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O Reprter Policial e a sua Imagem da Violncia e da Ao Policial[1] s4p36

Thephilos Rifiotis (Prof. Departamento de Antropologia/UFSC)
Lcia Lemos Dias (Mestre em Servio Social/CDH/UFPB)
Maria de Nazar Tavares Zenaide (Profa. Departamento de Servio Social/CDH/UFPB)
Mnica Cristina de Carvalho (Graduada em Comunicao Social/UFPB)
Ana Cristina Moura Ramos (Graduada em Comunicao Social/UFPB)
Tatiana Learth Junqueira (Graduada em Comunicao Social/UFPB)

1. APRESENTAO

A presente pesquisa foi realizada com reprteres e editores da rea policial dos jornais O Norte, Correio da Paraba e Unio da Estado da Paraba, no ano de 1997, como parte de um trabalho mais amplo sobre a produo do discurso da imprensa escrita no mbio da violncia[2].

Nesta pesquisa foi utilizado como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada, realizada pelos profissionais da rea de Comunicao Social que integram a equipe de pesquisa responsvel pelo texto apresentado neste Congresso[3]. Como procedimento de anlise do material coletado, utilizou-se os fundamentos da anlise do discurso com referencial geral, buscando com esta aprender na fala dos jornalistas entrevistados, o contedo e seus significados, referentes a sua auto-imagem profissional, a violncia, a ao policial e as polticas pblicas de segurana e justia.

Nesta pesquisa foi utilizado como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada, realizada pelos profissionais da rea de Comunicao Social que integram a equipe de pesquisa responsvel pelo texto apresentado neste Congresso[4]. Como procedimento de anlise do material coletado, utilizou-se os fundamentos da anlise do discurso com referencial geral, buscando com esta aprender na fala dos jornalistas entrevistados, o contedo e seus significados, referentes a sua auto-imagem profissional, a violncia, a ao policial e as polticas pblicas de segurana e justia.

Foram entrevistados, trs editores e trs reprteres policiais, todos do sexo masculino, faixa etria entre 30 e 50 anos. Com relao a formao universitria, apenas dois editores tem nvel superior, os demais no completaram o terceiro grau. Com relao ao tempo de servio no jornalismo, a maioria tem cerca de 15 a 30 anos. Apenas um tem menos de um ano.

Tomamos como ponto de partida a imagem da violncia e da ao policial da figura emblemtica nesta rea: o reprter policial. Trata-se de um personagem central, juntamente com os editores, na produo e divulgao das matrias sobre violncia[5]. geralmente aceito que a mdia tem um papel destacado na produo de uma cultura especfica sobre a violncia e a segurana, associada a uma homogeneizao das suas mltiplas e diferentes manifestaes (SOARES: 17, 1995). Porm pouco se conhece dos agentes que produzem as notcias veiculas pela mdia, sobretudo sobre os valores e juzos que formam uma espcie de matriz em torno da qual criam a sua leitura dos fatos que divulgam e analisam[6]. Entendemos que salvo raros trabalhos sobre a produo da notcia sobre violncia (GOMEZ, 1996), pouco conhecemos tambm sobre a outra ponta do deste processo qual seja a recepo, seja ele leitor ou telespectador, pois no mais das vezes a ateno dos pesquisadores volta-se para o texto produzido.

Destacamos, finalmente, que atravs das pginas policiais que, diariamente, os jornais divulgam e comentam fatos e prticas sociais de violncia, contribuindo para a produo e reproduo do chamado senso comum. Seguindo a orientao terica de Umberto Eco relativa a noo de cooperao textual (ECO, 1986), entendemos que o reprter policial dialoga com o leitor imaginado por ele durante o processo de escrita, estabelecendo uma interlocuo entre o profissional e o pblico leitor. Atravs deste dilogo imaginado, produz-se um texto que ao mesmo tempo prev e prov um leitor-modelo com o qual so trocados valores e juzos[7].

