2k3q71
ABOLIR
A DIVIDA PARA LIBERTAR O
DESENVOLVIMENTO m6e4z
Eric
Toussaint
3r72i
Contribuio
do CADTM para o lanamento do debate sobre a Dvida que
constitui um doscinco primeiros temas da primeira parte do
FSM, intitulada "Produo das riquezas e reproduo
social".
A questo
qual tentamos responder pode ser resumida da seguinte maneira:
como sair de uma economia do endividamento para financiar um
desenvolvimento duradouro e socialmente justo e garantir a todos e
todas a satisfao das necessidades humanas fundamentais?
O Programa das Naes
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a UNICEF estimam que um
gasto anual de 80 bilhes de dlares em um perodo de dez anos
permitiria garantir a todo ser humano o o educao bsica,
aos cuidados bsicos de sade, a uma alimentao adequada,
gua potvel e s infra-estruturas sanitrias, assim como,
para as mulheres, o o aos cuidados ginecolgicos e obstetrcios.
Oitenta bilhes
de dlares , em 2001, quase trs vezes menos o que o Terceiro
Mundo paga por sua dvida externa publica; aproximadamente um
quarto do oramento militar dos Estados Unidos; 9% das despesas
militares mundiais; 8% das despesas publicitrias anuais no
mundo; metade da fortuna das 4 pessoas mais ricas do planeta.
impossvel
esperar da lgica do mercado que ela satisfaa estas
necessidades essenciais. As 1,3 bilho de pessoas que no dispem
de gua potvel no dispem de um poder aquisitivo suficiente
para que os mercados se interessem por elas.
Apenas polticas
pblicas podero garantir a todos e todas a satisfao das
necessidades humanas fundamentais. por isso que necessrio
que os poderes pblicos disponham de meios polticos e
financeiros para honrar seus deveres para com seus cidados e
suas cidads.
Convm
igualmente que estes ltimos exeram plenamente seu direito de
agir como sujeitos centrais da vida poltica dos Estados. Para
faz-lo, preciso implementar polticas econmicas e
mecanismos jurdicos eficazes em uma dinmica democrtica
participativa. O exemplo do oramento participativo praticado em
Porto Alegre desde o incio dos anos 1990 deveria ser estendido
em escala internacional e inspirar polticas originais de
democracia radical.
Obter a aplicao
da Declarao Universal dos Direitos Humanos e do Pacto dos
Direitos Econmicos, Sociais e Culturais implica assim a entrada
em ao de um poderoso movimento social e cidado.
Para comear,
preciso pr fim hemorragia de riquezas que constitui o
pagamento da dvida. necessrio em seguida encontrar diversas
fontes de financiamento para um desenvolvimento socialmente justo
e ecologicamente sustentvel. Convm enfim romper com a lgica
que leva ao ciclo de endividamento, ao desvio e pilhagem
massiva das riquezas locais, dependncia com relao aos
mercados financeiros e aos emprstimos condicionados das instituies
financeiras internacionais.
1.
Quebrar o ciclo infernal da dvida 4g4v27
Os paladinos da
mundializao neoliberal nos dizem que os pases em
desenvolvimento (incluem a a Europa do Leste) devem pagar sua dvida
externa, se querem se beneficiar de fluxos constantes de
financiamento.
Na realidade,
desde o estouro da crise da dvida em 1982, os fluxos foram dos
pases em desenvolvimento para os pases ricos, e no ao
inverso, como pretendem com insistncia os dirigentes das
instituies financeiras internacionais. Para estimarmos os
fluxos reais, preciso levar em conta: o pagamento da dvida
externa; as sadas de capitais promovidas pelos residentes nos pases
da Periferia; o repatriamento dos lucros pelas multinacionais
(inclusive as transferncias invisveis, feitas especialmente
atravs dos procedimentos de super ou sub
faturamento); a compra, pelos capitalistas dos pases mais
industrializados, de empresas da Periferia por preos rebaixados
no quadro das privatizaes; a compra a baixo preo dos bens
primrios produzidos pelos povos da Periferia (degradao dos
termos de troca); a fuga de crebros; a pilhagem gentica
Os doadores no so os que se cr. um abuso de linguagem
considerar como doadores os pases da OCDE membros do Comit
de Ajuda ao Desenvolvimento e as instituies de Bretton Woods.
