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Texto da palestra proferida durante
o Como mediar conflitos e construir a paz?, Eixo IV,
dia 29 de janeiro
Lucio Edwin Gutierrez
Para falar do poder poltico e da
tica na nova sociedade, comearei dizendo que a luta, desde os
primrdios da humanidade at a nossa civilizao, sempre foi e
ser pelo poder. Porm, nas ltimas dcadas, essa luta perdeu
a objetividade, ou seja, prostituiu-se. Ao menos no meu pas, o
Equador, onde a politicagem ultraou todos os limites imaginveis
da tica e da moral. Submetem-se a aceitar financiamentos para
chegar ao poder com dinheiro de uma procedncia duvidosa,
vendem-se de corpo e alma para a oligarquia neoliberal que compra
suas conscincias como o todo poderoso dinheiro. Para depois
destruir a economia e a sociedade dos nossos pases. Os valores
se degradaram tanto que no nos surpreende escutar algum dizer
que se, para alcanar o poder, fosse preciso vender a me, tudo
bem! Depois, quando chegar ao poder, voc ir recuperar sua me.
Os neoliberais querem globalizar a
perda de valores e de identidade dos nossos povos, pois mais fcil
subordinar governos sem princpios e sem nacionalismo, sem
conceitos claros de soberania, do que governos patriticos e
comprometidos com seus povos e com sua histria.
Diante dessa realidade terrvel, o
que devemos fazer? Construir uma sociedade baseada em valores e
princpios ticos, morais, cvicos e patriticos, atravs de
uma slida educao que implique em uma mudana mental,
espiritual e psicolgica das pessoas, levantando a auto-estima, o
orgulho nacional e a credibilidade das nossas prprias
capacidades, fortalecendo uma identidade debilitada por tanta
alienao perversa e globalizada, resgatando nossa rica cultura,
aceitando a diversidade de nossos povos, buscando a unidade monoltica
das naes. Dessa maneira, a presso social aumentar para que
o poder poltico tambm se baseie em valores, convertendo-se em
parte indivisvel da nova sociedade mundial. Como mediar os
conflitos e garantir a paz? Hoje temos muitos conflitos no mundo e
as causas so sempre as mesmas: injustia, concentrao de
poder, desigualdade, a luta eterna por construir uma nova
realidade com igualdade, solidariedade, com respeito humano. A
luta por construir um mundo diferente do atual, sem as injustias
do neoliberalismo.
O neoliberalismo deve ser substitudo
por um modelo alternativo justo, pois seus erros e fracassos o
exigem. De acordo com as atuais previses, os Estados Unidos
praticamente no vo crescer este ano, tero 0% de crescimento.
O mesmo com o Japo, a segunda economia mundial. De acordo com o
relatrio anual da OIT, a tera parte da populao
economicamente ativa, cerca de um bilho de pessoas, est
desempregada ou sub-empregada. Uma quinta parte da humanidade, ou
seja, cerca de 1 bilho e 200 milhes de pessoas, vive com um dlar
por dia. E a metade da humanidade dispe de menos de dois dlares
por dia. Essa a amarga realidade do neoliberalismo.
Devemos ter polticas alternativas
que devolvam o poder poltico s comunidades e aos Estados
democrticos, com uma distribuio justa da riqueza no mbito
internacional. O neoliberalismo pode ser insacivel, porm tambm
vulnervel. Temos que unir foras: as de Seattle, as de
Washington, as de Davos e de Porto Alegre. A ameaa
transnacional, e portanto a resposta tambm deve ser
transnacional.
Um conflito que est por se
converter em uma ameaa paz no mundo inteiro o Plano Colmbia,
que afeta diretamente o meu pas e nos parece no ser uma ao
contra o narcotrfico, e sim uma operao militar contra os
movimentos revolucionrios colombianos... Uma ao para
neutralizar os novos atores sociais latino-americanos, como os indgenas,
os camponeses, os intelectuais, os nacionalistas, patriotas, que
esto contribuindo com novas idias, com opinies diferentes,
para resolver os problemas sociais, econmicos e polticos.
