Tecido
Social
Correio Eletrnico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
003 – 26/10/03 621i5r
Ativista de direitos humanos protegido por "sombras"
da PF
CHICO
DE GOIS
enviado especial da Folha
de So Paulo a Natal
Os
tiros que mataram o advogado Gilson Nogueira de Carvalho, em
20 de outubro de 1996, ainda ecoam na memria do economista
Roberto de Oliveira Monte, presidente do Conselho Estadual de
Direitos Humanos do Rio Grande do Norte.
"Ele
teve proteo policial por mais de seis meses [de 6 de setembro
de 1995 a 3 de junho de 1996]. Logo depois que ficou sem guarda-costas,
foi morto", recorda Monte, amigo de Carvalho.
O
advogado vivia recebendo ameaas de morte, principalmente por
denunciar um grupo de extermnio conhecido no Estado como "Meninos
de Ouro", formado por policiais civis, entre eles Jorge
Lus Fernandes, o Jorge Abafador, a quem so atribudos quase
50 homicdios. Na noite de 20 de outubro, foi morto quando chegava
em sua chcara. Carvalho tinha 32 anos e era advogado do Centro
de Direitos Humanos e Memria Popular, coordenado por Monte, 48.
O
economista herdou do amigo o gosto pela polmica e o atrevimento
nas denncias. Herdou tambm as ameaas que levaram Carvalho
morte. Por conta disso, desde abril vive sob escolta de dois
homens da Polcia Federal.
Mas
a segurana pessoal s foi obtida um ano e quatro meses depois
de a Comisso Interamericana de Direitos Humanos da Organizao
dos Estados Americanos (OEA) pedir ao governo brasileiro providncias
para garantir sua proteo.
Monte
comeou a sofrer ameaas por telefone em 1997. No incio, ligavam
para sua casa e um som de sirene era transmitido. Depois veio
o apedrejamento a sua residncia. E, na sequncia, mais telefonemas nos quais um desconhecido dizia
que estava em Natal para mat-lo.
Em
outubro de 2001, o delegado Plcido Medeiros de Souza, responsvel
pelas investigaes da morte de Carvalho, gravou uma ameaa
na qual uma voz no-identificada afirmava que Souza e Monte
iriam morrer. No caso do delegado, um coquetel molotov chegou a ser jogado contra seu carro. Ele saiu ileso.
Em
1996, a ONG Human Rights Watch
j havia solicitado proteo para os dois e outras oito pessoas
que constavam de uma lista de provveis vtimas. Mas, em 2001,
ningum mais tinha proteo. O Centro de Justia Global pediu,
ento, em dezembro daquele ano, que a OEA notificasse o governo
brasileiro para disponibilizar segurana para ambos.
Sombra
Viver
acompanhado 24 horas por dia por dois homens, que se tornam
uma espcie de sombra dupla, no fcil. "Eu raciocino
que vivo numa guerra e, por isso, tem de ter muita disciplina.
Eu sou um cabra disciplinado."
O
economista vive o que classifica de "liturgia da segurana".
Roberto Monte tem a vida protegida, mas virou quase um refm
da prpria segurana. "Procuro evitar locais onde h muita
gente." H alguns meses, houve
em Natal uma eata contra a guerra no Iraque. Monte pensou
em ir. Foi desaconselhado pelos policiais federais.
Ir
praia tambm virou ado. E at hbitos comuns so deixados
de lado. "s vezes tenho vontade de ir a uma sorveteria,
andar pelas ruas da cidade tranquilamente,
mas no posso." A falta de exerccios
simples, como caminhar, por exemplo, j lhe rendeu alguns quilos
a mais.
Outro
hbito que precisou ser contido a paixo pela internet.
Antes que os seguranas se instalassem em sua casa, Monte conta
que costumava navegar pela rede mundial de computadores at
de madrugada. Agora, encerra suas pesquisas por volta de meia-noite.
Apesar
de todas as restries, ele no se queixa. Ao contrrio, consegue
manter o bom humor e, entre uma conversa e outra, aproveita
para mostrar o CD de MP3 com 240 msicas
"rebeldes e libertrias" que gravou, os prmios que
a ONG coordenada por ele ganhou, os lderes polticos de seu
Estado que foram mortos durante o perodo militar (1964-85).
"Sei
com quem estou mexendo, mas tambm no quero ser mrtir."
Roberto Monte gosta de polemizar. Um de seus alvos
o secretrio-adjunto de Defesa Social (antiga Secretaria da
Segurana), Maurlio Pinto de Medeiros. "Ele defende abertamente
que a polcia tem de matar bandidos. Mas a sociedade precisa
entender que isso aqui no uma questo de bonzinho versus
ruinzinho."
Medeiros
foi acusado pelo procurador-geral de Justia do Rio Grande do
Norte de acobertar os matadores do grupo "Meninos de Ouro".
Mas nada foi provado contra ele.
Em
declaraes a emissoras de TV locais, o delegado afirmou que
no vai mudar seu jeito.
"O
cabra que no tem medo louco", diz Monte. Ele, porm,
segue seu trabalho. "Quanto mais pessoas eu conheo, mais
minha blindagem aumenta."
Fonte:
Folha de So Paulo do 26/10/03
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