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Tecido Social Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN N. 041 – 01/05/04 635e3f

Violncia contra a mulher: preciso quebrar o silncio!

Por Fernanda Marques de Queiroz*

A violncia contra a mulher, tambm denominada de violncia domstica ou conjugal, um fenmeno que atinge maciamente s mulheres de todas as partes do mundo, classes sociais, idades, etnias e geraes, no se restringindo a um determinado jeito de ser mulher. Em geral praticada no mbito privado e o agressor mantm laos de afetividade com a vtima, o que a torna mais vulnervel a estas prticas, pois esto em jogo sentimentos de afeio, cumplicidade, etc.

O fato da violncia contra a mulher ocorrer freqentemente no mbito domstico e ser praticada por pessoas com as quais as vtimas mantm relaes afetivas no lhe retira o carter poltico e, portanto, pblico, devendo ento ser denunciada e repudiada por todos(as) ns que lutamos por uma cidadania plena que inclua a igualdade entre os gneros.

No sentido de contribuir para o desvendamento deste fenmeno, destacamos algumas caractersticas e/ou informaes que acreditamos ser pertinentes para o entendimento da questo, bem como potencializadoras de um novo olhar, olhar este de indignao e no de naturalizao diante da violao cotidiana que praticada contra os direitos humanos das mulheres.

De maneira geral, a violncia domstica:

1. Ocorre numa relao afetiva cuja ruptura demanda, via de regra, interveno externa. Raramente uma mulher consegue desvincular-se de um homem violento sem auxlio externo. At que isto ocorra, ela descreve uma trajetria oscilante e um comportamento ambguo, com movimentos de sada da relao e de retorno a ela. Porm, vale salientar que mesmo quando permanecem na relao por um longo perodo, as mulheres reagem violncia, variando muito as estratgias. As mulheres, portanto, no so cmplices da violncia, pois para serem cmplices teriam que exercer o mesmo poder que os homens na sociedade, fato este que no ocorre em uma sociedade machista e patriarcal como a nossa.

2. No ocorre aleatoriamente, mas deriva de uma organizao social de gnero que privilegia o sexo masculino.

3. Quando ocorrem assassinatos de mulheres de forma brbara, h um pensamento por parte da sociedade que patologiza os agressores (o agressor freqentemente chamado de monstro ou louco). Esta forma de pensar contribui para o obscurecimento e nofavorece a compreenso do fenmeno. Segundo pesquisas realizadas por especialistas na rea, a exemplo de Heleieth Safiotti, apenas 2% dos agressores de mulheres tm transtornos mentais, havendo outro tanto com agem pela psiquiatria. O mecanismo de patologizao do agressor e da violncia ignora as hierarquias e contradies sociais de uma sociedade em que o gnero feminino visivelmente discriminado em vrias esferas, seja na educao diferenciada para meninas e meninos, no pagamento de salrios diferenciados para homens e mulheres, na parca participao feminina nas instncias deliberativas da sociedade, bem como sua participao poltica no Parlamento em nveis local, nacional, etc.

4. resultado de complexas relaes afetivas e emocionais fundamentadas no sistema patriarcal e machista, bem como de uma organizao social sexista no restritas ao mbito da heterossexualidade, podendo tambm ocorrer em relaes afetivas envolvendo duas mulheres ou dois homens, ou seja, baseada em uma estrutura de poder que se institucionaliza na famlia, sendo reforada na sociedade civil e legitimada pelo Estado. Vale ressaltar que o domnio patriarcal se mantm e se perpetua por meio da violncia de gnero que tem por finalidade conservar a autoridade do homem e o controle e opresso das mulheres.

5. Tende a obedecer a um ciclo contnuo e rotineiro que constitudo de trs fases: fase de formao de tenso, que se expressa nas violncias psicolgicas, simblicas ou emocionais; fase de exploso da tenso ou de incidente de espancamento grave (violncia fsica) e fase de lua de mel (na qual o agressor promete mudar de comportamento lhe fazendo juras de amor).