Como podemos mediar e construir a
paz? Algumas sugestes: a neutralidade ativa. Deveramos manter
uma neutralidade com relao s partes envolvidas no conflito
colombiano, dialogando com ambas. A parte ativa consiste em usar
todos os meios e capacidades para fazer com que a Colmbia, de
forma pacfica e soberana, respeitando os princpios da no-interveno
em assuntos internos assim como o da autodeterminao dos povos,
resolva seu grave problema. A diplomacia cidad: se os diplomatas
oficiais fracassaram no esforo de contribuir com idias para
obter a paz, a sociedade civil organizada poderia colaborar e
encontrar solues criativas. Uma excelente alternativa so
foruns como este.
preciso discutir seriamente a
possibilidade de legalizar o consumo da droga, sem os pretextos do
falso moralismo e da hipocrisia, promovendo uma ampla mobilizao
para deter esse conflito e o massacre de pessoas inocentes
mulheres, crianas e idosos. preciso termos conscincia desse
verdadeiro holocausto, e tentar evit-lo. Amanh pode ser muito
tarde. preciso conseguir uma paz dialogada, com grande
desprendimento e patriotismo de todas as partes. Ningum quer a
guerra, ningum quer a morte. Todos queremos viver.
Aproveito para fazer um apelo s
foras armadas latino-americanas, para que voltem s suas
origens, herana legada pelos nossos libertadores, defendendo
a soberania dos povos, para que nunca mais sejam manipuladas pelas
oligarquias neoliberais que atentam contra a integridade e a
independncia dos nossos pases. Nossos exrcitos no so nem
foram criados para reprimir. No estou falando de utopia, estou
falando de uma realidade. possvel fazer isto. Ns o fizemos
em 21 de janeiro do ano 2000, no Equador, quando o governo
corrupto, oligrquico e neoliberal ordenava a represso contra o
povo que exigia justia e implorava po, para que seu dinheiro
congelado nos bancos de forma arbitrria fosse devolvido, para
que as empresas estatais no fossem dadas de presente aos mesmos
oligarcas de sempre. Ao invs de reprimirem e dispararem contra o
povo, como era a ordem que tinham recebido, os militares apoiaram
aquela exigncia, dizendo um basta ao governo e, junto com
os povos indgenas, revogamos o mandato daquele governo corrupto.
Perdemos nosso trabalho, nos
expulsaram do exrcito, porm ganhamos em fora espiritual. A
vida to curta, to efmera, que no podemos morrer sem
fazer algo para acabar com uma histria to injusta. Convido
todos vocs a se comprometerem a continuar lutando para deixar
uma herana para as futuras geraes: um planeta mais digno,
mais justo, mais honesto, mais humano e autenticamente democrtico.
Se temos uma relativa liberdade,
porque homens e mulheres com viso de futuro, com esprito de
luta, enfrentaram um oponente poderoso, venceram-no e romperam com
as correntes da escravido. Esperamos seguir esses exemplos
maravilhosos, esperamos justificar nossa existncia, temos que
superar os nossos limites Vamos ser maiores que nossos adversrios,
convenc-los do seu erro e da vontade de retific-lo. preciso
sonhar, preciso comear a andar. Vamos conquistar o mundo, no
pela violncia, mas chegando mente das pessoas, atravs das
idias, uma forma mais efetiva, profunda e permanente.
Com relao indstria blica,
temos que perguntar: quem vende as armas para as guerras? Por que
certos meios de comunicao no dizem isso? Por acaso no
sabem quem fabrica a morte? So os mesmos que querem nos impor o
neoliberalismo e as privatizaes selvagens. No respeitam a
vida e condenam os povos tristeza. Hoje temos milhares de
corpos sem vida. J mataram suas almas e eles perambulam sem
outra esperana seno a morte. Isto justo? A boa notcia
que h muito dinheiro por a e que uma pequena parte dele seria
suficiente para oferecer uma vida decente a todas as pessoas,
educao, sade, proteger o meio ambiente e evitar a destruio
da terra. Segundo o PNUD, para diminuir a brecha Norte e Sul so
necessrios 40 bilhes de dlares por ano. Por outro lado, se o
mundo dedicasse de 12 a 15 dias do dinheiro gasto anualmente em
armamentos, poderia se alimentar e dar sade s crianas mais
pobres.
