualquer outra pessoa
que tenha conhecimento do caso;
3.
O carter confidencial do pedido ou da
queixa mantido se o requerente o solicitar;
4.
O pedido ou queixa devem ser examinados
prontamente e respondidos sem demora injustificada.
No caso de indeferimento do pedido ou
da queixa ou em caso de demora excessiva,
o requerente tem o direito de apresentar
o pedido ou queixa perante autoridade
judiciria competente ou outra autoridade.
A pessoa detida ou presa ou o requerente
nos termos do n 1 , no devem sofrer
prejuzos pelo fato de terem apresentado
um pedido ou queixa. Os documentos internacionais
tambm so muito claros quanto necessidade
do monitoramento ou inspeo das unidades
prisionais por inspetores/monitores independentes.
Vejamos o que diz o Conjunto de Princpios
para a Proteo de Todas as Pessoas Sujeitas
a Qualquer Forma de Deteno ou Priso
dispe em seu princpio 29:
1.
A fim de assegurar a estrita observncia
das leis e regulamentos pertinentes, os
lugares de deteno devem ser inspecionados
regularmente por pessoas qualificadas
e experientes, nomeadas por uma autoridade
competente diferente da autoridade diretamente
encarregada da istrao do local
de deteno ou da priso, e responsveis
perante ela;
2.
Uma pessoa detida ou presa deve ter o
direito de comunicar-se livre e confidencialmente
com as pessoas que visitam os lugares
de deteno ou priso de acordo com o
pargrafo 1 do presente princcipio, tudo
sujeito a condies razoveis que garantam
a segurana e a boa ordem desses lugares.
5.2.2.
Lei de Execuo Penal
A
Lei de Execuo Penal muito clara quando
se refere aos rgos que devem fiscalizar
e/ou inspecionar os sistemas penitencirios.
Em primeiro lugar, cabe ao Conselho Nacional
de Poltica Criminal e Penitenciria,
entre outras responsabilidades, a de
inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos
penitencirios....(art. 64,VIII). Por
seu turno, cabe ao Juiz da Execuo inspecionar,
mensalmente, os estabelecimentos penais,
tomando providncias para o adequado funcionamento
e promovendo, quando for o caso, a apurao
de responsabilidade.(art. 66,VII). Deve,
ainda, o Ministrio Pblico visitar mensalmente
os estabelecimentos penais.(art. 68, pargrafo
nico) Os Conselhos Penitencirio dos
estados tambm esto obrigados a inspecionar
os estabelecimento penais (art. 70, II),
e o Departamento Penitencirio Nacional
tambm deve inspecionar e fiscalizar
periodicamente os estabelecimentos e servios
penais(art. 72, II). Finalmente, o Conselho
da Comunidade, deve visitar, pelo menos
mensalmente, os estabelecimentos penais
existentes na comarca, entrevistando presos
e apresentando relatrios mensais ao juiz
da execuo(art. 81,I,II e III) .
Ora,
se todos esses rgos procedessem a fiscalizaes
e inspees regulares das unidades prisionais,
certamente as irregularidades e ilegalidades
estariam sendo melhor combatidas. Por
outro lado, a criao de um Frum Permanente
que congregasse representantes dos diferentes
rgos responsveis pelo trabalho de fiscalizao/e
ou inspeo seria muito til e contribuiria
para o aperfeioamento dos sistemas penitencirios.
Entre
os rgos de monitoramento externo j
existentes, os Conselhos da Comunidade
apresentam potencial muito significativo
e sua criao deveria ser estimulada.
urgente, no entanto, a criao de Ouvidorias
para os sistemas penitencirios. So esses
temas que trataremos a seguir.
5.3.
O Conselho da Comunidade
No
ano de 2000, recebemos no Brasil a visita
de Sir Nigel Rodley, Relator Especial
das Naes Unidas para a tortura. Suas
constataes caracterizaram a tortura
no Brasil como sistemtica, disseminada
e impune. No relatrio apresentado em
2001, Nigel Rodley fez inmeras sugestes
ao governo brasileiro, dentre elas a necessidade
de se garantir o monitoramento permanente
das instituies penais, atravs do o
ir de organizaes no governamentais
de direitos humanos e da garantia de recursos
e estrutura necessrios para o funcionamento
dos Conselhos da Comunidade, assim como
das Ouvidorias e dos Conselhos Estaduais
de Direitos Humanos. Ganha destaque o
fato de o Brasil, no ano de 2003, ter
assinado o Protocolo Facultativo Conveno
contra a Tortura da ONU, que prev a criao
de um rgo internacional para monitoramento
das prises e obriga os governos a criar
instrumentos nacionais com o mesmo objetivo.
Investir
em um rgo que tenha autonomia e estrutura
para monitorar o sistema penal criar
condies para combater a ao do Estado
que se afasta de seu papel legal e, como
bem lembra Foucault, cada luta se desenvolve
em torno de um foco particular de poder.
Designar esses focos de poder, denunci-los,
falar deles publicamente, forar a rede
de informaes institucional, nomear,
dizer quem fez, o que fez, denunciar o
alvo a primeira inverso de poder,
um primeiro o para outras lutas contra
o poder.12
O
artigo 80 da Lei de Execuo Penal, prev
a existncia de um Conselho da Comunidade
em cada comarca. Segundo a LEP, o Conselho
deve ser composto por um representante
da associao comercial ou industrial,
um advogado indicado pela OAB e um assistente
social. Afirma-se, em pargrafo nico,
que em falta de representao prevista,
ficar a critrio do Juiz da Execuo
a escolha dos integrantes do Conselho.
De pronto, deveria ser garantida maior
representatividade para o Conselho. A
participao das universidades, ONGs grupos
religiosos e outros conselhos profissionais
como o de psicologia e medicina, por exemplo,
deveriam ter o mesmo destaque dos rgos
hoje citados na LEP. Outro aspecto importante
quanto ao funcionamento dos Conselhos
da Comunidade, que deveria ser revisto,
a relao dos mesmos com o Juzo da
Execuo. Havendo desinteresse do Juiz
de Execuo da Comarca na criao do Conselho
da Comunidade, o mesmo deveria ser criado
a partir de iniciativas de membros da
sociedade civil organizada. O artigo 81
da LEP prev as obrigaes do Conselho
da Comunidade: visitar, pelo menos mensalmente,
os estabelecimentos penais existentes
na comarca; entrevistar os presos; apresentar
relatrios mensais ao Juiz da Execuo
e ao Conselho Penitencirio; diligenciar
a obteno de recursos materiais e humanos
para melhor assistncia ao preso ou internado,
em harmonia com a direo do estabelecimento.
Em relao a essas ltimas tarefas percebe
se forte inspirao assistencialista supondo-se
que o Conselho possa suprir a ausncia
do Estado e a falta de polticas pblicas
para a rea.
Tendo
em vista que o Conselho da Comunidade
o nico rgo da execuo penal composto
por representantes da sociedade civil
organizada, fundamental que suas possibilidades
de monitoramento sejam estruturadas e
efetivadas. Algumas propostas concretas
para viabilizao do perfil fiscalizador
do Conselho da Comunidade seriam:
Encaminhamento dos relatrios
de visitas do Conselho da Comunidade aos
rgos federais da execuo penal;
Criao de um Frum Nacional
de Conselhos da Comunidade, viabilizando
o intercmbio de experincias e informaes
da ao dos Conselhos;
Produo de diagnsticos das
condies das unidades visitadas, inclusive
avaliando as condies de trabalho dos
profissionais da segurana e da rea tcnica;
Autorizao para utilizao
de mquinas fotogrficas durante as visitas
do Conselho da Comunidade s unidades
prisionais;
Incorporao da responsabilidade
de visitar e fiscalizar as cadeias pblicas
e delegacias;
Notificao aos Conselhos das
Comunidades das operaes de revistas,
a fim de que num curto espao de tempo
os conselheiros tenham o aos presos
e verifiquem sua condio fsica e mental;
Padronizao dos modelos de
relatrios de visitas, facilitando a unificao
das informaes a nvel nacional. Neste
sentido o Conselho da Comunidade do Rio
de Janeiro produziu modelo que foi construdo
a partir dos questionrios utilizados
pela Comisso de Direitos Humanos da Cmara
Federal, do questionrio do Centro de
Europeu de Preveno Tortura. Por fim,
a LEP no faz qualquer meno a recursos
istrativos e financeiros que viabilizem
o adequado funcionamento dos Conselhos
da Comunidade, com o conseqente cumprimento
de suas obrigaes. A autonomia e independncia
dos Conselhos ficam, na prtica, comprometidas
pela falta de estrutura. Os governos estaduais,
auxiliados pelo governo federal, devem
disponibilizar recursos financeiros para
que os Conselhos da Comunidade contem
com instalaes adequadas e equipamentos,
assim como pessoal de apoio e viaturas
para as visitas. Verbas tambm deveriam
ser asseguradas para viabilizar a participao
de representantes dos Conselhos em eventos
organizados por outros estados (seminrios,
conferncias, etc.), de maneira a fortalecer
redes de defesa dos direitos dos presos.
Por fim, os Conselhos da Comunidade deveriam
dispor de recursos para realizarem pesquisas
e publicaes.
5.4.
As Ouvidorias
Mecanismos
de controle externo, na rea da segurana
pblica, vem se popularizando em muitos
estados brasileiros, com a criao de
Ouvidorias das polcias estaduais e municipais.
No entanto, na rea do Sistema Penitencirio,
tal prtica ainda est longe de se tornar
realidade. Com exceo de So Paulo e
de Pernambuco, os sistemas penitencirios
ainda so absolutamente refratrios a
qualquer tentativa de criao de rgos
de controle externo. No entanto, sabe-se
que a sensao de segurana da populao
depende muito do grau de confiana depositado
no poder pblico e na qualidade dos servios
prestados e que essa confiana aumenta
quando governantes e servidores pblicos
conduzem seu trabalho com transparncia,
desenvolvendo canais de comunicao com
a populao.
Se
atentarmos para o que sugere o Plano Nacional
de Segurana Pblica, do ento candidato
Luiz Incio Lula da Silva, para a rea
do Sistema Penitencirio, percebe-se que
houve preocupao particular de enfatizar
a necessidade do controle externo. Fala-se,
claramente, da criao da Ouvidoria-Geral
do Sistema Penitencirio Brasileiro, no
Ministrio da Justia, e estmulo criao
de Ouvidorias nos sistemas penitencirios
estaduais, por meio de ajuda tcnica e
financeira. E, mais ainda, insiste-se
que a partir de um determinado momento,
os estados que no tiverem implantado
suas Ouvidorias, no recebero verbas
(federais, evidentemente). Louve-se a
recentssima iniciativa do Ministrio
da Justia de criar a Ouvidoria-Geral
do Sistema Penitencirio. Espera-se que
tal Ouvidoria funcione, como acontece
em tantos outros rgos federais, com
um nmero 0800 disposio da populao.
Desta forma, o Ministrio da Justia poder
monitorar o que acontece nos sistemas
penitencirios estaduais e cobrar dos
estados o respeito lei.
Por
outro lado, os estados tambm devem criar
suas Ouvidorias, disponibilizando um nmero
0800 para o recebimento de queixas. E,
mais ainda, principalmente nos estados,
as Ouvidorias devem ter carter tambm
pr-ativo, de forma a no se restringir
ao monitoramento de casos individuais,
buscando a punio de funcionrios que
se comportam de forma ilegal ou irregular,
mas deve envolver-se com o monitoramento
mais amplo dos sistemas penitencirios,
buscando formular propostas para problemas
estruturais.
5.5.
As Corregedorias
As
Corregedorias so rgos de controle interno
no mbito dos sistemas penitencirios
que objetivam combater irregularidades
e ilegalidades, principalmente a violncia
e a corrupo. importante que as apuraes
das Corregedorias sejam sempre muito cleres
e seus resultados amplamente divulgados
de forma a combater a sensao de impunidade.
Constatou-se, no levantamento realizado
para este trabalho, que cerca de 50% dos
estados no contam com Corregedorias e
constituem comisses de sindicncias,
toda vez que h necessidade de investigar
o desvio de comportamento de funcionrios,
o que absolutamente inaceitvel. A criao
de corregedorias em todas as unidades
da federao urgente e algumas recomendaes
para tal encontram-se a seguir.
