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Transgnicos:
uma questo estratgica
Muito
mais do que uma disputa entre ecologistas e indstria biotecnolgica,
a questo dos transgnicos coloca frente a frente dois modelos
de desenvolvimento econmico e social.
preciso entender as implicaes polticas, jurdicas e ticas
do problema.
Marco
Aurlio Weissheimer*
A
discusso envolvendo o desenvolvimento de organismos
geneticamente modificados (OGM), os transgnicos, extrapolou o
domnio estrito da comunidade cientfica e transformou-se numa
questo poltica estratgica. A deciso do governo do Rio
Grande do Sul no sentido de proibir o cultivo de plantas transgnicas
no estado incendiou o debate. O governo gacho posicionou-se
firmemente contra a produo e consumo de alimentos
geneticamente modificados, somando-se ao esforo de inmeras
entidades da sociedade civil que lutam contra a proliferao dos
transgnicos enquanto no se tem uma maior
clareza
a respeito de seu impacto econmico e ambiental.
Francisco
Milanez uma das pessoas engajadas na luta contra os transgnicos
no Rio Grande do Sul. Ecologista, bilogo, arquiteto, educador
ambiental, planejador de desenvolvimento, assessor de Meio
Ambiente e Saneamento do Gabinete do Prefeito e Coordenador do
Programa Guaba Vive, Milanez entende que esta questo deve ser
compreendida num contexto maior de desenvolvimento estratgico.
Antes de apresentar
alguns
argumentos contra a euforia que tomou conta de uma parcela da
comunidade cientfica, ele procura traar um esboo do cenrio
que marca a entrada em cena dos OGMs no mundo.
A
presso pelas leis de patentes 5r274p
No
final dos anos 80 comeou a surgir uma forte presso
internacional, capitaneada pelo Acordo Geral de Preos e Tarifas
(GATT), favorvel aprovao do novo cdigo de
propriedade
intelectual. Foram propostas trs grandes mudanas, nas reas
de programa de computador, indstria farmacutica e
patenteamento de seres vivos. Antes da
aprovao
do novo cdigo, o Congresso Nacional brasileiro viveu um intenso
debate sobre o tema. O governo brasileiro foi pressionado pelo
governo dos Estados Unidos a aprovar a nova legislao,
recebendo inclusive ameaas de represlias comerciais em caso de
resistncia. O Brasil acabou aprovando o cdigo de propriedade
intelectual, reconhecendo
retroativamente
patentes que j eram de domnio pblico, e permitindo o
patenteamento de seres vivos transgnicos. No incio dos anos
90, foi criada a Organizao Mundial do
Comrcio
(OMC), que tratou de aumentar a presso em favor do novo cdigo.
Em maro de 1995, o Parlamento Europeu recusou-se a votar o captulo
sobre patenteamento de seres
vivos,
considerando anti-tica a mera discusso do assunto.
Apesar
da resistncia europia, atualmente, nos Estados Unidos e em
outras partes do mundo, o processo de patenteamento de seres vivos
avana em ritmo acelerado. Esto includos produtos transgnicos
e no-transgnicos: sangue, cereais de antigas
civilizaes,
plantas tropicais amaznicas, entre outros. A discusso sobre os
transgnicos serviu de pretexto para ampliar o direito de
patentes, diz Milanez.
Os
transgnicos so organismos resultantes do cruzamento de
material gentico de espcies diferentes. A busca, atravs do
cruzamento de novas variedades vegetais a fim de obter plantas
mais produtivas ou resistentes a pragas, antiga e habitual na
agricultura de todas as sociedades. As tcnicas modernas de
engenharia gentica permitem que se retirem genes de um organismo
e se transfiram para uma outra espcie. Esses genes
"estrangeiros" modificam a seqncia de DNA - que contm
as caractersticas de um ser vivo organismo receptor, que sofre
um tipo de reprogramao, transformando-se em uma nova espcie.
Estes
novos seres so os chamados transgnicos, ou organismos
geneticamente modificados (OGMs). Soja combinada com bactria,
milho combinado com escorpio, peixes com gene de morango, so
algumas das estranhas misturas que se tornaram realidade pelas tcnicas
da engenharia gentica que permitem cruzamentos que antes no
existiam na natureza.
