Comit
Estadual pela Verdade, Memria e
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Centro
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Repressores
RN
Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
Mailde Pinto Ferreira Galvo
Livros
e Publicaes
1964.
Aconteceu em Abril
Mailde Pinto Galvo
Edies Clima
1994
ltimas
prises
MARIA
LALY CARNEIRO (MEIGNANT)
(Mdica do Hospital Saint-Anne em
Paris, Chefe do Servio de Anestesia
e Reanimao do mesmo Hospital,
Membro da Academia Mundial de Sade,
Comendadora da Cruz de Malta por trabalhos
cientficos)
MARGARIDA DE JESUS CORTS
(Mestre em Pedagogia, Professora da UFRN,
ex-Diretora do Centro de Formao
de Professores da Campanha "De P
no Cho Tambm se Aprende
a Ler")
MARIA DIVA DA SALETE LUCENA
(Licenciada em Histria. ex-Professora
do Atheneu e do Ginsio Municipal
de Natal, Consultora de Empresas, Escritora)
MAILDE FERREIRA PINTO (GALVO)
(Ex-Diretora da Diretoria de Documentao
e Cultura da Prefeitura Municipal de Natal,
ex-Funcionria do Departamento de
Correios e Telgrafos, ex-Chefe de
Gabinete da Secretaria Estadual de Sade,
Chefe de Gabinete da Secretaria de Trabalho
e Ao Social)
Em um dia de junho, um recado do jornalista
Leonardo Bezerra, que acabava de ser libertado
da priso do quartel da Militar,
acometido que fora por uma grave crise de
diabetes. O recado dizia que precisava encontrar-me
com urgncia, em lugar discreto e
seguro para os dois. Meu irmo Brgido,
responsvel pelo contato, levou-me,
noite, ao encontro que aconteceu
dentro de um automvel.
Leonardo chegou ao local determinado trazido
por um mdico, seu amigo. Para diminuir
a seriedade do encontro comeou dizendo
que eu estava tima e era uma das
figuras mais queridas pelos "homens
dos interrogatrios...” No
entendi, de incio, a insinuao
ou no quis entender que o comentrio
disfarava um aviso. Aos poucos,
foi revelando que alguns dos presos haviam
informado que, nos interrogatrios
feitos pela comisso do delegado
Veras, indagavam insistentemente sobre as
minhas atividades como Diretora de Cultura
e e que, seguramente, estavam me vigiando.
Fcil era concluir que se fechava
o cerco em tomo de mim e que era iminente
a minha priso. impossvel
explicar o que senti. Apesar da delicadeza
com que Leonardo me preparava para o momento
da priso eu me sentia flutuar entre
o medo e o espanto, como nos pesadelos.
Lembro que a noite era de inverno, estava
fria e mida; acho que tremi. Sentia
muito medo; medo do desconhecido, da priso
militar, medo de perder a liberdade, da
noite, medo de perder a mim mesma. Leonardo
continuava explicando sobre os cuidados
que deveria tomar quando me levassem para
os interrogatrios. Teria que manter
a calma. Cada palavra ou cada gesto poderiam
me livrar ou condenar. Sugeriu cuidado especial
com o delegado Veras, um policial treinado
pelo FBI, famoso pela tortura psicolgica
que costumava usar nos interrogatrios.
Apenas Leonardo falava.
Naquele momento tudo o que eu queria era
poder fugir daquela noite e sumir na escurido.
Ali no carro eu ainda me pertencia mas no
podia saber por quanto tempo. Desejei o
anonimato, que no me odiassem, no
me procurassem, no me perseguissem.
Era o desejo infantil da minha fragilidade.
Despedi-me de Leonardo com emoo
e tristeza. Ele saiu em outro carro e nunca
pude lhe dizer o quanto as suas recomendaes
foram importantes nos meus dias de prisioneira.
Nada comentei com a famlia sobre
o ocorrido, nem mesmo com a minha filha.
No tive coragem de antecipar-lhes
o sofrimento. Tomei algumas providncias
domsticas, coloquei na bolsa alguns
pertences, comprimidos de tranqilizantes
e aguardei.
No foi preciso aguardar muito. Poucos
dias depois, 19 de junho, mais ou menos
s 12 horas, a kombi do delegado
Veras subiu a calada da nossa casa,
parando junto porta principal.
Dela desceu o motorista e funcionrio
do Estado, agente do Departamento de Ordem
Pblica e Social, Sr. Pedro Vilela
Cid. Entrou sem licena. informando
que fora me apanhar para depor com o delegado
Veras porta sem olhar para as pessoas que
se encontravam na sala.
