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Dom
Nivaldo Monte
"A verdadeira
obedincia nasce da liberdade"
Depoimentos
Padre Fbio dos Santos
Hlio Galvo
Tertuliano Cabral dos Santos
Roberto Lima de Souza
Irm Vilma Lcia de Oliveira, FDC
Washington Arajo
Dermi Azevedo
Digenes da Cunha Lima
Horcio Paiva
Cludio Oliveira
Madonna House Lay Apostolate
Dom
Nivaldo Monte, o nosso Niniu
Padre Fbio dos Santos
Dom
Nivaldo Monte, foi a pessoa que melhor entendeu e sentiu as palavras
de Jesus de que na terra preciso se transformar numa criana
para pode entrar no cu, por isso, o seu nome, mesmo nos
tempos e padre, bispo e arcebispo, sempre foi o seu nome de menino,
Niniu. Eu o chamava de o sempre menino bispo. Ele, com o saber e
o sabor de uma criana, era um encantado, se encantava e
encantava a todos. Pois bem, o Parque da Cidade de Natal, carrega
em seu nome o nome de que no s foi somente o pastor
da cidade, mas o nome de um menino que brincou com e na natureza
at o fim de sua vida como amante da criao
e defensor da preservao do meio ambiente. A homenagem
aqui no tem nada a ver em bajular e sim, em reconhecer neste
menino um amante da Cidade e um apaixonado por o Parque das belezas
naturais de nossa capital potiguar.
Voc pode se perguntar porque o Parque da Cidade tem esse
nome. Tem esse nome porque tivemos nas dcadas de setenta
e oitenta um bispo comprometido com a causa da dignidade humana
de todas as pessoas de Natal e como o equilbrio ecolgico
da cidade.
Niniu foi arcebispo de Natal quando o poder pblico e a sociedade
civil organizada no funcionavam plenamente, pois no
vivamos em um Estado Democrtico de Direito por causa
da horrenda ditadura militar. Por que digo isso? Porque
justamente aqui, onde no havia liberdades, que Dom Nivaldo
vai exercer um protagonismo na defesa dos pobres, da promoo
da justia e da paz, do desenvolvimento sustentvel.
Neste DVD e pgina na internet voc ter um
material maravilhoso para se encantar com Niniu em suas viagens
msticas, ele era um homem de profunda comunho com
Deus, por isso mesmo com os irmos e irms e toda
natureza. Convido com muito carinho de ear com eles nessas estradas
de espiritualidade atravs de seus livros e programas radiofnicos
na Rdio Rural. Voc tambm encontrar
fotos do arcebispo em cima de rvores como um menino ou no
sentado em sua cadeira cativa assistindo os jogos do ABC no antigo
Machado, e claro, nas celebraes
litrgicas e atividades pastorais.
Se encante nestas pginas. H um acervo enorme com
sua biografia, seus mais de vinte livros e um vasto material de
multimdia com msicas, udios, vdeos.
Vai, amigo e amigo, voc indo, tambm se transformar
numa criana e se tornar encantada para fazer de
Natal, nossa Cidade, um Parque onde a alegria e o amor se beijem,
justia e paz se abracem para que formemos uma linda ciranda
com as pedras, as plantas, os animais e todas as pessoas como cantou
e danou Dom Nivaldo Monte.
Dom
Nivaldo Monte – Traos de sua Cultura
Hlio Galvo
Para
chegar at aqui, acolhendo com gratido o convite,
no foi pequeno o esforo nem menor a violncia
para vencer o desencanto e o cansao. Os anos que vivi
j me permitem cantar o Nunc dimittis, esperando o dia do
Senhor, que vir sem aviso prvio, como um ladro,
de noite (1 Tes 5,2).
Vai para trs anos, me foi desferido o golpe, rude, brutal,
inesperado, contundente como uma pedrada, violento quanto um raio.
A esse impacto, o nimo se me abateu, e se no afundei
nas cavernas da depresso, que me sustentou, amorosa,
a mo do meu Deus, que desceu sobre mim. Et ponis super me
manum tuam (S1 138, 5).
Outros tero ado pela mesma dolorosa experincia
e tero reagido por outras maneiras. No me envergonho
de minhas fraquezas e ao peso da tragdia baixei a cabea,
em gesto de submisso, para aceit-la.Fiat voluntas
tua. Mergulhei num mar sem praias, e de mim se apoderou uma tristeza
incurvel. Fiquei desde ento naquele estado de pecado,
que Amado Nervo censurou em um dos seus poemas:
Viste, cantando, el traje
que el Seor te viste,
Y no ests triste nunca, que es pecado estar triste.
Secou
a caneta, criou ferrugem o teclado da mquina, entorpeceram
as mos. Estancaram as fontes da inspirao
e estiolaram as faculdades criadoras, que do esprito
e vida palavra e fazem vibrar as emoes,
sem as quais toda obra intelectual perde o vigor, murcha e fenece.
Recolhi-me ao convvio da famlia desfalcada, e reunindo
pedaos de resistncia, ao estmulo de amizades
que no faltaram, refugiei-me no silncio da biblioteca,
para extrair dos livros que juntei, a seiva que d fora
fragilidade destes restos de ida. Ainda Amado Nervo me
vinha lembrar, em outros dos seus poemas:
Un rastro siempre adusto
es un dia nublado
es un paisage lleno de hosquedad, es un libro
en idioma estranjero
No. No
vim aqui para falar de mim. Venho falar do outro. E o outro
um daqueles que veio para perto de mim na hora molhada,
de lgrimas quentes e de amarguras incontidas. O outro
este que acaba ingressar no grmio da Academia, entrando sem
lhe forar as portas, que alaram os dintis
para dar-lhe agem, larga e franca. E entra com credenciais muito
legtimas, ttulos muito autnticos, ornado
de valores com que o agraciou a Providncia. No
os ornamentos litrgicos do seu munus episcopal, mas aqueles
outros adornos inapreciveis do talento sem ostentaes,
da cultura para o momento oportuno, do saber para a hora adequada.
Dom Nivaldo Monte
A
carreira eclesistica abraada com deciso
por Nivaldo Monte, ainda nos anos verdes da juventude, iniciou-a
no Seminrio de So Pedro. Prima tonsura, 17
maio 1956. Subdiaconato, 29 junho 1940. Diaconato, 15 agosto 1940.
Ordenao, 12 janeiro 1941. Primeira missa no Colgio
Imaculada Conceio, 14 janeiro 1941.