Uma
evoluo sem harmonia 24374k
So
seres que no aram pelo lento processo de evoluo das espcies
e que so introduzidos na natureza de modo abrupto. Para
Francisco Milanez, este um dos principais problemas desta tcnica.
Segundo ele, a introduo de seres criados em laboratrio atravs
do cruzamento de material gentico de espcies distintas origina
um fator de desequilbrio no ambiente natural. "Estes novos
seres no tero ado pelo
processo
de evoluo harmoniosa das espcies. Por essa razo,
representam um risco ambiental estrutural. Mesmo que no saiam
matando diretamente, eles vo ocupar o lugar de outros seres
naturais, seja pela eliminao direta, seja por um
enfraquecimento progressivo. A introduo crescente de
organismos geneticamente modificados, em larga escala, resultar
na reduo da biodiversidade natural".
Os
defensores dos transgnicos falam da vantagem competitiva, econmica,
que seria resultante da sua implantao, principalmente no que
diz respeito aos alimentos transgnicos. Mas esta suposta
vantagem, alerta Milanez, no livre de riscos. "Criados
em laboratrios, j representam um risco,considerando a
possibilidade de acidentes. Microorganismos com material gentico
humano podem, por exemplo, no ser mais reconhecidos como
invasores pelo sistema imunolgico humano. O risco das espcies
agrcolas bem maior, pois, uma vez colocadas na natureza, as
possibilidades de um controle adequado so mnimas. A soja
transgnica pode cruzar com outra espcie de soja, gerando uma
outra no desejada. Isso pode ocorrer atravs do plen, que
normalmente se espalha por uma certa rea. Com a ajuda do vento e
de outros agentes naturais, o plen pode ir para bem mais longe.
E devemos considerar tambm que a soja uma planta extica. O
risco bem maior quando se trata de plantas nativas, podendo
afetar as
bases
naturais de uma determinada regio".
Hegemonia
destrutiva 163z58
Milanez
enfatiza o risco ambiental da adoo da nova tcnica: "a
hegemonia de uma espcie transgnica pode destruir rapidamente a
diversidade interna da espcie natural, empobrecendo-a e
tornando-a mais suscetvel a todo tipo de problema. O topo deste
processo a clonagem, que permite a criao de centenas de
indivduos iguais, como o caso das matas de eucalipto
plantadas, no prprio Rio Grande do Sul, pela multinacional
Riocell. Se um indivduo for afetado por alguma doena, todo o
conjunto o ser, uma vez que a diversidade entre os indivduos
foi eliminada". Ele lembra que o Rio Grande do Sul tinha
centenas de variedades de milho, adaptadas s particularidades de
cada regio. "Isto tudo foi sendo perdido com o surgimento
do milho hbrido", diz o bilogo. "A segunda gerao
de milho hbrido gera indivduos que no possuem as
propriedades da primeira. Assim, a cada plantio, preciso
comprar um novo lote de sementes de hbrido. As centenas de
varietais de milho foram reduzidas a umas poucas. As outras
viraram rao para galinhas e porcos. Hoje, est se tentando
recompor algumas destas variedades, mas este processo de recomposio
lento, ao contrrio do caminho da destruio".
O
poder da Monsanto e a reao das sociedades 362y6v
Grandes
empresas multinacionais, como a Monsanto, a Novartis e a AgrEvo,
esto investindo milhes de dlares em pesquisas sobre transgnicos.
Algumas das novas plantas criadas atravs destas pesquisas foram
desenvolvidas para serem resistentes a agrotxicos que estas
mesmas empresas fabricam. O problema que as conseqncias do
uso destas plantas, modificadas geneticamente, na agricultura, no
meio ambiente e na sade do consumidor ainda no so
suficientemente conhecidas. E quanto mais se pesquisa, mais se
descobre que podem trazer problemas. Suspeita-se, por exemplo, que
a soja misturada com
genes
de bactrias esteja aumentando as alergias. O milho, outra planta
fundamental para a alimentao humana, foi cruzado com uma bactria
para ter poder inseticida. Descobriu-se
recentemente
que ele mata outros insetos, e no apenas a praga para o qual foi
desenvolvido, podendo acarretar graves danos ao equilbrio dos
ecossistemas nos quais foi introduzido.