Como conseguir uma mudana de
atitude nas mentes dos poderosos? preciso criar polticas para
que os que enriqueceram com esse negcio to injusto paguem por
isto. Temos que lutar pela devoluo de 4 bilhes de dlares
da Sua. A violncia nas cidades, no campo, nas casas, a
pobreza, a falta de segurana originam-se na corrupo que se
generalizou, sem exceo, em todas as instituies pblicas e
privadas, pelo menos no Equador. Acrescente-se a isso a impunidade
dos delinqentes poderosos, os que roubam milhes de dlares,
os banqueiros corruptos, os privatizadores, os renegociadores da dvida
externa, alguns ex-ministros. Com a corrupo, no sobra
dinheiro para investir nas reas sociais, para criar postos de
trabalho. Portanto, se as pessoas no tm onde trabalhar e tm
que alimentar suas famlias, restam-lhes trs opes: morrer
de fome e matar sua famlia, ir para o exterior ou dedicar-se
delinqncia. Em geral, a ltima opo a mais escolhida.
O desemprego tambm gera desequilbrios
emocionais, frustraes que levam violncia familiar. A
esposa e os filhos pagam as conseqncias. Em 2000, quando o
Equador foi declarado o pas mais corrupto da Amrica Latina,
houve 27 milhes de dlares de ajuda estrangeira. Na Colmbia,
os investimentos foram cinco vezes superiores: 4 bilhes de dlares.
Isso mostra que os investidores estrangeiros fogem da corrupo
mais do que do narcotrfico e dos movimentos revolucionrios.
Devemos aumentar a presso para que haja uma autoridade global
para fiscalizar os cartis, no s de drogas e armas, mas tambm
para que os pases do Terceiro Mundo, pilhados pelos do Primeiro
Mundo, possam recuperar seu capital. A resistncia precisa ir de
baixo para cima, do Sul para o Norte.
Como mediar os conflitos e
construir a paz? Atravs da unidade. Se os problemas dos nossos
povos so os mesmos pobreza, delinqncia, corrupo,
desemprego, dvida externa, narcotrfico as solues tambm
devem ser mais ou menos as mesmas. Portanto, o que estamos
esperando para ter uma grande unidade monoltica no campo econmico,
poltico, e mesmo militar, e terminar de uma vez por todas com
tantos infiltrados neoliberais que am a vida inventando
conflitos entre os nossos pases? Temos que mudar de estratgia.
Temos que acabar com o que divide. Temos que acabar com as
intrigas ou elas iro acabar conosco. Da unidade americana vamos
ar unidade mundial. O desafio difcil, parece um sonho,
mas s comeando podemos realizar o que a princpio parece
impossvel.
Temos o desafio de informar aos
poderosos sobre as nossas propostas alternativas de
desenvolvimento, de fazer com que entendam que se eles tirarem os
obstculos e permitirem o nosso desenvolvimento, sero os
primeiros beneficiados. Vo acabar as migraes macias para
os seus pases, tero mais compradores para os seus produtos e
podero percorrer o mundo sem serem olhados com desprezo. Acho
imprescindvel que este Forum faa alguma resoluo com relao
ao Plano Colmbia. de nossa responsabilidade. Se no o
fizermos, no poderemos ar o peso de nossas prprias
conscincias diante das vivas e mutilados que vo nos amaldioar,
e dos milhares de mortos que vo reclamar da nossa indolncia.
Reproduo editada da gravao
da palestra proferida, sem reviso final da expositora.
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