2. IMAGENS DA IDENTIDADE E PRTICA PROFISSIONAL DO REPRTER E EDITOR POLICIAL

A insero na profisso de jornalista da rea policial, via de regra, se d, segundo os entrevistados, por acaso, no sendo necessrio ser portador de Curso de Comunicao

Social ou de Jornalismo para ingressar como profissional na rea. Observou-se que a falta de formao especfica de alguns jornalistas foi motivo de explicaes e justificativas durante as entrevistas, constituindo-se um problema para eles. Um dos entrevistados refere-se assim a esta questo:

Inicialmente quando cheguei no jornal, vim procura de um trabalho, poderia ser qualquer trabalho... eu vim, e de repente no jornal, justamente, no setor policial tinha sido demitido dois funcionrios, o editor policial e o reprter... fiz um teste, e sem ser formado em jornalismo, com outros, at da Universidade, e, eu fiquei no jornal.

A atuao de reprter policial tida como uma espcie de desafio para o ingresso do profissional de jornalismo. Para alguns ela constitui uma espcie de ritual de iniciao, como a agem de auxiliar de reportagem para reprter policial, ou como afirma um dos entrevistados:

Todo reprter comeava pela rea policial. Era o primeiro teste de fogo.

Embora a rea policial se apresente nas falas como porta de entrada para alguns profissionais que ingressaram na rea jornalstica, alega-se que a permanncia na rea opcional, apesar de ser muito discriminada entre os prprios jornalistas. Parece haver uma espcie de identidade dos jornalistas da rea policial que os diferencia das outras reas, destacando-se a coragem para estar no lugar dos fatos, para denunciar atos arbitrrios da polcia e da justia, conviver com a polcia[8], ter uma rede prpria de informaes a caracterstica mais salientada juntamente com a misso de informar.

As fontes de informao so tidas como pessoais e intransferveis, parece uma espcie de patrimnio acumulado pelos anos de experincia e convvio. Trata-se de uma rede de informantes dentro das polcias[9], no sistema justicirio, no Instituto Mdico Legal, mas tambm nos hospitais. uma atividade descrita pelos entrevistados como dependente das relaes pessoais, pois afinal no h uma pauta, apenas indicaes, a boa matria vem no quente do dia, ou da noite, para ser divulgada no dia seguinte.

Associa-se a relevncia profissional do reprter policial, inclusive ressaltando o seu destaque frente aos reprteres de outras reas, a um crescimento da violncia no pas, atingindo um amplo espectro de leitores, da classe A at Z, segundo um dos entrevistados. Por outro lado, ite-se que o enfoque jornalstico da matria policial deve ser melhorada, inclusive a exemplo do que aconteceu com os demais setores do jornalismo, a partir da insero de novos profissionais que aram por um curso de nvel superior da rea de comunicao, o que seria fonte da discriminao entre os profissionais da imprensa, conforme assinalado abaixo:

" todos os setores foram arejados, menos polcia. Polcia continua com uma cobertura unilateral, muito porta de cadeia, sem muito aprofundamento, sem se ver muito o outro lado da questo, sem ver as razes da criminalidade. Em alguns casos, registra-se que h um certo preconceito sobre a matria policial, alegando-se que algumas pessoas de nvel social mais elevado, preferem negar que so leitores de matrias da rea policial.

O mesmo entrevista continua o seu argumento assinalando um fato muito significativo que marca a posio do reprter policial:

Nesse sentido, constata-se que o estigma anti-social, que a sociedade tem da profisso, deve-se a prtica de alguns profissionais, que so considerados maus reprteres, uns toqueiros, como se diz. No podem ver dez reais que eles mudam uma notcia, a verdadeira verso da matria.

