UM PRONTO SOCORRO JURDICO PERMANENTE
Mrcia Albuquerque foi uma advogada que teve o incio da sua carreira profissional marcado pelo golpe de abril de 1964 e o envolvimento com a defesa de presos polticos. Inicialmente, Gregrio Bezerra, que nas suas memrias se refere sua dedicao, ressaltando a presena e os esforos, mesmo nos momentos finais da gravidez que atravessava.
Da em diante ela ou a ser uma espcie de pronto socorro jurdico dos perseguidos e atingidos pela represso da ditadura, atendendo a todos que a procuravam. Suspeitos, estudantes, militantes de diversas filiaes, sob o seu alvo ou colhidos pelas malhas repressivas. Em muitos casos, ou na sua maioria, sem cobrar um centavo dos seus clientes. E ainda estendendo o apoio aos familiares dos mais desfavorecidos, com refeies, abrigo e consolao.
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O manto desse apoio ultraava os limites de Pernambuco, sede da
Auditoria da 7 Circunscrio Judiciria Militar, onde se desenrolavam processos oriundos de vrios estados.
Profundamente ional e emotiva, estabelecendo relaes pessoais com os familiares da clientela, Mrcia tomava partido em querelas, afeioava-se a uns, antipatizava outros, dava conselhos. O que est refletido nos seus dirios, onde ela depositava (e despejava), tanto o seu protesto civil ante a ditadura, quando os seus humores no politizados, relativos ao relacionamento comum entre as pessoas. No territrio que Paulinho da Viola desenha, quando diz: “conviver sumir/consumir viver.”
Nas suas linhas essenciais, os dirios de Mrcia Albuquerque constituem uma importante fonte de conhecimento sobre a represso ditatorial, com revelaes dos bastidores e dos pores, em dois aspectos. Por um lado, expondo os abusos e crimes da ditadura. Por outro, pondo luz sobre a extenso da represso aos familiares e amigos prximos dos perseguidos polticos. Fisicamente, com prises, invases, plantes em residncias, depredaes, e “acompanhamentos” ostensivos. Com todas as consequncias de um terror psicolgico ainda pouco estudado e, no raro, subestimado entre prprios perseguidos, onde, incorporando-se uma lgica de represso, se ouvia dizer: “fulano s foi torturado psicologicamente”.
Estes dirios da Dra. Mrcia Albuquerque so um repositrio farto de informaes. Como os files de uma mina a serem escavados. Retirando-se o material a ser trabalhado na ouriversaria da pesquisa histrica. Sobre um perodo cruel da vida poltica brasileira, ainda hoje marcada por pontos cegos, enigmas e mazelas atuantes daquela poca.
Marcelo Mrio de Melo
Jornalista, escritor, preso poltico em Pernambuco e cliente da Dra. Mrcia
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