O mistrio iniciou na Parquia de So Gonalo
do Amarante (1941), depois na Parquia de Goianinha (1942)
onde fui encontr-lo ardendo em febre, e por algumas
horas lhe servi de enfermeiro, no momento preciso em que chegava
o irmo, o saudoso e querido Padre Monte. Assistente eclesistico
da Juventude-Feminina Catlica Brasileira de Natal (1944-1963)
e do Secretariado Arquidiocesano de Ao Social
(1946-1957 e 1965-1966). Capelo do Abrigo Juvino Barreto
(1945), Colgio Nossa Senhora das Neves (19471963),
Secretrio do Bispado (1959), Diretor Espiritual do Seminrio
de So Pedro. Monsenhor camareiro do Papa Joo XXIII
(1959). Bispo Titular de Eluza, na Palestina, e Auxiliar do Arcebispo
de Aracaju, D. Jos Vicente Tvora (25-04-1963), sagrado
em Natal a 21 julho 1963, permanecendo na capital sergipana at
1965, quando foi designado Apostlico da Arqui-diocese
e finalmente Arcebispo de Natal, nomeao de 20 de
abril, posse a 9 de maio de 1965.
Seu braso episcopal, cujos motivos herldicos aproveitam
sugestes do prprio nome (Nivaldo Monte) tem como
lema mihi vivere Christus, tirado do clebre e denso versculo
da teologia paulina, mihi enim vivere Christus est (Ef 1,21).
Professor de ensino mdio e superior: Latim e Grego, no Seminrio
de So Pedro; Psicologia Geral, Histria e Filosofia
da Educao, na Escola Normal de Natal; Psicologia;
na Escola Domstica e no Instituto de Cincias
Humanas.
Conferencista, seu auditrio no se circunscreve no
Rio Grande do Norte, mas dilatou-se a outros horizontes. So
Luis do Maranho, Belo Horizonte at Viena, na ustria,
e Louvain, na Blgica; abordando temas os mais variados:
‘Psicologia da Espiritualidade’, ‘Situao
da Igreja no Nordeste’, Psicologia das Religiosas’,
‘Pastoral da vocao no Brasil, segundo a Conferncia
de Medellin e as diretrizes do Episcopado Brasileiro’, ‘Conceito
de Relaes Humanas’, etc.
Botnico, psiclogo, educador, poeta, compositor, cronista,
escritor, conferencista, jornalista, eis os traos da
mltipla e polimorfa cultura de Dom Nivaldo Monte.
De sua vasta bibliografia, os ttulos se destacam para revelar
que foi na Psicologia o campo que mais lavrou. Esta tendncia,
que se harmoniza com as exigncias do sacerdcio ministerial,
do magistrio ensinante e do mister perigoso de diretor de
conscincias, justificam a preferncia do escritor,
arando em campo intonso; onde as contribuies mais
antigas estavam em desacordo com a evoluo das tcnicas
de direo e a observao do comportamento
humano no mundo em mudana, na civilizao
de um mundo mais curto pelas tcnicas de comunicaes,
mas extremamente diversificado nos problemas sociais e nas
perspectivas pluralistas da poltica.
A rea de sua atividade de escritor se situa principalmente
na linha do sacerdote, que tambm educador. Nesse
contexto, podem ser includos alguns de seus livros
como ‘Formao do Carter’ estria
vitoriosa, destinado formao da mocidade,
escrito‘com carinho e competncia’, segundo o
registro bibliogrfico da Revista Eclesistica Brasileira
(26, pg. 184), j em 7 edio
e ainda ‘Os Temperamentos’, em 6 edio,
para educadores, ‘to antigo e srio que conserva
os prestigiosos quatro temperamentos e to moderno e prtico
que os adaptou cincia psicolgica atual’
(REB, 20, pg. 561). ‘Formando para a Vida’,
7 edio, e ‘Toda Palavra Uma
Semente’, 3 edio, no se afastam
da linha de pensamento do escritor. ‘Clima’ e‘O
Corao para Amar’, sem se afastar
daqueles temas, contm mensagens ao leitor, que sente
palpitar nestas pginas suas prprias aspiraes
(REB, 25, pg. 184). ‘A Dor’ livro que
retoma o velho tema do sofrimento, em pano de fundo iluminado pela
f. Pensamentos, edio esgotada, com reflexes
em torno da problemtica da mocidade.
Poeta e compositor, seu livro de poemas Se todos os homens... conhecessem
o dom de Deus, est esgotado na nica edio.
Sua curiosidade onmoda levou-o at aos segredos da
Botnica. A granja que fundou para seu recreio, hoje recreio
do Clero ele a transformou em laboratrio de experimentaes,
desde a enxertia at a adaptao de plantas
exticas. Dessa experincia nasceram dois livros,
inditos, aguardando apenas oportunidade de publicao:
‘Experincia nos Tabuleiros do Rio Grande do Norte’
e ‘A Granja e eu’. Este eu o li, nos originais, por
gentileza sua, e se agora, inconfidente, fao esta revelao,
para dizer que este livro um hino em prosa, uma
obra de fino lavor, trabalhado com amor e emoes
vividas.
Recordo tambm - e aqui ainda sou levado inconfidncia
- do seu desgosto, quando o progresso e a tecnologia exigiram o
sacrifcio da sua granja, partindo-a ao meio. Ele viu ento
aquelas irms plantas que sua mo plantou, que seu
carinho abonou e regou, cujo desenvolvimento acompanhou, cujas feridas
de pragas curou, ele viu, sim, as irms plantas empurradas
pela impiedade da mquina, arrancando-as como uma rvore
bruta das matas, mortalmente feridas, as razes expostas
para o ar. O sacrifcio das afeies mais caras
ao deus implacvel do Progresso.
Muitas vezes temos conversado sobre outras coisas, simples e gratas,
porque alm de outras, nossa amizade se firma na convergncia
desse amor franciscano pela natureza, obra tambm do mesmo
Deus criador.
“Sou um homem ambivalente aparentemente contraditrio.
A alegria sempre foi uma meta na minha vida, mas sinto-me envolvido
por certa angstia no mistrio. Enfim, sou esquisotmico”
- foi como ele autodefiniu-se para Sanderson Negreiros (O Poti,
13.8.1967, pg. 5).
Ia esquecendo de dizer do seu bom gosto literrio, na divulgao
de alguns livros mestres. Foi por sua influncia que o Pequeno
Prncipe alcanou um nmero enorme de leitores
em Natal, outro tanto acontecendo com a Montanha de Sete Patamares,
o belssimo livro autobiogrfico de Thomas Merton.
Algumas de suas poesias esto – transformadas em hinos
e canes, como Barcarola, Cascatinha, Acalanto, Saudades
da Serra. Iremos ouvir, pelo coral formado por muitos amigos, antigas
alunas ou senhoras da antiga JEC, algumas que, por isto, deixam
de ser includas no texto do discurso. Ele revela, traduzindo
sua msica: “As trs canes por
mim compostas guardam na sua melodia um tom marcial” (O Poti,
cit)
Retomando o fio das palavras, interrompidas para este surpreendente
intervalo, recordo a tradio j antiga da
presena de eclesisticos nas Academias. Fundada por
um Cardeal, a Academia sa, apenas no interrgno da
Segunda Repblica o Clero esteve ausente, como durante o
Reinado de Lus Filipe. Quando, porm, dissolvida
pela Conveno, em 1793, aos dezesseis membros sobreviventes
o Primeiro Cnsul acrescentou doze ao ordenar que fosse restaurada,
dentre os quais cinco eclesisticos: Mons. Roquelaure, Arcebispo
de Malines; Mons. Boisgelin, Arcebispo de Tours e os padres Morellet,
Sicard e Villars, futuro Arcebispo constitucional. Por suas lustres
poltronas, uma delas ocupada por mais de um sculo somente
por sacerdotes, aram ate hoje grandes figuras da Igreja de Frana:
Cardeal d'Estres, Cardeal Mathieu, Cardeal Dubois, Cardeal
Baudrillart, Cardeal Grente; Mons. Perraud, bispo de Autun; Mons.