Apesar dessa constatao, procura-se mostrar que a atividade de reprter policial no deixa de ter a sua importncia e que h bons e maus jornalistas. Encontramos nas entrevistas uma recorrncia no que se refere a afirmao da importncia do jornalista desta e sua equiparao com os de outras reas tais como: coluna social, esporte, etc. A relevncia dos reprteres da rea policial associa-se coragem destes profissionais, que so responsveis pelo detalhamento de informaes acerca de casos brbaros, acrescentando-se que o leitor por mais interesse que tenha sobre casos dessa natureza, tem medo de buscar informaes de forma direta. Nas entrevistas encontramos referncias a reprteres que foram presos e mesmo baleados, mostrando a dificuldade de atuar nesta rea. Vejamos a seguir:

(...) o reprter policial tem a funo de colher detalhadamente um fato, que para muita gente chocante e as pessoas querem saber, mas no tem coragem nem de ir ver (...)

O desafio posto para esse reprter bem maior do que para os demais profissionais da comunicao, uma vez que lidam permanentemente com duas categorias que esto permanentemente em conflito: a polcia e os bandidos. O criminoso e o policial seriam faces de uma mesma moeda, uma espcie de parte maldita da sociedade, cuja existncia seria negada por sua estreita ligao com o campo da violncia.

No que se refere ao perfil do reprter policial, constata-se que assim como a verso jornalstica da ocorrncia de uma prtica de violncia limitada ao policial, o reprter policial retrata o seu perfil profissional como se este fosse semelhante ao perfil de um agente de polcia. Essa constatao feita a partir da fala de jornalistas que concebem a profisso de reprter policial, praticamente como uma cpia de um policial, alis, informalmente, eles mesmos referem-se s vezes sua rea com policial, omitindo a palavra reprter ou rea. Entendemos que ele, em princpio, este tipo de jornalismo poderia ser qualificado, por exemplo, com segurana e segurana e justia, criminal, etc.

Analisando o material coletado, pareceu-nos significativa a associao com o termo policial, e que talvez ela fosse uma marca de aproximao deste ramo do jornalismo com uma espcie de cultura policial, sobretudo a atuao investigativa da Polcia Civil, ou seja, a busca de informaes, as fontes, as redes, talvez algo como uma lei do segredo no desenvolvimento da investigao. Por outro lado, foram constantes as reclamaes de baixos salrios nas polcias, a falta de equipamentos, de informatizao, etc. Reclamos como estes, meses aps a realizao da nossa pesquisa, foram feitos pelos prprios agentes de segurana da Polcia Civil e da Polcia Militar, que tornaram pblicos os reclamos e bandeiras defendidas pelos reprteres entrevistados, atravs de manifestaes na rua e greves em vrias partes do pas. Portanto, acreditamos que a aproximao do reprter policial a uma cultura policial mereceria um estudo mais especfico.

Concretamente, a identidade profissional do reprter policial encontrada nas entrevistas decorre da proximidade do espao fsico de atuao, vejamos a seguir:

(...)porque voc est numa delegacia, num presdio. Quer dizer, voc est em locais onde quem geralmente est a polcia... o reprter policial est junto de policiais em geral, civil, militar e federal, onde tem crime o reprter est junto. Ento em funo da proximidade, a gente sempre reprter policial.

A denominao profissional reprter policial, alm de ser justificada pela convivncia do reprter no espao fsico da rea policial, tambm se justifica, por ser a prpria polcia a fonte de informao para o profissional da rea:

porque ns convivemos dentro da polcia... veio esse nome porque as fontes ns temos dentro da polcia, isso vem de muitos e muitos tempos. Desde que voc l jornal, da dcada de 50, por exemplo, voc j v: reprter policial. Eu nunca procurei saber, mas eu acredito que seja por isso, pelos fatos acontecerem dentro da polcia.

As dificuldades relacionadas ao levantamento de informaes acerca de casos de violncia, alega-se que so superadas, face as relaes de amizade estabelecidas pelos profissionais da rea com a polcia, e justia e at mesmo com os hospitais, que tambm se constituem em fonte de informao.

