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Texto da palestra proferida durante
o Como garantir as identidades culturais e proteger a
criao artstica da mercantilizao?, dia 29 de janeiro,
Eixo III
Tariq Ali
Recebi algumas perguntas, que vou
ler em primeiro lugar.
O que voc acha que pior: ter
meios de comunicao como os que existem nos Estados Unidos, que
durante as eleies tomaram uma posio partidria, ou, como,
no nosso caso em Porto Alegre, meios de comunicao que no
mostram as suas posies reais em nome de uma falso neutralismo
do jornalismo?
difcil responder a essa
pergunta. Eu sou contra a falsidade em tudo. melhor que as
pessoas sejam honestas e digam o que pensam, seja no jornalismo,
seja onde for. Se atacamos os meios de comunicao dominantes no
mundo ocidental, porque eles s mostram um lado da questo.
raro vermos o ponto de vista da oposio retratado nos meios
de comunicao. nesse sentido que temos que nos bater.
Enquanto esses meios de comunicao dominarem o mundo, no
podemos chegar e dizer: S vamos ver o que queremos.
Queremos ouvir todas as vozes. Um exemplo muito interessante que
me ocorre agora deu-se s vsperas da revoluo cubana, em
Havana. Os jornalistas no gostavam do que estava sendo publicado
nos jornais sobre a revoluo. No impediam que os jornais sassem,
mas, no final dos editoriais desses jornais, diziam: Na nossa
opinio, e na opinio do sindicato, essa informao
preconceituosa e no reflete a opinio dos trabalhadores de
Havana. Isso teve muito impacto.
No podemos deixar as coisas
correrem soltas. Temos sempre que botar presso, pois a ideologia
deles diz que so jornais livres e que refletem a diversidade de
opinio da populao. por isso que a gente compra esses
jornais, e l esses jornais, porque so dominantes. Ento
importante l-los para saber o que esto dizendo, para que a
gente possa responder, seja via o prprio jornal, seja em outro
local. Seno, ficamos totalmente isolados dessa realidade. Uma
pessoa j disse: para qu que a gente l esses jornais
capitalistas, ao final de contas? A razo essa.
Um dos pontos que gostaria de
salientar, e que est relacionado com isso, que fico muito
triste de no ver aqui muitas pessoas da Europa Oriental, da Rssia,
dessa parte do mundo. Porque eles tiveram a experincia da
globalizao econmica e cultural do pas deles de uma das
formas mais brutais que ocorreram no sculo XX. Recentemente, em
Praga, na Repblica Tcheca, foi nomeado diretor de um canal de
televiso um cidado que era uma marionete nas mos de um dos
polticos, que queria privatizar tudo. Esse ainda um canal
estatal. No minuto em que essa pessoa foi designada para a
diretoria, todos os jornalistas, todos os tcnicos, todos os
editores, cinegrafistas, entraram em greve. Ocuparam a emissora em
protesto contra essa nomeao, feita pelo governo
social-democrata. Usaram a televiso, j que a estavam ocupando,
para informar a populao sobre o que estava acontecendo. E
disseram: Se esse homem for confirmado e virar o chefe da
televiso tcheca, a informao que ns aremos para a
populao ser comprometida, as vises da oposio no vo
ser mais respeitadas e estaremos em um negcio mono-cultural.
Fazemos um apelo queles que nos apiam. E, durante duas
semanas, cidados comuns de Praga compareceram aos escritrios
da televiso para mostrar solidariedade e apoio. E todo dia,
aparecia cada vez mais gente, mais gente, mais gente. No ltimo
dia j eram 200 mil pessoas apoiando os trabalhadores,
jornalistas e tcnicos, at que finalmente o governo se viu
derrotado: renunciaram o diretor nomeado e a pessoa que tinha
feito a nomeao.
Uma razo para tudo isso foi que
muita gente ainda se lembrava da luta travada durante a Primavera
de Praga, de 1968, quando lutavam por uma imprensa livre, embora
fosse estatal. Essa noo de que para que uma coisa seja popular
e democrtica, tem que ser privatizada e estar nas mos de
bilionrios, e no nas mos do Estado, uma das catequeses do
capitalismo a que temos que resistir. Isso pode diferir,
dependendo da organizao. s vezes nos enfurecemos porque
vemos empresas estatais colocando toda aquela porcaria na televiso.
E h gente que diz: Pxa, to ruim! Por que no se
privatiza logo? Isso um reflexo errado. Temos que preservar
algumas dessas instituies porque as coisas mudam, o mundo no
fica esttico. E quando chegar a mudana, essas instituies vo
ser muito teis.
Reproduo editada da gravao
da palestra proferida, sem reviso final da expositora.
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