Salvandy, bispo de Orleans; Mons. Chamillart, bispo de Senlis, padres
como Dupanloup, Gatry, Bremond, Lacordaire, o verbo ardente e o
corpo machucado nas mortificaes, a grande voz da
ortodoxia na crise provocada por Lammenais. Ao todo - um
informe do Cardeal Grente - 131 eclesisticos, dos quais
17 cardeais e uma trintena de bispos e arcebispos (Eccelesia, n
145, abril, 1961, pgs. 91-104).
Na Academia Brasileira no se criou a tradio,
apenas representado o Clero por Dom Silverio Gomes Pimenta, Arcebispo
de Mariana, e Dom Aquino Correia, Arcebispo de Cuiab. No
sei porque l no estiveram o Cardeal Sebastio
Leme e o Cardeal Augusto lvaro da Silva. Teria seguramente
entrado um bispo eminente, cedo roubado vida, Dom Jos
Gaspar de A. Fonseca e Silva, Arcebispo de So Paulo, orador
de inesgotveis recursos, escritor de famoso talento, bispo
de comprovada coragem pastoral.
A nossa, com o Padre Lus Monte, o Cnego Jos
Adelino depois Bispo de Caic, e agora com o primeiro Arcebispo,
que o mais novo acadmico, irmo do primeiro,
a cuja memria rendemos culto fiel, firmou a tradio
que no teve soluo de continuidade. Falta
completar, com a convocao do Mons. Eymard Monteiro,
um dos escritores mais fecundos da nossa pouco movimentada provncia
literria.
Dom Nivaldo Monte
Senhor
Acadmico Nivaldo Monte: pela minha voz, apagada certamente,
a que, entretanto, no falta o indispensvel teor
de justia, a Academia vos recebe e vos traz a sua saudao.
Saudao que, se uma praxe, ganha nesta noite
outras ressonncias, pelos altos valores que vos exornam na
invulgar contribuio bibliogrfica, na variedade
de sugestes que vossa cultura suscita. Exercendo no nosso
meio a difcil arte de ser bispo.nestes anos efervescncia
e adaptao, tendes demonstrado, na simplicidade cativante
do homem, vossas exaltantes virtudes de pastor, dentre as quais
a simplicidade governa as demais. Disse uma vez Claudel que ‘un
bon moyen de connatre l'me est de regarder le corps’
(Oeuvres Completes, t XX, pg. 256).
Projeo da alma, o exterior se manifesta na simplicidade
da vossa pessoa, na aliciante presena e na versatilidade
de vossa arte de conversar. Nestes anos encrespados da renovao
ps-conciliar, em que se chocam conservadores e moderados
com renovadores e exaltados mudancistas, a poltica melhor
esta que vossa prudncia de bispo pe em prtica:
no dizer que o bem mau, nem que o mal
bom, como aos bispos adverte a Igreja na liturgia da sagrao:
ne dicas malum bonum nec bonum malum. A Igreja de Natal
um exemplo de tranqilidade em meio a crises e problemas.‘L'Eglise
est une societ qui se confesse et se reforme’ - disse
o Cardeal Braud rillart (apud Claudel, Journal, I, pg. 173).
A Igreja de Natal, sob vosso baculo, esta igreja que se
confessa e se reforma, aceitando os sinais dos tempos.
Esta pois a saudao da Academia, que me
fez a honra de delegar-me a funo de seu intrprete
nesta hora. Salutant t qui mecum sunt omnes (Fm 13,15). Todos
que esto comigo vs sadam: boas vindas.
_____________
Nota: 1 - Discurso de recepo na
Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, publicado na Revista daquela
instituio, Ano XXV, n 13, Natal-RN, novembro
de 1977, pgs. 123-128.
Parque
da cidade do Natal Dom Nivaldo Monte, breve depoimento
Tertuliano Cabral Pinheiro
Quando estava Secretrio Adjunto da Secretaria do Gabinete
do ento Prefeito da Cidade do Natal Carlos Eduardo Nunes
Alves, na gesto de 2005/2008, testemunhei sua preocupao
em proteger o que resta do patrimnio natural de nossa capital.
Foi
assim quando comprou uma briga com a especulao imobiliria
e as construtoras da cidade, ao defender um Plano Diretor que, dentre
outras medidas de proteo ambiental, garantisse o
patrimnio paisagstico que se estende entre a via
costeira e a praia de Ponta Negra.
Para
destacar essa fase da gesto, lembro-me do caso do hotel
da Companhia Area Gol, cuja obra ainda hoje por concluir,
vez que foi suspensa inicialmente por ordem istrativa e posteriormente
por deciso judicial da Justia Federal, porque pretendia
ser mais alto que o permitido no ento “novel”
Plano Diretor de nossa cidade.
O Debate sobre o Plano Diretor de Natal gerou atos de protestos
a favor e contra.
De
um lado se posicionaram as entidades de proteo ambiental
e outros setores da sociedade apoiando a Prefeitura e, de outro
bordo, os que compunham com a especulao imobiliria
- mais destacadamente os empresrios da construo
civil e das maiores imobilirias da cidade que fizeram um
lobby grande junto a Cmara Municipal.
Surgiram
denncias de corrupo e ameaas a procuradores,
resultando na denominada “Operao Impacto”
de iniciativa do Ministrio Pblico Estadual e que
levou a condenao judicial de vrios Edis.
Foi nesse diapaso e embalado pelo anseio protecionista da
sociedade que o ento Prefeito principiou a ideia de proteger
o frgil manancial dagua existente sob as dunas da
cidade, a fauna e flora, notadamente do campo dunar que se estende
entre os bairros de Candelria, Cidade Nova e Pitimbu.
Para
tanto aproveitando uma ZPA (Zona de Proteo Ambiental)
ali existente, criou o Parque da Cidade pelo Decreto n 8.078
de 13 de dezembro de 2006, publicado no Dirio Oficial do
Municpio de 14.12.2006.
Em
que pese o referido instituto legal definir a finalidade e as especificaes
da rea, ele no atribua nenhum nome ao Parque,
conforme vontade inicial do Prefeito que o imaginava com a nica
denominao de “Parque da Cidade”, vislumbrando
assim que a grande beneficiria e homenageada seria a prpria
cidade.