... porque na Igreja voc no consegue uma reportagem policial, numa Assemblia Legislativa voc no consegue uma reportagem policial. Voc s consegue dentro da polcia, dentro dos hospitais, IML, so as fontes que a pessoa tendo bom entrosamento, fazendo boas amizades com esse povo, voc consegue.

3. IMAGEM DA VIOLNCIA

Os editores e reprteres policiais, ao abordarem os fatores responsveis pelo violncia, destacam como elementos impulsionadores desse fenmeno, os problemas scio-econmicos, dentre os quais: a pobreza, a misria, o desemprego, o abandono social, as drogas e o analfabetismo. Eles reproduzem a recorrente associao entre crime e pobreza, como uma verdade primordial, reafirmando o mito das classes perigosas. a partir desta verdade que se cria uma espcie de matriz narrativa capaz de gerar diferentes textos sobre os fatos registrados e comentados pelo jornalista, onde os dados concretos devem apenas ocupar posies previamente configuradas na matriz[10].

Nas entrevistas realizadas encontramos as seguintes referncias explicativas da violncia:

A misria leva as pessoas ao desespero, colocar uma faca na cintura ou uma arma, ou ento a assaltar um vigilante para pegar a arma dele e praticar assalto, para levar comida para o filho e mulher.

A violncia urbana ligada ao analfabetismo, a falta de emprego e o uso da droga. Quanto mais a polcia combate mais aparece.

A cada dia aumenta mais a onda de furtos e roubos com a falta de empregos. 90% das ocorrncias policiais causada pelo desemprego.

a violncia comea com a criana abandonada, fora da sala de aula (...) as crianas vo crescendo e agente ver nas ruas elas praticando a violncia

Os reprteres, ao persistirem nas suas falas, a relao entre, pobreza, favela e violncia, eles delimitam como espao da violncia, o local de moradia da pobreza, reproduzindo esteritipos e preconceitos. Multiplicam assim a imagem de que pobreza sinnimo de violncia e que o espao da pobreza o espao do mal, fazendo assim uma leitura homogeneizante, generalizadora e naturalizante das experincias sociais concretas:

A tendncia de um jovem que nasce num morro carioca dominado por assaltantes ser assaltante porque os heris desses meninos so todos assaltantes.

Conforme essa fala, nascer no morro, conviver com criminosos, viver abandonado nas ruas qualificam todo e qualquer pobre como criminosos. O que implica na reproduo e atualizao diria de um preconceito como verdade pelos agentes dos meios de comunicao.

Essa relao direta entre pobreza e violncia, expressa na fala dos reprteres policiais, produz uma imagem por demais limitada acerca do fenmeno, impossibilitando assim, formas diferentes de pensar, interpretar e explicar o complexo conjunto de fenmenos designado pelo termo violncia. Alas, registramos tambm que os entrevistados valem-se destes esteritipos para marcar a exteriodade da violncia, associando-a preferencial, seno exclusivamente, com as situaes de pobreza:

(...) o que causa estranheza um fato como de Braslia, quatro jovens de classe mdia, bem informados, tocar fogo num cidado que estava dormindo; se voc nasce num meio bom, a tendncia de que vai ser bom. Se voc nasce num meio mal a tendncia ser mal. Porque quem nasce na misria, cresce na misria, os heris dele so todos criminosos.

Na realidade, encontramos tambm no nosso material referncias a conscincia de que a relao entre violncia, ou melhor, crime, e a pobreza, apenas um pressuposto. No entanto, quando um jornalista afirmou: priso de pobre, eu no boto, s de rico, ele mesmo em seguida decreta uma lei do interesse da notcia: virar notcia depende da posio social. Em outras palavras, o crime que no estaria associado a pobreza uma boa notcia, porque causa espcie, confirmando pela negativa a relao entendida como essencial: pobreza-crime.