Desde 1982, o
equivalente de vrias dezenas de Planos Marshall
que as populaes dos pases em desenvolvimento enviaram para
os credores do Norte (com as elites capitalistas locais cobrando,
na agem, sua comisso).
urgente tomar
o contra-p do discurso oficial: preciso anular a dvida
externa pblica do Terceiro Mundo. Segundo a anlise, esta dvida
no pesa fortemente diante daquela outra, histrica, ecolgica
e social, que os pases ricos do Norte contraram com ele.
O pagamento da dvida
pblica externa do Terceiro Mundo representa, bom ano mau ano,
uma despesa de aproximadamente 200 a 250 bilhes de dlares, ou
seja, de 2 a 3 vezes a quantia necessria para a satisfao das
necessidades humanas fundamentais, tal como definidas pelas Naes
Unidas.
2 Recursos suplementares para
financiar o desenvolvimento 3y6w
Para que uma
anulao da dvida seja til para o desenvolvimento humano,
evidentemente necessrio que as quantias destinadas at ento
ao pagamento da dvida sejam colocadas em um fundo de
desenvolvimento democraticamente controlado pelas populaes
locais.
Mas, uma vez este
dado este primeiro o em matria de anulao da dvida,
indispensvel substituir a economia atual de endividamento
internacional por um modelo de desenvolvimento socialmente justo e
ecologicamente sustentvel, que no dependa das flutuaes dos
mercados financeiros e das condicionalidades dos emprstimos do
FMI e do Banco Mundial. Este fundo de desenvolvimento, j
alimentado pelos recursos economizados graas anulao da dvida,
deve ser financiado pelas diversas medidas seguintes:
2.1 Devolver aos cidados e
cidads do terceiro mundo o que lhes foi roubado 3f4j1u
Riquezas considerveis,
acumuladas ilicitamente por governantes e capitalistas locais,
foram colocadas em segurana nos pases mais industrializados;
isto com cumplicidade total das instituies financeiras
privadas, e com a complacncia dos governos do Norte (este
movimento prossegue at hoje).
Uma restituio
implica a realizao de procedimentos legais, levados a bom
termo nos pases do Terceiro Mundo e nos pases mais
industrializados.
Tais inquritos
permitiriam, alm disto, no deixar na impunidade os corrompidos
e os corruptores: esta a nica maneira de podermos ver, um
dia, a democracia e a transparncia vencerem a corrupo.
Trata-se,
igualmente, de apoiar as resolues que saram do encontro
internacional realizado em Dakar, em dezembro de 2000 (Das
resistncias s alternativas), que exigiam a reparao para
a pilhagem qual o Terceiro-Mundo submetido h cinco sculos.
Isto implica, especialmente, a restituio de bens econmicos e
culturais roubados aos continentes asitico, africano e
sul-americano.
2.2 Taxar as transaes
financeiras 255c5k
J a plataforma
internacional de ATTAC fala de uma taxa de 0,1%, gerando cerca de
100 bilhes de dlares anuais, que poderiam ser utilizados na
luta contra as desigualdades, na educao, na sade pblica,
na segurana alimentar e para o desenvolvimento sustentvel.
2.3 Alar a ajuda pblica
para o desenvolvimento (APD) a pelo menos 0,7% do PIB 67854
Em 1999,
a APD representava apenas 0,24% do produto interno bruto (PIB) dos
pases mais industrializados, embora eles se tenham comprometido,
em diversas oportunidades, no quadro da ONU, a atingir o objetivo
de 0,7%. Com uma mdia atual de 0,24%, a APD deve ser
multiplicada por 3 para chegar aos compromissos assumidos. Sabendo
que a APD representa um pouco menos de 50 bilhes de dlares, se
multiplicada por 3 deveria atingir 150 bilhes por ano, que
deveriam ser destinados inteiramente sob a forma de doaes.