Ocorreu, entretanto, que dias seguintes publicao
do Decreto eu ei a receber alguns telefonemas, inclusive da
Arquidiocese de Natal, todos defendendo que o prefeito atribusse
o nome de “Dom Nivaldo Monte” ao Parque da Cidade. Levei
o assunto a seu conhecimento.
Inicialmente
no itiu, respondendo-me que no fazia sentido
atribuir qualquer nome alm do que j estava publicado.
Argumentei, inclusive, destacando a preocupao em
vida de Dom Nivaldo Monte pela botnica e preservao
da natureza, alm de ter sido um bispo querido de todos.
Decorridos aproximadamente quinze (15) dias dessa nossa conversa,
ocorrida em seu gabinete, fui chamado sala do prefeito
que me disse: “at mame est exigindo
que eu mude o nome do Parque da Cidade para Dom Nivaldo Monte. Der
uma soluo, mas no retire o nome “Parque
da Cidade”, advertiu-me.
Fui
para minha sala e fiz a minuta de alterao do art.1
do Decreto n 8.078/2006, atribuindo ao Parque o novo nome
“Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte”. O prefeito gostou
e aprovou a modificao determinando a publicao
do Decreto n 8.093/2007, de 2 de janeiro daquele ano, que
fixou para histria merecidamente o nome atual.
*
Tertuliano Cabral Pinheiro Advogado militante, Assessor
Jurdico Municipal e foi Secretrio Municipal de Esporte
e Secretrio Municipal Adjunto da Secretaria do Gabinete
do Prefeito Carlos Eduardo Nunes Alves nas gestes de 2002/2004
e 2005/2008.
Dom
Nivaldo Monte e a Msica Litrgica Inculturada
Roberto Lima de Souza
Autora,
Palmyra Wanderley, Intrprete Roberto Lima
MP3 7,13 MB
O ano de 1968 foi marcante para a msica litrgica
em Natal e no Nordeste do Brasil. Naquela poca, nos movimentos
de igreja engajados na doutrina social, falava-se muito em msica
popular na Liturgia e, como reflexo do conclio Vaticano
II, em uma msica inculturada.
O conceito de inculturao no era muito claro
poca, e, talvez por isso, demorou um pouco a florescer,
no Brasil, umamsica religiosa que fosse ao mesmo tempo uma
expresso da f do nosso povo e que tivesse tambm
o sabor, a cor e a feio de autntica msica
brasileira, to rica e to diversificada.
Coincidentemente, era a poca dos festivais de Msica
Popular Brasileira que assumia, como uma das razes do seu
existir, uma parte dessa preocupao: O resgate da
msica brasileira que “Inserida no contexto”
da “aldeia global” sofrera j tantas e tantas
influncias que parecia comear a descaracterizar-se.Grandes
Festivais realizavam-se no eixo Rio-So Paulo. Natal, a “Londres
Nordestina”, no ficaria alheia tendncia.
O I Festival Natalense da Cano Popular seria realizado
em dezembro de 1967, mas, por diversas razes, ficou adiado
para o mgico ano de 1968. Participei daquele Festival com
uma msica chamada “Cano das Cantigas
da Minha Terra”, que contava e cantava trechos dos autos folclricas
do Rio Grande do Norte. Era uma composio com letra
extensa, como era comum poca. Algumas dessas cantigas
foram aprendidasem casa com meu pai, meu av e minha bisav;
outras, assistindo s apresentaes dos autos
folclricos em praa pblica, poca
do Prefeito Djalma Maranho. A nossa msica ficou
entre as quatro premiadas do Festival. Da por diante, no
deixei mais de participar de Festivais de msica Brasil a
fora.
Naquele mesmo ano de 1968, obtivemos o primeiro lugar da fase regional
norte-nordestedo I Festival Nacional da Msica Popular Brasileira
– “O Brasil Canta no Rio”, com a msica
“Ciranda do Amor que vai Morrer de Velho pra Nascer Criana”.
Essa etapa realizou-se em Recife, Pernambuco, onde conquistamos
tambm o prmio da melhor letra do festival. Na fase
Nacional, no Rio de Janeiro (TV Excelsior), disputamos a semifinal
com os representantes de So Paulo e fomos classificados
para a finalssima Nacional no Maracanzinho. A “Ciranda”
foi gravada e lanada nacionalmente pela CBS no LP “O
melhor de o Brasil Canta no Rio”.
Em Natal, esse festival teve uma grande repercusso na imprensa
e na sociedade. Fomos homenageados pela Assembleia Legislativa,
Cmara Municipal, diversos clubes de servios e por
todas as emissoras de rdio. Belas e inesquecveis,
para mim, foram a Crnica escrita por Newton Navarro e a homilia
proferida por D. Nivaldo Monte da missa solene do domingo na Catedral:
profunda e, ao mesmo tempo, eivada de sbia simplicidade
como costumavam ser as reflexes do nosso querido Arcebispo
Metropolitano de Natal.
Grande alegria para mim foi ter sido convidado, aps esses
festivais, para compor a missa da Padroeira de Natal, que seria
cantada pela primeira vez na Festa de Nossa Senhora da Apresentao
daquele mesmo ano de 1968. Falava-se nos grupos de igreja que aquele
missa revelava finalmente a inspirao do Concilio
Vaticano II. Era toda em ritmo popular. O Hino Final, com letra
de Palmira Wanderley tinha a msica composta em ritmo de
baio e toada. No entanto, vale destacar aqui que s
prevaleceu o ritmo de baio graas interferncia
de D. Nivaldo Monte.
Na noite ensaio geral da missa, na antiga catedral, o Proco
j havia decididoque o canto final seriano ritmo tradicional
de “hino”, pois o baio lhe parecia msica
“profana”. Essa deciso quebrou um pouco o entusiasmo
dos msicos e do coro da catedral com quem havamos
ensaiado a missa. Foi nesse clima que ocorreu a chegada de Dom Nivaldo.
Aproveitei a ocasio e relatei o ocorrido. Dom Nivaldo, ento,
falou: Mostrem-me das duas maneiras. Cantamos primeiramente em ritmo
de “Hino” e, em seguida, em ritmo de baio. Depois
de ouvir a segunda apresentao, D. Nivaldo exclamou
entusiasmado: “Mas muito melhor em ritmo de baio”.
As palmas ecoaram nos arcos da igreja. Ao proco s
restou acrescentar: “J que o Bispo quer assim... OBispo
quem sabe!...”
A missa teve a participao do conjunto Impacto V,
e foi a primeira vez, no Brasil, em que guitarras, bateria e o ritmo
de baio foram introduzidos em uma celebrao
litrgica da Igreja. A notcia se espalhou pelas comunidades
eclesiais. Recebemos a visita do representante do setor de msica
da CNBB, Pe. Weber. Fomos tambm convidados a apresentar
essa missa em Recife e a compor uma missa para o Natal em Natal
de 1968. As letras desta ltima foram escritas pelo padre
Z Lus e contavam com uma revolucionria “Louvao
do Natal”, cuja msica compuz no ritmo da “Chegana”.