Assim, atravs dos anos de relacionamento, a violncia domstica inicia-se com agresses verbais, ando para agresses fsicas e/ou sexuais, podendo chegar ameaa de morte e at ao homicdio. O nvel de tenso na relao vai aumentando gradativamente at que fica invel, e ento, por um motivo banal, o homem explode agredindo violentamente sua companheira. Esta, como forma de retaliao, freqentemente sai de casa, mas acaba quase sempre voltando em funo dos insistentes rogos do marido que, arrependido, promete-lhe que nunca acontecer de novo. Por um certo tempo, movido pela culpa e pelo medo de perd-la, ele veste pele de cordeiro, e consegue fazer o papel de bom marido, contudo, medida que a tenso comea a se acumular novamente, fica muito difcil desempenhar este papel, at que h outra exploso e o ciclo se repete.

O referido ciclo se expressa nos diversos tipos de violncia praticados contra a mulher, seja fsica, sexual ou psicolgica/simblica. importante destacar que nenhum destes tipos de violncia ocorre isoladamente e, qualquer que seja a forma assumida pela agresso, a violncia psicolgica est sempre presente.

A violncia fsica est visvel no corpo, como as marcas de espancamento sejam estes hematomas, arranhes, feridas superficiais ou profundas.

J a violncia psicolgica/simblica aparentemente invisvel ao corpo, j que no deixa marcas, mas visvel alma, visto que as vtimas vo cotidianamente perdendo sua auto-estima. Esta violncia se apresenta nas relaes sociais cotidianas das mulheres, nos espaos pblicos ou privados por onde transita diariamente. Este tipo de violncia, tambm conhecida por violncia no-fsica, existe de forma to sutil que as mulheres muitas vezes no conseguem reconhec-la. Ela tem como objetivo destruir o respeito e a auto-estima, assumindo vrias formas, que vo desde o xingamento humilhaes em pblico, acusao de ter amantes, crcere privado, proibio de fazer amizades, privao econmica, dentre outras. Pode vir a ser um sinal que precede violncia fsica.

A violncia sexual se expressa no estupro, no assdio sexual ou mesmo quando os maridos ou companheiros obrigam s mulheres a terem relaes sexuais quando estas no desejam ou quando esto doentes, colocando em risco a sade daquela mulher.

Acreditamos que somente atravs da organizao e da luta das mulheres por uma sociedade no sexista, associada luta por uma sociedade em que no haja discriminao seja de classe, raa/etnia, gerao etc, que se dar um basta s diversas violncias que so praticadas cotidianamente contra ns mulheres.

preciso estar vigilantes e alertas aos mais sutis sinais de discriminaodos quais somos vtimas, nos espaos pblicose privados, que muitas vezes so confundidos com excesso de cuidado, proteo, amor, cime saudvel etc; no sendo percebidos como violncia, mas que podem ser exacerbados chegando mesmo morte no s subjetiva, mas fsica.

Se voc sofre algum tipo de violncia ou conhece algum que vivencie qualquer situao semelhante, denuncie, encoraje e incentive a denncia. No podemos ficar calados(as) diante de tais covardias. Devemos, sim, meter a colher em briga de marido e mulher!

Todos(as) ns clamamos indignados(as) por justia frente ao crime praticado no Rio Grande do Norte contra a companheira professora Roberta Cludia Soares Bezerra. Esperamos que o acusado seja exemplarmente punido no rigor da lei. Que nossa indignao seja canalizada para a luta rumo construo de uma sociedade em que as mulheres no sejam mais oprimidas.

preciso estarmos atentos(as) e fortes!

Todas(os) contra a violncia!

* Professora da Faculdade de Servio Social da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) e membro do Ncleo Simone de Beauvoir de Estudos sobre a Mulher

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