Comit
Estadual pela Verdade, Memria e
Justia RN
Centro
de Direitos Humanos e Memria Popular
CDHMP
Rua Vigrio Bartolomeu, 635 Salas
606 e 607 Centro
CEP 59.025-904 Natal RN
84 3211.5428
[email protected] 1p1d4a
Envie-nos
dados e informaes: |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
Comisses
da Verdade Brasil | Comisses
da Verdade Mundo
Comit
de Verdade Estados | Comit
da Verdade RN
Inicial
| Reprimidos
RN | Mortos
Desaparecidos Polticos RN |
Repressores
RN
Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
Mailde Pinto Ferreira Galvo
Livros
e Publicaes
1964.
Aconteceu em Abril
Mailde Pinto Galvo
Edies Clima
1994
O
Golpe Militar em Natal
Este
relato de fatos ocorridos em 1964 tem a
pretenso de contribuir para o conhecimento
da histria do golpe militar no Rio
Grande do Norte, focalizando, preferencialmente,
os acontecimentos que atingiram a Prefeitura
Municipal de Natal, nos quais fui envolvida,
com alguns companheiros de trabalho do setor
de educao e cultura do municpio.
Por dificuldades emocionais, muitas vezes
tive que interromper esta reconstituio;
mas, eu vivi, sofri e sobrevivi
perseguio da ditadura. Sinto-me,
pois, moralmente comprometida a tirar da
escurido as minhas lembranas
reprimidas.
Logo
nas primeiras horas da manh do primeiro
dia daquele abril, a tragdia da
ditadura brasileira foi invadindo a vida
dos habitantes da cidade de Natal.
A cidade, com aproximadamente duzentos mil
habitantes, assistiu, indefesa,
ocupao militar por tropas
do Exrcito, perseguio,
priso, tortura, exlio e
morte de filhos que a amavam.
Em 1964, o Rio Grande do Norte dividia-se,
politicamente, entre as oligarquias conservadoras
e rivais do senador Dinarte de Medeiros
Mariz e do governador Aluzio Alves.
O Partido Comunista Brasileiro encontravam-se
na ilegalidade e sobrevivia no Estado pela
liderana do professor Luiz Maranho Filho e do mdico
Vulpiano Cavalcanti.
Como terceira fora, surgia o prefeito
Djalma Maranho, poltico
da esquerda nacionalista, que denunciava,
permanentemente, a interferncia do
imperialismo americano na vida nacional.
Alm de denunciar, Djalma incomodava
com uma istrao municipal
democrata popular de esquerda, integrada
com as lideranas comunitrias,
e executava um programa de alfabetizao
e conscientizao poltico-cultural.
Aluzio Alves e Djalma Maranho
foram eleitos governador e prefeito, no
ano de 1960, em aliana poltica,
apoiados por uma coligao
de partidos – Partido Social Democrata
(PSD), Trabalhista Brasileiro (PTB), Democrata
Cristo (PDC), Trabalhista Nacional
(PTN), e uma dissidncia da Unio
Democrtica Nacional (UDN). A coligao,
denominada “Cruzada da Esperana”,
derrotou o candidato do governador Dinarte
de Medeiros Mariz, deputado federal Djalma
Aranha Marinho, pertencente Unio
Democrtica Nacional. Em poucos meses
de istrao, governador
e prefeito comearam a divergir e
a dividir a opinio pblica.
O governador possua prestgio
e fora popular considerados inabalveis
e istrava tranquilamente, calcado nos
recursos financeiros oriundos do programa
americano para a Amrica Latina,
“Aliana para o Progresso”.
Nos anos sessenta, o governo do presidente
Kennedy investiu milhes de dlares
em alguns Estados brasileiros. O pesquisador
e escritor Moniz Bandeira escreve, na pgina
108 de seu livro “O Governo Joo
Goulart”:
“O comportamento da Embaixada
dos Estados Unidos, entretanto, assumira
o carter de provocao,
corrompendo e aliciando governadores
de Estados e prefeitos de municpios,
mediante utilizao de
verbas da Aliana para o Progresso,
com o objetivo de formar, ela prpria,
uma clientela dentro do Brasil em oposio
ao governo Joo Goulart.”