As duas missas (Letra e msica) foram publicadas pela Editora
Vozes e tiveram vrias gravaes cantadas Brasil
a fora.
A partir da, fui convidado para os encontros de Msica
popular na Liturgia que comearam a se realizar em Olinda
e Recife em 1969. ei tambm a colaborar com msicas
para vrias campanhas da Fraternidade sempre com msicas
inculturadas. Tempos depois, fui convidado a fazer parte da equipe
de reflexo de Msica Litrgica da CNBB, da
qual fao parte ainda hoje.
Dizia Gilberto Freyre que tudo que acontece no Nordeste e, muitas
vezes no Brasil, comea em Natal. E acrescentava: “nem
sempre termina em Natal, mas l que comea...”
Seguindo esse foco, gostaria de concluir com mais um depoimento
sobre o extraordinrio e simples D. Nivaldo:
Foi ainda por inspirao de D. Nivaldo que comeamos
a compor msicas litrgicas para casamentos. Foi ele
o primeiro a me apontar a beleza e a riqueza dos textos bblicos
sobre o amor, tanto no Antigo quanto noNovo Testamento.E dizia:
O que preciso cantar nos casamentos “no so
essas msicas que esto na moda e que am”
(como era costume poca), “mas msicas
prprias que falem desse verdadeiro e profundo amor...”.
Hoje, h uma preocupao da CNBB sobre esse
tema. Por coincidncia,o prximo Encontro de Msica
Litrgica do Brasil deste ano ter, na parte prtica,
a apresentao de composies litrgica
para o casamento. O encontro ocorre em So Paulo, promovido
pela CNBB, congregando a equipe de reflexo e compositores
de diversos estados do Brasil Ser realizadono perodo
de 05 a 08 de setembro deste ano, ano do Centenrio de D.
Nivaldo Monte, de quem faremos a memria como um dos pioneiros
da Msica Litrgica inculturada no Brasil!
D.
Nivaldo Monte – Telogo da Ternura!
Irm Vilma Lcia de Oliveira, FDC
Dom Nivaldo Monte continua vivo entre ns! O Seu amor pela
Igreja e pelo seu redil, prossegue na eternidade. S a saudade
e a ternura podem inspirar as definitivas lembranas que
temos dele como um afetuoso Pastor, homem bom, erudito, simples,
orante, terno, vazio de si, mas repleto de totalidade! A lembrana
de seus gestos sinceros colorem nossos dias com carisma e afeto,
eternizando o privilgio de t-lo por perto. O seu
legado tem um triplo aspecto: ser pastor, ser poeta e ser, de alguma
forma, um dos precursores da teologia da ternura.
Como
telogo da ternura, um afetuoso Pastor, um santo, um irmo
e um amigo, conseguia formatar os coraes, com sbia
e pedaggica sensibilidade. Sempre muito prximo de
suas ovelhas, reservava para o rebanho, todo o seu carinho e a maior
ternura de seu corao. A ternura a norma
de sua prxis, pura benevolncia e afabilidade.
o que a experincia de sua amizade traz de iluminante e de
esperanoso. Exatamente porque d forma nossa
relao com Deus, com a criao e as
criaturas. Ama-se a Deus ao amar um amigo e s se ama de
verdade um amigo quando se ama a Deus. E para amar e ser amigo de
Deus “posso s-lo agora mesmo”, disse Santo Agostinho.
Para
D. Nivaldo, todas as coisas que o cercavam tinham o seu encanto
especial: da folha seca, esquecida beira da estrada, ao
esplendor do cu a cintilar de estrelas. Incansvel
nas buscas e descobertas das belezas escondidas na face das coisas
e dos seres. Em cada amanhecer via a misericrdia de Deus
renovando as Suas obras. Assim, ele restabelecia suas esperanas
ratificando a profecia de Jeremias, hoje e sempre est se
renovando, sua grande fidelidade (Lm. 3, 23). Sim, foi assim que
ele amou: pela simples e divina alegria de amar.
Como
poeta um mstico, um contemplativo. Foi no Monte
da contemplao, que se tornou poeta, menestrel de
todos os amores, cantando madrigais a todos os enamorados de Deus
e despertando ternuras esquecidas nas almas. Um poeta profundamente
mstico, via com olhos de irao o sentido
e a beleza que se encerram na realidade de cada dia. Descobrir os
encantos, para ele, era como compor uma beleza a mais; uma nova
alegria para a sinfonia ideal da criao, na existncia
feliz que recebeu de Deus” (Minha Cidade Natal e eu, p. 46).
Tinha uma forma bem prpria para falar de Deus, assim como
o amado fala da amada. Quase que espontaneamente, deixava escapar
a criana que guardava em seu corao. No
sabia esconder o amor que o fazia viver! E como que resgatando a
linguagem infantil da ternura, brindava-nos com as mais pueris imagens
do carinho. E quando diante das dificuldades e das dores humanas,
acolhia tudo afirmando: a dor, eis a grande sentinela da vida (A
Dor, p.7). Para ns, ele uma inspiradora referncia.
Essa memria desperta em nossos coraes, um
grato reconhecimento, pode at no aparecer, mas
profundamente presente a sua presena!
Para
quem o conheceu, fcil recordar o ressoar de sua
voz dizendo: A presena s real e verdadeira,
quando sentimos falta dela! Portanto, fica fcil repercutir
suas palavras: Como sentimos falta dele....! Hoje, festejando o
centenrio de seu nascimento, bebemos do Amor desta ausncia
– presena e, por isto, parece que o ar fica florido
de memrias; a impresso de que ele vem surgindo
todo paramentado de eterno, por entre litrgicas plantas
e flores, celebrando num mstico altar em cascatas de carinhosas
preces e bnos. E de repente, a sua voz vibrante
de afetuosa inteligncia, ecoa em esvoaantes recordaes,
memrias que geram em nossa vida, um novo comeo no
qual a sua presena mais real e verdadeira.
O
seu legado continua vivo, como potente luzeiro, iluminando os escuros
dos nossos caminhos na decifrao do mistrio
da vida; refinando a nossa ateno para o essencial
da realidade, muitas vezes ofuscada e inaudvel; preservando-nos
dos riscos da banalizao do mistrio.
um tesouro que conservamos em nossos almas como um verdadeiro mapa
que nos leva ao segredo que ilumina a penumbra do Templo, o limiar
do Reino do “Pai Querido”. Como ele gostava de dizer:
“se o amor brilhar em nossos coraes, chegaremos
meta de todos os destinos” (Gestos de Fadrio,
p. 34). D. Nivaldo Monte, telogo da ternura, afetuoso pastor,
dom da paz e muito mais, um dom do cu, interceda, junto
a Deus, por ns.
