Mase
Monte
Uma natalense em Cuba, no mundo do cinema-novo
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A
rea de direitos humanos em toda a Amrica Latina est cada vez
mais ciente da importncia de se colocar o vdeo e o cinema a
servio de causas marginalizadas pela indstria cultural. E o
Brasil foi buscar em Cuba parte dos conhecimentos para aplicao
no dia-a-dia das entidades de luta neste setor, atravs de um
curso que contou com a participao de uma representante do Rio
Grande do Norte e mais 14 de outras reas do pas. Mase Gomes
Monte, 31 anos, natalense, foi a convite do governo cubano
participar do curso emergente de conhecimentos de cinema e tev.
Alm da tcnica, ela conta como foi sua primeira viso do mundo
socialista, na Ilha do Caribe.
Mase
membro do Centro de Direitos Humanos e Memria Popular,
organismo ligado Igreja Catlica progressista, e atua como
cmera, mais precisamente no ncleo de vdeo do Centro, a TV
Memria Popular representantes dos Estados da Paraba, So
Paulo, Paran, Bahia, Rio Grande do Sul e Par, ficando dois
meses na Escuela Internacional de Cine Y TV, situada a 40
quilmetros a capital cubana. Ela conta como tudo comeou: A
idia surgiu depois que o Frei Betto publicou o seu livro
Fidel e a Religio, pela
editora Brasiliense, negociando com o governo de Cuba o curso
nessa rea. Assim, lembra Mase, o negcio foi entrar em
contato atravs dos encontros de tev popular realizados em
vrias partes do pas e esperar a viagem. Todo o curso (aulas,
hospedagem, alimentao, transporte etc.) foi patrocinado pelo
governo daquele pas.
CONTEDO
As aulas ministradas em Cuba, diz ela, mostraram o quanto os
nossos videastas (produtores de vdeo) tm a aprender. E
um detalhe que o lado poltico das produes aqui realizadas
nem sempre prezaram pelo lado artstico e tcnico, constatou
Mase. Depois de ver um contedo to completo na prtica e
na teoria, ns vimos que os nossos olhos ficaram mais clnicos:
tcnica algo que nos foi acrescentado, afirma. Na prtica,
o que se viu foi tudo sobre direo, produo, iluminao,
roteiro, edio, teoria da comunicao, cinema e fotografia.
Tudo teve seu lado terico destacado, durante um ms.
O
que mais chamou a ateno de Mase em Cuba, foi como l, pelo
menos na Escola Internacional de Cinema e Tev, no se cultua a
mistificao de personagens da mesma forma que aqui. e
exemplifica: Tivemos aulas com figuras como a famosa cineasta
cubana Gilda SantAna, o norte-americano Walter Murch
(sonoplasta do filme Apocalipse Now) ou o escritor
colombiano Gabriel Garcia Marquez, conhecido prmio Nobel de
Literatura. Quer dizer, cruzar com personalidades famosas ou
mesmo ligar para algumas delas pedindo melhores explicaes
sobre um detalhe ou outro era rotina, durante o curso, diz ela. O
autor de Cem Anos de Solido, Gabriel Marquez, que dirige a
Escola, estava l constantemente; o sonoplasta Walter Murch ficou
15 dias entre os alunos do curso emergente; quem tambm esteve
dando aulas foi a brasileira Tizuka Yamazaki, que atualmente
dirige a novela Kananga do Japo, da Rede Manchete.
Mase
est no segundo ano de trabalho na rea de vdeo no Centro,
atuando na TV Memria Popular, e diz que o curso elevou o nvel
de todos os brasileiros que l estiveram. Basicamente, segundo
aprendeu, a idia do curso especializar pessoas da rea
para criar um novo tipo de cinema latino-americano. Assim, como
a realidade de continentes como a Amrica Latina, pases da
sia e da frica muito prxima a Escola cubana de cine e
tev foi criada para integrao desses povos, do pessoal que
trabalha com direitos humanos.
MUNDO
SOCIALISTA A TV Memria Popular, que utiliza suas produes
direcionadas para movimentos sociais (sindicatos, associaes de
bairros e entidades da sociedade civil organizada), tem
antecessoras no pas. Mase cita trabalhos reconhecido, no
Brasil como o das teve. TVB - Teve dos Bancrios, de So
Paulo e da TV Viva, de Olinda (PE), ambas produtoras que
cobrem alternativamente os movimentos sociais. Temos o exemplo
da TV Viva. que cobre 20 bairros de Olinda e Recife com suas
produes, explica ela.
O
crescimento sistemtico desse setor, principalmente entre os
movimentos potiguares, levou Natal a ser escolhida entre as
representaes para a Escola, em Cuba. Na mesma instituio
cubana, diz a produtora, existe um curso para alunos regulares,
sendo que este dura trs anos e meio e, com o emergente,
participado por estudantes dos trs continentes.
