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Vdeo Mrcia 3

Discurso Integral de Mrcia
7,79 MB 13:09'

Saudao inicial

EXMO. SR. PRESIDENTE DA ASSEMBLIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE,
SRS. DEPUTADOS,


EXMO. SR. PRESIDENTE DA CMARA DE VEREADORES DA CIDADE DE NATAL,


SRS. VEREADORES,


SR. PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS HUMANOS,


AUTORIDADES PRESENTES OU REPRESENTADAS,

MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES.

Inicialmente, desejo dividir esta homenagem com alguns familiares. Assim, com o meu marido Otvio Clementino de Albuquerque, que sempre me apoiou; com minha me Luzinete Albuquerque, que discordava da minha atuao em defesa dos presos polticos, mas nunca deixou de estar ao meu lado quando precisei, e com os meus irmos Pedro e Sandino, este ltimo perseguido, preso e torturado para delatar-me. A Maria Jos Batista de Menezes que, nas minhas ausncias, substituiu-me junto a Aradin, com carinho e muita dedicao.

Peo, neste momento, perdo ao meu filho Aradin, por no lhe haver dedicado horas preciosas quando mais necessitava, ocupadas com o patrocnio da defesa dos perseguidos polticos. No desconheo que a minha ausncia deixou marcas no seu mundo afetivo, que nunca pude compensar, somente restando pedir a sua compreenso para a excepcionalidade daquele tempo e do desafio enfrentado.

SENHORAS E SENHORES:

As honrarias alimentam o esprito, fazem bem a alma, quando no se deixam enganar os contemplados pelo auto engrandecimento da personalidade. 1b4p3d

Imbuda desse sentimento, as minhas primeiras palavras so para expressar ao Poder Legislativo do legendrio Estado do Rio Grande do Norte, e Cmara de Vereadores da histrica cidade de Natal, que me adotam, o reconhecimento ao seu significado histrico. As Casas de Jos Augusto e de Frei Miguelinho tem sido palco de memorveis eventos cvicos em defesa da liberdade poltica, da cidadania e das causas sociais do povo potiguar. No Rio Grande do Norte e na cidade de Natal, vislumbro, ao lado do meu Pernambuco, o bero da nacionalidade e do patriotismo brasileiros, afirmados na resistncia ao invasor holands. Que o exemplo desse ado glorioso, na afirmao do sentimento nativista, de exaltao independncia e liberdade, na integrao patritica do branco, do negro e do ndio, este representado na figura histrica do ndio Poti Felipe Camaro, seja o padro de quantos venham a exercer, ungidos pelo voto, a representao popular.

A essa solenidade conjunta se associa tambm o Centro de Direitos Humanos e Memria Popular e o Conselho Estadual de Direitos Humanos, aqui representados pelo seu Presidente, ROBERTO MONTE, ameaado de morte por grupos de extermnio, a quem presto, neste ato, a minha irrestrita solidariedade. A concesso minha pessoa do ttulo estadual de Defensor dos Direitos Humanos, neste ato conjunto, assume para mim a conotao de uma indita tripla cidadania: de Natal, do Rio Grande do Norte e do mundo, pois no tem fronteiras a luta em defesa dos direitos humanos e a sua dimenso internacional.

II r4z44

A minha vida tem sido marcada pela fora da emoo, literalmente, desde quando nasci, em situao emergencial. Em 23 de dezembro de 1934, minha me, ao visitar uma cunhada em Jaboato dos Guararapes, na regio metropolitana de Recife, deparou-se com uma situao de conflito social na estao ferroviria da antiga Great Western, com tiroteio e prises. Impedida de retornar a Recife, minha querida genitora me deu luz na madrugada do dia 23 daquele mesmo ms e ano, enquanto os ferrovirios ainda resistiam.

Pouco depois, minha famlia, por circunstncias da vida, mudou-se para So Jos da Laje, Alagoas. Naquela cidade alagoana fui criada no ambiente de uma famlia conservadora, para a qual medo era uma palavra que no existia, sendo esta uma caracterstica de minha educao que considero positiva.

Aos nove anos sofri um grande golpe ao ficar rf de pai, e quinze dias depois fui internada no Colgio Santssimo Sacramento, onde recebi excelente orientao para a vida.

No internato, apesar de ser a mais jovem, junto com uma colega, EDNA PINTO, criamos um grupo com a sigla UPT/TPU, significando uma por todas, todas por uma, expressando uma forte rebeldia quanto ao rgido regulamento do Colgio. A represso foi cerrada, com o apoio de minha me, trazendo a perda das frias da Semana Santa e da Semana da Ptria. Aos poucos, fui amansando... Muitas vezes, porm, subia nas rvores, somente pelo prazer de deixar as freiras me procurando. Depois... vinha o castigo.

Conclui o curso cientfico e o pedaggico. A minha famlia desejava que cursasse Medicina, da vindo eu a freqentar durante um ano o respectivo curso preparatrio. No entanto prestei vestibular para a Faculdade de Direito, mais uma vez reafirmando o meu esprito rebelde.