Niniu,
e Ele virou Parque!
Washington Arajo
Se conosco estivesse Dom Nivaldo Monte faria 100 anos. Mas, com
certeza, entendo que ele em seus 88 anos de vida fez bem mais que
100 anos, porque era um homem mltiplo.
Niniu tinha uma personalidade
diamantina: vrias facetas de sua vida costumavam nos inundar
de luz, nos banhava de sabedoria e tinha uma certa ternura que,
qual brisa, costumeira ali nas cercanias de Emas e no entorno
do Morro do Careca, nos fazia revelar nosso melhor eu.
Bispo de uma cidade de
egos latejantes, impertinentes, gente que tem o duvidoso gosto de
citar a si mesmo sem qualquer pudor, Niniu conseguiu adornar seu
apostolado com as vestes da humildade, calando diuturnamente
as sandlias do lirismo e, portando-se assim, conquistou
as mentes e os coraes de to vasto rebanho.
Niniu entendia dos temperamentos
humanos como ningum e era mestre consumado na arte de servir
ao prximo, sempre desdenhando das muitas vaidades desse
tempo efmero onde o descartvel almeja, sempre em
vo, a plenitude do eterno.
Em meu tempos natalenses - meados dos anos 70 - me encontrei com
ele meia dzia de vezes. Como aluno de dois colgios
catlicos (o Nossa Senhora das Vitrias, em Assu,
e o das Neves, na capital) aprendi a v-lo nas muitas celebraes
ao longo dos anos.
Desses encontros guardo comigo sua recomendao de
cinco autores de quem logo me fiz alm de leitor assduo,
um grande irador: Rassa e Jacques Maritain, Joo
Mohana, Myles Connoly e Michel Quoist.
Dotado de corao,
corpo e jeito de sertanejo, Dom Nivaldo possua a afabilidade
dos que souberam pisar, com ternura, na terra dos que amam. Sem
afetaes, com um poderoso teflon a lhe proteger das
vaidades paroquiais que tanto tem enfermado a sociedade natalense,
nosso Dom foi - e no s pela delgada aparncia,
muito assemelhada ao mapa do Chile - um Don Quijote, no
de La Mancha, mas sim de todos os Potiguares.
E se fez ‘cavaleiro da triste figura’, na exata descrio
de Cervantes, porque lutou obstinadamente contra as injustias
sociais, defendeu a primazia de uma educao universalizada
e toda-inclusiva, no festejou os poderosos de turno, e muito
menos esmoreceu quando todas as batalhas pareciam perdidas. Muito
ao contrrio, Niniu agigantou-se nas lutas que travou e,
como leal Cavaleiro de Cristo, conquistou para Deus as cidadelas
dos coraes humanos.
Amante contumaz da Natureza,
confidente de pssaros, dos maiores e vistosos at
aos menores e sem muita graa, Niniu, botnico amador
na juventude, foi tambm conspirador das flores, dono de
uma imensa sensibilidade humana, prpria de quem sabia extrair
de cada um o que cada um possua de melhor.
Maior que todos os seus
contemporneos juntos e somados, Dom Nivaldo Monte partiu,
alou voo e, imenso no rastro de luz que deixou, transmutou-se
no maravilhoso Parque da Cidade, cidade que tanto serviu e amou.
Concordo com Nietzsche
quando afirmou que “as grandes revolues vinham
com ps de pombos”. Desconfio que Dom Niniu, dado a
sua leveza devia ter tambm... ps de pombo.
- E viva Niniu! (Como
esqueci de dizer aos anjos que ficassem silentes eis que penso ter
ouvido um coro de mltiplas e encantadoras vozes respondendo
a uma s voz: “Viva!”)
Dom
Nivaldo: Guerreiro da Paz
Dermi Azevedo
As armas do amor foram as escolhidas por Dom Nivaldo Montes na sua
luta cotidiana para anunciar Jesus Cristo e para construo
de um mundo marcado pela justia e paz.
Todos
seus colaboradores e colaboradoras tem testemunhos para contar sobre
a atuao desse homem mago que gostava de bater um
bom papo deitado na sua rede no prdio em que morava.
A
e no seu escritrio da Cria Arquidiocesana, ele enxugava
as lagrimas dos sofredores, apresentava projetos na rea
social e disseminava as palavras de ordem a todos que o procuravam,
fundamentadas na pessoa de Jesus, sempre como bom pastor.
Nem
sempre era bem sucedido nas suas tarefas mediadoras.
Encontrava
as vezes coraes endurecidos pela nsia do
poder e do dinheiro.
Seus primeiros desabafos eram recolhidos pelo seu auxiliar padre
Costa, Dom Antnio Soares Costa.
Um
desses casos de tentativa frustrada de mediao solidria
aconteceu comigo.
Eu
era integrante e Presidente da Comisso de Justia
e Paz da Arquidiocese de Natal por nomeao de Dom
Nivaldo e assinei uma nota de apoio aos professores estaduais que
estavam em greve por melhores salrios, assim que viu a nota,
o Governador Lavoisier Maia, um dos homens fortes da ditadura militar
determinou minha demisso sumria como diretor tcnico
da FETAC (Fundao Estadual do trabalho e da Ao
Comunitria), em que eu assessorava a presidente da entidade
Marlcia Saldanha.
Dom
Nivaldo entrou em ao conforme seu estilo pacificador,
mas o governador no voltou atrs, continuei na Comisso
de Justia e Paz, dessa vez desempregado pouco tempo depois
voltei para So Paulo, onde continuei a luta pela sobrevivncia
da minha famlia e o meu engajamento na luta contra o regime
ditatorial.
PROGRESSISTA
OU CONSERVADOR?
Era um homem progressista no com arrojo e com a postura
de alguns de seus colegas bispos, tais como Dom Hlder Cmara
, Dom Antnio Fragoso ou Dom Jos Maria Pires. Mas
suas posies politico-pastorais, embora moderadas,
no concilia com aquelas dos bispos conservadores, que se
banqueteavam com os latifundirios e que nada diziam diante
da violncia contra os trabalhadores. inspirava-se nas diretrizes
da CNBB e do Concilio Ecumnico Vaticano II.
O
QUE DIRIA HOJE DOM NIVALDO
Se
fosse vivo hoje, Dom Nivaldo j teria procurado o governador
do estado e as autoridades federais no Rio Grande do Norte para
lhe dizer que a violncia s pode ser vencida com a
justia social. Presdios superlotados por centenas
de presos.
Presdios
superlotados no resolvem nada. afirmaria tambm que
as guas do Rio So Francisco j deveriam ter
chegado aos canais de terra de camponeses e ainda revelaria o seu
desgosto de ante dos massacres sucessivos em que a maioria das vitimas
formada por jovens.
Mas
sobre tudo, Dom Nivaldo pediria um comportamento diferentes dos
que tem poder.
Continuaria
a sua misso prioritria de anunciar que "O corao
para amar" ( ttulo de um de seus livros).
