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Da competncia para julgamento dos crimes
de tortura praticados por militares

Joo Ricardo Carvalho de Souza

Introduo

Desde a poca do Imprio, o princpio da reserva legal, segundo o qual "no h crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prvia imposio legal" (nullum crime, nula poena sine praevia lege), uma garantia constitucional e legal dos direitos do homem.

Assim, a Constituio de 1824 em seu artigo 179, inciso II, prescrevia que "ningum ser sentenciado seno por autoridade competente e em virtude de lei anterior e na forma por ela prescrita". Com pequenas alteraes, esse dispositivo foi reproduzido nas Constituies de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, na Emenda Constitucional n 1 de 1969, e na Constituio de 1988 (art. 5, inciso XXXIX). O princpio da legalidade tambm estava insculpido em norma infraconstitucional. O art. 1 do Cdigo Criminal de 1830 estabelecia que "no haver crime, ou delito sem uma lei anterior, que o qualifique". J o atual Cdigo Penal, por sua vez, em seu art. 1, estabelece: "No h crime sem lei anterior que o defina. No h pena sem prvia cominao legal".

Em conseqncia desse princpio, ainda que possa parecer paradoxal, no h falar em prtica de crime de tortura no Brasil antes da entrada em vigor, em 8 de abril de 1997, da Lei n 9.455.
A insero dessa Lei em nosso ordenamento jurdico, que coincidiu com a divulgao de agresses praticadas por policiais militares contra civis, nos Estados de So Paulo e Rio de Janeiro, suscitou algumas discusses a respeito da competncia para o julgamento do crime de tortura, quando praticado por militares. Nosso trabalho se prope a examinar a matria, sem a pretenso de ser exaustivo a respeito do tema. Para tanto, dividimos este estudo em trs subtemas que consideramos pertinentes soluo da questo. So eles: a tipificao do crime de tortura; a definio de crime militar em tempo de paz; e a competncia da Justia Militar e das Justias Estaduais e Federal. A partir dos elementos apresentados no desenvolvimento desses subtemas, elaboraremos nossas concluses sobre a questo.

A tipificao do crime de tortura Segundo o art. 1 da Lei n 9.455/97, constitui-se em crime de tortura:
1 Hiptese
a) o constrangimento de algum, pelo uso da violncia ou de grave ameaa, causando sofrimento fsico ou mental:
1) com objetivo de obter informao, declarao ou confisso
2) com objetivo de obrigar prtica de uma ao ou omisso criminosa;
3) em razo de discriminao racial ou religiosa.
Ou seja, nessa hiptese, somente ser crime de tortura aquele em que o agente, usando de fora ou violncia, constranger uma pessoa, pela provocao nela de um sofrimento fsico ou mental, a fornecer uma informao, declarao ou confisso; ou a praticar, por comisso ou omisso, ato ilcito; ou ainda, se esta agresso tiver motivao em discriminao racial ou religiosa.
2 Hiptese
a) causar a algum sob sua guarda, poder ou autoridade, pelo uso de violncia ou grave ameaa, sofrimento fsico ou mental:
1) como forma de aplicar castigo ou medida de carter preventivo.
b) causar a algum preso ou sob medida de segurana, pelo uso de violncia ou grave ameaa, sofrimento fsico ou mental:
1) por intermdio de prtica de ato ilegal ou no resultante de medida legal.
Neste caso, tipifica-se como crime de tortura o que antes era uma situao enquadrada como leso corporal (alnea "a") ou abuso de autoridade combinada com leso corporal (alneas "a" e "b"). So elementares dessa hiptese a condio do agente - que exerce sobre a vtima um controle com fundamento legal -, o uso da violncia ou grave ameaa, a ocorrncia do sofrimento fsico e mental, e a ilegalidade do ato praticado.
3 Hiptese
a) omisso diante de condutas previstas nas hipteses 1 e 2, quando tinha o dever - que s pode ser legal - de evit-las ou de apur-las.

Inegavelmente, um grande avano na busca de coibir a impunidade no que diz respeito prtica de tortura foi penalizar aquele que se omita, quer na represso prtica da tortura, quer na conduo da apurao da prtica desse crime. So elementares dessa hiptese: a omisso e a existncia de um dever legal de reprimir a prtica do crime ou de apur-lo.

Como se verifica do exposto, na definio do crime de tortura no feita nenhuma referncia condio funcional do agente. Muito embora haja a previso de perda de cargo ou funo ou emprego pblico como pena ria, o crime de tortura pode ser praticado por servidor pblico - civil ou militar -, por empregado pblico ou por qualquer cidado que no guarde nenhum vnculo com a istrao pblica.

Assim, em razo da definio do crime de tortura, isoladamente, no possvel definir a priori a competncia para o seu julgamento.

A definio de crime militar em tempo de paz
O crime militar encontra-se definido no art. 9 do Decreto-Lei n 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Cdigo Penal Militar (M).

Reconhece a doutrina dois tipos de crime militar: o propriamente militar e o impropriamente militar.

O crime propriamente militar o tipificado no art. 9, inciso I, do Decreto-Lei n 1.001/69, quais sejam os crimes de que trata o Cdigo Penal Militar, "quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela no previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposio especial". Ou seja, todos os crimes, independentemente do agente ou do local onde foram praticados, que tenham por sede de sua tipificao apenas o Cdigo Penal Militar ou que sejam tipificados no M e na lei penal comum - Cdigo Penal ou lei extravagante -, porm de modo diverso, so crimes militares.

