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Reprimidos no Rio Grande do Norte
Raimundo Ubirajara de Macedo
Livros
e Publicaes
...
e l fora se falava em liberdade
Ubirajara Macedo, Sebo Vermelho
2001
Meus
depoimentos
Meu
primeiro depoimento foi feito justamente
do dia em que fui preso, ao chegar no 16
RI, pelo capito Vieira. Foi apenas
um depoimento formal, mas no deixou
de ser um apelo policial, com certas ameaas
se a “verdade” no fosse
dita. Bom tratamento do capito que
me ouviu, mas cheio de tentativas que, no
entanto, no me abalaram. Este depoimento
ou mini- depoimento, como queiram, foi fichinha
diante dos que ainda viriam, principalmente
aquele em que o capito Lacerda,
at ento o encarregado geral
do inqurito, mandava e desmandava
para apurar a “subverso”
no nosso Estado. E sobre este, me alongo
mais um pouco, vez que o homem mostrou a
que veio. Embora no tivesse em nenhum
momento demonstrado querer me bater, fez
seu mise-en-scne. Parecia mais um
ator do que um policial militar. Primeiro,
vi diante de mim, desenhado numa das paredes
do local onde fui ouvido, o smbolo
da Justia. Pasmem, havia uma virola
(pedao de borracha tirada de pneu)
pendurada em um prego numa das balanas
do conhecido smbolo. E aquele acinte
Justia ficou na minha viso
e na minha memria como um ato de
afronta, no s Justia,
mas a todos os homens de bem deste pas.
O pastor Machado, com j fiz referncias,
tambm viu essa “imagem”
e me contou, decepcionado e traumatizado
diante do fato. O trator fascista a
por cima de tudo naquela hora amarga para
todos ns. Os exemplos de Salazar,
Franco, Mussolini e Hitler empolgavam os
que tomaram de assalto a nossa liberdade
e, naquele momento, assassinavam uma democracia
implantada a muito custo e com muito esforo
por brasileiros dignos de um pas
que sempre almejou viver em paz. O fato
me marcou e por essa razo virou
capa deste livro.1
Mas o capito Lacerda foi alm
no seu interrogatrio e, l
pelas tantas, veio a famosa pergunta se
eu conhecia os comunistas de Natal e, francamente,
lhe respondi que ele conhecei melhor do
que eu.Como a insistncia era grande,
no pude fugir da realidade e afirmei
que apenas trs eu conhecia: Vulpiano,
Luiz Maranho e Jos Alves,
sapateiro lder sindical. Ele insistiu,
mas fiquei firme no que disse, porque nunca
tive a vocao do “dedo-duro”.
Se citei os trs porque toda
a Natal sabia da militncia corajosa
deles, porquanto ativistas marxistas que
eram, antes de tudo, patriotas, homens srios
e honrados.
No esqueo certa agem
do interrogatrio, quando o capito
olhou para mim e disse: “O senhor
tem cabelos brancos e nota-se que sua idade
j de um homem maduro. Ento,
desejo que no minta, pois a sua
seriedade se manifesta na idade e no cabelo
e como tal no pode ser um canalha”.
Respondi de imediata: “Capito,
sou de fato um homem de bem, no
por contados cabelos brancos ou idade, porque
isso a no documento
j que os canalhas tambm
envelhecem”. Confesso que essa resposta
foi um impulso do qual me arrependi, diante
das circunstncias. Verifiquei logo
que podia ter levado nas costas uma “virolada”
daquelas que eram aplicadas no s
em ladro de galinha, como em homens
de bem, antes da revoluo
de 30 em nosso Estado. Mas, felizmente,
o homenzinho ou por no ter entendido
a maldade da resposta ou por outro motivo
qualquer, deixou ar a provocao
e o interrogatrio continuou sem
maiores consequncias. Mas houve outros
depoimentos, inclusive com o hoje coronel
reformado Eider Nogueira, nosso conterrneo,
de Mossor, totalmente diferente
no modo de tratar. Um verdadeiro gentleman
dentro de uma parafernlia de violncia
e incompreenses nos dias sombrios
que se abateram sobre nossas vidas. Na poca,
se no me engano, esse militar digno
e honrado exercia o cargo de coordenador
do inqurito que apurava a “subverso”
no Rio Grande do Norte. No conheo
as razes de seu afastamento para
dar lugar ao famoso capito nio
de Albuquerque Lacerda, por todos conhecido
por seus mtodos nada humanitrios
no trato com presos polticos. Depois,
veio de Recife uma dupla de policiais que,
sob a chefia do delegado Carlos Veras, assumiu
os trabalhos que antes eram exercidos por
Eider Nogueira e Lacerda. O outro policial
vindo de Recife era o tambm delegado
pernambucano Jos Domingos. No
conheci e nem desejava conhecer os meandros
das vrias comisses que geriram
o inqurito policial, mas soube por
fontes bem informadas que as fofocas eram
imensas naquele setor e que o coronel Eider
fora derrubado pelo seu auxiliar direto,
nio de Albuquerque Lacerda, catarinense
com sangue potiguar, de Cear Mirim.