Dermi
Azevedo Jornalista e Cientista Poltico. Nascido
em Jardim do Serid - RN.
Doutor em Cincia Poltica pela USP. Est
lanando agora seu livro. "Direitos Humanos: Teoria
e Prtica". tambm autor de " Travessias
Torturadas".
O
Dom de Ser Santo
Digenes da Cunha Lima
Natal teve a generosidade de nos oferecer um contemporneo
exemplar, o santo da alegria.
Dom Nivaldo Monte (1918 - 2006) era tomado por intensa alegria espiritual
e com todos ele a distribua. Por isso, intitulei a sua biografia
de “O Semeador de Alegria”. Todavia, observo que a vida
dele no cabe em um livro. Acho que ele estava no mundo para
ensinar.
Deus lhe deu sabedoria para transmitir aos seus alunos – e
a quem com ele tratasse – as lies da vida,
dePsicologia do saber,transmitiu sabedoria nas lies
de grego e latim na formao de padres.
Um homem mltiplo de cincia e arte, foi chamado a
todas as funes do seu ministrio, exercendo
tambm o jornalismo, a funo de escritor e
de lcido acadmico.
Tudo porque em sua vida j havia adotado o lema do seu braso,
em latim: Viver em Cristo. Por reconhecidas virtudes, foi chamado
como conferencista em muitos lugares do Brasil e exterior. O Papa
So Joo XXIII escolheu-o seu bispo e, depois, Monsenhor
Camareiro do Papa.
Botnico amador, enamorado das plantas, amante do cho,
das frutas, dos pssaros, era imbatvel o seu amor
natureza.Dizia que deveria ter nascido na fazenda e no
na cidade, que a terra daqui era boa, porque dava mangaba, “a
fruta mais deliciosa que Deus nos deu”.
Na sua granja, ele se identificava com as flores escarlates de Japecanga,
com as xananas, manac, flores roxas e amarelas do pau d’arqueiro,
com a grande flor da banana, o p de mamo, o cajueiro.
Usufrua da beleza da forma, do cheiro, das cores, tons e
subtons. Dizia da impressibilidade de ver em cada coisa a sua beleza
e ser a razo de uma nova alegria.
O nosso Dom doutrinou que Deus fez do homem um ser inacabadopara
que ele pudesse se autoconstruir em conscincia.
Um dia, recebi em meu escritrio uma senhora que chorava
sem parar. Consegui, com esforo, que ela contasse a sua
histria. Disse que estava definitivamente condenada, no
via sada.
Havia trado a sua f e a sua palavra sagrada, arranjado
um amante. O marido, que frequentemente batia nela, mat-la-ia
e tambm ao advogado, se ela tentasse desquitar-se. Consolei-a
como pude, sem conseguir. Lembrei-lhe de Dom Nivaldo, ela foi e,
dias mais tarde, voltou outra mulher.
O bispo acalmou-a.Ela no cansava de repetir algumas frases
dele, poca, revolucionrias para um religioso.
Talvez, agora, o Papa Francisco fizesse a mesma coisa. Foram lies:
“O amor superior ao casamento”.E mais: “Saiba
que amor sacrifica. S depois que salva”.
Foi dada a sua absolvio.
No primeiro ano do reconhecimento dos trinta santos de Cunha
e Uruau, ser comemorado o centenrio do Santo
da Alegria.
A Arquidiocese, a Academia Norte-rio-grandense de Letras e o Parque
Dom Nivaldo Monte participaro das comemoraes.
O escritor-acadmico Padre Joo Medeiros pontificou:
“No silncio do Mosteiro de Sant’Ana, onde a natureza
reina placidamente como um sorriso de Deus, repousa nosso inesquecvel
Dom Nivaldo.
Os
pssaros alam seu voo realizando a dana da
alegria, o cheiro das plantas e da terra espargindo no ar, velando
a sepultura simples de um sbio e santo”.
Com
outros fiis, darei toque de sino tenor em seu louvor.
Um
Ms
Homenagem a Dom Nivaldo Monte, Artigo e Poema, escrito em dezembro
de 2006
Horcio Paiva
Um ms sem a presena fsica de D. Nivaldo Monte
entre ns e nesta Natal que amou. Um ms deste tempo
que inventamos e que aprendemos a repartir e contar. Mas que, sem
retorno, no o devolve. Porque o seu tempo- como, de resto,
o nosso tempo - o da eternidade.
Li certa vez que perguntaram a Galileu Galilei quantos anos ele
tinha, ao que respondeu: “Cinco, dez ou quinze anos. Talvez
mais, ou talvez menos. Talvez alguns dias, ou somente um dia. Sim,
porque o tempo ado j no me pertence e apenas
posso contar com o futuro. Mas este eu no sei precisar”.
Sobre esse tema, o tempo o que dele nos cabe em vida, diz
Marco Aurlio em suas “Meditaes”
(Livro II, 14):
“Ainda que os anos de tua vida sejam trs mil ou dez
vezes trs mil, lembra-te que ningum perde outra vida,
seno a que vive agora, nem vive outra seno a que
perde. O prazo mais longo e o mais breve so, portanto, iguais.
O presente de todos: morrer perder o presente,
que um tempo brevssimo. Ningum perde o
ado nem o futuro, pois a ningum podem tirar o que no
tem”.
A matria do presente seria, ento, o prprio
tempo. E istrariam melhor o seu tempo existencial aqueles que
tivessem o seu olhar mais amplo, universal, holstico: os
visionrios.
Tenho que,na arte de viver, expressam sabedoria aqueles que sabem
distinguir o principal e o secundrio, mantendo, assim, donos
deste conhecimento, a serenidade e a tranquilidade de esprito,
mesmo diante das adversidades- comuns a todos -, e estando, dessa
forma, mais prximos tambm da felicidade.
A esse propsito, Dom Nivaldo Monte no foi apenas
um sacerdote, mas um sbio, um visionrio, algum
que soube aliar o esprito contemplativo ao.
Sneca, um dos mais expressivos pensadores do estoicismo romano-
filosofia, alis, to presente em nossa religio
crist - recomendava alternar o recolhimento e a vida social:
“Misturemos as duas coisas: alternemos a solido e
o mundo” (in “Da tranquilidade da alma” - XVII,
3).
A meu ver, portanto, o perfil existencial de D. Nivaldo continha
esses dois aspectos: o contemplativo e o ativo.
Nesse ltimo sentido, inegvel a sua profunda
contribuio ao desenvolvimento educativo, poltico
e social de nossa gente.
Entregue ao pensamento, literatura e s reflexes,
no se pode negar que foi, igualmente, um vigoroso homem
de ao. Aliado ao seu grande amigo e tambm
proeminente figura da Igreja, Dom Eugnio de Arajo
Sales, realizador de inmeros feitos exemplares,
essenciais ao progresso e ao crescimento moral e espiritual de nosso
povo.