Enfim, mais do que falar de ajuda, convm daqui por diante
usar o termo reparao. Trata-se, com efeito, de reparar
os prejuzos causados por sculos de pilhagem e de troca
desigual.
2.4 Instituir um imposto
excepcional sobre grandes fortunas 5a6h1w
No seu relatrio
de 1995, a UNCTAD prope impor uma taxao nica sobre o
patrimnio dos detentores de grandes fortunas.
Um tal imposto,
cobrado em todo o mundo, permitiria mobilizar fundos considerveis.
Este imposto excepcional de solidariedade, da ordem de 10% sobre o
patrimnio do decil mais rico em cada pas, poderia gerar
recursos internos muito considerveis.
3 Uma nova lgica de
desenvolvimento 2k261e
lgica atual
de desenvolvimento, que v os pases do Sul adotarem, sob a
presso dos credores, programas de ajuste de tipo neoliberal,
preciso substituir uma lgica de desenvolvimento endgena e
integrada. Esta mutao a pela implementao das seguintes
medidas:
3.1 Pr um fim aos planos de
ajuste estrutural 4k7040
Os planos de
ajuste estrutural (PAS), pregando a liberalizao total das
economias do Sul, tm como conseqncia o enfraquecimento dos
Estados, que se tornam mais dependentes de flutuaes exteriores
(evoluo dos mercados mundiais, ataques especulativos, etc.), e
so submetidos a condicionalidades impostas pela dupla Banco
Mundial/FMI (e, atrs dela, pelos governos dos pases credores,
reagrupados no Clube de Paris).
A Comisso dos
Direitos Humanos da ONU adotou mltiplas resolues sobre a
problemtica da dvida e do ajuste estrutural. Em uma resoluo
adotada em 1999, a Comisso afirma que o exerccio dos
direitos fundamentais da populao dos pases endividados
alimentao, moradia, ao vesturio, ao trabalho, educao,
aos servios de sade e a um meio-ambiente sadio, no pode ser
subordinado aplicao de polticas de ajuste estrutural e a
reformas econmicas geradas pela dvida (1999, Art. 5).
O balano humano
das polticas de ajuste estrutural incontestavelmente
negativo. Logo, elas devem ser suprimidas e substitudas por polticas
que visem a satisfao das necessidades humanas fundamentais e dem
prioridade ao mercado interno, segurana alimentar e que
busquem complementaridades regionais ou continentais.
3.2 Garantir a volta ao domnio
pblico dos setores estratgicos que foram privatizados 6j5i5u
As reservas e a
distribuio de gua, a produo e a distribuio eltrica,
as telecomunicaes, o correio, as estradas de ferro, as
empresas de extrao e de transformao de bens primrios, o
sistema de crdito, certos setores da educao e da sade
foram sistematicamente privatizados ou esto em vias de s-lo.
Convm garantir a volta destas empresas ao domnio pblico.
3.3 Adotar modelos de
desenvolvimento parcialmente autocentrados 25466q
Este tipo de
desenvolvimento supe a criao de zonas politicamente e
economicamente integradas, a emergncia de modelos de
desenvolvimento endgenos, o reforo dos mercados internos, a
criao de uma poupana local para os financiamentos locais, o
desenvolvimento da educao e da sade, a implementao de um
sistema tributrio progressivo e de mecanismos de redistribuio
das riquezas, a diversificao das exportaes, uma reforma
agrria que garanta aos camponeses o o universal terra,
uma reforma urbana que garanta o o universal habitao,
etc.
preciso
substituir a arquitetura mundial atual, cuja lgica impe a uma
periferia fornecer matrias primas e mo-de-obra barata a um
centro que detm capitais e tecnologias, por reagrupamentos econmicos
regionais. Apenas um tal desenvolvimento, parcialmente
autocentrado, permitiria a emergncia de relaes de
complementaridade Sul-Sul, condio sine qua non do
desenvolvimento econmico da Periferia e, por extenso, do
mundo.