Mas isto era o que menos nos interessava,
j que o nosso objetivo era outro-
o de sair vivo dali. Meses depois fui ouvido
pelo Carlos Veras, que me amedrontou muito
e mesmo sem bater, ficou todo o tempo com
o cassetete na mo. S ento
entendei porque o “instrumento”
estava enrolado num papel grosso. Seria
para amainar um pouco as pancadas que ele
pretendia dar? Dessas coisas no
entendo... Finalmente, sa ileso
da ”ilustre” comisso
pernambucana que substituiu Lacerda no comando
do Inqurito Geral.
Agora, os mtodos fascistas da referida
no mostraram nenhuma diferena
dos mtodos aplicados em outras oportunidades
dentro daquele contexto terrvel
em que vivamos. Tambm pudera,
os dois policiais foram treinados d bem
treinados na matriz de todas as desgraas
deste continente. Ento, nada de
bom poderamos esperar de quem recebeu
“lies de democracia”
na grande nao do Norte.
Quando ei treze dias fora, fui ouvido
tambm no RO por um capito
que se no me engano tinha o sobrenome
Valente. No sei se a coragem dele
correspondia ao sobrenome, mas nessas horas,
todos eles so valentes e somente
suas vtimas viram covardes porque
olham para um lado e para outro e no
veem para quem apelar, a no ser
para a providncia divina. Este tal
Valente, completamente despreparado para
a funo de inquiridos, fez
algumas perguntas sem nexo e sem sentido.
Uma delas: “Por que o senhor, na sua
coluna nacionalista deste jornal (Folha
da Tarde) que est comigo s
ataca o imperialismo americana e deixa de
lado o sovitico, que muito
pior?” Respondi: “Capito,
ns que sofremos a presena
do imperialismo americano s temos
que combater este, uma vez que sofremos
na prpria pele os seus efeitos malficos.
Agora, os que sofrem as mazelas do imperialismo
sovitico, estes que lutem tambm
para se livrarem do que o senhor considera
“pior”. Continuando, disse”
“No se pode falar de uma coisa
que no se conhece. E por esta razo,
a nossa luta a de todos os brasileiros
dignos, e ela vai continuar”. O homenzinho
nada disse e dentro de poucos minutos encerrou
o depoimento.
Falei depois noutro depoimento, este suspeitssimo,
na direo dos Correios, presidido
por um homem que quando rebentou o golpe,
justamente no dia primeiro de abril, saiu
gritando pelos corredores: “Agora
chegou a vez dos comunistas, que devem ser
arrastados pelas ruas e queimados para nunca
mais voltarem a falar na maldita ideologia”.
No cito o nome do dito cujo porque
j se foi e tenho muito respeito
pelos mortos. E ele, coitado, era apenas
um “pau mandado” daquilo que
se instalara o Brasil e que alguns incautos
ainda chamam de revoluo.
Ai, meu Deus, que heresia e que blasfmia.
Nota:
1
- O artista plstico Paulo Galindo
de Oliveira autor do desenho que,
baseado no que lhe contei sobre o que estava
no smbolo da Justia, produziu
o belo trabalho artstico da capa.
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