Deve
ser de competncia das Corregedorias dos
Sistemas Penitencirios dos Estados:
a)
Verificar o cumprimento das normas e diretrizes
fixadas para o Sistema Penitencirio,
apurando, atravs de sindicncias, as
irregularidades que vier a constatar ou
lhe forem submetidas;
b)
Prestar esclarecimentos aos diversos rgos
dos Poderes Judicirio e Executivo, bem
como a outras instituies, sobre a instaurao
e tramitao das sindicncias relativas
aos servidores nelas envolvidos;
c)
Manter as autoridades superiores do sistema
penitencirio informadas das atividades
de corregedoria;
d)
Analisar e emitir parecer em todas as
sindicncias instauradas e concludas
nas suas unidades istrativas e prisionais
dos sistemas penitencirios;
e)
Controlar, atravs de publicao em informativo
oficial, a instaurao de todas as sindicncias,
acompanhando a tramitao das mesmas,
at sua concluso e/ou encaminhamento
autoridade competente;
f
) Proceder a reviso das sindicncias,
pesquisando novos fatos apresentados pelo
peticionrio e elaborando relatrios conclusivos;
g)
Desenvolver atividades correcionais nos
rgos dos sistemas penitencirios, principalmente
atravs de anlise de relatrios de supervises
ou inspees realizadas;
h)
Apurar infraes e sua autoria, desde
que imputadas a servidores dos sistemas
penitencirios;
i)
Avaliar, de forma sistemtica, nova legislao,
decretos e/ou portarias que entrem em
vigor, de forma a adequar seu trabalho
s novas regras, inclusive apreciando
a validade jurdica de regulamentos introduzidos
pelas autoridades da rea;
j)
Estar sempre em contato com os rgos
externos de monitoramento das prises,
principalmente o Conselho da Comunidade
e os rgos responsveis pela fiscalizao
do sistema prisional, de acordo com a
Lei de Execuo Penal. Considerando as
diferenas estruturais dos Sistemas Penitencirios
dos estados federativos brasileiros, que
apresentam quantitativos funcionais e
efetivo carcerrio diversos, exigindo,
inclusive, legislaes especficas, seria
difcil definir o nmero de servidores
indispensvel ao funcionamento modelar
de uma Corregedoria.
No
entanto, para que este rgo desempenhe
seu papel, dispondo de condies similares
em todos os Estados, deve ser estabelecido
um nmero mnimo de Comisses Permanentes
de Sindicncia, tomando-se por base o
quantitativo de unidades prisionais, o
efetivo carcerrio e o nmero de profissionais
ali lotados. de fundamental importncia
que as Corregedorias mantenham, atravs
de Escolas de Formao Penitenciria,
cursos permanentes de sindicncia, com
obrigatoriedade de presena daqueles que
dirigem ou pretendem ser Diretores dos
estabelecimentos prisionais, bem como
de seus principais auxiliares, j que
a maioria das apuraes feita pelos
servidores das prprias unidades, local
de origem dos fatos geradores das mesmas.
Pelo
despreparo dos membros das Comisses,
os procedimentos apuratrios, em sua grande
maioria, so eivados de vcios, fazendo
com que sua durao se estenda demais,
gerando descrena, ineficcia e ineficincia
do trabalho, estimulando a crena na impunidade.
Em razo da obrigatoriedade de apurao,
pela autoridade istrativa competente,
de qualquer irregularidade havida no mbito
do servio pblico, e visando uniformidade
e padronizao dos atos praticados e das
medidas adotadas, a sindicncia ter que
estar adstrita a normas legais e gerais
a toda Federao, respeitadas as legislaes
especficas de cada Estado. Contudo, ateno
especial dever ser dispensada no sentido
de se evitarem divergncias de interpretao
e conflito de dispositivos legais, argumento
utilizado para a anulao de procedimentos
apuratrios.
Algumas
medidas que deveriam ser adotadas quando
da implantao de Corregedorias:
Criao de cargos para as Corregedorias.
Tanto o cargo de Corregedor, quanto aqueles
de seus auxiliares, devem fazer parte
de estrutura prpria das Corregedorias,
independente da estrutura dos sistemas
penitencirios;
Manuteno, nas Corregedorias,
em ordens alfabtica e numrica, de arquivo
atualizado com relao dos servidores
punidos e/ou que estejam envolvidos em
procedimentos apuratrios, visando ao
fornecimento de subsdios funcionais aos
demais rgos do Sistema;
Publicao trimestral, em informativo
prprio, de listagem das sindicncias
instauradas no perodo, bem como do estgio
em que se encontram as anteriores, possibilitando
aos dirigentes e demais servidores total
transparncia e crena na seriedade das
investigaes das falhas ocorridas no
Sistema;
Promoo de palestras e cursos
nas Escolas de Formao Penitenciria
a partir de problemas constatados nas
sindicncias de forma a prevenir futuras
ilegalidades;
Agilizao das vrias assistncias
nas unidades, com base em denncias recebidas,
contribuindo para o melhor funcionamento
das unidades prisionais.
6.
Capacitao de Pessoal
As
Regras Mnimas para o Tratamento dos Recusos,
documento da ONU que data de 1955, bom
que se lembre, j estabeleciam que a formao
profissional propriamente dita, anterior
ao ingresso nos cargos, e a capacitao
continuada, ao longo do desempenho de
suas atividades, so absolutamente indispensveis
para o pessoal penitencirio.
1.
O pessoal deve possuir um nvel intelectual
adequado;
2.
Deve freqentar, antes de entrar em funes,
um curso de formao geral e especial
e prestar provas tericas e prticas;
3. Aps a entrada em funo e ao longo
da sua carreira, o pessoal deve conservar
e melhorar os seus conhecimentos e competncias
profissionais, seguindo cursos de aperfeioamento
organizados periodicamente 13
J
se salientou, anteriormente, que dentre
o pessoal penitencirio h os portadores
de profisses e os de ofcios. A formao
profissional anterior ao ingresso nos
cargos diz respeito, portanto, ao pessoal
das reas tcnicas, que praticam as assistncias
previstas na LEP. Para habilitarem-se
aos concursos pblicos, uma das exigncias
se refere ao registro nos Conselhos Profissionais.
Quanto ao pessoal da rea de segurana,
inexiste uma poltica pblica de educao
profissionalizante de segurana penitenciria.
Mesmo
assim, pode-se verificar que ainda so
muito limitadas as iniciativas dentro
dos cursos de graduao, no Brasil, de
introduo de disciplinas que possibilitem
o o a estgios na rea do sistema
prisional ou a contedos tericos que
problematizem a temtica das prises.
Ainda que as formaes profissionais sejam
generalistas at determinada etapa dos
cursos superiores, e depois se abram num
leque de especializaes, muito escassas
so as inseres de temticas nas universidades
referentes ao campo da execuo penal.
Seguidamente,
comenta-se que a universidade brasileira
tem sido pouco sensvel, nas suas linhas
de pesquisa e extenso, questo da segurana
pblica, em especial rea de estudos
do sistema prisional. H, portanto, a
necessidade de uma poltica de fomento
pesquisa nessa rea, que deveria ser
estimulada por rgos como a CAPES e o
CNPq. O enfoque tambm deve se dirigir
a cursos de especializao que aglutinem
profissionais das diversas reas, num
esforo de coletivizar a discusso das
prticas profissionais no campo da execuo
penal.(vide Plano Nacional de Segurana
Pblica). importante assinalar que uma
variedade de temas, fundamentais para
a formao dos profissionais que atuam
na rea, so constantemente esquecidos,
como por exemplo, a funo da priso na
sociedade; a relao da criminalidade
com a priso; a produo da criminalidade;
a construo das identidades profissionais
no campo da execuo penal; e a insero
diferenciada de cada profisso. Estas
so questes bsicas que constituem um
ncleo comum de conhecimentos, tanto para
detentores de profisso como de ofcios.
Em
relao aos ofcios, como o de agente
de segurana penitenciria, a formao
mnima exigida para ingresso no cargo
a escolaridade de 2 grau. A percepo
usual em relao ao exerccio da segurana
penitenciria de que os agentes desempenham
uma funo essencialmente pragmtica,
em que o conhecimento necessrio se constri
na experincia adquirida no cotidiano.
Esta uma constatao restrita s tarefas
residuais dos agentes, quer seja a movimentao
dos presos, sua escolta, o manuseio de
instrumentos de vigilncia. No entanto,
o desempenho essencial dos agentes de
segurana se refere sua responsabilidade
formal na ao disciplinadora junto aos
presos. Como j se disse, nesta relao
entre custodiador e custodiados, perada
pela ao moralizadora da disciplina,
no mbito da cultura prisional, que esto
postos os maiores desafios e dilemas
ao dos agentes. exatamente nesta relao
que se verifica grande parte dos episdios
de violao integridade fsica e psicolgica
dos presos, assim como os conseqentes
incidentes prisionais. Portanto, a ao
disciplinadora, nas formas hoje existentes
na cultura da priso, se naturalizou,
banalizando aes violentas, e permitindo
que os presos reafirmem que a presena
do Estado nas suas vidas significa o desrespeito
e a infrao s garantias legais.
Alterar
a cultura de violncia institucional existente,
da qual os agentes so em grande parte
atores consensuais, supe, por parte da
istrao Pblica, um compromisso
que poltico com investimentos muito
significativos na formao profissional,
instituindo- se uma poltica de formao
profissionalizante, alavancada pelo Ministrio
da Educao (Vide Plano Nacional de Segurana
Pblica). Em tal formao profissional,
inicialmente de nvel tcnico, segurana
penitenciria poderia ser concebida como
uma proposta de formao continuada, composta
por graduao e ps-graduao. A formao
curricular, nesta hiptese, trabalharia
com contedos bsicos que contemplem,
como j mencionado, a discusso sobre
as formas de punio contemporneas, sua
relao com a criminalidade, as contradies
da punio e da reinsero e sua operacionalidade,
a legislao penal e de execuo penal
e a respectiva insero e identidade profissional
dos agentes neste contexto. J na rea
de formao de habilidades para o exerccio
profissional, pode-se destacar temas especficos
como, por exemplo, o uso da fora, o manuseio
de armamentos, o controle de incidentes
prisionais, a direo defensiva, procedimentos
istrativos diversos e tantos outros.
No
sentido que se d formao profissional,
visa-se colocar a ao dos agentes dentro
dos parmetros legais em que se inscreve
a custdia no Estado Democrtico, buscando
substituir uma cultura de violncia, impregnada
de vingana, alimentada pelo preconceito
em relao aos presos e aos prprios agentes,
por uma cultura de respeito ao preso e
valorizao do funcionrio, em que este
possa se inserir como um agente de disciplina,
fundada em valores ticos de responsabilidade
e respeito convivncia coletiva. O Brasil
tem urgncia em fundar uma nova imagem
de seus agentes da lei, que possa espelhar
para a populao, valores de credibilidade,
confiabilidade e proteo. A capacitao,
portanto, constituda pelas aes pedaggicas
e pela proposio de contedos programticos
que possam propiciar atualizao e desenvolvimento
aos trabalhadores dos sistemas penitencirios.
Tais aes podem se desenvolver atravs
de Escolas
Penitencirias
nos estados. importante destacar, no
entanto, que a poltica de capacitao
das Escolas de Formao no supre por
si s as questes mais gerais e pontuais
dos trabalhadores. De fato, s uma poltica
de recursos humanos, ainda tmida e at
inexistente em muitos estados da federao,
pode instituir vrias frentes de abordagem
das questes relativas ao trabalho, tais
como a sade do trabalhador, o plano de
cargos e salrios, a reviso constante
das condies de trabalho e a prpria
poltica de capacitao. Querer resolver
a insatisfao, o imobilismo, a indisciplina
dos trabalhadores atravs da capacitao,
como nica alternativa, uma perverso.
Na verdade, no se constri um ambiente
pedaggico de sensibilidade necessidade
de aprendizagem num clima de profunda
insatisfao com as condies de trabalho.
Destri-se a credibilidade na capacitao,
desmerecendo seu valor, na medida em que
ela no alterar, por si s, posturas descompromissadas,
violentas ou ideologicamente conservadoras
dos trabalhadores da priso.
As
propostas de capacitao operam num campo
delimitado: ora informando sobre novas
questes em debate (veja-se, por exemplo,
o debate sobre justia teraputica, diminuio
da idade de responsabilidade penal e regime
disciplinar diferenciado) na conjuntura
atual, ora aprofundando temticas desafiantes
relativas aos presos como a dependncia
qumica, o abuso sexual, etc.
6.1.
Recomendaes na rea da Formao Profissional
Na
rea da formao profissional, as recomendaes
so as seguintes, tambm incorporando
sugestes do Plano Nacional de Segurana
Pblica:
1.
Quanto s profisses em que requerido
o nvel superior: (Servio Social, Direito,
Psicologia, Medicina, Odontologia, Enfermagem,
Nutrio, Terapia Ocupacional, e Pedagogia,
principalmente).
a)
Incluso de disciplina nos respectivos
cursos de graduao que abranja:
A questo da economia lcita da criminalidade
e o elo indissocivel com a priso, assim
como a legislao internacional/nacional
acerca da punio e proteo dos presos.
A discusso acerca da relao entre a
cultura brasileira marcada pela ideologia
elitista, conservadora, relacionada a
questes da histria da formao da sociedade
brasileira, com rebatimentos substanciais
na cultura da impunidade, da violncia
institucional, do clientelismo, do autoritarismo,
etc;
b)
Incentivo ao fomento de pesquisas no sistema
prisional pela CAPES e CNPQ com a concesso
de bolsas de iniciao cientfica e especializao
atreladas linhas de pesquisa sobre criminalidade
e priso, buscando publicizar os relatrios
de pesquisas, colocando tal material bibliogrfico
ao alcance do pblico diretamente interessado
na questo prisional: pessoal penitencirio,
professores de universidades e de ensino
mdio, pesquisadores e es;
c)
Valorizao de carga horria e de contedos
nos cursos de Direito de conhecimentos
acerca de execuo penal, buscando capacitar
mais efetivamente os futuros advogados,
defensores e promotores pblicos;
d)
Incentivo a bolsas de estgio para alunos
de graduao em projetos de extenso em
diversas reas disciplinares com vistas
a tornar mais permevel e visvel a execuo
das penas, assim como capacitar profissionalmente
estudantes que potencialmente possam contribuir
com o campo da execuo penal;
e)
Mapeamento atravs de rgos como CAPES
e CNPq, de pesquisadores e de produes
acadmicas referentes ao campo da criminalidade
e execuo penal, visando a criao de
um banco de dados;
f
) Incentivo ao aumento do nmero de bolsas
de mestrado e doutorado para estudantes
com projetos de pesquisa significativos
na rea de execuo penal.
g)
Criao de cursos de especializao junto
s faculdades de Direito, Psicologia,
Servio Social, Sociologia e Cincia Poltica
visando formar acervo de produo acadmica
num enfoque multidisciplinar, estabelecendo
parcerias entre as universidades e os
rgos das istraes penitencirias
estaduais.