Sem despedida e sem palavras dirigi-me
kombi e samos. Eu tinha conscincia
de que a despedida ou o toque de um abrao
me enfraqueceria. Lembro que na sala deixei
os meus pais e uma irm. Ainda ouvi
o meu pai indagando para onde me levaram
mas o motorista no se dignou sequer
a olhar.
Ao meio-dia, ando pelas ruas da cidade
quase deserta, eu me indagava quando voltaria
a caminhar livremente por elas. O carro
rodava sem pressa e nenhum pensamento especial
me chegava, nenhuma lembrana. De
repente, o vazio mental. Depois, a minha
filha doendo em mim.
Chegamos residncia de Maria
Diva da Salete Lucena que foi, igualmente,
convocada para prestar depoimento e recolhida
da mesma forma. Diva no percebeu
logo que estava prisioneira. Avisei- lhe
que aquela convocao significava
a nossa priso; ficou muito plida
e no respondeu. O motorista, no
entanto, insistia que no estava
nos prendendo: estava nos levando para prestar
depoimento.
Conduzindo Diva que se refazia do choque,
amos pela avenida Alexandrino de Alencar
onde, em rua paralela, residia Leonardo
Bezerra. Pedi ao motorista que entrasse
naquela rua e ele, inexplicavelmente, atendeu.
ando em frente casa de Leonardo
pedi ao motorista que parasse e ele, mais
inexplicavelmente ainda, atendeu. Gritei
pelo nome de Leonardo e avisei que estava
sendo levada para a priso. Com a
surpresa, o motorista reagiu, irritado e
saiu, em alta velocidade, para a residncia
da professora Margarida de Jesus Cortez.
O Sr. Pedro Vilela representou a mesma farsa
e Margarida entrou no carro, novamente convencida
de que iria apenas depor. Tentei oonscientiz-la
da nossa priso mas no aceitou;
no conseguia entender que houvesse
dvidas sobre a honestidade e integridade
de seus atos como profissional e como cidad.
Guardou muito silncio e muito espanto.
Com os cabelos enrolados e cobertos por
um leno, preparava-se para mais
uma tarde comum na sua vida de professora.
O motorista recusava-se a informar para
onde seguamos at que nos
encontramos na avenida Hermes da Fonseca,
perto do quartel do 16 RI, onde j
se encontrava aprisionada a universitria
Maria Laly Carneiro.
Do porto do quartel saa,
no exato momento de nossa chegada, o ento
recruta Haroldo Pacheco. Ao reconhec-lo
gritei o seu nome, pedindo que avisasse
ao meu irmo Leon para onde estavam
nos levando. O motorista ficou, novamente,
muito irritado e nervoso. Finalmente, estacionou
junto ao Corpo da Guarda. Descemos da kombi
bem ao lado das janelas das prises.
Sem nenhum comentrio, aguardamos.
Sabiamos que muitos companheiros, entre
eles Djalma Maranho, Carlos Lima,
Aldo Tinoco, Ubirajara Macedo e outros encontravam-se
ali, atrs daquelas grades, mas nenhum
rosto apareceu.
O oficial de dia veio nos receber, com a
indiferena de quem cumpria uma rotina.
Levou nos atravs de uma porta de
ao que me pareceu enorme. Por ela
entramos num quarto todo fechado onde, h
oito dias, encontrava-se Laly. Ela fora
presa pelo Exrcito em face de denncias
sobre atividades estudantis. Retirada de
uma sala de aula da Faculdade de Medicina
e levada num jipe por militares fortemente
armados para o Quartel do 16 RI foi,
imediatamente, submetida a um longo interrogatrio
que durou at a noite, quando a colocaram
na cela onde estivera, incomunicvel,
o Prefeito Djalma Maranho. Pela
madrugada, vieram busc-la e a levaram
at os fundos do quartel onde a rodearam
em silncio e assim permaneceram por
um tempo que lhe pareceu infinito, em plena
escurido.
Rodeada pelos militares, Laly viveu os momentos
mais dramticos de sua experincia
de prisioneira poltica. Saciados
em seu sadismo. conduziram-na, depois, para
a cela onde se encontrava quando chegamos.
Laly nos recebeu com um sorriso triste,
abraou-nos fortemente e muito trmula.