J o crime impropriamente militar, tipificado nos incisos II e III do art. 9 do M, aquele que, embora previsto de maneira idntica, tanto no Cdigo Penal Militar, como na lei penal comum, praticado, respectivamente, por militar em atividade, presentes determinadas condies (ex.: contra outro militar, em lugar sujeito istrao militar, durante perodos de manobra etc), ou por militar da reserva, ou reformado ou civil, contra as instituies militares, tambm presentes condies especficas (contra patrimnio sob istrao militar, em lugar sujeito istrao militar contra militar etc).

Das definies apresentadas, importante para o nosso estudo o fato de que s sero crimes militares: os tipificados exclusivamente no Cdigo Penal Militar; os tipificados de forma diversa no M e nas leis penais comuns; ou os tipificados de forma idntica no Cdigo Penal Militar e nas leis penais comum, desde que praticados sob determinadas condies.
Ora, ao compulsarmos o Cdigo Penal Militar no encontraremos, seja com a mesma tipificao, seja com tipificao diversa, o crime de tortura. Em conseqncia, de acordo com a legislao atual, presentes na prtica do ilcito as elementares do tipo penal "tortura", ainda que cometido o crime por militar em servio, em rea sob istrao militar, durante o desempenho de atividades tipicamente militares, contra civil ou contra outro militar, no ser o crime considerado crime militar.

Ainda que resulte leso corporal ou morte da prtica de tortura (dois crimes tipificados no Cdigo Penal Militar), de acordo com o princpio da especificidade, a lei que define o crime de tortura (lei especial) afasta a incidncia do Cdigo Penal Militar (lei geral), uma vez que a morte decorreu da prtica de tortura, e essas hipteses esto previstas na Lei n 9.455/97 (3 ao artigo 1). Nesse aspecto, alis, embora no seja objeto deste estudo, no poderamos deixar de observar que a Lei n 9.45/97 acabou beneficiando o agente criminoso ao definir pena de oito a dezesseis anos para o crime de tortura seguido de morte, uma vez que tal crime, vel de ser enquadrado anteriormente como homicdio qualificado, era apenado com recluso de doze a trinta anos.

A competncia da Justia Militar e das Justias Federal e Estadual

A competncia da Justia Militar, Federal e dos Estados, est definida na Constituio Federal, artigos 124 e 125, 4, respectivamente.

Compete Justia Militar Federal "processar e julgar os crimes militares definidos em lei". Ou seja, compete-lhe julgar aqueles crimes definidos como militares, nos termos do art. 9 do M, e to-somente esses crimes, praticados por servidores militares federais ou por civis contra militar federal ou em local sob a istrao militar federal. Como o crime de tortura no se enquadra na definio de crime militar, ainda que praticado por um militar, ou por um civil, e presentes as demais condies subsidirias (contra militar ou em local sob istrao militar, por exemplo), no se insere esse crime na competncia da Justia Militar.
J Justia Militar Estadual compete "processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei". Aplica-se ao caso o mesmo raciocnio anterior. Em razo da natureza no militar os crime de tortura praticados por policiais e bombeiros militares, seja contra outros militares estaduais, seja contra civis, no sero da competncia da Justia Militar.

Da atribuio de competncia da Justia Federal (artigo 109 da Constituio Federal) interessa-nos apenas a prevista no inciso IX do indigitado artigo. Compete Justia Federal processar e julgar "os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada competncia da Justia Militar". Como j verificamos que o crime de tortura no da competncia da Justia Militar, esse crime, se praticado por militar, federal ou estadual, a bordo de navio ou aeronave, civil ou militar, contra outro militar ou contra um civil, ser de competncia da Justia Federal, seguindo a competncia territorial as regras gerais aplicveis espcie.

Em relao Justia Estadual, que tem competncia residual, ou seja, compete-lhe processar e julgar as causas que no sejam da competncia do Supremo Tribunal Federal, Do Superior Tribunal de Justia, da Justia Federal ou da Justia Especializada (Trabalhista, Eleitoral e Militar), fica claro, do exposto, que lhe compete julgar todos os crimes de tortura, mesmo os praticados por militares, exceto aqueles que forem praticados a bordo de navios ou de aeronaves.

Concluso

Dos elementos desenvolvidos nos tpicos anteriores podemos concluir que os crimes de tortura praticados por militares, contra civis ou contra outros militares, inserem-se na competncia da Justia Federal, quando praticados a bordo de navios ou aeronaves, civis ou militares, ou da Justia Estadual, em todos os demais casos.

Por fim, como corolrio da no tipificao do crime de tortura como crime militar, temos a obrigao de explicitar, ainda que no seja de todo pertinente ao tema que selecionamos para esse estudo, mas por encerrar uma forte carga emocional para os militares federais ou estaduais, que os inquritos policiais a serem realizados para a apurao do crime sero de competncia da polcia federal - quando o crime for de competncia da Justia Federal - ou da polcia civil estadual - nos demais casos, mesmo que o crime tenha sido cometido dentro de um aquartelamento ou durante um exerccio militar. Isso transparece de forma cristalina dos textos do art. 144, 1, IV e 4, in verbis:

"Art. 144. ...................
..................................
1 A polcia federal instituda por lei como rgo permanente, estruturado em carreira, destina-se:
..................................
IV - exercer, com exclusividade, as funes de polcia judiciria da Unio.
...................................
4 s polcias civis, dirigidas por delegados de polcia de carreira, incumbem, ressalvada a competncia da Unio, as funes de polcia judiciria e a apurao de infraes penais, exceto as militares.".

Textos & Reflexes sobre a Tortura

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