2.
Quanto profissionalizao de sujeitos
que venham a se candidatar a empregos
na rea de segurana pblica e, em especial,
funo de agente de segurana penitenciria:
a)
No sentido de transformar o atual ofcio
de agente de segurana penitenciria em
profisso, criar, com o concurso do MEC
e das Secretarias Estaduais de Educao,
cursos profissionalizantes em dois nveis:
Nvel Mdio correspondente finalizao
do Ensino Mdio, (com expedio de diploma
de 2 Grau)
como tcnico de segurana penitenciria.
Alm das disciplinas convencionais de
portugus e matemtica, tal currculo
aprofundaria os contedos de histria
e geografia, principalmente no que se
refere s questes mais significativas
da histria e geografia polticas brasileira,
buscando ressaltar os problemas da desigualdade
social e da cultura (cultura da violncia,
da impunidade, autoritarismo, burocratismo).
Nvel de Graduao
6.2.
Recomendaes na rea de Capacitao Profissional
Na
rea da capacitao profissional as recomendaes
so as seguintes:
1)
Dotar os rgos estaduais de istrao
penitenciria de Escolas de Formao,
voltadas para capacitar o pblico interno
o pessoal penitencirio. Tais escolas
necessitam ser implantadas para se incumbirem
da ambientao dos trabalhadores recm
ingressos nas prises, seja oriundos de
concursos pblicos ou de requisies istrativas,
assim como da capacitao continuada,
no sentido de oferecer atualizao tcnica
aos diferentes segmentos funcionais. Evidentemente,
tais Escolas no podem ser mantidas no
improviso, como ocorre em alguns Estados.
preciso que tenham oramento prprio,
corpo docente capacitado, tanto fixo como
complementado por professores visitantes,
assim como propostas pedaggicas concretizadas
em currculos escolares, etc;
2)
A ambientao deve se voltar a estagirios,
novos tcnicos e novos agentes de segurana
recm ingressos, assim como voluntrios
que esto inseridos em atividades religiosas,
culturais ou de lazer, parceiros de programas
de trabalho e de assistncia a egressos.
A ambientao visa inserir, de forma mais
segura e produtiva, novos atores no contexto
prisional;
3)
A capacitao continuada busca instrumentalizar
o pessoal penitencirio com novos conhecimentos,
organizar e sistematizar o conhecimento
emprico adquirido na prtica cotidiana
e oferecer novas habilidades diante do
desafio do acelerado desenvolvimento tecnolgico,
tornando a participao dos trabalhadores
das prises mais produtiva, tanto no desempenho
que lhes requerido, como na construo
de sua auto-estima.
A
capacitao continuada uma estratgia
que acentua o elo do trabalhador com a
prtica que exercita e sua sistematizao
terico-metodolgica. importante ficar
claro que no existe um fazer acabado,
soberano e inquestionvel, mas sujeito
a reformulaes face disposio de refletir
e refazer a prtica cotidiana na dinamicidade
da vida institucional;
4)
Reviso das prticas de gesto prisional
destinada aos gestores inseridos nas diversas
instncias da estrutura organizacional:
direes, assessorias, chefias intermedirias
e de vnculo direto com a populao de
funcionrios;
5)
Capacitao de pessoal das diversas reas
para o exerccio da superviso tcnica
aos grupamentos profissionais. A figura
do supervisor se coloca como aquele que
possibilita no cotidiano discutir com
seus pares os conflitos institucionais
existentes, os objetivos das aes e elaborao
e avaliao dos projetos e outros pontos
trazidos como uma necessidade pelos supervisionados.
A capacitao formulada pelo Programa
das Escolas se constitui em eventos
cursos, seminrios, por exemplo, enquanto
que a superviso acompanha o desempenho
dos profissionais cotidianamente. Formar
supervisores, como uma atribuio das
Escolas, requer que as istraes
Penitencirias creditem aos programas
de Superviso o objetivo de desenvolvimento
contnuo dos trabalhadores, assim como
estabeleam o fluxo de comunicao dos
profissionais da ponta, que atuam junto
aos presos e familiares com as assessorias
e direes superiores.
7.
Gesto de Pessoal
7.1.
Recrutamento e Seleo
7.1.1.
Recrutamento
Ao
nos reportarmos gesto de pessoal, teceremos
alguns comentrios acerca de recrutamento
e seleo do pessoal penitencirio, assim
como sobre planos de cargos e salrios.
Foram fonte de anlise os documentos encaminhados
pelos sistemas penitencirios de alguns
estados. Face avaliao do material
colhido, apresentaremos algumas proposies
que no podem ser vistas de forma dissociada
da capacitao profissional de pessoal,
tem j discutido anteriormente.
Iniciamos
pelas condies de recrutamento realizado
majoritariamente por rgos pblicos,
para preencher cargos da organizao istrativa
do Estado. Vale lembrar que, em
pelo menos trs estados onde existem unidades
terceirizadas (privatizadas), o recrutamento
e seleo se fazem atravs de empresas
privadas. Devese notar que no existe
no pas uma poltica de recrutamento e
seleo orietadora dessas atividades operadas
pelo estado. Portanto, no surpresa
encontrarmos uma diversidade de critrios
de recrutamento e seleo, sem que se
tenham fundamentos claros para tal, mesmo
levando em conta a diferente dimenso
de sistemas prisionais nos estados. O
que importa salientar que as funes
de trabalho na custdia e na assistncia
tm uma mesma finalidade em diferentes
cenrios, uma vez que regidas pela mesma
Lei de Execuo Penal. Chamamos ateno,
como mencionado no item 4.3.3, que os
gestores do sistema penitencirio no Brasil
no encontram nenhum parmetro legal que
oriente a rea da segurana penitenciria.
Para
facilitar a compreenso desta diversidade
que aparece nos critrios utilizados pelos
estados, listamos algumas categorias constantes
dos editais de concursos pblicos. Quanto
ao recrutamento, as exigncias para inscrio
variam a cada ano no mesmo estado e de
estado para estado, conforme descrito
abaixo:
Idade mnima
A
maioria dos estados exige a idade mnima
de 18 anos para isso aos variados
cargos dos sistemas penitencirios. Entretanto,
observouse variaes entre editais de
anos diferentes, no prprio estado: ora
exigem 18 anos, ora 21 anos. Apenas um
estados no limita a idade mnima para
isso ao cargo de agente penitencirio,
porm exige a escolaridade de ensino superior
completo, o que faz supor que a idade
mnima esteja em torno de 20 anos, pelo
menos.
Carteira de habilitao
Todos
os editais exigem a carteira de habilitao
para motorista, indiferentemente dos cargos.
Altura mnima
A
altura mnima exigida na maioria dos estados
de 1,65cm para homens e 1,60cm para
mulheres, no cargo de agente penitencirio.
Entretanto h variaes entre editais
do prprio estado, quanto altura das
mulheres: uns exigem1,60cm e outros 1,55cm.
Vagas destinadas aos portadores de necessidades
especiais
A
maioria dos editais garante um percentual
de vagas para os portadores de necessidades
especiais, como determina legislao especfica,
porm os candidatos sero avaliados por
ocasio do exame mdico quanto adequao
da deficincia funo a ser exercida.
Entretanto, observase nos editais de
alguns estados, a expressa proibio de
inscrio aos portadores de necessidades
especiais, justificadas pela incompatibilidade
com a funo de agente penitencirio.
Incidncia de vagas
A
maioria dos concursos se destina ao preenchimento
de vagas para o cargo de agente penitencirio.
Alguns estados realizaram concursos para
cargos na rea das assistncias, porm
o nmero de vagas oferecido foi bastante
reduzido. Cabe salientar que em alguns
estados da federao no existem profissionais
da rea das assistncias, sendo as mesmas
prestadas por profissionais cedidos de
outros rgos do estado ou por agentes
penitencirios com formao acadmica
na rea especfica, desviados de funo.
Observase
que em nenhum dos editais foram oferecidas
vagas para cargos na rea da assistncia
jurdica. Levando-se em conta que muitos
estados no contam com Defensorias Pblicas,
muito grave tal constatao.
Escolaridade:
Quanto
ao nvel de escolaridade, a maioria dos
estados exige o ensino mdio completo
para o cargo de agente penitencirio e
o curso tcnico para reas especficas,
como por exemplo, auxiliar de enfermagem.
Para cargos istrativos e de servios
gerais exigido o ensino fundamental
completo ou incompleto, ou o ensino mdio
completo, conforme a funo. Apenas um
estado, aps a criao do Plano de Cargos
e Salrios, ou a exigir o ensino superior
completo para o cargo de Agente Penitencirio.
Na rea das assistncias exigida a graduao
plena, com os registros nos respectivos
Conselhos Regionais.
7.1.2.
Seleo
As
etapas de seleo dos candidatos variam
entre os estados, porm a prova escrita,
objetiva, comum a todos, diferenciando-se
apenas nas disciplinas e nos contedos
exigidos. Em alguns estados, na prova
para o cargo de Agente Penitencirio,
constam as disciplinas de Portugus, Matemtica,
Histria, Geografia e conhecimentos especficos.
Em
outros estados, so exigidas apenas as
disciplinas de Portugus, Matemtica e
Conhecimentos Especficos para o cargo
de agente penitencirio. Para os cargos
da rea das assistncias, uma nica exigncia
geral: a de conhecimentos especficos
da rea de atuao. Cabe destacar que
na maioria dos estados, os editais no
exigem conhecimentos no campo da Criminologia
e da Justia Criminal, ou mesmo, execuo
penal. Apenas alguns editais para concurso
de agente penitencirio incluram tais
exigncias. Na maioria dos estados, a
pontuao mnima exigida na prova objetiva
de 50 pontos para todos os cargos. Observou-se,
entretanto,que em alguns estados, em anos
diferentes, esse critrio se modificou,
apenas para o cargo de agente penitencirio,
ando a exigirse a pontuao mnima
de 60 pontos. Todos os editais analisados
incluem prova de aptido fsica para o
cargo de agente penitencirio, de carter
eliminatrio, realizada, na maioria dos
estados, nas Academias de Polcia Civil
ou Militar.
A
prova de ttulos para os cargos da rea
das assistncias se constitui na segunda
etapa do processo seletivo. Em alguns
estados, a prova de ttulos tambm exigida
para os cargos de agente penitencirio
e para servios gerais. Esta etapa tem
o carter classificatrio. O exame mdico,
de carter eliminatrio, exigido para
todas as categorias profissionais. Os
portadores de necessidades especiais so
avaliados conforme sua deficincia e funo
a ser desempenhada. O exame psicotcnico,
ou avaliao psicolgica, no comum
a todos os estados, mas naqueles em que
aparece tal exigncia, o mesmo tem carter
eliminatrio. Cabe destacar que em todos
os estados, o Curso de Capacitao Profissional,
na verdade, uma das etapas do processo
seletivo, exigido apenas para o cargo
de agente penitencirio e tem o carter
eliminatrio. Em alguns estados tambm
classificatrio. A carga horria dos
cursos varia de 80 horas/aula a 720 horas/aula.
Os rgos que ministram o curso tambm
diferem entre os estados: naqueles que
contam com Escola de Formao Penitenciria,
as aulas tericas so a ministradas,
e as aulas prticas (defesa pessoal, utilizao
de armas, etc) so realizadas nas academias
de polcia. Nos estados que no possuem
escola, que so a maioria, o curso ministrado
pelo DEPEN ou por profissionais do prprio
sistema penitencirio, ou ainda por outros
profissionais de rgos da segurana pblica
e professores universitrios.
Observase
que a qualidade e o nvel de exigncia
dos cursos esto relacionados com a poltica
penitenciria do estado e, conseqentemente,
com a infra-estrutura existente. Entre
os Editais analisados observou-se que
apenas dois estados incluem, entre as
etapas do processo seletivo, a investigao
social: o Rio de Janeiro e o Cear.
7.1.3.
Salrios
Poucos
foram os editais que mencionaram o valor
dos salrios. Entre os salrios apresentados,
para as diversas categorias, observase
uma grande diversidade. A maioria oferece
salrios muito baixos, com exceo de
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondnia,
Rio de Janeiro e Distrito Federal,
onde os salrios variam de R$700,00 a
R$3.000,00, respectivamente. Nos demais
estados, a mdia dos salrios de R$500,00
para as diferentes reas. Tal diversidade
est a indicar a necessidade da criao
de Planos de Cargos e Salrios para a
rea dos sistemas penitencirios, o que
tambm deveria contar com orientao partindo
do DEPEN. Por outro lado, isto tambm
reflete a necessidade de uma poltica
penitenciria que priorize a valorizao
dos servidores, possibilitando a perspectiva
de ascenso profissional, aperfeioamento
e melhoria salarial.