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Mas
foi a experincia de Mase no mundo socialista que completou o
seu trabalho em Cuba. Havana, na parte velha Havana Vieja
tem muito do aspecto baiano. Tinha hora que voc pensava que
no havia sado do Brasil, lembra. O povo cubano com quem
ou, tanto em momento que estava produzindo material para o
curso quanto estava eando em finais de semana, a deixou um
pouco Impressionada, conforme relatou. E Mase lembra que aos
sbados os alunos do curso saam para conhecer algumas
localidades cubanas.
Recebemos
convite do Governo para decidirmos para onde ear, em alguns
momentos de folga, aos sbados.
Apresentaes
de balet, shows musicais cubanos e fbricas, entre outros locais,
foram visitados por Mase e seus colegas em Cuba. Havana
uma cidade cativante, diz. Mais cativante ainda o universo
cultural e poltico do cubano de hoje, segundo conseguiu
constatar a produtora natalense: o nvel de conscincia e de
cidadania quilmetros de distncia do que temos, claro que
dentro da realidade do pais. O fato de ver os nibus colocados
realmente a servio do povo a deixou meditando sobre a realidade
enfrentada pelo trabalhador brasileiro toda vez que necessita
deste transporte.
SORVETEMANIA
O sistema de sade cubano tambm foi outro exemplo que
Mase conheceu de perto, Inclusive se utilizando dele. Ela estava
grvida do sexto ms em sua estada na Escola e precisou de um
mdico. De repente foi ambulncia, enfermeiros e mdicos. Se
voc no for s consultas, o mdico vai at a sua casa,
diz ela. Ela disse que ficou at meio irritada com a
preocupao das mdicas que a assistiram durante alguns
momentos. Mas elas sempre falavam, lembra Mase, que l se
pratica a medicina preventiva. Outras coisas como o taxi onde
voc pode pegar carona, que faz rota como os nibus e, alm
disso, os nibus nos quais voc paga se tiver dinheiro.
uma questo de conscincia e de ter o sistema a Servio da
populao.
A
noite e o final de semana em Cuba E muito divertido, nunca
faltando uma atividade para onde se dirigir, seja em Havana ou em
qualquer parte do pais.
Uma
constatao feita por Mase E que os cubanos realizam um
verdadeiro culto ao sorvete. A sorvetemania em Cuba chega ao
extremo de se ter uma praa em Havana onde a populao vai
apenas para tornar sorvetes dos mais variados sabores. Um local
enorme, e lembra, destacando que l esto casais de
namorados, mulheres e maridos, entre outros. Urna cena mostrou o
quanto o presidente Fidel Castro idolatrado em Cuba, segundo
relata Mase: Ns samos para produzir trabalhos do curso e
um grupo estava fazendo um documento contra a situao em Cuba,
culpando Fidel pelos erros. De repente, o pessoal foi cercado por
populares que quiseram linchar os videastas. Ela ficou meio
abismada com a cena, mas aps um novo trabalho constatou a
popularidade do dirigente cubano. Fidel alvo de elogios
populares em diversos trabalhos feitos a partir de entrevistas com
o povo nas ruas. Ao perguntarem o que achariam se o lder da
revoluo cubana morresse, alguns responderam simplesmente que
no queriam ouvir aquilo. Outros, foram mais nacionais e disseram
que o trabalho feito por Fidel Castro em Cuba seria continuado por
outros. O socialismo no morre mais, garantiam os entrevistados
que manifestaram esse ponto de vista.
UM
SUSTO Os brasileiros que estavam cursando cinema e teve foram
surpreendidos com um estardalhao de bombas, tiros e barulho de
avies MIG, em pleno domingo. Mase lembra que todo mundo
acordou meio apavorado, indagando se j eram os norte-americanos
tentando uma nova invaso ao pas, semelhante ocorrida em
1961, na fracassada tentativa da Bahia dos Porcos. No,
respondeu um cidado cubano, um treinamento
militar de rotina, que acontece de tempos em tempos, destinado a
civis e militares. E a calma voltou, j que foi somente
durante o dia do domingo.
Depois
do susto, a realidade do pai, hoje, deixou Mase ciente do nvel
de organizao alcanado pela sociedade cubana. A liberdade de
expresso foi tambm vista em Cuba, contradizendo a afirmao
comum de que l nada se fala alm de socialismo. Vimos grupos
de Punks, grupos de teatro produzindo peas contra o Governo e,
alm disso, manifestaes religiosas catlicas e at mesmo de
cultos africanos, entre outros, afirma. A experincia dela foi
algo que a deixou sempre voltada para o questionamento de tudo o
que viu e sentiu no mundo socialista. E me chamou a ateno o
tipo de povo que tem em Cuba: no h luxo, mas a simplicidade.
Nunca a misria ou a pobreza que temos aqui. E Mase sofreu
um pequeno choque, assim que retornou ao Brasil, na descida do
avio, no Aeroporto de So Paulo: uma imagem que no via h
dois meses, a de um pedinte. Em Cuba no se v isso.
Infelizmente, aqui lugar comum, O cinema tem que combater essa
realidade cruel...
CADERNO
DOIS
Suplemento do Jornal Dois Pontos
Texto: Djair Galvo
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