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Tecido Social Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN N. 065 – 18/07/04 1j4g44

Recebemos e, comgrande prazer, divulgamos esta carta ao Presidente do Senado Federal, Jos Sarney, escrita por Joo Baptista Herkenhoff,histrico militante dos Direitos Humanos no Brasil, sobre a Reforma do PoderJudicirio que est sendo discutida no Congresso, manifestando adeso de Tecido Social e da Rede Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte s posies expressas no documento.

Redao de Tecido Social


CARTA AO PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL SOBRE A REFORMA DO PODER JUDICIRIO

Excentssimo Senhor Senador Jos Sarney, Dignssimo Presidente do Senado Federal

Excentssimo Senhor Senador Jos Jorge, Dignssimo Relator da Reforma do Judicirio

Excentssimo Senhor Senador Edson Lobo, Dignssimo Presidente da Comisso de Constituio, Justia e Cidadania

Joo Baptista Herkenhoff, brasileiro, casado, com 68 anos de idade, residente no Estado do Esprito Santo (endereo no final), portador do ttulo de eleitor 289414/06, zona 001, de Vitria, vem, atravs do presente documento, fazer uso da franquia prevista no art. 5, inc. XXXIV, letra a, da Constituio Federal, ou seja, vem exercer o direito constitucional de petio.

O direito que pretende exercitar um direito fundamental, o de participao na vida poltica do pas.

Quer, portanto, o requerente comparecer, por meio desta petio, perante a Presidncia do Senado Federal, perante a Comisso de Constituio, Justia e Cidadania e perante a Comisso de Reforma do Poder Judicirio para pedir:

a) que superada que foi a fase da primeira discusso da reforma da Justia, o Senado Federal abra ainda mais o debate sobre a matria, que no uma questo privada, nem corporativa, mas um direito fundamental do povo;

b) que no obstante o assunto esteja em pauta h doze anos, no encerre o Senado apressadamente seus trabalhos, sem antes promover um debate nacional sobre a Justia. Mesmo que se perceba justa impacincia com relao necessidade de remdios que corrijam a lamentvel situao em que se encontra a Justia no pas, o debate amplo do tema, segundo parece ao peticionrio, no deve ser sacrificado em homenagem pressa. O essencial a discusso cabal, universal, no a rapidez de concluses insuficientes que decepcionem as esperanas do povo.

Como se ver, os pedidos das letras a e b aparecem bastante concretos no correr desta impetrao.

O peticionrio tem conscincia plena de que est na contra-mo ao tomar a presente iniciativa, como demonstrado a seguir.

No obstante esteja na contra-mo, o requerente pede a palavra. Pede a palavra, no no sentido literal de pretender falar face do Senado. Pede a palavra para expressar modestamente sua cidadania e para apelar no sentido de que o debate sobre as questes da Justia se amplie significativamente:

O pleiteante est na contra-mo, pelas razes que alinha a seguir, embora seu pedido seja rigorosamente legtimo:

a) est na contra-mo se requer seu ingresso no debate, como simples cidado. As tertlias sobre a Justia sempre se situaram no crculo dos atores do mundo jurdico. Exceo a essa discusso restrita foi o perodo pr-constituinte e constituinte, quando a sociedade civil manifestou seu anseio de construo de uma nova Justia. Se examinamos as emendas populares que trataram das questes da Justia (emendas 30, 56, 57, 75 e 102, por exemplo), verificaremos que seus proponentes foram associaes de moradores, centros culturais, clubes de mes, sindicatos e federaes de trabalhadores urbanos e rurais, associaes de pequenos produtores, sociedades pr-melhoramento de regies;

b) est na contra-mo se pede a palavra como Juiz de Direito, soldado raso da magistratura. Quando se trata de discutir o Poder Judicirio sempre se privilegiou a palavra das cpulas os membros dos tribunais superiores.

Na verdade, se para ouvir magistrados, quem sabe dos problemas da Justia so principalmente os juzes de Direito, juzes do trabalho, juzes de primeiro grau. Estes lidam, concretamente, com os dramas da Justia. Elizer Rosa, o grande magistrado carioca, disse h muitos anos que os magistrados dos tribunais so magistrados de ausentes as partes, sobretudo os pobres, nunca esto na presena dos desembargadores e muito menos dos ministros;

c) est na contra-mo por sua provenincia o Estado do Esprito Santo. Diga-se em rodeios: o princpio federativo ainda no foi inteiramente implantado no pas. Tambm quando se debate a Justia as vozes ouvidas com maior freqncia so aquelas que ecoam nos Estados mais poderosos. Este um desvio a ser corrigido. Todos os Estados tm o direito de comparecer, com igualdade, na mesa dos debates;

d) est ainda mais na contra-mo por ser um magistrado aposentado. Pouco se ouvem os aposentados, em todos os campos de atividade, inclusive na Justia. Entretanto, os aposentados que so titulares da experincia, portadores da Histria, testemunhas que ligam o ado e o presente;

e) est tambm o peticionrio na contra-mo se pede a palavra como pesquisador e escritor, algum que publicou 33 livros, a maioria tratando de questes candentes do Direito e da Justia:

Se Vossas Excelncias, pessoalmente ou com ajuda dos dignos e eficientes Assessores Parlamentares, se debruarem sobre nossos livros (presentes no acervo da Biblioteca Pedro Aleixo, do Congresso Nacional), vero que abordam, de longo tempo, as inquietaes que freqentam agora o noticirio:

-os rumos que o Direito e a Justia devem seguir; as deficincias do Poder Judicirio (Para onde vai o Direito?);

-o papel do jurista como agente de mudana, no como fora de reao ao avano social (O Direito dos Cdigos e o Direito da Vida);