7.2.
Planos de Cargos e Salrios
Em
se tratando de Planos de Cargos e Salrios
dos funcionrios dos sistemas penitencirios
no pas, verifica-se que 70,8% das istraes
pblicas estaduais ainda no se ocuparam
de elabor-los, ou mesmo de oficializ-los.
Esta uma questo seguidamente lembrada
pelos funcionrios, diante de sua insatisfao
com a falta de perspectivas mais promissoras
de asceno funcional. Pode-se levantar
algumas questes quanto ausncia desses
Planos, na maioria dos estados:
1.
Seriam os funcionrios das prises vistos
com algum preconceito por parte da istrao
pblica superior, face a seu objeto de
trabalho?
2.
Seria o movimento sindical, na rea dos
sistemas penitencirios, ainda muito incipiente,
isolado do movimento mais geral do funcionalismo
pblico, no sentido de lutar por tais
planos? Contribuiria para a fragilidade
do movimento sindical nos sistemas penitencirios
a pulverizao existente de associaes
e sindicatos, abrigando diferentes categorias
profissionais no cenrio de cada estado?
3.
Esta fragilidade poderia ser vista como
resultado do arrefecimento do movimento
sindical dos trabalhadores no pas, face
precarizao das relaes de trabalho
e da competitividade no mercado?
Na
verdade, talvez a resposta a essas perguntas
seja positiva. Logo, preciso refletir
sobre a falta de Planos de Cargos e Salrios
a partir de uma perspectiva poltica,
e no apenas tcnico-istrativa e
fundamental a participao do DEPEN
para que se saia do imobilismo e se comece
a discutir, com seriedade, o que provoca
a falta de Planos de Cargos e Salrios.
importante observar, tambm, que no
relatrio do Encontro Nacional das Escolas
Penitencirias, realizado nos dias 12,
13 e 14 de novembro de 2003, os representantes
das cinco escolas existentes no Brasil
no incluram em suas propostas a necessidade
e a importncia de um Plano de Cargos
e Salrios, muito menos mencionaram a
necessidade do aperfeioamento profissional
vinculado a qualquer Plano. Percebe-se,
assim, o longo caminho que ainda necessita
ser percorrido para se criar uma gesto
prisional baseada na competncia e no
conhecimento, critrios norteadores de
Planos de Cargos e Salrios em outros
campos profissionais e instituies. Por
ltimo, cabe assinalar que, dentre os
documentos analisados, encontram-se os
Planos de Cargos e Salrios dos sistemas
penitencirios do Rio Grande do Sul e
Mato Grosso do Sul, os nicos estados
que enviaram coordenao deste trabalho
tal material. Vale assinalar que esses
Planos podem ser referencial para outros
estados e, entre suas caractersticas
positivas, esto a de se utilizarem da
titulao de nvel mdio, superior e de
ps-graduao, como critrio para asceno
funcional e retribuio salarial.
7.3.
Algumas Propostas
Diante
do exposto, propomos a construo de uma
poltica nacional pelo DEPEN, norteadora
no s do processo de recrutamento e seleo
do pessoal penitencirio, como tambm
de planos de carreira. Tal poltica deve
considerar os seguintes pontos:
Contedo programtico nico para todos
os cargos, inclusive para aqueles da rea
das assistncias, versando sobre legislao
especfica do campo da execuo
penal, do funcionamento do sistema penitencirio
e do estatuto do funcionalismo de cada
Estado;
Criao do cargo de assistente jurdico
e, conseqentemente, concurso para preenchimento
de vagas;
Incluso dos profissionais da
rea das assistncias, recm-aprovados,
ou em exerccio, nos Cursos de Capacitao
Profissional (ambientao e aperfeioamento
profissional, respectivamente);
Currculo bsico para os cursos
de capacitao (ambientao e de aperfeioamento
profissional), de boa qualidade, ampliando
a formao dos novos servidores para alm
da questo da segurana, vigilncia e
disciplina, de modo a permitir uma reflexo
sobre a sua funo enquanto custodiador;
Criao de um Plano de Carreira,
Cargos e Salrios para os servidores do
sistema penitencirio, que priorize a
formao profissional como forma de ascenso
funcional;
Parcerias com instituies acadmicas
para realizao de cursos de especializao
na rea da execuo penal.
7.4.
Sade do Trabalhador
Na
rea do sistema penitencirio, um programa
de sade do trabalhador consiste em oferecer
assistncia mdica, odontolgica, psicolgica
e social, bom como desenvolver aes especficas
de promoo da sade e preveno de doenas
aos profissionais das unidades prisionais.
Os
agentes penitencirios so os trabalhadores
encarregados de revistar presos, celas,
visitantes, conduzir presos, realizar
a vigilncia interna das unidades e disciplinar
a refeio dos presos. Por terem contato
direto com os internos e sendo vistos
por estes como um dos responsveis pela
manuteno do seu confinamento, estes
trabalhadores esto freqentemente expostos
a diversas situaes geradoras de acentuado
estresse. Todos os outros profissionais
que labutam no sistema penitencirio,
embora sem contato prximo, dirio e regular
com os internos, tambm sofrem o impacto
da tenso presente no ambiente prisional.
Assim, um programa de sade do trabalhador
do sistema penitencirio, deveria ter
como atribuies:
Estabelecer os padres profissiogrficos
de todas as funes e cargos no mbito
do sistema penitencirio e sua aplicabilidade
quando da isso do trabalhador, garantindo-se
desse modo uma efetiva aptido fsica
e psquica para estas atividades laborativas.
Promoo da Sade e preveno
de doenas, ocupacionais ou no, tais
como Hepatite B, Ttano/difteria (por
meio de vacinao), HA, diabetes, DSTs,
depresso, entre outras (atravs de informaes
sobre mudanas de hbitos de vida e comportamento).
Deteco dos agravos Sade
relacionados com o trabalho, atravs de:
1.
Estudos epidemiolgicos que visem estabelecer
nexo causal entre as doenas mais comuns
apresentadas pelos servidores e suas diversas
atividades;
2.
Inspeo peridica aos locais de trabalho
avaliando suas condies fsicas ambientais
e conseqentes riscos sade dos funcionrios;
3.
Permanente dilogo com o setor de Recursos
Humanos avaliando as rotinas de trabalho,
conflitos interpessoais, etc;
Preveno de acidentes de trabalho,
atravs de palestras, folders e cartazes;
Acompanhamento de casos de acidente
de trabalho pelo servio de assistncia,
em especial aos acidentes com material
biolgico.
Realizao de exames peridicos
anuais.
Realizao de exames periciais
nos casos de afastamento por doenas.
Acompanhamento de doenas crnicas
(j instaladas) e contagiosas, visando
a parada de progresso das mesmas.
Acompanhamento pelo Servio
Social dos casos de readaptao no trabalho
(com reduo ou no de carga horria,
etc).
Acompanhamento, atravs de exames
mensais, dos agentes novos em fase de
estgio probatrio/experimental a fim
de detectar doenas mentais, preexistentes/latentes,
por profissionais das reas da psiquiatria
e psicologia.
8.
Outros Temas
8.1.
A Especificidade da Mulher Presa
Como
se sabe, a priso representa uma caricatura
da sociedade em geral. Por um lado ela
um espao que reproduz as condies
de excluso das mulheres, segundo vivenciadas
no mundo de fora. Por outro lado, intensifica
alguns males da sociedade em forma perversa,
porque infantiliza as pessoas (ao controlar
todos os aspectos de suas vidas e faz-las
dependentes de uma autoridade externa)
e, ao mesmo tempo, exige delas maturidade
para declar-las ressocializadas.
Assim,
cabe lembrar que o crcere uma instituio
totalizante e despersonalizadora, na qual
predomina a desconfiana e onde a violncia
se converte em instrumento de troca. Essas
caractersticas correspondem s prises
em geral, mas so muito mais marcantes
em prises de mulheres.
Do
conjunto de pessoas que compem a massa
carcerria, a mulher no se destaca. Na
Amrica Latina, a porcentagem de presas
oscila, aproximadamente, entre 3% e 9%
da populao carcerria. No Brasil, representa
4,33% dos presos.14 A
reduzida presena numrica da mulher no
sistema prisional tem provocado o desinteresse,
tanto de pesquisadores como das autoridades,
e a decorrente invisibilizao das necessidades
femininas nas polticas penitencirias,
que em geral se ajustam aos modelos tipicamente
masculinos.15 O perfil da mulher reclusa
demonstra o quanto ela integra as estatsticas
da marginalidade e da excluso: a maioria
no branca, tem filhos, apresenta escolaridade
incipiente e conduta delitiva que se caracteriza
pela menor gravidade, vinculao com o
patrimnio e reduzida participao na
distribuio de poder, salvo contadas
excees. Esse quadro sustenta a associao
da priso desigualdade social, discriminao
e seletividade do sistema de justia
penal, que acaba punindo os mais vulnerveis,
sob categorias de raa, renda e gnero.16
8.1.1.
Legislao Penitenciria sob um Olhar
de Gnero
Uma
leitura detalhada e focalizada na busca
de referncias sobre a mulher reclusa
nos leva a constatar que so escassas
as disposies que dela se ocupam. Existem
poucas referncias na Constituio Federal,
na Lei de Execuo Penal, que regulamenta
os dispositivos constitucionais, e em
alguns regimentos estaduais para os estabelecimentos
prisionais. Os referidos diplomas legais
regularam acertadamente a situao especial
da mulher, mas o fizeram de forma demasiado
tmida, sem abranger a totalidade de suas
necessidades e impondo parmetros veis
de interpretao conservadora, em especial
no que tange formao profissional feminina
na priso. No artigo 19 da LEP, que trata
da assistncia educacional, menciona-se
que a mulher condenada ter ensino profissional
adequado a sua condio, sem evidenciar
o significado da expresso condio feminina.
Acreditamos que a diferena de gnero
no representa critrio legtimo no que
concerne organizao de cursos
de formao profissionalizante diferenciados.
A mulher tem ingressado em espaos de
trabalho antes tipicamente masculinos,
e vem tendo sucesso ao lidar com situaes
complexas. Dispositivos que imponham limitaes
baseadas em argumentos ambguos e de mltipla
interpretao devem ser objeto de concentrada
ateno, porquanto se trata de situao
que pode provocar abuso de poder e facilitar
a transgresso do direito igualdade.
Por
outro lado, uma caracterstica comum naqueles
textos o suposto carter de neutralidade.
Porm, entendemos que a redao de uma
norma no ter tal carter na medida em
que fizer referncia exclusiva ao homem,
perfil que corresponde maioria dos textos
legislativos em matria penitenciria.
Existem
de fato citaes sobre a mulher presa,
porm os referidos documentos limitamse
a regular aspectos ligados maternidade.
Nossa inteno no , tampouco, negar
a importncia de uma norma a esse respeito;
o que pretendemos chamar a ateno para
a identificao da mulher com um nico
papel, como se o universo feminino, composto
por necessidades e recursos prprios e
diversos, pudesse ser representado apenas
pela funo de me. Se a esse tpico somarmos
a pretendida neutralidade na redao
dos artigos da LEP nos indicativos da
visita ntima, concluiremos que a norma
(e a prtica) nega a sexualidade da mulher
quando esta se vincula ao exerccio da
liberdade sexual e, contrariamente, a
refora quando a mulher identificada
com o papel materno. importante a anlise
de alguns temas pontuais:
A questo da sade
A
questo da sade representa um problema
fundamental no contexto prisional feminino,
porquanto ela forma parte das recorrentes
demandas das mulheres presas no s em
penitencirias, mas tambm em cadeias
pblicas e distritos policiais.17
Por
essa razo as polticas de sade devem
abranger tanto o mbito dos sistemas penitencirios
(que istram as penitencirias) quanto
o de segurana pblica (que istra
cadeias e distritos policiais).
Restringindo
nossa anlise ao mbito normativo podemos
asseverar que no texto da LEP (artigo
14) que trata do direito de assistncia
sade, l-se que esse direito se efetivar
com a contratao de mdico, farmacutico
e odontologista no existindo nenhuma
indicao necessidade de contratao
de ginecologista, especialidade vital
no controle de doenas que vitimizam as
mulheres (cncer de mama, cncer de colo
uterino, etc) e no acompanhamento pr-natal.
A questo do trabalho
A
maioria das mulheres presas trabalhou
antes de sua priso.18 Aps o ingresso
na priso, essas mulheres continuam trabalhando,
embora nem sempre realizem atividades
reconhecidas oficialmente. A valorao
do trabalho como meio de obteno de liberdade
conjuga-se com a importncia que tem essa
atividade para o trabalhador por garantir
sua subsistncia, e nessa interseo se
confundem os interesses do trabalhador
na priso com os daquele que se encontra
no meio livre. Porm, a aproximao de
interesses relativizada quando percebemos
que a condio de subsistncia difere
da do senso comum, porquanto seu carter
utilitrio no se vincula ao lucro nem
ao consumo (ao menos no exclusivamente),
mas possibilidade de afast-los da realidade
e de lhes ocupar o tempo livre. O tempo
ocioso pode se converter no pior inimigo
do recluso, no s porque no entender
das autoridades sugere vadiagem e fracasso
do tratamento ressocializador, mas tambm
porque favorece o envolvimento em ilegalidades.19
Da a importncia de proporcionar todas
as condies para que o trabalho possa
ser realizado no interior dos crceres.