A violncia enquanto objeto de produo de notcia, ressaltada pelos agentes da comunicao, como o fator de maior audincia e comercializao nos jornais. Em nome do lucro se justifica prticas sensacionalistas, como pode se observar nos discursos abaixo destacados:

a violncia representa 35 a 50% da importncia do jornal, pois as pessoas se interessam e vo comprar;

tem que ser um tipo de violncia que seja alguma coisa fora do normal que choque a sociedade, que atinja a sociedade, que seja incomum.

quando aparece uma chacina, um assalto com morte o pessoal se preocupa e o jornal tem sada;

A boa notcia na prtica um valor mercadolgico. Pelo material coletado, diramos que os jornalistas entendem que indispensvel para a sua atividade que ele no se limite exclusivamente ao carter informativo, uma vez que o fato transformado em notcia deve causar alarme e muitas vezes temor. Este situao representa ao mesmo tempo um compromisso com a empresa qual pertence o jornal, mas sobretudo com o leitor que, segundo os jornalistas, tem a sua ateno despertada por um certo tipo de matria, digamos, mais sensacionalista.

Portanto, havendo interesse meramente comercial na veiculao da matria sobre a violncia, questiona-se a qualidade do contedo da matria e a falta de interesse de qualificao dos profissionais por parte da empresa.O que no deixa de confirmar, atravs do depoimento de jornalistas, a existncia de regras do mercado da informao sobre a violncia, que ainda no esto suficientemente estudadas[11].

4. IMAGEM DA PRTICA POLICIAL

Os reprteres e editores policiais apresentam avaliaes diferenciadas sobre a ao policial. No geral, pode-se afirmar que houve proporcionalidade entre opinies crticas e opinies legitimadoras da prtica policial. Porm, cabe destacar que as crticas sobre a violncia policial, ou melhor, o abuso da fora no exerccio da ao policial aparecem justificados do seguinte modo:

O ladro no confessa o roubo, o furto, sem apanhar. Ele tem que sofrer um pouquinho de presso uns bolos, porque eles no confessam. O ladro profissional ele chega e j diz logo para no levar bolos.

A nossa polcia no est preparada para conseguir uma confisso com calma, com dilogo. Mesmo nos EUA com uma polcia altamente preparada voc v casos de violncia e fabricao de testemunhas.

O que se confirmaria, segundo o mesmo entrevistado pelo fato que o ladro profissional confessar logo, para no apanhar, enquanto que os p-de-chinelo acaba apanhando. Alm do mais ele nos esclarece que falta preparo para conseguir uma confisso com calma, com dilogo, ou como afirma um outro: o policial bate porque fica no meio da violncia. Essa espcie de contgio com a criminalidade e a prtica da tortura juntamente com os procedimento judicirios da polcia mantm entre si uma certa familiaridade conforme procuramos mostrar a seguir.

Assim, entendemos que o reprter policial identifica a prpria ambiguidade da ao da polcia juduciria que necessita da confisso como elemento de prova para compor o inqurito, o que abre espao para a prtica da tortura que contrria a lei. Em outros termos, a busca de provas que comprovem a culpa e portanto permitam a condenao legal so produzidas ilegalmente atravs da tortura (LIMA, 1995). Entendemos portanto que a mesma palavra de crtica dos jornalistas entrevistados leva a considerar razes que esto no mbito do sistema judicirio e sua base inquisitorial e sobretudo na sempre decantada falta de meios e de treinamento.

Os baixos salrios e a m formao dos policiais seriam os fatores que contribuiriam para a produo de aes de violncia em contraposio as aes de defesa do cidado, conforme observa-se nos seguintes trechso das entrevistas:

O policial mal formado, ele sai quase que mais para enfrentar a sociedade, e no para defend-la;

Ele come mal, dorme mal, cria mal os filhos, ele sofre com tudo isso. O conjunto de todos essas coisas termina refletindo na ao policial.