O prefeito, com bastante dificuldade econmica,
realizava a sua istrao,
priorizando os programas de alfabetizao
popular, conscientizao poltica
e democratizao da cultura,
que eram executados atravs da campanha
“De P no Cho Tambm
se Aprende a Ler” e da Diretoria de
Documentao e Cultura.
A
campanha de alfabetizao,
que inclua nos seus quadros desde
professores primrios, lideranas
estudantis e professores universitrios,
coordenados pelo ento Secretrio
de Educao, Cultura e Sade,
Professor Moacyr de Ges, mostrou-se,
desde cedo, uma soluo vitoriosa,
obtendo aceitao e repercusso
nacional.
Um boletim da revista UNICEF, nmero
27/62, comprova a validade e seriedade da
campanha, como soluo para
a erradicao do analfabetismo
no terceiro mundo.
Enquanto o governo do Estado usava dlares
americanos em seus programas de educao,
a Prefeitura, com seus recursos prprios,
oferecia escolas para a alfabetizao
das crianas carentes de Natal e
divulgava o slogan ESCOLA BRASILEIRA COM
DINHEIRO BRASILEIRO.
As divergncias polticas radicalizaram-se,
trazendo para o ambiente do Estado as mesmas
lutas que, no incio dos anos sessenta,
dividiam o pas entre foras
de direita e de esquerda.
O prefeito Djalma Maranho, proprietrio
de um pequeno jornal – “Folha
da Tarde” – deficitrio
e de modesta circulao, divulgava
diariamente seu pensamento poltico
nacionalista e anti-imperialista.
Deflagrado o movimento golpista, o prefeito
assumiu a defesa da democracia, bem no estilo
decidido de seu temperamento e de suas convices
polticas.
Comunicou ao comando militar local a sua
posio e fez publicar, nos
meios de comunicao, uma
nota de apoio ao Presidente da Repblica,
Sr. Joo Goulart, na condio
de presidente legitimidade eleito, e s
instituies democrticas
declarando que a Prefeitura de Natal tornava-se,
a partir daquele momento, “o quartel-general
da legalidade e da resistncia.”
A nfase da nota com a designao
da prefeitura como “QG da legalidade”,
num momento em que as tropas j que
se encontravam mobilizadas, irritou os militares
e foi interpretada como uma ameaa
de mobilizao para a resistncia
popular.
Acontecia,
no entanto, que a Prefeitura, como “QG
de legalidade”, era apenas o lugar
onde se encontrava algumas lideranas
estudantis, sindicais e assessores do prefeito
angustiados por notcias que chegavam,
raras e censuradas, atravs de um
rdio porttil, ao gabinete
do prefeito.
O governador Aluzio Alves, dispondo
de outros meios de comunicao
e mais bem informado sobre o desenrolar
da crise, fez divulgar na “Tribuna
do Norte” a seguinte nota:
“AO POVO
O governador do Estado, est
acompanhado pelos meios a seu alcance,
os acontecimentos que se desenrolam
no sul do pas, a partir da crise
que to profundamente atingiu
a disciplina da Marinha, e, ontem, a
guarnio do Exrcito
em Minas Gerais.
Pede ao povo que se conserve calmo,
evitando atos ou manifestaes
que aprofundem as divises desta
hora em que todos os esforos
devem ser feitos para a restaurao
da paz e preservao da
democracia.
Todo o Estado est em ordem e
espera o governador que assim se mantenha
no resguardo da tranquilidade das nossas
famlias, que deve pairar acima
das paixes das pessoas e grupos.
Tudo fazer para soluo
dos seus problemas, pelas reformas pacficas
e democrticas, pela unidade
e respeito s foras armadas,
pela consolidao da ordem
democrtica, pela paz do povo,
para o trabalho e para o progresso.
- 04 – 64 – 1 hora da madrugada
Aluzio Alves.”
No dia seguinte, o governador divulgou outra
nota oficial, adiante transcrita, de apoio
ao golpe militar e s foras
armadas.
Definindo-se pelo apoio ao golpe, o governador
assumiu com os militares o poder da ditadura
no Estado e, usando o Ato Institucional
com as leis de exceo, atribuiu-se
o direito de, paralelamente aos militares,
proceder investigaes e prises
que j estavam sendo efetuadas sob
a responsabilidade do major do Exrcito
Heider Nogueira Mendes, na qualidade de
presidente da Comisso Geral de Investigaes
no Rio Grande do Norte, substitudo,
depois, pelo capito nio de
Albuquerque Lacerda.