Procurava acolher quem no queria
ser acolhida; eu queria sumir e no
existir. Fiquei algum tempo de p,
no meio do quarto, atenta ao barulho dos
carros que chegavam ao quartel. Desejava
que meu irmo Leon chegasse, a qualquer
momento. Uma chegada intil, pois
nada poderia fazer.
Tenho na memria que a tarde escureceu
muito de repente.
Dispnhamos de um pequeno quarto
com camas, um banheiro e uma pequena agem
para a porta de metal, onde receberamos,
depois, as visitas. Acomodamo-nos nas camas.
Ansiosa por notcias, Laly fazia
perguntas e informava sobre a rotina da
priso. Eu permanecia em silncio,
resistindo quele mundo militar at
ento completamente desconhecido.
O silncio era cortado por alguns
tiros ao longe. Sentia-me meio idiota, sentada
na cama, mente esvaziada, ouvindo Laly falando
baixo, com medo de microfones que imaginava
instalados escondidos, como nos filmes de
guerra.
No sei por quanto tempo me perdi
mas lembro a imensido da dor quando
a imagem de minha filha se imps.
Ento, chorei. Laly tentava confortar-me,
surpresa com a minha aparente fraqueza.
J escurecendo, por uma janela vizinha
porta de metal, o jantar foi entregue,
sem palavras. No consegui comer
mas no esqueci a brancura do arroz
que acompanhava o bife.
Margarida despertou de seu espanto e desabafou
a revolta. Sentia-se violentada mas no
chorava, explodia de sofrimento e raiva.
Arredia polcia entender
a sua condio de prisioneira,
o que se chocava profundamente com a sua
vida religiosa de protestante convicta.
Eu, porm, continuava chorando, tomei
um tranqilizante que levava na bolsa
e chorei at adormecer.
Acordei assustada pelo toque de corneta
e me propus a dominar o sofrimento e as
lgrimas; desde ento e at
hoje ficou difcil chorar. Paralisada
na cama, procurei assumir a realidade de
minha nova condio e fiquei
ouvindo aqueles sons que aram a fazer
parte dos sons de minha vida.
Levantvamos cedo, revezvamo-nos
no banheiro, cuidvamos da imagem,
tomvamos caf e ficvamos
prontas para o dia. s sete horas
ouvamos a msica dos dobrados
tocados para o ritual de hasteamento da
bandeira nacional. Assim os militares cumpriam
o ardor de seu patriotismo. Marchas, exerccios
fisicos, treinamento de tiro com fuzis e
metralhadoras completavam a disciplina rgida
do quartel. Ouvamos todos os dias,
no mesmo horrio, o t-t
t daqueles tiros ressoando nas dunas.
Era montono e deprimente. O quarto
da priso permaneceu, alguns dias,
com as janelas fechadas at que Laly
ou a sentir dores do cabea e
solicitou ao sentinela a presena
do oficial de dia, a quem apelou para que
pemitissem abrir a janela para a renovao
do ar. Fomos, assim, autorizadas a abrir
uma janela, o que nos permitia ver o ptio
que se estendia at a avenida Hermes
da Fonseca. Comeamos, ento,
a receber ar puro e ganhamos um pouco de
cu, algumas rvores e a viso
do porto da sada. De repente,
ficou muito importante aquela paisagem restrita
a um pouco de azul, de verde e de um porto
distante.
Analisando a nossa situao
de presas polticas, combinamos que,
em qualquer circunstncia, teramos
que permanecer fortes e demonstrar segurana.
A tudo deveriamos tentar enfrentar com naturalidade.
Adquirimos a conscincia de que todos
os gestos e palavras eram importantes no
julgamento que aqueles homens fariam, vivendo,
como estavam, certamente pela primeira vez,
uma experincia com prisioneiras do
sexo feminino. Os militares nos olhavam
discretamente e sabe-se l que concluses
tiravam sobre as nossas vidas e os crimes
que nos levaram at a priso.
Certa noite, j estvamos
recolhidas e a luz apagada quando ouvimos
uma voz, bem junto janela, dizer:
"Eu quero a loura!" Laly usava
cabelos louros. Continuamos em silncio
mas muito preocupadas. No dia seguinte,
evitamos comentar o assunto.
Outra noite, despertamos pelos gritos de
algum que estava sendo espancado,
bem perto da janela interna de nossa priso.