Assim, criou a Rdio Rural (Emissora de Educao
Rural), utilizando-a como importante e pioneiro instrumento de alfabetizao
e educao em nosso Estado. Outra ao
pioneira de sua lavra foi a instalao da Escola de
Servio Social (hoje integrada Universidade Federal
do Rio Grande do Norte), primeira entidade de nvel superior,
na espcie, em Natal.
Nos anos difceis do perodo ditatorial, quando um
grupo de humanistas e democratas (entre estes, Padre Pio, Dermi
Azevedo, Elias Cabral Maciel, Rivaldo Fernandes e eu) lutavam contra
a opresso, pela democracia e pela criao
de um comit de defesa dos direitos humanos, encampou a ideia
e deu-lhe forma com a fundao da Comisso
Pontifcia Justia e Paz, da qual fui presidente,
primeira entidade estadual (mas vinculada ao Vaticano - da
“Pontifcia”) destinada defesa dos direitos
humanos.
Movimento idealista e agregador, a ele somaram-se outros nomes,
tornando-o ainda mais forte: Carlos Antnio Varela Barca,
Padre Vilela (Pastoral Carcerria), Adlson Gurgel
de Castro (primeiro presidente), Marcondes Assis da Silva (Pastoral
da Juventude), Marlcia Paiva, Francisco Gomes, Oswaldo e
Roberto Monte e outros.
Era meu amigo e em vrias ocasies conversamos muito.
Sobretudo sobre filosofia, poltica, religio e poesia.
Havia entre ns um grande elo de simpatia, a identificao
espiritual que tanto aproxima as pessoas. Mostrou-me originais seus
antes de torn-los livros.
Certa vez, falando-me sobre a coragem, definia o corajoso no
como aquele despojado do medo, mas aquele que o dominava. Tema e
concepo, alis, que aborda em seu livro “Toda
palavra uma semente”, quando diz: “O problema,
o verdadeiro problema no ter ou no ter
medo, mas, quando necessrio agir, deixar-se levar pelo temor”.
Dediquei-lhe uma traduo que fiz do “Noche
Obscura”, do mstico e grande poeta espanhol San Juan
de la Cruz, para mim expresso das mais altas (seno
a mais alta) da poesia em lngua castelhana, que trata do
encontro da alma com Deus e cuja primeira estrofe (transcrita no
original) associo agora sua prpria partida, aps
concluda sua obra, estando em paz com Deus e com os homens:
“En una noche obscura/ conansiasen amores inflamada,/ oh dichosa
ventura!/ salsin ser notada,/ estando ya mi casa sossegada”.
Em memria do amigo, em meio ao mistrio e s
iluses do mundo, revela-me a poesia, de observao
e confiana csmicas:
A realidade
a opo
do provvel.
O real
Deus.
TEMPO
E ETERNIDADE
A D. Nivaldo Monte, in
memoriam
J no tenho tempo.
Compreendo
como Santo Agostinho
que o tempo uma inveno do homem
para contagem de seus dias.
Mas tenho, Senhor, a
Vossa eternidade
onde, perene, caminho.
(Horcio Paiva)
O
Centenrio de Dom Nivaldo Monte 1918 - 2018
Cludio Oliveira, Jornalista e Chargista
Tive um contato pessoal com o Arcebispo Metropolitano de Natal,
Dom Nivaldo Monte, em 1984, quando os estudantes da UFRN invadiram
a Reitoria e expulsaram de l o reitor Genibaldo Barros.
Nessa poca, eu
era estudante de Comunicao Social e presidia o Diretrio
Acadmico do Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes.
Ns, estudantes ligados ao PCB, ramos contrrios
invaso e vaiados nas assembleias por estudantes
vinculados ao PT.
O reitor pediu reintegrao
de posse Justia Federal. E antes que a polcia
fosse convocada para cumprir a ordem judicial, o ento deputado
estadual Hermano Paiva (PCB-RN*), props Assemblia
Legislativa do Rio Grande do Norte uma comisso de conciliao,
com o objetivo de buscar uma sada negociada para o conflito.
Dom Nivaldo Monte, tido
como da ala moderada da Igreja Catlica, de pronto aceitou
o convite para integrar a comisso e se disps a ir
Reitoria para uma reunio com os lderes
estudantis e o reitor.
Por acaso, sentei-me
ao lado de Dom Nivaldo Monte na reunio. Trocamos umas breves
palavras. Sua interveno foi conciliadora e o seu
aval foi importante para se chegar a um acordo, no qual os estudantes
desocuparam a Reitoria e a UFRN voltou normalidade da vida
acadmica.
Neste ano de 2018, a
Arquidiocese de Natal e famlia celebram o centenrio
de Dom Nivaldo Monte. O Brasil e o mundo precisam de mulheres e
homens como ele, que no erguem muros para dividi-los, mas
constroem pontes para uni-los. Registro minha irao
por Dom Nivaldo Monte.
* Em 1984, o Brasil ainda
estava sob um regime autoritrio e o PCB continuava proibido.
Ento, Hermano Paiva era deputado pelo MDB, partido que ajudou
a fundar. Em 1985, com o fim do regime, o PCB foi legalizado.
Depoimento
de Andorra Howard, Madonna House Lay Apostolate
“Dom Nivaldo foi um sacerdote santo de Deus. Um padre que
me inspirou constantemente. Sempre com seu sorriso manso e com suas
palavras de sabedoria eu sentia na presena dele o Espirito
Santo.
Ele tambm era
um homem prtico, que sabia muito como cuidar da terra e
como respeitar a natureza que Deus criou. Eu gostava tanto de falar
com Dom Nivaldo sobre o jardim que cuidava na granja.
Ele sabia mais sobre
as coisas que eu plantei naquele jardim do que eu. Um dia eu falei
a Dom Nivaldo com muito orgulho, “Dom Nivaldo, eu tenho 7
jerimuns crescendo no jardim!”
Com aquele sorriso dele
e os seus olhos brilhando ele falou: “Oito!” E, nossa!
Ele tinha razo! Numa parte bem escondida do jardim estava
o oitavo jerimum que eu no achei!
Deus lhe deu tambm
o dom de cuidar das almas, que ele cuidava como diretor espiritual.
Eu me confessava com ele tanto quanto possvel. Um dia eu
fui at ele com meu corao muito abatido.
Eu estava carregando
um peso muito grande. Eu sentia o peso dos meus pecados e os de
muitas feridas da minha vida.
Ele me aconselhou e com
uma s frase e tirou de mim aquele peso que at hoje
nunca mais o senti.
Eu dou graas
a Deus pelas benos recebidas atravs dos
anos que ei junto a ele. Espero que Dom Nivaldo esteja continuando
de nos cuidar do cu como sempre!
Com muito amor e gratido, Andorra
Texto recebido por whatsapp, atravs da companheira Geise,
do Grupo Orao
“Roberto! Meu esposo recebeu de Andorra / Madonna House”
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