Ao referendar a violncia policial praticada no processo de instaurao do inqurito policial, a fala dos jornalistas revelam como a violncia vem se constituindo num dispositivo, socialmente legitimado, utilizado pela polcia para a extrao de dados acusatrios.

As falas que tendem a legitimar a ao policial, quando abordam a violncia na prtica policial, adjetivam a ao da polcia como pacata ou transfere a existncia desta prtica para um tempo remoto, ou para outros lugares distantes, a exemplo:

A polcia aqui ainda uma polcia calma.s vezes sai denncias mas uma vez na vida. Agora l pro sul, aqui para Recife, voce ver todo dia.

A polcia tinha uma maneira agressiva de trabalhar, hoje temos as academias que formam o policial. Os comandantes se preocupam em mostrar que estamos num tempo diferente.

A polcia t fazendo o possvel. A de nossa cidade [Joo Pessoa] ainda uma das mais pacatas com todas as dificuldades, uma das melhores do Brasil(...) a polcia da Paraba, tanto a militar quanto a civil uma polcia pacata. Ainda uma polcia que d tapa e soco aquele negcio.Comparando com o Recife, Rio Grande do Norte, So Paulo e Rio , ainda uma polcia calma.

Os reprteres policiais entrevistados ao serem perguntados sobre o papel social das polcias tais como: prevenir o crime, controlar a violncia e garantir a segurana, delimitam sua ao para O estado, para o campo da ordem e do controle social:

O papel da Polcia Militar o policiamento ostensivo e a preveno do crime. A Polcia Civil instaura inqurito policial e encaminha o processo justia. A Polcia Federal competem os assuntos do governo federal .

A polcia serve para coibir a violncia e na medida do possvel acabar com a violncia.

Por outro lado, quando enfatizam que o papel social das polcias na defesa do cidado, redirecionam a ao policial para o homem, sujeito de direitos e para a sociedade, ento a aparecem crticas s instituies:

A polcia um rgo que no est preparado para a segurana da populao(...) a polcia deveria ser preparada sem precisar bater, espancar, essas coisa

O papel da polcia oferecer segurana ao cidado que tem seus direitos garantidos na Constituio, mas que infelizmente no so cumpridos(...) no tem condies de canto nenhum viver sem a polcia.Agora voce tem que que ter uma polcia preparada.Infelizmente as pessoas sabem da m qualidade dos policiais

Quando perguntados sobre a imagem social da polcia, os jornalistas revelam uma imagem negativa, de crticas desconfiana e descrdito. Como agentes de defesa do cidado, a polcia est mal posicionada, socialmente a sua imagem seria, segundo os entrevistados, aproximada com a de bandido.

A imagem da polcia est muito desgastada perante a opinio Pblica

A sociedade jamais convida a polcia para participar de uma festa;

A sociedade reclama sem saber porque eles fizeram aquilo. Para no morrerem tiveram que matar. preciso estar no lugar da polcia

A sociedade v a polcia como um batedor, como um matador, como um assaltante.

As pessoas acreditam na polcia desacreditando. Vo procurar a polcia com medo e receio, porque as pessoas infelizmente sabem da m qualificao dos policiais. Eu acho que a imagem da polcia bastante desgastada perante a opinio pblica.

Quanto ao papel do reprter policial, os mesmos apontam duas direes: uma ao em parceria com o Estado, no sentido da investigao e descoberta de crimes e da divulgao de ao do poder pblico, e outra ao, articulada sociedade, voltada para o controle social e a vigilncia das aes arbitrrias por parte dos agentes de segurana do Estado. O que se traduz nas seguintes agens das entrevistas:

atravs da denncia que em seguida vem a correo, a punio e a apurao;

falar o que a polcia est fazendo para solucionar e colocar os responsveis na priso se forem julgados e condenados;

divulgar as notcias sem distores;