-a tarefa de interpretar as leis, com olhos postos no futuro, no com aprisionamento ao ado (Como Aplicar o Direito);

-a misso do jurista na construo de uma sociedade nova (Direito e Utopia);

-a falncia da priso e a busca de novos caminhos para a Justia Criminal (Crime: tratamento sem priso);

-a recusa do processo como instrumento de massacre da pessoa humana (O Direito Processual e o Resgate do Humanismo);

-a construo do Direito e da Justia como tarefa universal (Direitos Humanos uma idia, muitas vozes; Gnese dos Direitos Humanos; Direitos Humanos a construo universal de uma utopia);

-a importncia social e poltica do juiz do interior (Pela Justia, em So Jos do Calado);

- a necessidade de alargamento da cidadania a todas as pessoas, indistintamente (tica, Educao e Cidadania)

- a proposta de descida da Justia Criminal s partes (Uma Porta para o Homem no Direito Criminal)

- a defesa de um papel intervencionista para o Ministrio Pblico (Na Tribuna do Ministrio Pblico);

-a idia de que os critrios ticos que devem reger a Histria (tica para um mundo melhor);

-a tese de que a Justia no favor a ser concedido, mas exigncia de cidadania (Justia, direito do povo; Cidadania para todos)

O pesquisador, o escritor e o intelectual em geral esto na contra-mo porque vivemos um tempo de imediatismo. A pesquisa refletida, feita dentro de parmetros cientficos, cede lugar s concluses apressadas, s simples opinies pessoais e aos argumentos de pretensa autoridade.

Apesar de todas as restries que pesam contra quem est na contra-mo, o peticionrio suplica que o debate da Justia assuma relevncia prioritria:

nos termos j referidos neste texto e especialmente com a convocao de magistrados de primeiro grau, magistrados aposentados, magistrados dos mais diversos Estados para que deponham perante a Comisso de Reforma do Poder Judicirio;

com a ausculta pela Comisso de todos os atores do mundo jurdico e, especialmente, advogados, membros do Ministrio Pblico, serventurios e funcionrios da Justia;

com o deslocamento da Comisso aos diversos Estados do Brasil, de modo que o debate se torne realmente nacional;

com a franquia ampla de o do cidado comum e das organizaes da sociedade civil ao debate, por meio de nmero gratuito para ligaes telefnicas, incentivo s sugestes e reivindicaes populares, audincias abertas nos Estados e outros expedientes democratizantes.

Com o objetivo principal de provocar o debate, o requerente antecipa algumas opinies suas sobre pontos em pauta:

-a favor do controle externo da Justia porque, numa Democracia, nenhum poder, nenhuma autoridade pode estar acima de qualquer suspeita;

-contra a smula vinculante porque engessa a jurisprudncia e cassa o poder das instncias inferiores, muito mais abertas s idias progressistas do que os altos tribunais;

-a favor da supresso do recurso obrigatrio das decises contrrias aos Poderes Pblicos porque esse expediente processual significa apor um rtulo geral de suspeio contra todos os procuradores e advogados do errio, que estariam deixando de recorrer por preguia ou corrupo (segundo a tica do legislador), e porque os processos que sobem aos tribunais por fora do recurso obrigatrio sobrecarregam as pautas de julgamento;

-contra as frias coletivas da Justia, aceitveis noutros tempos de Brasil, mas totalmente inadequadas diante do dinamismo da vida atual;

-contra o alargamento dos privilgios de foro, medida anti-democrtica que pretende beneficiar pessoas e situaes que devem estar sujeitas Justia e ao processo ordinrio;

-a favor de uma mudana de mentalidade e de cultura, que leve o conjunto das autoridades a compreender que o bem pblico no exige, permanentemente, um confronto entre cidado e Estado mas, pelo contrrio, o Estado deve ser o principal promotor da Cidadania e, como conseqncia, o Poder Pblico deve reconhecer espontaneamente os direitos das pessoas fsicas e jurdicas, no as obrigando, desnecessariamente, a procurar a Justia para peticionar direitos certos, com a conseqente obstruo do funcionamento dos servios judicirios;

-a favor de reduzir o nmero de recursos, mudando inteiramente a estrutura desta matria nos cdigos brasileiros, estrutura quase sempre copiada dos cdigos europeus e inteiramente imprpria para um pas pobre, de Justia lenta onde, normalmente, s os ricos tm assistncia de advogados nos tribunais, sobretudo nos tribunais localizados fora do domiclio das partes;

-a favor de democratizar a escolha dos presidentes dos tribunais, por colgios eleitorais amplos, e no pela prpria cpula judiciria, tese que defendemos h decnios;

-a favor do aumento da idade mnima para ser juiz pois o cargo no exige apenas saber tcnico mas a experincia que s a vida proporciona;

-pela abertura das portas da Justia ao povo, com supresso dos julgamentos secretos (salvo quando envolvem questes ntimas das partes) e com repdio a todas as formas de barrar a presena das pessoas comuns nos julgamentos (atravs, por exemplo, da exigncia de determinado traje para entrar nas salas de audincia, procedimento que constitui um abuso num pas de descamisados e descalos).

Para quem tem militado pelo exerccio pleno da cidadania, mesmo em circunstncias histricas muito mais adversas -o que lhe custou sacrifcios pessoais , enviar esta petio ao Senado o cumprimento de um dever de conscincia.

Vitria, 12 de julho de 2004.

Joo Baptista Herkenhoff

Endereo: Avenida Antnio Gil Veloso, 2232 Edifcio Murano ap. 1601 Praia da Costa Vila Velha, ES. CEP 29.101-735. Telefone: 3389-5661.

E-mail: [email protected] e homepage www.joaobaptista.com

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