Nos
Estados Unidos, atualmente, os produtos transgnicos so
vendidos misturados aos normais. Mas na Europa, os transgnicos
esto sendo rejeitados pela maioria dos
consumidores.
Por isso, grandes empresas de alimentos, como Unilever, Nestl,
Danone e Barilla, bem como grandes redes de supermercados, como
Carrefour na Frana e Sainsbury, Tesco e Iceland na Inglaterra,
anunciaram que no vo vender este tipo de produto para seus
clientes. No Brasil, oficialmente, no se planta nenhum transgnico.
No entanto, as multinacionais esto fazendo uma forte presso
para que o governo libere a venda de soja transgnica, mesmo sem
terem realizado os testes necessrios para avaliar os impactos na
sade e no ambiente. Alm desses riscos, a plantao de transgnicos
pode trazer
prejuzos
economia brasileira, j que os pases europeus, nossos
maiores importadores, no querem esse tipo de produto.
O
fator soja 3e4l56
A
chegada ao Brasil da soja transgnica resistente ao Roundup tambm
preocupa o engenheiro agrnomo Sebastio Pinheiro. Em sua
"Cartilha sobre Transgnicos", ele observa que o
Roundup um herbicida da Monsanto que mata qualquer planta,
inclusive a soja. Mas a soja transgnica, produzida pela mesma
empresa, que recebeu um gene resistente ao Roundup encontrado em
algas e bactrias, no morre quando se utiliza este agrotxico
para eliminar as ervas daninhas na lavoura. De acordo com o
pesquisador, as indstrias aro a criar cada dia mais
produtos e tornar sua soja viciadas neles, deixando o agricultor
merc do mercado e sem apoio oficial para investir na
agricultura ecolgica, o que provocar uma maior contaminao
do solo, da gua e dos alimentos.
O
plantio da soja transgnica foi endossado pela Comisso Tcnica
Nacional de Biossegurana, rgo do Ministrio da Cincia e
Tecnologia, mas sua autorizao foi impedida por uma liminar
concedida pela Justia. A linhagem em questo a GTS
40-30-2,
mais conhecida como Roundup Ready, ou soja RR. Ela foi obtida a
partir da insero de trs genes "estrangeiros" na
planta da soja. Um deles foi extrado de um vrus e um outro de
uma bactria encontrada no solo, a Agrobacterium sp. Essa
modificao gentica no incrementa a produtividade da
cultura, ou o valor nutricional do gro. O efeito conhecido desse
gene, alegado como economicamente vantajoso, consiste em
possibilitar
a substituio de vrios herbicidas por apenas um, o Roundup,
da Monsanto.
Perigosa
e cada vez mais poderosa 463no
O
glifosato - cujo nome comercial Roundup - a terceira maior
causa de problemas de sade em agricultores norte-americanos, em
virtude do alto grau de alergias de vrios tipos que provoca.
Quando no solo, mantm um poder residual por grandes perodos,
afetando tambm os lenis freticos. Cerca de 70% dos
alimentos processados tm soja ou milho
entre
seus ingredientes. A soja est presente em cerca de 60% dos
alimentos vendidos nos supermercados.
A
Monsanto a maior produtora de herbicidas do mundo, e est
entre as cem empresas mais lucrativas dos EUA. Apenas nos ltimos
dois anos, investiu US$ 6,7 bilhes na aquisio de outras
companhias norte-americanas de sementes e biotecnologia,
tornando-se a maior empresa do ramo. No Brasil, aps a aprovao
da Lei de Cultivares, que instituiu o
monoplio
privado da propriedade das variedades vegetais no pas, a
Monsanto comprou, dentre outras, a empresa Paran Sementes e a
Agroceres. Formou ainda uma t-venture com a Cargill,
consolidando sua supremacia entre as empresas produtoras de
sementes no pas. Recentemente, a Monsanto gastou cerca de US$ 18
bilhes na compra da multinacional Delta&Pine Land, proprietria
da patente da tecnologia "Terminator" nos EUA e
solicitante da patente mundial deste gene. O gene batizado de
"Terminator" (exterminador) torna estril a segunda
gerao de sementes usadas na agricultura. uma tcnica que
incapacita geneticamente a germinao de uma semente. A eficcia
do novo mtodo j foi demonstrada em sementes de algodo e
fumo, sendo que entre as culturas
prioritrias
para seu desenvolvimento esto o arroz, o trigo, o sorgo e a
soja.