Por
outro lado, a restrio do exerccio de
direitos trabalhistas prejudica s trabalhadoras
presas e, especialmente quelas que engravidam.
Segundo a Consolidao das Leis
Trabalhistas (CLT), a mulher trabalhadora
tem direito licena-maternidade por
120 dias correspondentes aos perodos
pr e ps-parto20 e
o direito de no ser demitida nesse perodo,
salvo justa causa expressamente comprovada.
Como inexiste a possibilidade de apelar
CLT (segundo o artigo 28 da LEP) quando
se trata de trabalho carcerrio, a presa
que presta servios corre o risco de ser
demitida e prejudicada como conseqncia
de sua gravidez.
Finalmente,
cabe destacar que o trabalho exercido
na priso deve se distanciar das prticas
de manipulao, sometimento e de imposio
de modelos conservadores de feminilidade
ou de mulher normal, e deve ar a
ser entendido como um direito de base
constitucional e, ao mesmo tempo, como
uma alternativa de resistncia degradao
do crcere.
A questo da famlia
Um
dos aspectos cruciais nas aflies provocadas
pela deteno entre as mulheres presas
o distanciamento da famlia. Essa afirmao
deve ser confrontada com os dados estatsticos
que do conta de que entre 65% e 90% das
mulheres presas so mes e aproximadamente
60% so chefes de famlia, ou seja, representam
a principal fonte de renda do lar.
Em
pesquisa sobre a visita ntima, a Coordenadoria
de Sade da Secretaria de istrao
Penitenciria de So Paulo recolheu informaes
dos presdios femininos do Estado de modo
a identificar o contexto familiar das
mulheres. Na Penitenciria Feminina da
Capital21 82,87% declararam ter filhos22
, dos quais 59,12% vivem com a famlia
da reclusa; o marido (ou ex-marido) conservou
a guarda s em 6,07% dos casos. A residncia
dos filhos est localizada em 42,55% dos
casos na capital, em 32,45%, no interior
ou no litoral e na porcentagem restante,
em outros estados ou pases. Tais informaes
confirmam o abandono de que so vtimas
as mulheres na priso. Ademais, podemos
deduzir que a condenao das mulheres
recai no s sobre elas, mas tambm sobre
os filhos, vtimas indiretas da sano
estatal. Esses dados sugerem a necessidade
de criar presdios menores perto das localidades
de procedncia das mulheres presas, para
dessa forma manter o binmio preso-famlia,
e assim facilitar a reintegrao, uma
vez readquirida a liberdade .
O o informao
Outro
fator que condiciona o cotidiano na priso,
alm do silncio, das mltiplas e pequenas
regras, da monotonia, da rigorosidade
da disciplina, da despersonalizao e
da perda de autocontrole, a limitao
do o informao. Essa ignorncia
persistente gera desorientao e estimula,
ainda mais, a docilidade como valor absoluto.
Nas prises femininas, o valor docilidade
adquire significao especial na medida
em que tenta reproduzir os padres femininos
como regra de conduta. A no-adequao
a esses padres provoca maior represso
por gerar o entendimento de que se pretende
fugir do modelo de mulher normal, e
pode redundar em avaliao negativa no
tocante aos laudos e pareceres de tcnicos.
Nesse sentido, convm fortalecer um discurso
crtico que incorpore a perspectiva de
gnero nos cursos de formao de agentes
e tcnicos penitencirios.
Intensificando
ainda mais a desinformao, observa-se
o desconhecimento da maioria das mulheres
presas sobre sua situao jurdica ou
sobre processos istrativos a que
esteja submetida na unidade prisional.
Portanto, sugere-se implementar canais
de informao sobre os direitos das presas,
garantindo maior transparncia de informaes
processuais e istrativas nos estabelecimentos
prisionais (via a divulgao das regras
internas ao presdio, por exemplo). Para
ampliar o direito s informaes processuais,
deveriam ser criados mecanismos de formao
e educao em direitos e cidadania s
presas, no sentido de capacit-las, no
s para a compreenso de sua realidade
jurdica como condenada / acusada, mas
tambm visando sua reinsero social.
Reintegrao social
Para
atingir esse objetivo preciso promover
mecanismos de sensibilizao sobre a realidade
prisional e sobre a necessidade de um
papel ativo da sociedade na reintegrao
das mulheres encarceradas, seja atravs
dos meios de comunicao, seja via a incorporao
nas grades curriculares das escolas e
universidades destas temticas. Nesse
contexto, devese estimular a constituio
de Conselhos da Comunidade em todas as
comarcas, garantindo a aproximao efetiva
da sociedade civil organizada s prises.
8.1.2.
A Questo das Creches
O
crescimento do nmero de presos no pas,
acarreta o aumento do nmero de crianas
que vivem a experincia de terem seus
pais ou suas mes encarceradas. Como uma
populao esquecida, essas crianas sofrem
o impacto de polticas pblicas que desconsideram
suas necessidades para um desenvolvimento
psicolgico saudvel. Os dados estatsticos
da literatura internacional mostram que,
quando o pai preso, a maioria das crianas
continua sendo cuidada por sua me. Contudo,
quando da priso materna, somente 10%
das crianas continuam sendo cuidadas
pelos companheiros das mes.23
Segundo
dados constantes do Anexo 1 deste trabalho,
atualmente no Brasil cerca de 4,1% da
populao carcerria composta por mulheres
e assim como os homens so jovens e com
filhos.
No
Brasil, quando uma me presa, existem
trs possibilidades para a guarda de seus
filhos pequenos (0 a 6 anos): em instituio
de abrigo, em famlia substituta (que
pode ser a sua famlia ampliada) ou no
berrio e/ou creche do presdio. Os poucos
e desatualizados dados brasileiros indicam
que a maioria das crianas filhas de mulheres
presas acaba sendo cuidada por suas avs
maternas (51%).24 A
guarda em presdio bastante polmica
e complexa, talvez em decorrncia do ambiente
prisional e das relaes estabelecidas
em seu interior no serem as mais adequadas
para o acolhimento da relao me-beb
e para o saudvel desenvolvimento infantil,
mas tambm pela delinqncia materna ferir
o esteretipo da boa me.25 Insinua-se
que a mulher criminosa apresenta um real
perigo para a sociedade, mais do que muitos
homens perigosos e violentos, por seu
potencial de influenciar seus filhos e,
possivelmente, encoraj-los a atitudes
criminosas 26 A literatura internacional
relata diversas experincias de creches
em presdios femininos e apresenta argumentos
favorveis e contrrios permanncia
de crianas em seu interior.
Em
outros pases como Estados Unidos, Austrlia,
Frana, Alemanha a maioria das experincias
de guarda de crianas em presdios so
desenvolvidas durante o perodo de amamentao,
pois vrias instituies defendem a permanncia
da criana com a me nos primeiros meses
de vida, por considerarem-na saudvel
para o relacionamento me-criana, reforando
laos e contribuindo para a posterior
reinsero social da presa.27Um problema
relatado quanto a esse tipo de guarda
a tenso entre as necessidades de um
beb e os regulamentos institucionais
de um presdio, ou seja, o exerccio de
sua funo bsica de punio. Sarradet,28
que estudou as crianas que vivem em presdios
na Frana (onde a criana pode ficar em
creche no interior de uma unidade prisional,
junto com sua me, at completar dezoito
meses) afirma que, a princpio e juridicamente,
a criana no privada de sua liberdade;
entretanto, no seu cotidiano, ela apresentada
a um mundo de vigilncia, cheio de celas
e guardas. Em resumo, a criana a
a ser encarcerada tanto quanto sua me,
apresentando um problema de cunho jurdico.
Do
ponto de vista desenvolvimental a priso
no o ambiente mais adequado ao desenvolvimento
humano, especialmente o infantil, ainda
mais no que se refere s insalubres
instalaes das prises brasileiras. Vrios
tericos do desenvolvimento humano, no
entanto, destacam que o contato inicial
com a me, ou algum que a substitua,
essencial para a formao da personalidade
de crianas e para seu desenvolvimento
emocional e alguns defendem a idia de
que por mais que seja traumtica a separao
me-beb aps a primeira metade do primeiro
ano de vida, esses bebs se recuperam
melhor e mais rapidamente se tiveram a
oportunidade de desenvolver e vivenciar
um importante apego emocional com a me
ou outra cuidadora antes da separao.
Na legislao brasileira so assegurados
os direitos dos presos para o exerccio
da paternidade, especialmente o da maternidade,
como se v no quadro 1.
Quadro
1
Artigos
de leis, indicaes de direitos e diretrizes
quanto maternidade e/ou paternidade
no contexto prisional, na legislao brasileira
Direito/Indicao |
Lei |
Artigo |
Direito
amamentao |
Constituio
Federal 1988
Estatuto
da Criana e do Adolescente 1990
Regras
mnimas para o tratamento do preso
no Brasil (Ministrio da Justia,1995) |
Art.
5 - L- s presidirias sero asseguradas
as condies para que possam permanecer
com seus filhos durante o perodo
de amamentao.
Art.
9 -O Poder Pblico, as instituies
e os empregadores propiciaro condies
adequadas ao aleitamento materno,
inclusive aos filhos de mes submetidas
a medida privativa de liberdade.
Art.7
so asseguradas as condies para
que a presa possa permanecer com
seus filhos durante a amamentao
dos mesmos. |
Direito
berrio/amamentao |
Lei
de Execuo Penal 1984 |
Art.
83 - 2 - Os estabelecimentos
penais destinados mulher sero
dotados de berrio, onde as condenadas
possam amamentar seus filhos. |
Indicao
de assistncia criana desamparada
pela priso |
Lei
de Execuo Penal 1984 |
Art.
89* Alm dos requisitos no artigo
anterior, a penitenciria de mulheres
poder ser dotada de seo para
gestante e parturiente e de creche
com a finalidade de assistir ao
menor desamparado, cuja responsvel
esteja presa. |
Fonte:
Stella (2001, 244)
Da
tica da criana, a Constituio Federal
(art. 208) e o Estatuto da Criana e Adolescente
(art.54) determinam que direito da criana
de 0 a 6 anos o atendimento em creche
e pr-escola, sem especificar em que condies
e como garantir esse direito. Em estudo
descritivo sobre as creches no sistema
penitencirio brasileiro, Santa Rita29
enviou um questionrio para as 28 (vinte
e oito) unidades30 identificadas pelo
Depen como de crcere feminino. Esse questionrio
foi respondido pela direo do presdio
e seu objetivo era avaliar a existncia
ou no de creche em seu interior, bem
como a infraestrutura disponvel para
o atendimento das crianas.
O
estudo de Santa Rita verificou que: no
Brasil existem 10 creches em estabelecimentos
prisionais femininos atendendo 69 crianas;
alguns presdios de forma improvisada
atendem as crianas no perodo de amamentao,
mesmo no contando com infra-estrutura
de creche; a grande maioria das 49 crianas
atendidas no sistema era composta por
recmnascidos, no havendo registro de
crianas com idades entre 4 e 6 anos.
Quanto ao quadro de recursos humanos a
pesquisa mostrou que as prprias presas
e tcnicas de segurana atuavam como educadoras
e que somente 14% dos profissionais eram
tcnicos de nvel superior e mdio, ligados
a reas de sade e educao, o que pode
refletir em ausncias de aes psicopedaggicas
tanto para as crianas, como para suas
mes. Com base nas consideraes acima,
possvel elencar algumas sugestes de
atendimento a crianas pequenas, nas instituies
prisionais femininas:
.
Primeiramente devemos saber quantas
so e onde esto essas crianas, para
propor uma poltica pblica adequada
populao, incluindo os filhos de mes
que se encontram presas em cadeias e delegacias;
.
Devemos pensar em atendimento de qualidade
para essas crianas com infraestrutura
adequada, com quadro de educadores e tcnicos
especializados e propostas psico-pedaggicas
adequadas que propiciassem o desenvolvimento
integral das crianas e suas mes, bem
como o fortalecimento de vnculos para
posterior recuperao da guarda da criana
pela me;
.
Outra sugesto diz respeito a diferentes
atendimentos conforme a faixa etria da
criana. Para crianas de 0 a 3 anos que
precisam de cuidados integrais, o presdio
deve proporcionar o alojamento conjunto
com todas as questes propostas no item
anterior, onde o vnculo e a interao
me-beb pudessem ser fortificados. Para
crianas de 3 a 6 anos essencial que
a criana entre em contato com meios sociais
mais amplos, portanto essas crianas deveriam
ser includas no sistema pblico de educao,
onde pudessem desfrutar de polticas educacionais
adequadas para o seu desenvolvimento e
ar o dia, ou uma parte dele, convivendo
com outras crianas e adultos fora dos
muros prisionais, mas que pudessem retornar
para o convvio de suas mes no alojamento
conjunto no final do dia. Um dos desafios
do sistema penitencirio brasileiro
o desenvolvimento de propostas e estratgias
envolvendo mes encarceradas, crianas,
profissionais e es que
minimizem ou reduzam os impactos da priso
materna, potencialmente perversos para
o desenvolvimento da criana. No universo
da priso feminina a me pode at ser
culpada, mas as crianas no o so, embora
acabem bastante penalizadas.
8.2.