A imprensa tem a liberdade de informar, se aconteceu o fato, porque a imprensa se no divulgar, as pessoas no sabem. um direito que ela tem de divulgar (...) costume das pessoas quererem saber o que aconteceu.

denunciar os atos arbitrrios que fazem a polcia e a justia, uma vigilncia constante em defesa da sociedade(...) o reprter policial como um promotor de justia, olhando os defeitos , os erros que existem dentro da polcia e da justia

Assim, o reprter policial seria uma espcie de detetive auxiliar, e um vigilante da da ao policial para a sociedade. O que configura mais uma vez a misso salientada pelos entrevistados para caracterizar o seu trabalho jornalstico.

5. CONSIDERAES GERAIS

O trabalho sobre imagem social realizado com jornalistas da rea policial, possibilitou levantar alguns elementos de percepo desses agentes da notcia, acerca de sua prtica profissional, assim como da violncia e da prtica policial, dentre as quais destaca-se:

A prtica de reprter policial, exige uma aproximao direta do jornalista com fatos e pessoas em situao de violncia, bem como a prtica dos agentes da rea de segurana pblica. Esta aproximao produz uma relao de identidade entre os reprteres e a prtica policial. Essa constatao, foi observada a partir do cdigo lingustico utilizado pelos reprteres , de perfil profissional, do significado do papel social de sua prtica profissional. O que coloca o problema do compartilhamento de valores e juzos entre estes dois segmentos sociais;

O reprter policial apresenta a pgina policial ou a pgina que trata de temas da rea de segurana , como desafio para o profissional de comunicao. Esse desafio posto, face a necessidade de aproximao direta prticas de violncia;

A sociedade segundo os reprteres, estigmatizam a pgina policial. Para eles, por exemplo, os segmentos mais favorecidos economicamente no item ler socialmente as pginas policiais. Porm, afirmam que uma pgina obrigatria para qualquer leitor, independentemente de sua classe social;

Amizade segundo os reprteres, um recurso indispensvel para a obteno de dados para produo de matria policial. Enquanto eles item ser possvel a obteno de informao junto a polcia e seus rgos, o mesmo no acontece junto a entidades da sociedade, exemplo igreja e assemblia legislativa, etc.

Apesar dos reprteres apresentarem razes sociais para existncia da violncia, hegemonicamente verifica-se que na concepo deles sobre violncia, predomina a associao direta entre pobreza e violncia. Para eles, espao de pobreza espao de violncia.Esse espao chega a ser visto de forma generalizada, como espao do mal.Com essa leitura, revela-se a inexistncia de uma viso mais abrangente das prticas de violncia;

Violncia para a mdia segundo os reprteres policiais, constitui uma mercadoria valiosa para empresas na rea da comunicao. A violncia quanto mais anormal e alarmante for, maior seu efeito econmico.Esse dado revela de certo modo, como a cultura da viol6encia vem sendo explorada pelos meios de comunicao muito mais para provocar a curiosidade do que informar e ou ampliar a concepo da sociedade sobre o problema;

Identificado com os policiais, o reprter policial tende de forma mais ampla legitimar a ao da polcia frente a funo de segurana, apesar de levantar alguns pontos crticos deste, entre os quais despreparo para o processo investigativo e para a defesa da sociedade;

Os reprteres policiais ite a falta de legitimidade e descrdito da sociedade em relao e a polcia.Segundo eles, a polcia no est preparada para defender o cidado, embora este devesse ser seu perfil ideal;

Os reprteres policiais concebem a ao preventiva e ostensiva em defesa da ordem, como a ao prepoderante da prtica policial.Por outro lado, a ao em defesa do cidado aparece apenas no plano da inteno o que deveria ser.Essa lwitura segundo eles, comprovada pela imagem negativa da sociedade frente a polcia.