O torturador que batia exigia do preso a
confirmao de que Laly e
eu nos encontrvamos em determinada
reunio. Aos gritos, indagava: "Laly
estava l ?" - "Mailde
estava l?" O preso s
gemia. As lembranas desse episdio
foram avivadas por Laly. Na minha memria
elas chegam pesadas e escuras.
possvel que tenhamos sido vtimas
de uma farsa para aterrorizar. Se foi, conseguiram.
At hoje no consigo pensar
no episdio sem me perturbar.
Sentamos necessidade de alguma distrao
alm da leitura de uns poucos livros
que nos permitiram receber. Contvamos
histrias das nossas lembranas,
recordvamos filmes, episdios
vividos e fatos pitorescos, mas as horas
avam lentas. noite, Margarida,
que era protestante, lia a Bblia
para ns; meditvamos e alivivamos
a tenso.
Nas tardes de sbado, quando o quartel
no se achava de prontido,
recebamos visitas da famlia
e amigos. No sei definir o efeito
emocional das visitas. A espera era alegre
mas assistamos humilhao
das nossas pessoas queridas serem pressionadas
pelos militares que, no momento dos encontros,
metiam-se entre todos, impedindo a espontaneidade
dos gestos e das conversas. Olhvamo-nos
com aflio e ternura sem,
no entanto, conseguir nos tranquilizar.
Nunca procurei saber daquelas pessoas que
sentimento levavam quando nos deixavam no
quartel, j anoitecendo. Envergonhava-me
daquilo. Respeito e pudor impediram-me de
falar-lhes sobre aquele sofrimento que ns
causvamos. Quando as visitas saam
tentvamos prolongar as lembranas,
recompor os dilogos mas as imagens
que guardvamos eram de pessoas impotentes
e derrotadas diante daqueles homens armados,
estranhos ao nosso mundo.
A nossa pobre vingana era nos divertir,
observando os desfiles que os militares
faziam, em frente janela da priso,
e a tentativa para exibirem elegncia
e boa postura. Conseguamos rir,
algumas vezes, de alguns dos componentes
daquelas marchas dirias, em que
se despendia tanto tempo, sem o menor sentido
para ns.
Nas
noites de insnia - e eram muitas
- procurava escapar da tristeza refugiando-me
em outras lembranas. Buscava as
manhs de inverno de minha infncia
e o verde que cercava. O aude da
fazenda, cheiro de terra molhada pela chuva
e as brincadeiras com minhas irms.
Impossvel ar a priso
sem voltar s raizes e fantasia,
nelas buscava alguma beleza e defendia a
minha ternura. Assim, protegia-me e recompunha
a minha histria.
Numa manh de domingo, levaram-nos
para tomar banho sol no ptio do
quartel. Caminhamos um pouco e fomos recolhidas,
sem explicaes. Em outro
domingo fomos levadas para a varanda do
magnum dos oficiais, tambm para
tomar sol, de onde podamos ver as
dunas. Por trs das dunas estava
o mar. Desejei ardentemmte aquele mar. Ficamos
um pouco. Voltei priso
com a paisagem das dunas e o desejo do mar.
Certo dia a nossa rotina foi alterada por
uma agradvel surpresa: aconteceu
a visita do padre Francisco de Assis Pereira.
Entrou no quarto com o oficial de dia e
convidou-nos confisso para
receber a comunho. Laly e eu aceitamos
imediatamente. Margarida, como protestante,
no aceitou. Diva estava arredia
com a religio. Padre Assis estava
tenso com a presena ostensiva do
militar no recinto, mas conseguiu confortar-nos.
Esperamos, nas semanas seguintes, o retorno
do padre, que nunca mais voltou. Assim,
perdemos um apoio que nos poderia deixar
mais tranqilas.
A noite de So Joo foi festejada
pelos militares com fogos, bebidas e muita
alegria. Por trs das grades vimos
militares humanizados, com mulheres e crianas
divertindo-se, no ptio do quartel,
bem em frente s nossas prises.
Em uma manh de julho, logo cedo,
o oficial de dia nos avisou, discretamente,
que viriam revistar o quarto e nossos pertences,
o que de fato fizeram. Naquele dia o quartel
entrou em regime de prontido, o
que acontecia sempre que a cpula
do poder endurecia o regime. A revista no
nos parecia ter sentido, pois todos os objetos,
roupas e livros j haviam sido vistoriados
na entrada do quartel.