A Questo do Egresso Penitencirio
Para
discutir a questo do egresso penitencirio,
preciso saber, antes de mais nada, em
que condies os sujeitos em situao
de privao de liberdade, entendidos como
produtos de um sistema prisional complexo
e ineficiente, voltam s ruas e ao convvio
social. Quais as condies que tm para
restabelecer vnculos primrios e secundrios?
Atualmente a quantidade de egressos
menor do que a de ingressos no sistema
prisional, especialmente em So Paulo,
o que indica tempo de permanncia maior
desses indivduos, geralmente jovens,
nos estabelecimentos prisionais. O que
esperar daqueles que saem das prises
brasileiras todos os dias?
Em
pesquisa de campo sobre egressos do sistema
penitencirio, desenvolvida no Programa
de Estudos Ps-Graduados em Cincias Sociais
da Pontifcia Universidade Catlica de
So Paulo, foram entrevistados, desde
o ano dois mil at o ano de dois mil e
trs, cerca de duzentos homens, egressos
do sistema prisional brasileiro, mais
especificamente, das penitencirias paulistas,
aps o cumprimento de penas que variam
de trs a trinta anos. Esses homens foram
classificados conforme o delito praticado
e o tempo de permanncia em regime fechado.
A maioria deles foi entrevistada em seus
locais de moradia temporria ou fixa,
sejam albergues ou nas casas de suas famlias.
Muito embora a amostra principal da pesquisa
citada reporte-se a So Paulo, egressos
de outros estados tambm foram entrevistados
para testar a possibilidade de generalizao
dos dados encontrados em So Paulo. Foram
entrevistados egressos do sistema penitencirio
de Porto Alegre, do Rio de Janeiro, de
Belo Horizonte, de Salvador, de Recife
e de Belm. Poucas so as variveis que
no se tornaram recorrentes nessas outras
capitais, entretanto as singularidades
da cultura local foram percebidas. Tambm
foi mapeado, em todo o Brasil, projetos
de apoio aos egressos do sistema penitencirio.
A
realidade dos homens e mulheres que saem
das prises, aqui denominados egressos,
a pior possvel. Representa o resultado
da pedagogia da ociosidade, da improdutividade,
do terror, e da contraditoriedade, empregada
no sistema penitencirio brasileiro. A
sada desses homens e mulheres da priso
d-se sem nenhum planejamento prvio.
A morosidade de encaminhamento dos processos
penais e o excesso de burocracia do judicirio
so fatores impeditivos da previso de
progresso de regime ou de obteno de
liberdade, dentro das penitencirias,
que por sua vez tambm so desorganizadas
em suas assistncias jurdicas. Assim,
no incomum o grito te prepara pra
sair, quando os agentes informam aos
presos que a sua sada ser quase que
imediata, aps anos de aprisionamento.
Ainda
que desejada, essa liberdade amedronta
por representar o incio desorganizado
de vidas, das quais a sociedade cobra
reorganizao. Homens e mulheres migram,
rapidamente, da situao de aprisionados
para a situao de egressos do sistema
prisional. Muitos desses egressos no
chegam a avisar as suas famlias da sua
sada, outros nem sequer tm famlia e
devero procurar, por conta prpria, albergues
para pernoitar. Muitos saem sem nenhum
recurso, nem mesmo para o transporte e
no incomum que percorram vrios quilmetros,
caminhando at suas casas ou abrigos provisrios.
A chegada em casa nem sempre uma agradvel
surpresa para ambos os lados, egressos
e famlias, principalmente por representar
o aumento do custo familiar e pela dificuldade
no resgate dos vnculos. A dificuldade
de se localizar na cidade e o medo de
coisas simples como atravessar uma rua,
tambm so freqentes, assim como a prdisposio
paranica que muitos tm de identificarem
em rostos alheios a percepo da sua condio
de ex-preso.
A
criao de servios de atendimento a egressos
em todo o pas um o importante e
est previsto no Plano Nacional de Segurana
Pblica, do ento candidato Luis Incio
Lula da Silva. A Pastoral Carcerria de
So Paulo j mantm um servio dessa natureza,
implantado no ano de dois mil, contando
inclusive com a mo-de-obra de um egresso
no setor de atendimento. Esses servios
devem contar basicamente com profissionais
qualificados nas reas de servio social,
psicologia, sociologia e direito. No pas
j existem servios dessa natureza em
algumas capitais. fundamental a expanso
quantitativa e qualitativa desses servios,
muito embora seus custos sejam elevados,
tendo em vista que auxlios bsicos e
emergenciais devem estar disponveis,
a exemplo de cestas bsicas, vales transportes,
material de higiene pessoal, remdios,
etc. A elaborao de cadastros atualizados
de albergues, de locais para retirada
de documentos, de postos mdicos, de postos
de assistncia ao trabalhador, entre outros,
o insumo bsico do servio a ser prestado.
Embora, a princpio, este tipo de
prestao de servios parea ter um carter
assistencialista, esses locais de assistncia
devem ser entendidos como ancoradouros
para homens e mulheres que necessitam,
muitas vezes, de atendimentos emergenciais
orientadores na rea psicolgica, jurdica,
mdica ou na rea da assistncia social.
A condio de egresso do sistema penitencirio
uma condio complexa por conjugar vrias
demandas ao mesmo tempo, com a agravante
da perda de referncias, objetivas e subjetivas,
para lidar com elas.
O
prprio conceito de egresso tambm guarda
complexidade. Entendido como aquele que
deixou o estabelecimento criminal onde
cumpriu a sua sentena,31 esse tambm
um conceito problemtico. Todos aqueles
que saem oficialmente das prises podem
ser considerados egressos. Entretanto,
so caracterizados por diferentes tipologias
de sada: alguns obtm a liberdade definitiva,
outros solicitam e recebem benefcios
aps cumprir parte da pena em regime fechado,
como o caso dos que tm o benefcio
da Priso Albergue Domiciliar PAD ou
da Liberdade Condicional LC. Os dois
ltimos so benefcios atribudos por
juzes de direito, respeitando a especificidade
de cada caso.
queles
que saem em regime de Liberdade Condicional,
muitas vezes exigido pelo juiz, uma
carta de emprego. A carta pode ser exigida
at mesmo antes da sada, como garantia
para a obteno do benefcio, ou em at
trinta dias da obteno do mesmo. Essa
carta um documento no qual uma empresa
privada, legalizada e em operao, assegura
o vnculo empregatcio para o preso nominalmente
citado. Dada a dificuldade que os egressos
e as suas famlias tm em conseguir tal
documento, absurdo diante da situao
econmica e da crise de emprego vivida
no pas, alguns juzes, atualmente, j
desconsideram tal exigncia, mas essa
ainda no uma postura generalizada.
Alm dos altos ndices de desemprego que
afligem a homens e a mulheres no fichados
pela polcia, a manuteno dessa exigncia
desconsidera a possibilidade do trabalho
informal, adequado s habilidades que
muitos egressos possuem, como as de marcenaria,
carpintaria, de servios de pedreiro,
de hidrulica, de eletricidade, entre
outras.
Sem
a obteno de qualificao especfica
durante o perodo de priso, mesmo quando
os egressos tm habilidades obtidas em
perodos anteriores ao aprisionamento,
sofrem defasagem dos seus conhecimentos,
principalmente pelos avanos tecnolgicos
incorporados a esses servios e pelas
diferenas istrativas e gerenciais
na prestao dos mesmos. O trabalho desenvolvido
no crcere, atravs de empresas privadas,
motivadas pelas isenes dos custos trabalhistas
e previdencirios, atribui aos presos
ocupados um trabalho especfico dentro
do processo de produo uma especializao
que no gera quase nenhuma reproduo
de capital profissional, como o caso
da costura de bolas e ou da colagem de
pipas e das partes especficas da produo
de vassouras. fundamental que as empresas
que atuam no crcere tenham compromisso
social com a causa do preso, at sua
sada da priso. Essas empresas deveriam
ter necessariamente programas de responsabilidade
social em troca das redues que obtm
nos seus custos trabalhistas. A atribuio
de capacitao e de qualificao tcnica,
gerencial e istrativa, deveria ser
um atributo mnimo para a seleo dos
empreendimentos a serem estabelecidos
nos crceres.
O
processo burocrtico de reabilitao diante
da justia outro entrave para aqueles
que obtm a liberdade definitiva. Na maioria
das vezes, sem advogado e sem recursos
para acompanhar o processo burocrtico,
a reabilitao da condio civil torna-se
lenta. O tempo de reabilitao para que
os nomes dos egressos no mais apaream
em relaes de indivduos com antecedentes
criminais, pode chegar a dois anos. Alm
de ser um processo demorado, seu trmite
muito pouco claro para os egressos e
at para as instituies que os auxiliam.
Durante o tempo em que transcorrem os
processos de reabilitao definitiva de
seus nomes, os egressos, de modo geral,
mostram-se inseguros para a procura de
emprego com registro oficial na carteira
de trabalho, assim como temerosos quanto
s ocorrncias que envolvem a polcia.
No
raro a deteno de egressos para averiguao,
em batidas policiais, por ainda constarem
seus nomes nos registros da polcia e
do judicirio. Principalmente para aqueles
que se encontram em liberdade condicional
ou em priso albergue domiciliar e figuram
nos sistemas informatizados da polcia
como ainda presos, a insegurana ainda
maior, uma vez que alguns policiais,
pouco informados, entendem que por constarem
em registros, essas pessoas podem estar
sujeitas iminente captura.
Ao
problema acima citado, a objetividade
da justia indica como soluo a apresentao
dos documentos oficiais de identificao
do egresso: o alvar de soltura ou a carteira
de liberdade condicional, assinada regularmente
nas varas de execues. A apresentao
de tais documentos deveria sanar as dvidas
e evitar as detenes irregulares pela
polcia. Ainda que a objetividade dessa
soluo seja real, o carter subjetivo
da questo pouco tratado. A carteira
de identificao da condio de homem/mulher
em dbito com a justia poderia ser aceita
sem maiores atribuies simblicas negativas
ao seu portador, se a sociedade confiasse
na eficincia do modelo disciplinar e
pedaggico das prises. Pelo contrrio,
o descrdito na instituio prisional,
entre outros fatores, gera diante desse
documento uma tenso, tanto para quem
o apresenta, como para quem a ele apresentado.
Transforma-se o documento oficial em documento
estigmatizante. Rever as formas de cadastramento
e de identificao do sujeitos egressos
do sistema prisional brasileiro, sem reforar
as estigmatizaes, um dos pontos importantes
para a melhor aceitao do egresso. Urge,
tambm, a reviso nos procedimentos de
atualizao dos dados do cadastro da polcia
relativos a quem j cumpriu sua pena ou
que est em liberdade condicional e/ou
em priso albergue domiciliar.
A
suspenso dos direitos civis de homens
e mulheres, enquanto esto privados de
liberdade implica, de forma objetiva,
a apreenso32 dos documentos de regularidade
civil, como o registro geral (RG), cadastro
de pessoa fsica (F) e o ttulo de eleitor
para aqueles que tinham esses documentos
antes do seu encarceramento.33 Ao sarem
das prises, entretanto, os egressos,
por necessidade de auto-sustentao e
algumas vezes por imposio judicial,
so obrigados a imediata procura de emprego.
Muitas instituies de apoio aos egressos
os encaminham para os locais especficos
de retirada de documentos, atravs de
fichas de encaminhamento que de quase
nada ou nada valem nos estabelecimentos
pblicos responsveis por documentao
civil. De modo geral, em quase todas as
capitais do Brasil, os registros gerais
podem ser retirados em delegacias de polcia
e, em algumas capitais, eminstituio
especfica que rene num s lugar vrios
servios de rgos pblicos. Os egressos
no se sentem confortveis com a retirada
do registro geral em delegacias de polcia,
ou mesmo com a retirada desse documento
em rgos prestadores de servios pblicos
gerais.
A
possibilidade de negativa ou de constrangimentos
nesses locais sempre iminente. A falta
de documentao gera toda uma srie de
problemas e o processo de sua obteno
eivado de contradies. Em primeiro
lugar, os egressos de estabelecimentos
prisionais em regime de liberdade condicional
ou de priso albergue domiciliar ainda
esto com seus direitos civis suspensos,
da no ser facultado aos mesmos o direito
da retirada da segunda via da carteira
de reservista. queles que no tm o documento
de reservista, no facultada a retirada
do ttulo de eleitor e, assim, aquele
que no tem o ttulo de eleitor fica impossibilitado
de se cadastrar no cadastro de Pessoa
Fsica do Ministrio da Fazenda.
No
fosse esse apenas um desencadeamento de
impossibilidades, tambm um desencadeamento
de contradies: aos egressos34 que vivem
a impossibilidade da regularizao da
sua documentao civil exigida a integrao
ao mundo do trabalho formal, cuja porta
de entrada a regularidade documental.
necessrio que polticas pblicas indiquem
caminhos objetivos para a minimizao
de pequenos problemas cotidianos que assumem
dimenso muito maior quando afligem pessoas
fragilizadas pela vivncia do encarceramento
e principalmente pela estigmatizao.
A regularizao dos documentos civis
o primeiro o para a retomada da cidadania
e a negao desse direito o mesmo que
fomentar o retorno s atividades ilcitas.