6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 2f1x

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[1] Trabalho apresentado na Comisso n 18: Violncia e Polticas Democrticas de Segurana Pblica do XXI Congresso Latinoamericano de Sociologia (So Paulo, 1 a 5 de setembro 1997).

[2] A noo de violncia complexa e apresenta diversas definies, correspondendo a diferentes concepes tericas. Trata-se de um campo extremamente motivado por vises de mundo e sobre o qual persiste uma valorizao negativa, que aproxima e identifica violncia e crime, alm de uma extenso constante do seu campo semntico (RIFIOTIS, 1997).

[3] O objetivo mais amplo deste pesquisa investigar a imagem dos agentes da rea de comunicao social sobre a violncia e a ao policial. Dada a extenso do trabalho proposto, formamos uma equipe interdisciplinar de pesquisadores (antroplogo, assistente social, psicologia e comunicao social) da Universidade Federal de Santa Catarina e da Universidade Federal da Paraba, com atuao e interesse pela defesa e promoo da cidadania no Brasil.

[4] O objetivo mais amplo deste pesquisa investigar a imagem dos agentes da rea de comunicao social sobre a violncia e a ao policial. Dada a extenso do trabalho proposto, formamos uma equipe interdisciplinar de pesquisadores (antroplogo, assistente social, psicologia e comunicao social) da Universidade Federal de Santa Catarina e da Universidade Federal da Paraba, com atuao e interesse pela defesa e promoo da cidadania no Brasil.

[5] Na realidade, para alm da imprensa escrita devemos ter presente que numa prxima etapa da pesquisa deveremos trabalhar com o rdio e, sobretudo, com a televiso. Conforme assinala Hlio Bicudo (BICUDO: 43, 1994): (...)o papel da mdia na problemtica a violncia pode ser verificado no jornalismo policial, que vem se esprainando no rdio e na televiso, mas que tambm ocupa espao aprecivel nos jornais dirios, em especial nos de maior circulao.

[6] Destaca-se aqui que para alm da chamada objetividade jornalstica encontramo-nos num processo de expanso da notcia de criao, um produto hbrido do texto estritamente informativo com o interpretativo. O que refora a necessidade de um estudo mais direto junto aos produtores de notcias que neste tipo de texto hbrido trocam, s vezes, (...)o empenho da verdade pelo da verossimilhana(...) (SODR: 212, 1996).

[7] Baseado no conceito de texto de U.Eco, um dos autores deste trabalho est preparando uma pesquisa sobre o leitor-modelo da denncia de violncia policial a partir do caso da Favela Naval (Diadema, So Paulo).

[8] Um dos entrevistados afirma que h jornalistas que acompanham inclusive os interrogatrios, e que haveria mesmo casos de reprteres que presenciam aes de tortura, e at mesmo colaboravam no espancamento de acusados. Este mesmo entrevistado, contraditoriamente, afirmou em tom categrico que se baterem na frente dele, ele denuncia, e esclarece que havia em Joo Pessoa o hbito de bater na frente dos reprteres.

[9] Uma das fontes era o COPOM que comunicava aos jornalistas matrias interessantes a partir dos chamados para o telefone de emergncia, o 190. Esta comunicao foi proibida pelo Comando da Polcia Militar da Paraba no dia 1o de fevereiro de 1997. interessante destacar que esta proibio foi criticada na imprensa como sendo uma restrio informao.

[10] Em trabalhos de anlise de texto jornalisticos que estamos desenvolvendo, pudemos identificar este tipo de matriz, que, teoricamente, encontra-se fundamentada por Teun A. Van Dijk (van Dijk, 1996).

[11] Referimo-nos aqui ao polmico texto de Nilo Batista (BATISTA, 1994) sobre os sete princpios da da cobertura policial jornalstica. Na continuidade da nossa pesquisa com os reprteres policiais da Paraba, pretendemos verificar se os princpios identificados so correlatos a categorias nativas que estruturam a prtica jornaltica nesta rea.

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