O governador formou tambm sua Comisso
de Investigaes e contratou,
no estado de Pernambuco, dois policiais
especializados, a quem concedeu poderes
absolutos e excepcionais, com toda a mordomia
oferecida aos hspedes oficiais do
governo do Estado. No se tem notcia
de outro governador que constitusse
uma Comisso de Investigao
paralela, com poderes especiais para processar,
prender e encarcerar os supostos subversivos,
como aconteceu no Rio Grande do Norte.
Os policiais Carlos Moura de Morais Veras,
com treinamento no FBI, nos Estados Unidos,
e Jos Domingos da Silva, experientes
e eficientes, usaram, com muita competncia,
mtodos semelhantes aos praticados
pelos nazistas da segunda guerra mundial.
Com a Comisso Geral de Investigaes
instalada pelos militares, mais duas comisses
ditas de “alto nvel”,
criadas pelo governador, e as outras implantadas
em cada repartio pblica
estadual, municipal e federal, armou-se
a maior rede de investigao
policial militar de toda a histria
poltica do Rio Grande do Norte.
Na
condio de Diretora da Diretoria
de Documentao e Cultura
da Prefeitura de Natal, tive, logo nos primeiros
dias de abril de 1964, a minha residncia
invadida pelo Exrcito, fui levada
a depor diante de uma comisso militar
no quartel do 16 Regimento de Infantaria,
(16 RI) durante uma tarde inteira,
e liberada, em seguida, sem restries.
Em maio, fui intimada a depor na Comisso
de Inqurito constituda pela
Prefeitura Municipal, presidida pelo Bacharel
Rodolfo Pereira e composta por mais trs
oficiais militares, sem que sasse
de l nenhuma solicitao
de priso.
Em 18 de junho, no entanto, fui levada em
uma viatura do governo estadual que se encontrava
disposio do delegado
Carlos Veras e dirigida por um funcionrio
do Estado, o qual informou que eu estava
sendo convocada a depor com o mesmo delegado.
Com essa informao fui conduzida
aos crceres do 16 RI.
Decorridos mais de vinte dias, fui interrogada
exaustivamente sob tortura psicolgica
pelo delegado Carlos Veras, que me fez voltar
cela com a ameaa de ser
transferida para as prises de Recife.
ados alguns dias, o capito do
Exrcito, nio Lacerda ordenou
que me trouxessem sua presena,
interrogou-me novamente e me liberou, informando
que a companheira de priso Diva
Lacerda, que j fora, como eu, interrogada
pelo delegado Veras, mas que ainda no
havia ado pela sua comisso,
seria libertada no dia seguinte.
Diante disto, no possvel
ignorar que o depoimento prestado ao delegado
Carlos Veras foi o que decidiu o meu destino
e o das companheiras de priso. A
Comisso de Investigaes
do Estado era um poder paralelo aos dos
militares; prendia, torturava e encarcerava
nos quartis, multiplicando as aes
de terror sobre os suspeitos de praticarem
atos de subverso.
O capito Lacerda liberava porque
estvamos encarcerados no 16
RI e ele era o Presidente da Comisso
Geral de Investigaes, mas
ns, Diva, Margarida, eu e outros
presos igualmente levados para depor com
o delegado Veras, fomos, de fato prisioneiros
da Comisso do governo do Estado.
uma pena que, at agora,
outros companheiros, vtimas da represso,
no tenham, ainda, conseguido arrancar
das suas feridas outros fatos que poderiam
denunciar e documentar a injustia
e crueldade da ditadura em Natal.
Para registrar estes acontecimentos, recorri
aos jornais da poca, “O Dirio
de Natal” rgo dos
“Dirios Associados”
e a “Tribuna do Norte”, da empresa
jornalstica “Tribuna do Norte
Ltda”. As transcries
esto conforme se encontram nas fontes.
Pesquisei documentos que se encontram em
meu poder e ouvi depoimentos dos perseguidos,
que considero indispensveis para
se entender a dimenso da tragdia
humana que se abateu muitas famlias
do Rio Grande do Norte.
^
Subir
<
Voltar |