Fazer com que as Instituies pblicas
e/ou Organizaes do terceiro setor possam
prestar servios de acompanhamento ou
mesmo que sirvam como posto de retirada
de documentos especificamente voltados
para egressos do sistema penitencirio,
pode ser uma sada no curto prazo.
Estes
postos de atendimentos aos egressos do
sistema penitencirio podem ser viabilizados
por Organizaes da Sociedade Civil de
Interesse Pblico OSCIP, atravs de
convnios com o Governo, seja na instncia
Federal, Estadual, ou Municipal. O importante
que estas Organizaes possam ser estimuladas
a incluir os egressos do sistema penitencirio
nas suas aes, sejam elas da rea de
educao, da gerao de emprego e de renda,
ou da assistncia social mais geral. Antes
disso fundamental o aprofundamento da
discusso, na esfera jurdica, da suspenso
dos direitos civis para aqueles que deixam
os estabelecimentos prisionais nos regimes
de Liberdade Condicional ou em Priso
Albergue Domiciliar, embora a dificuldade
para a retirada dos documentos seja tambm
uma realidade para aqueles que obtm a
liberdade definitiva.
A
falta de capacitao tcnica outro entrave
para a incluso dos egressos no mundo
do trabalho, alm da baixa escolaridade,
associada falta de experincia no mercado
formal de trabalho. Essas carncias funcionam
como impeditivos para a obteno de emprego.
Durante o tempo de encarceramento alguns
homens e mulheres presos fazem curso de
informtica e/ou terminam o ensino mdio
e/ou fundamental, o que lhes garante maiores
possibilidades ao sair. Entretanto, essas
oportunidades de capacitao escolar e
de capacitao tcnica no crcere no
fazem parte da realidade da maioria dos
homens e mulheres presos e, principalmente,
urge uma reflexo sria sobre o que significa
capacitar para o trabalho, no momento
em que a economia mundial reduz drasticamente
os postos formais de trabalho. A capacitao
para o trabalho autnomo, empreendedor
e sustentvel, muito conseqentemente
de renda. O Sebrae pode ser parceiro nesse
intento de promover capacitao sobre
empreendedorismo para homens e mulheres
presos, no final de suas penas, permitindo
que vislumbrem algum futuro ao sair, que
no seja o reingresso na criminalidade.
O
Sebrae, o Senac e o Senai deveriam ser
provocados no sentido de gerar programas
de apoio capacitao do homem preso,
prximo liberdade. Assim como a poltica
de micro crdito deveria ser tambm dirigida
para esses sujeitos, devidamente acompanhados
por tcnicos ou por estudantes de empresas
juniors. Em So Paulo, a extinta COESP
Coordenadoria de Orientao aos Egressos
de So Paulo viabilizava financiamentos
de at dois mil reais para egressos, visando
a aquisio de mquinas, ferramentas,
utenslios e matria prima, mediante a
elaborao de um pequeno projeto de auto-sustentabilidade.
Em
quase noventa por cento dos casos os recursos
eram bem empregados pelos egressos que
montavam sales de beleza, oficinas, pequenas
mercearias, etc. O programa foi extinto,
deixando muitos egressos endividados,
com prestaes a pagar dos bens adquiridos
por meio do financiamento. fundamental
que haja um cadastramento dos egressos
quanto sua formao, vocao e/ou habilidade
de trabalho e que instituies do terceiro
setor sejam capacitadas para receb-los
e direcion-los na busca de ocupao,
inclusive ministrando capacitaes bsicas,
conforme as demandas dos mercados locais
e, como j citado, auxiliando na retirada
de documentao. A viabilizao de parcerias
com cooperativas de trabalho que tenham
interesse em incluir egressos pode representar
um diferencial importante na obteno
de ocupao rentvel, assim como iseno
ou reduo fiscal para empresas que absorvam
a mo-de-obra de egressos cooperativados.
A abertura de cooperativas de trabalho,
especificamente dirigidas aos egressos,
pode no ser uma idia vivel, por reforar
a estigmatizao desses homens e mulheres.
O setor pblico pode desempenhar um papel
importante na gerao de ocupao e renda
para egressos. importante, tambm, estimular
novas iniciativas, principalmente do terceiro
setor, para lidar com egressos e suas
famlias. No h, por exemplo, qualquer
projeto que beneficie a mulher egressa
e, evidentemente, a singularidade de sua
condio, principalmente se ela tem filhos,
exige ateno.
Por
outro lado, possvel pensar em envolver
organizaes do terceiro setor, atravs
de licitaes pblicas, com a capacitao
de egressos penitencirios em reas demandadas
por pesquisas de mercado locais. Os cursos
devem reforar as atividades autnomas,
a prestao de servios, de maneira a
estimular o empreendedorismo, o associativismo,
o cooperativismo e a auto-sustentabilidade.
A elaborao de um cadastro de prestadores
de servios e a sua divulgao e manuteno
pelo perodo mnimo de um ano, devem tambm
ficar a cargo das organizaes vencedoras
dos certames licitatrios.
Os
egressos, contrariando o censo comum,
buscam alternativas que no sejam o retorno
criminalidade, sempre de portas abertas
sua espera. As dificuldades encontradas
e, principalmente, o preconceito e a estigmatizao,
acabam por estimular a reincidncia. Atualmente,
as prises brasileiras esto abarrotadas
de jovens entre dezoito e vinte e cinco
anos e, muitos destes homens e mulheres,
deixam os muros dispostos a no retornar
ao ambiente carcerrio. Tal inteno
totalmente desperdiada pela falta de
iniciativas pblicas que visem oportunizar
capacitaes e encaminhamentos burocrticos,
alm de fomentar ocupao e renda.
A
improdutividade do sistema penitencirio
produtiva! Produz sujeitos objetiva
e subjetivamente sequelados e, por isso
mesmo, gera a reincidncia criminal, ampliando
os ndices de violncia urbana. Reduzir
essa produo de reincidentes , em primeiro
lugar, uma questo de organizao de parcerias
entre o setor pblico e o terceiro setor;
em segundo, o estabelecimento de redes
de cooperao entre entidades com diversas
finalidades e a causa dos egressos; em
terceiro lugar uma questo de reordenamento
das estratgias internas das penitencirias.
As penitencirias brasileiras precisam
deixar de ser um cemitrio de homens
vivos e desenvolverem estratgias de
incluso social. Sem isso o seu produto
final ser sempre desastroso.
9.
Privatizao no Sistema Penitencirio
O
idealizador do panptico, Jeremy
Benthan, foi quem primeiro sugeriu a entrega
das prises a empresas privadas (1884).
Fracassaram a idia e a pretenso na poca.35
aram-se os tempos. Com o trmino da
guerra fria, desaparecido o
imprio do mal da ocasio, indispondo
de inimigo ntido a guerrear, os Estados
Unidos elegeram para o papel as subclasses:
os pobres, os negros, os imigrantes, os
infratores da lei.36 Na era Reagan,
quando tudo se desejava privatizar, dominante
a ideologia de que a iniciativa particular
realizava milagres comparativamente aos
servios pblicos, combinada com a de
que se impunha prender mais e mais, ressurgiu
o projeto de ar para mos mercadoras
a lida com os detentos. Logo surgiram
pretendentes para a misso. Explorando
a tendncia das pessoas a cultivar uma
concepo mgica do mundo, alardeou-se
sedutora propaganda, seguida de intenso
lobby junto aos responsveis pelo comando
do Estado: a questo penitenciria, terrvel
e custoso pesadelo, com sua agem para
a rea empresarial livraria completamente
a istrao pblica de encargos a
esse respeito. Os reclusos ariam a
habitar alojamentos iguais aos das universidades,
na mais completa disciplina e limpeza,
trabalhando ordeira e produtivamente,
de sorte a purgar as culpas e se acostumar
a ganhar o po de cada dia com o suor
do rosto.
Assim,
no embate da concorrncia, duas empresas
suplantaram as rivais, apossandose no
novel mercado, ando o antigo monoplio
estatal para o oligoplio privado. Com
que resultado? Um aumento turbilhonante
de presos retirados das estratos inferiores
da sociedade (cerca de 2.000.000 de presos
nos EEUU, quase 50% de negros, numa populao
livre em que pessoas de tal etnia figuram
na faixa dos 13%) e uma locupletao opulenta
dos exploradores da hotelaria carcerria.
O dirigente de uma delas chegou a anunciar:
Se mantivermos nosso mercado acionrio
e a taxa de crescimento, seremos uma firma
de um bilho de dlares em 2.004.
37
Compreende-se, a istrao carcerria
particular tocada exclusivamente como
um negcio que tem de gerar lucros, como
se depreende do anncio de uma corretora:
Prises privadas: maximize o retorno
de investimentos nesta explosiva indstria...
...enquanto encarceramentos e condenaes
permanecem em crescimento, ganhos sero
obtidos - lucros do crime. 38 Ou,
num pragmatismo mais franco, diz um dos
fundadores da CCA: Voc apenas vende,
como se estivesse vendendo carros, imveis
ou hambrgueres .39
No
Brasil, o sonho de privatizar a custdia
de presos se concretiza em novembro de
1999, no Paran, com a construo e instalao
da Penitenciria Industrial de Guarapuava.
Tal
iniciativa se deu atravs de uma parceria
em que o Governo Federal arcou com 80%
dos recursos e o Governo do Paran com
o restante, num gasto total de R$ 5,32
milhes. Esta nova poltica do Ministrio
da Justia se estendeu ao longo dos ltimos
quatro anos aos estados do Acre e Cear,
ora com recursos compartilhados, ora com
custos arcados somente pelo governo estadual.
A posio da Secretaria Nacional de Justia,
em 2001, em relao a esta nova gesto
prisional clara e reafirma o sucesso
das condies propiciadas pela terceirizao
dos servios prisionais, em que os resultados
positivos que parecem despontar dependem
da prpria concepo do que seja a pena
privativa de liberdade.40 Muitos so
os argumentos dos defensores da terceirizao,
obviamente movidos por referncias terico-polticas
distintas quanto execuo das penas.
Tanto no Paran quanto no Cear, a empresa
inicialmente contratada para realizar
os servios de custdia, denominada Humanitas,
vinha de uma fuso com uma empresa tradicional
de segurana privada a Pires Servios
de Segurana Ltda. Esta ainda , atualmente,
a maior empresa de segurana privada de
So Paulo, com mais de dez mil vigilantes.
Originariamente, tratavase de uma firma
de servios de limpeza que, mais tarde,
ou a se dedicar a vigilncia
bancria e hoteleira. Portanto, interessante
observar que a privatizao dos servios
prisionais ocorre no final da dcada de
90, quase trinta anos depois da ditadura
militar ter, aps a edio da Lei de Segurana
Nacional, regulamentado a segurana privada
para proteger pessoas e bens patrimoniais.
O que se depreende que as empresas candidatas
ao exerccio da custdia de presos no
tinham acumulado, at ento, qualquer
experincia ou especializao na rea
prisional.
A
proposta da gesto terceirizada, tal como
acontece no Paran, repousa sob a gide
da atuao conjunta do governo, que fornece
instalaes e amparo legal e, da iniciativa
privada, representada por duas empresas
distintas: uma que responde pelas funes
de guarda e assistncia aos detentos e,
outra, uma indstria que oferece treinamento
e utiliza mo de obra dos internos para
a sua produo. Na operacionalizao,
portanto, desta premissa, o Estado prepara
com os recursos pblicos toda a infraestrutura
fsica assim como equipamentos de segurana
eletrnica a serem usados pela empresa:
uma, gestora do trabalho prisional, que
contribui com o capital relativo matria
prima e mquinas, se desresponsabilizando
de pagamentos de taxas, tais como, luz,
gua, gs e aluguel. A segunda empresa
estabelece salrios, seleciona pessoal,
contrata carga horria, enfim, istra
o pessoal penitencirio. Tambm as taxas
no so de sua responsabilidade, mas do
errio estadual. Os custos arcados pela
empresa dizem respeito ainda ao pagamento
do salrio penitencirio dos presos, sem
nenhum controle pelo Estado sobre o lucro
extrado pelo empresrio patro. exemplar
a desativao do trabalho prisional iniciado
na penitenciria de Guarapuava: a instalao
da indstria de mveis naquela unidade
se estendeu at o momento em que oferecia
lucro a seu proprietrio. Quando a indstria
moveleira do Paran entrou em crise, o
trabalho prisional entrou em retrao
e a proposta reabilitadora esvaziou-se
rapidamente. empresa terceirizada para
gerir o trabalho prisional interessava
ter uma nica atividade produtiva, que
concentrasse toda a disponibilidade de
mo de obra daquela unidade. Portanto,
temos, mais uma vez presente, a tradio
colonialista brasileira, de uso do Estado
para beneficiar interesses privados, o
que desnuda a denominada eficcia do
modelo de gesto prisional terceirizada.
Outros
pontos poderiam ser abordados: a assepsia
do ambiente e a oferta contnua= de recursos
materiais (artigos de higiene pessoal,
roupas e sapatos de boa qualidade). Ambientados
na penria de recursos materiais e na
cultura da postergao burocrtica, os
funcionrios pblicos gestores entendem
que a terceirizao vem resolver as velhas
dificuldades da gesto tradicional, na
medida em que os entraves istrativos
so superados.
