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Raimundo Ubirajara de Macedo
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e l fora se falava em liberdade
Ubirajara Macedo, Sebo Vermelho
2001
Do
crcere a Cceres
Qual
no foi a minha surpresa quando,
chegando certo dia repartio
para cumprir meu expediente, deparei-me
com a notcia de que estava transferido
para a cidade de Cceres, em Mato
Grosso. Tremi da cabea aos ps,
pois sabia que companheiros meus que tinham
ido para aquela regio haviam desaparecido
e nunca mais suas famlias souberam
notcias. Mas tudo era de se esperar
de um regime de exceo que
pouco tempo depois se instalaria no Chile,
tendo como “protetores” os mesmos
elementos de fora do pas, sob o
pretexto de eliminar o comunismo nas terras
americanas. Que jeito, seno cumprir
as ordens...
Dias
depois, seguia rumo a Cuiab, de
onde sairia de nibus para a cidade
de Cceres. O interessante na viagem
que, no aeroporto de Congonhas,
deparo-me com Hlio Vasconcelos que,
residindo no Rio, onde ocupava importante
funo jurdica na
Funabem, viajava para Mato Grosso a servio.
A viagem ento, se tornou agradvel,
uma vez que Hlio com aquele esprito
bem humorado, no me deixava parar
de rir. E o bom humor de Hlio era
todo centrado no que ocorrera quando, h
cerca de dois anos estvamos “vendo
o sol nascer quadrado” nas prises
de Natal. Ele, no RO e na Polcia
Militar, e eu, no 16 RI recebendo
ameaas do famoso capito
nio de Albuquerque Lacerda. Inesquecvel,
pois, o encontro com Hlio Vasconcelos.
Logo que cheguei a Cuiab, encaminhei-me
para a estao rodoviria
com o propsito de viajar para o
destino final a cidade de Cceres,
situada s margens do Rio Paraguai,
mesmo na regio que faz fronteira
com a Bolvia. Havia um batalho
do Exrcito ali, que os militares
chamavam de Batalho de Fronteiras,
e como ainda estava sujeito ao regime de
priso domiciliar, tinha que me apresentar
todas as quartas-feiras naquela unidade.
Era a que a coisa pegava... Eu,
um desconhecido total, em local longe de
tudo e de todos. O que me garantia que eu
sairia dali com vida?
Foi ento que antes de me apresentar
ao agente dos Correios onde iria trabalhar,
tive a ideia de pedir frias, pois
ainda no as tinha gozado, e se o
meu pleito fosse atendido, voltaria um ms
depois com a famlia, e a
sim ficaria de vez naquele fim de mundo.
Caso no me fosse concedido o perodo
de frias, voltaria de qualquer maneira
para So Paulo, correndo o risco
de perder trinta anos de servio
pblico. Comprei a agem de volta,
mesmo sem saber se o agente me concederia
o que iria pleitear.
Finalmente me apresentei ao agente, a quem
contei minha histria, alegando que
se ele me concedesse frias traria
minha mulher para Cceres e ento
seria mais uma funcionria para ajudar
nas tarefas da agncia. Imediatamente
o homem concordou e o suspiro de alvio
veio forte... Deixa que j eu estava
separado de Doralice Varela e o que eu pleiteei
foi apenas para ganhar tempo, pois dessa
forma teria trinta dias para me virar. S
Deus sabe por que fiz isso, pois o agente
me tratou bem e acreditou na minha palavra.
Mas naquela ocasio tinha que apelar
para tudo, pois estava em jogo minha prpria
vida. A mentira, neste caso, seria para
salvar uma vida em perigo, e como no
houve alternativa, pedi perdo a
Deus por haver cometido tal pecado.
Chegando a So Paulo, me reintegrei
Rdio Piratininga, cujos
diretores me concederam uma pequena licena
para tratar de negcios particulares
e, dois dias depois, viajava ao Rio de Janeiro
para falar com o diretor geral dos Correios
e Telgrafos, general Rubens Rosado,
numa misso desesperada para salvar
o meu emprego, ameaado, uma vez
que no voltaria de jeito nenhum
para Cceres. No foi fcil
falar com o mesmo, mas o chefe de gabinete
era do Rio Grande do Norte, portanto, conterrneo,
e atravs dele consegui chegar e
contar minha histria ao general.
Ele, a princpio, botou dificuldades
para minha volta a So Paulo, mas
o fiz ver que estava perto de me aposentar
e seria para mim e minha famlia
um desastre, pois era um homem pobre, assalariado
e somente a minha profisso de jornalista
no seria suficiente para manter
os filhos. Ele falou da minha “periculosidade”
e que havia denncias srias
a meu respeito e que todos os serviram ao
governo Goulart tinham mesmo que ser penalizados.
Ora, disse, se todos os que serviram ao
governo Goulart tinha que ser penalizados,
por que somente eu o seria? E disse mais:
”General, tenho horror palavra
“dedo-duro”, mas se o senhor
me permitir, cito agora mesmo dez ou mais
pessoas que serviram ao regime ado e
continuam no cargo at agora”.
Foi uma ajuda de Deus ter colocado isso.
De repente, o homem parou de falar, pensou
alguns instantes e pediu para eu falar com
o Sr. Waldemar Troccoli, seu auxiliar imediato
e que tinha sido diretor regional dos Correios
em Natal. Fui, e o resultado no
poderia ter sido melhor. Waldemar disse
que j sabia do que se tratava e
me tranquilizou afirmando que j
estava tudo resolvido e poderia voltar para
So Paulo seguro de que a transferncia
para Cceres estava desfeita.
Chegando a So Paulo, apressei-me
a telegrafar para o agente dos Correios
em Cceres, agradecendo a boa recepo
que me foi dada, incluindo as frias,
o que me deu oportunidade para agir e revogar
a minha ida para aquela cidade. Ento,
foi encerrado o captulo Cceres,
uma das piores coisas que poderiam ter acontecido
comigo, dado o perigo de ir para uma regio
onde o meu desaparecimento seria quase certo.
E a, gente, Cceres nunca
mais!
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