Laly aniversariou na priso; comemoramos
com abraos e beijos, sem maior tristeza
mas sem alegria. tarde, atravs
das grades, Laly reconheceu sua famlia
chegando. Trouxeram presentes e bolos. O
oficial no permitiu que se aproximassem;
deixaram os pacotes e voltaram, sem nenhuma
palavra com a aniversariante.
ei o dia 7 de julho, aniversrio
de minha filha, na expectativa que pudesse
diminuir a nossa distncia.
tarde, observei pela janela que ela estava
chegando. Trazia uma procurao
para ser assinada por mim como um pretexto
para provocar um encontro naquele dia. Falou
com o oficial de dia, que no permitiu
entregar-me pessoalmente o documento. Por
trs das grades observei a sua volta
solitria. A minha tristeza no
tinha limites.
Certa noite estavmos nos recolhendo
quando ouvimos o som do motor do carro do
capito Lacerda, j identificado
por ns. Ficamos na expectativa de
outros sons, pois nunca o vamos
chegar noite e sabamos
que torturava fisicamente os presos polticos.
Assustamo-nos quando ele apareceu na janela,
pronunciou o nome de Diva e retirou-se em
seguida Permanecemos em silncio;
minha lembrana a dos olhares
aflitos e amedrontados. ados alguns
minutos, comearam a bater na porta
de metal, parecendo uma tentativa de a arrombarem.
Eram pancadas fortes e devem ter assustado,
tambm, os demais presos do mesmo
bloco. Nossa aflio era enorme
e s aumentava; a porta de metal
era a nossa nica via de o para
fora da priso. No conseguindo
abrir a porta com pancadas, o capito
ordenou que entrssemos no banheiro.
Dispararam tiros, possivelmente na fechadura
ou em um cadeado e, afinal, a porta abriu.
O capito Lacerda chamou Diva pelo
nome completo e a levou. Quase imediatamente
ouvimos os seus gritos e choro convulso;
gritava desesperadamente pela me
e por Deus, com quem dizia estar rompida.
O seu choro foi aos pouco sumindo com o
barulho do motor do carro do capito.
Permanecemos de p, em silncio,
a porta arrombada e soldados armados com
fuzis, montando guarda. Tudo muito solene
e assustador.
No sei quanto tempo ou at
que o oficial de dia, que levara a chave
da porta, voltasse do seu eio noturno,
fora do quartel. Com a sua chegada fomos
informadas que a me de Diva fora
hospitalizada, em estado do coma, acometida
de um derrame cerebral e encontrava-se na
UTI do Hospital das Clnicas.
O estado de sade da me de
Diva era grave, mas como temamos
coisas terrveis naquela noite, esperamos
a sua volta com menos preocupao.
O oficial de dia e alguns soldados consertaram
a porta e, logo depois, Diva retornou, chorando.
O capito Lacerda retirou-se e o
tenente sentiu-se mais vontade
para confortar Diva e comprometeu-se em
trazer, diariamente, notcias de
Dona Teca. Diva ou a viver, ento,
mais deprimida e silenciosa. O tenente cumpriu
o prometido; todas as noites, conseguia
uma forma de se aproximar da janela e, discretamente,
inform-la do estado de sade
de sua me.
Algumas vezes vimos ar os presos com
problemas de sade; eram levados
para o ambulatrio mdico
algemados e escoltados por soldados armados
com fuzis e baionetas. Certa vez, Geniberto
Campos, ento noivo de Laly e preso
no alojamento vizinho, conseguiu mandar
avisar-lhe que aria, para o dentista,
em frente janela interna de nossa
cela. Outras vezes vi ar Carlos Lima
e Josem Azevedo, tambm algemados
e escoltados.
Nos dias de visita aos presos, podamos
observar, atravs da janela interna
de nossa priso, a chegada das famlias
ao ptio do quartel, os abraos
tmidos e emocionados nos maridos,
filhos e noivos. Entre eles ficavam os oficiais
e soldados armados e atentos. No
h como esquecer as expresses
aflitas, dignas e altivas daquelas mulheres.
L fora, elas lutavam incansavelmente
pela nossa liberdade mas chegavam aos quartis
de mos vazias e poucas esperanas.
Dria Maranho, Odete Roseli
Maranho, Conceio
Ges, Marta Tinoco, Anita Pereira
de Paula, Geni Brando, Juraci de
Vasconcelos, Albaniza Pimenta, Conceio
e Salete Carneiro, Salete Lima, Joana d'Arc
Cabral, ngela e Snia Cavalcanti,
Doralice Macedo, Iraci Oliveira, Sotera
Fialho, Marli Moura, Eunice Machado e tantas
outras que viveram com dignidade e coragem
os acontecimentos de 1964 em Natal.
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