No
seu funcionamento cotidiano, as unidades
terceirizadas, esto submetidas a uma
dupla gesto. De um lado, os trs cargos,
considerados principais diretor, subdiretor
e chefia de segurana so ocupados por
funcionrios pblicos, indicados pela
istrao penitenciria estadual;
de outro, todos os demais postos de trabalho
e cargos de chefia so de responsabilidade
da empresa privada. Isto quer dizer que
os funcionrios tcnicos, istrativos
e de segurana esto vinculados empresa
que os selecionou, os paga, os promove
ou demite. Dentro desta forma istrativa,
os conflitos de gesto podem, no somente
ser presumidos, como de fato acontecem.
A chefia de segurana mencionada, por
exemplo, tem o papel oficial de supervisionar
os agentes de segurana penitenciria
e comunicar os problemas verificados
gerncia operacional da empresa, que tambm
supervisiona e freqenta diariamente a
unidade prisional. Assim, no cotidiano,
seguidamente uma rea de atritos se estabelece:
na verdade, esto em confronto, nos mecanismos
de gesto, duas culturas istrativas
distintas.
A
direo e subdireo da unidade gerenciam
a parte istrativa com as restries
impostas pela gesto de pessoal afeta
empresa. No entanto, insiste-se que
a posio da Direo tranqila, desprovida
de aborrecimentos relativos a desvios
de conduta dos funcionrios, pois,
seu papel apenas comunic-los gerncia
da empresa. As substituies ou punies
de funcionrios so rpidas: resulta desta
agilidade uma grande mobilidade de funcionrios,
principalmente de agentes. Poucos so
os que permanecem no emprego. A substituio
constante tem suas conseqncias: no
h espao de tempo necessrio para se
investir na capacitao dos agentes, pois
o quadro est sempre se renovando. Por
outro lado, surge outro problema: as atividades
imediatas dos agentes os levam a crer
que os mesmos no tm responsabilidade
com a poltica de reabilitao, objeto
de preocupao restrita dos tcnicos.
A dicotomia entre o papel de reabilitao
e o papel de manuteno da segurana
se consolida nesta tica de gesto terceirizada.
A avaliao feita pela istrao penitenciria
de que os tcnicos apresentam-se mais
afinados com o papel de reabilitao,
pois se lhes atribui a responsabilidade
tica e de preparo tcnico, uma vez que
detm uma formao profissional que lhes
deve permitir melhor desempenho dessas
atividades. Sem dvida, a ausncia de
formao profissional na rea de segurana
pode efetivamente concorrer para que os
profissionais dessa rea no se comprometam
com os objetivos de reabilitao. Ademais,
lembra o outras questes
relativas insero dos funcionrios
na gesto prisional, como os salrios
mais baixos do que os do servio pblico.
Da
tica da disciplina, o rigor cristaliza
a ordem pretendida ausncia de fugas,
de rebelies e de reivindicaes dos presos.
Algumas regras indicam o rigor: nenhum
preso pode fumar, ou ter alimentao de
qualquer espcie em sua cela (no existe
a tradicional bolsa de guloseimas trazidas
pela visita). Todos andam juntos em filas
nos deslocamentos para o refeitrio, para
o trabalho, dentro dos limites geogrficos
traados no cho. Todos os banhos so
num nico horrio e o tempo de banho
programado pelo equipamento hidrulico.
O o aos tcnicos ou Direo se
faz mediante solicitao e programao
da escolta interna, no havendo o
espontneo. Os presos que no se adaptam
a este paradigma disciplinar, retornam
s unidades prisionais do sistema de
gesto tradicional. Concluindo, podemos
questionar os custos financeiros da manuteno
de um preso. Na gesto terceirizada, o
preso custa de R$ 1.500,00 a R$ 2.000,00
reais, por ms. Ou seja, 100 a 150% a
mais do que gasto na gesto tradicional.
No entanto, os custos mais altos so justificados
pelos defensores da privatizao pela
excelncia da qualidade dos servios,
o que considerado benfico para toda
a sociedade.
Vale
ressaltar, por ltimo, que, tanto as empresas
que istram as prises referidas,
como os responsveis pela istrao
penitenciria nos estados em questo,
classificam como terceirizao a forma
de istrao das unidades prisionais
hoje nas mos da iniciativa privada. No
entanto, importante insistir que, embora
algumas funes estejam, ainda, sob a
responsabilidade da istrao pblica,
o que se verifica uma verdadeira privatizao
da custdia. Tudo isto bem diferente,
por exemplo, do que a terceirizao na
rea da confeco e distribuio de alimentao
nos sistemas penitencirios. O atual governo
do Paran j se manifestou contrariamente
renovao dos contratos com a firma
que istra seis unidades prisionais
naquele estado. Por seu turno, autoridades
do Ministrio da Justia tambm j condenaram
a chamada terceirizao de unidades
prisionais. Tanto uns, quanto outros,
perceberam as limitaes e custos exageradosde
tal estratgia. E, principalmente, defende-se,
hoje, uma questo que poltica e tica:
a custdia de presos dever e responsabilidade
do Estado.
bom que se diga que, nos Estados Unidos,
j existem estudos que indicam a falta
de
evidncias de que as prises privadas
possam acabar custando menos do que aquelas
geridas pelo poder pblico. Na verdade,
quem lucra com as prises privadas so
as companhias que proliferaram na rea,
cortando custos, pagando salrios menores,
com alta rotatividade de funcionrios,
tudo isto comprometendo o trabalho desenvolvido.
10.
Concluses
A
avaliao que j se tinha sobre o sistema
penitencirio brasileiro ganha em dramaticidade
ao trmino deste trabalho. As prises
no Brasil so, de fato, depsitos de presos.
Constatou-se o crescimento vertiginoso
da populao carcerria com a proliferao
de novasmunidades prisionais e uma absoluta
falta de planejamento e de regras bsicas
de gesto. A quantidade de presos abrigados
em delegacias policiais pelo pas afora
demonstra que, a despeito do altssimo
investimento na gerao de novas vagas,
o quadro s se agrava. E, o que pior,
36% dos presos em delegacias j esto
condenados. O sistema penitencirio reproduz
um funil: a cada ms, entra quase o dobro
do nmero de presos que sai. No h esforo
que d conta de tal absurdo. S em So
Paulo, como j dissemos, ingressam no
sistema penitencirio mais de 1.000 novos
presos por ms. Ou seja, seria necessrio
construir, pelo menos, duas novas unidades
prisionais mensalmente, naquele estado.
O endurecimento da legislao vem contribuindo
para que mais infratores sejam privados
da liberdade, fiquem presos por mais tempo,
e o resultado s pode ser o crescimento
da superpopulao.
O
Ministrio da Justia tem uma tarefa gigantesca
sua frente que no se resume ao auxlio
que os estados necessitam para construir
novas unidades prisionais e tentar, a
curtssimo prazo, diminuir o dficit de
vagas. Os estados precisam de orientao
para gerir seus sistemas penitencirios.
Como vimos, 25% dos estados no tm Regulamentos
Penitencirios, 80% no tm Escolas de
Formao Penitenciria, 70% no tm Planos
de Cargos e Salrios e 50% no contam
com Corregedorias. Em muitos estados,
atividades rotineiras das unidades prisionais
no se encontram disciplinadas, como por
exemplo, a revista dos visitantes, dando
margem a toda sorte de arbitrariedades
Isto para no falar do nmero insignificante
de presos envolvidos em atividades educacionais
ou laborativas, como ficou amplamente
demonstrado. E, para completar tal quadro,
de mais absoluta falta de controle do
sistema penitencirio, 72% dos estados
utilizam o critrio de pertencimento a
faces para classificar os presos e aloc-los
nas diferentes unidades prisionais, o
que no impediu que, em 2003, 303 presos
tenham sido assassinados por companheiros
dentro dos crceres do pas. Quem se responsabiliza
por isso? Procuramos, ao longo deste trabalho,
discutir alguns temas que precisam fazer
parte das reflexes dos gestores prisionais
e elaboramos uma srie de propostas visando
neutralizar problemas relativos a tais
temas, superar deficincias e suprir lacunas.
Algumas propostas dependem, unicamente,
da vontade dos es dos sistemas
penitencirios e dos diretores de unidades
prisionais. Viabilizam-se atravs de memorandos
internos, portarias, ou ofcios circulares.
Algumas demandam mudanas legislativas,
basicamente alteraes na Lei de Execuo
Penal. Muitas vo depender do empenho
do Ministrio da Justia em tomar para
si a responsabilidade pela superao da
crise do sistema penitencirio brasileiro
na rea da gesto e, para dar encaminhamento
adequado a algumas questes, o Ministrio
da Justia vai precisar se articular com
outros Ministrios, como o da Educao
e o do Trabalho.
Vale
ressaltar que grande parte das sugestes
podem ser implementadas de imediato, principalmente
aquelas que dependem, unicamente, das
istraes de sistemas penitencirios
e unidades prisionais. Entre as sugestes
para o Ministrio da Justia, imaginamos
que se possam concretizar ao longo do
ano em curso, na medida em que o Departamento
Penitencirio Nacional acaba de ar
por uma completa reestruturao. Cabe
lembrar, no entanto, que no bastam mudanas
da organizao istrativa do DEPEN
se verbas adequadas no forem disponibilizadas.
Sabe-se que continuam a acontecer cortes
significativos nos oramentos, com contingenciamento
das verbas do Fundo Penitencirio Nacional,
o que inissvel. As propostas de
mudanas que requerem alteraes na Lei
de Execuo Penal podem ser encaminhadas
ao Conselho Nacional de Poltica Criminal
e Penitenciria para exame e elaborao
de novos textos da LEP. A ttulo de reflexo
final deste trabalho, gostaramos de discutir
a necessidade emergencial de ampliao
da legislao que trata das alternativas
pena de priso no pas., O Brasil no
pode se dar ao luxo de continuar encarcerando
infratores no ritmo constatado neste trabalho.
As prises devem ser reservadas aos criminosos
violentos e perigosos que se constituem
em ameaa concreta ao convvio social.
Tudo mais desperdcio de verbas pblicas.
Desperdcio dos recursos que resultam
dos impostos dos contribuintes. preciso
que se deixe a hipocrisia de lado e se
ita, de uma vez por todas, que a pena
privativa de liberdade tem por objetivo
a punio do infrator e o isolamento do
mesmo da sociedade. Ningum ressocializado
atravs da privao da liberdade. A humanidade
ainda no produziu um sistema penitencirio
que transforme criminosos em cidados
cumpridores da lei. Ao contrrio, como
dizia um antigo Ministro do Interior na
Inglaterra, Douglas Hurd, a priso
uma maneira cara de tornar as pessoas
piores. Mesmo em pases que investem
somas fabulosas em suas prises, provendo
os sistemas penitencirios de programas
de reabilitao muito sofisticados e
inundando as unidades prisionais de tcnicos
nas mais variadas reas, no se produzem
nveis de reincidncia baixos. A priso
gera violncia, a priso um meio de
controle social falido todos sabemos
disso. No entanto, embora o discurso das
autoridades seja sempre neste sentido
e, contnuamente, ouamos Ministros da
Justia neste pas insistirem na necessidade
da ampliao do uso das alternativas
pena de priso, tudo parece continuar
limitado retrica que impressiona bem,
mas vazia de projetos efetivos. Teme-se
a reao popular, os polticos no querem
arriscar seus mandatos e os governos,
timidamente, continuam repetindo os mesmos
erros. Urge que o governo federal inicie
ampla campanha de esclarecimento da populao
sobre o custo benefcio da pena de priso.
Em primeiro lugar, preciso que a sociedade
compreenda que as taxas de encarceramento
no guardam nenhuma relao com as taxas
de criminalidade. preciso, sobretudo,
mostrar o que custa a pena de priso e
sua absoluta ineficcia. Vimos insistindo,
nos ltimos anos, em alguns nmeros que
demonstram saciedade que o Brasil, com
sua gigantesca dvida social, precisando
investir maciamente em educao, sade,
gerao de empregos, moradia popular,
saneamento, profissionalizao da fora
de trabalho, no pode se permitir encarcerar
indiscriminadamente. Comparar os custos
de presos e prises com aqueles de manuteno
de alunos em escolas, (um preso custa
no pas, em mdia, o equivalente ao custo
de 16 alunos em programas de alfabetizao),
de construo de casas populares(em Braslia
uma casa popular construda em regime
de mutiro custa a quarta parte do que
custa uma cela em unidade de segurana
mdia!) vital.
Enquanto
a sociedade no entender que investindo
em prises est investindo em sua prpria
insegurana, no avanaremos. Estudos
do Banco Mundial j demonstraram que a
criminalidade violenta na Amrica Latina
s poder ser prevenida de forma eficaz
por meio, principalmente, de investimentos
muito significativos na rea social. Dizem
tais estudos que preciso reduzir o nmero
de pobres nas grandes cidades, estimular
a gerao de empregos e propiciar crdito
fcil para o desenvolvimento de pequenos
negcios, alm de estimular programas
educacionais e de lazer que mantenham
os jovens longe do crime e da violncia.
Enfim, como j dissemos em outro lugar,
s um macio esforo de resgatar a dvida
social o mais rapidamente possvel, junto
com uma profunda reviso de nosso falido
modelo de segurana e justia, que nos
permitir vislumbrar no horizonte um pas
menos injusto e violento. O resto so
mitos, ou demagogia de quem busca na manipulao
do medo uma fonte de lucro e poder.
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