3.4 Agir sobre o comrcio 2w5718
preciso pr
um fim na tendncia histrica da degradao dos termos de
troca. Para isto, trata-se de implementar mecanismos que garantam
uma melhor remunerao da cesta de produtos exportados para o
mercado mundial pelos pases em desenvolvimento.
No que diz
respeito agricultura, como o reivindica a Via Campesina, convm
reconhecer o direito de cada pas (ou grupo de pases)
soberania alimentar e especialmente auto-suficincia nos
produtos bsicos. As regras do comrcio mundial devem, ademais,
subordinar-se a critrios de meio-ambiente, sociais e culturais
estritos. A sade, a educao, a gua e a cultura devem ser
retiradas do campo do comrcio internacional. Os servios pblicos
de interesse geral so a garantia dos direitos fundamentais e
devem portanto ser excludos do Acordo Geral sobre o Comrcio e
os Servios (AGCS).
Convm, alis,
abolir os Acordos sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual Relativos ao Comrcio (ADPIC) que permitem a apropriao
pelo Norte das riquezas naturais do Sul e que impedem os pases
do Sul de produzir livremente bens (medicamentos, por exemplo) que
visam a satisfao das necessidades de suas populaes.
4 Uma nova disciplina
financeira 69713o
As crises
financeiras que se repetem desde os anos 90 provaram pelo absurdo
que nenhum desenvolvimento duradouro pode ser atingido sem um
controle estrito dos movimentos de capitais e da evaso fiscal. Vrias
medidas so portanto necessrias para subordinar os mercados
financeiros satisfao das necessidades humanas fundamentais.
4.1 Re-regular os mercados
financeiros 6v5v1b
4.2 Controlar os movimentos de
capitais, 4i4f16
4.3 Supresso dos parasos
fiscais e suspender o
segredo bancrio para lutar
eficazmente contra a evaso fiscal, o desvio de fundos pblicos
e a corrupo. 20311h
4.4 Adotar regras que garantam
a proteo dos pases que recorrem ao endividamento externo: 6g3z4v
O endividamento
externo pode se justificar, se os pases concernidos o decidem
democraticamente. Mas preciso organizar a utilizao do
endividamento segundo princpios radicalmente diferentes dos que
prevaleceram at aqui.
Dois princpios
novos devem ser respeitados. Primo, o de uma condicionalidade
ao contrrio: a carga do pagamento e dos juros destes emprstimos
consentidos a taxas de juros baixas e inferiores s condies
de mercado s ser garantida se for provado que este
endividamento permitiu efetivamente a criao de riqueza
suficiente nos pases concernidos.
Secundo, uma
proteo forte e eficaz dos pases devedores dever ser
organizada em favor dos pases em desenvolvimento em escala
internacional, de tal sorte que estes pases possam defender-se
contra toda forma de abuso e de espoliao pelos bancos, pelos
investidores privados internacionais e pelas instituies
financeiras internacionais.
4.5 Controle democrtico da
poltica de endividamento 1d2h46
A deciso dos
Estados de contrair emprstimos e os termos nos quais estes so
subscritos devem ser submetidos aprovao popular (debate e
votao no parlamento, controle cidado).
5 Medidas complementares
indispensveis 421e6p
A anulao
da dvida pblica externa da Periferia, o abandono das polticas
de ajuste estrutural e as outras medidas propostas acima
constituem condies necessrias, mas elas so em si mesmas
insuficientes para garantir um autntico desenvolvimento humano
dos povos. Medidas complementares so indispensveis, a comear
pela igualdade homem/mulher e pelo direito dos povos indgenas
autodeterminao.
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