Adeus
s sementes 322643
O
principal interesse econmico nessa tcnica impedir que o
fruto ou gro de uma variedade comercial se torne uma semente,
exterminando assim o potencial reprodutivo daquela planta. Os
agricultores, que ento seriam obrigados a adquirir novas
sementes a cada safra, deixariam ainda de exercer o papel que vm
desempenhando h mais de dez mil anos: o trabalho de melhoramento
das variedades realizado atravs de cruzamentos e seleo de
sementes. A posio adotada pelo governo Olvio Dutra, no Rio
Grande do Sul, bate de frente com a estratgia destas grandes
corporaes e j est gerando uma ferrenha
disputa
judicial e poltica. O Rio Grande do Sul produz 22% da soja
brasileira. Somados aos 9% produzidos pelo Mato Grosso do Sul,
outro estado importante na produo de soja (e tambm governado
pelo PT), pelo menos 31% da soja produzida no Brasil seria
"OGM free" (no-transgnica). Em vrios pases
europeus h presses para diferenciar a soja transgnica da no-transgnica,
com diferenciao de preos. A tendncia que a soja
convencional obtenha melhores preos. H referncias de preos
significativamente maiores da soja convencional em relao
soja transgnica. Assim, observa Francisco Milanez, alm de
levar em conta preocupaes de carter tico e ambiental, a
postura do governo gacho pode resultar num ganho econmico para
os produtores do Estado.
O
cronograma das disputas judiciais 681bh
24/07/98
- A 6 Vara da Justia Federal de Braslia, deferindo
parcialmente liminar impetrada pelo Greenpeace (reivindicava
suspenso da comercializao de leo feito a partir de soja
transgnica, produzido pela Ceval), determinou que a Associao
Brasileira de leos Vegetais (Abiove) modificasse os rtulos de
todos os leos feitos a base de sementes de soja transgnica,
para que as embalagens trouxessem informaes
sobre
a composio do leo e sobre os riscos sade. A autorizao
para comercializao do leo de soja transgnica havia sido
dada Ceval pela CNTBio em setembro de 1997,
quando
foi importado 1,5 milho de toneladas de soja dos EUA
(15% desse produto era modificado geneticamente).
16/09/98
- A 11 Vara da Justia Federal, aplicando o princpio da
precauo, concedeu liminar ao Instituto de Defesa do Consumidor
proibindo a Unio de autorizar o plantio de soja transgnica
enquanto no regulamentar a comercializao de produtos
geneticamente modificados e realizar estudo prvio de impacto
ambiental (EIA-RIMA).
24/09/98
- A CNTBio emite parecer favorvel ao uso comercial da soja
Roundup Ready. Segundo o parecer, no h risco ambiental no
cultivo nem risco para a segurana alimentar no consumo da soja
geneticamente modificada. Treze dos quinze membros presentes
votaram pela liberao (o representante dos consumidores votou
contra e o Ministrio das Relaes Exteriores se absteve).
Apesar do parecer favorvel, a liminar concedida em 16/09 impede
que o Ministrio da Agricultura d Monsanto o registro para
que comece a produo de soja transgnica.
Endereos
na Internet
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Maiores
informaes sobre a questo dos transgnicos podem ser obtidas
na Internet, nos seguintes endereos:
1.Www.pangea.org/acciecol/genetica/monsanto.htm
A Pangea - Comunicao pela Cooperao - uma ONG espanhola
cujo principal objetivo favorecer a comunicao atravs da
Internet. A Pangea traz informaes sobre meio ambiente,
direitos humanos,
Internet,
educao, cultura, etc.
2.www.estado.rs.gov.br
Pgina da Secretaria da Agricultura do Estado do Rio Grande do
Sul.
3.www.ufrpe.br/~agrisust/transgenicos.htm
Lista de Agricultura Sustentvel. Traz artigos sobre o tema e o
projeto de lei tratando de transgnicos.
4.www.sbpcnet.org.br/forum8/forum8.htm
Frum de discusso organizado pela Sociedade Brasileira para o
Progresso da Cincia (SBPC) sobre "Plantas transgnicas:
riscos e benefcios".
*
Marco Aurlio Weissheimer jornalista em Porto Alegre
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