Vivi no interior de minha famlia aceso conflito poltico. Meu av, do PSD, era da escola dos coronis. Convivi com pistoleiros. Meu pai, udenista preconceituoso, valente, fiel aos amigos ns nos amvamos. Nos comcios era comum as luzes serem apagadas pelos adversrios, e o tiroteio irromper.

Cedo me ensinaram a atirar. Ganhei uma arma mas felizmente nunca precisei us-la. Anos depois destinei o revlver s guas quase sempre serenas do Rio Capibaribe.

Na Faculdade de Direito do Recife era tmida e arredia, mas sempre procurei ser cordial com os colegas . Estudava noite e trabalhava durante o dia como bancria e professora primria, concluindo o curso com muito esforo, sem destaques e sem estrelismos, o que comum entre os alunos que estudam noite, aps trabalhar durante todo o dia. A minha vocao maior, porm, era o magistrio, notadamente voltado s crianas excepcionais e aos menores carentes. Esse trabalho me deixava especialmente feliz, incentivando o meu aperfeioamento profissional atravs de cursos nessa rea.

III 2j5x2l

No dia 2 de abril de 1964 um acontecimento me marcou definitivamente a alma, provocando uma enorme reviravolta na minha vida. No h como no record-lo, pois o papel que assumi depois, sem dvida, responsvel por essa tripla honraria que o povo do Rio Grande do Norte me concede.

Por volta das 13 horas daquela data indelvel, o Tenente Coronel Darcy Vilocque Viana, comandante do Quartel de Motomecanizao do bairro de Casa Forte, em Recife, promoveu um espetculo vergonhoso para os foros de civilidade da minha cidade legendria.

Preso no interior do estado, o velho lder comunista GREGRIO LOURENO BEZERRA foi arrastado pelas ruas do bairro de Casa Forte, amarrado por cordas a um carro de combate do exrcito brasileiro. Gregrio, vestindo apenas um calo preto, com uma corda de trs pontas amarrada no pescoo, com os ps, que haviam sido mergulhados em soda custica, sangrando, banhado de suor, ainda assim mantinha no semblante uma altivez inquebrantvel. O Coronel Vilocque, ensandecido, gritava, apopltico, injrias contra o velho militante comunista, seu prisioneiro, acrescentando tortura fsica a agresso psicolgica, na verdade ultrajando o povo estupefato e as foras armadas, com o barbarismo dos seus atos contra um ancio indefeso. O Coronel, como se fora um Torquemada da Inquisio, concitava o povo atnito a apoiar o enforcamento de Gregrio, somente no o fazendo devido pronta iniciativa de uma freira, que acionou o Bispo Auxiliar, Dom Jos Lamartine, ensejando a que este, por sua vez, intercedesse junto ao General Justino Alves, que determinou a suspenso daquele festival sangrento.

Traumatizada por aquele espetculo dantesco, contrrio civilizao, formao crist do nosso povo e aos princpios que aprendi na Faculdade do Direito do Recife, a velha rebeldia juvenil se reacendeu em meu esprito, levando-me deciso de fazer alguma coisa por aquele velho guerreiro torturado. E fiz, assumindo resolutamente a sua defesa.

Em uma das defesas apresentadas na poca, disse:

Peo aos ilustrados membros do Conselho Permanente de Justia, que levem em conta a bravura moral deste homem, digno do nosso maior respeito. Hoje injustiado; amanh, quem sabe, glorificado. A um homem desses no se deve apontar as grades da priso. Nela o homem poder fisicamente tombar, mas o ideal do homem ressurgir por cima de suas fraquezas materiais, contingentes.

E encerrei afirmando:

...peo a absolvio de Gregrio Loureno Bezerra. E o fao como mulher, como me e como advogada consciente do meu dever perante a civilizao humana.

Em artigo publicado no Jornal do Brasil de 28 de maro de 1967, intitulado Arma Secreta, o jornalista Antonio Callado se reportou ao julgamento de Gregrio asseverando:

Em Pernambuco, outro dia, o bravo comunista Gregrio Bezerra foi julgado e condenado a 19 anos de priso. Sua advogada, Mrcia de Albuquerque, que acabou presa tambm, foi citar o Profeta Isaas e ouviu do Promotor que, como marxista, ela no tinha o direito de mencionar a Bblia, principalmente nos seus trechos mais subversivos. E quando a advogada, exercendo agora um direito de marxista, quis saber onde que o Promotor tinha encontrado umas duvidosas frases de Marx, Lenine, Mao e Fidel Castro, o Promotor respondeu, soberbo, que citava de araque, pois nunca tive tempo de ler essa gente. Mas o julgamento valeu.

Homem velho, mas dotado da tmpera nordestina de que falou Euclides da Cunha, s por esse fato, acredito, Gregrio no sucumbiu naquele hediondo 2 de abril de 1964.

Como era de se esperar, ei a ser perseguida, mergulhei no crepsculo da desconfiana, da angstia. terrvel ver o outro com a trave da desconfiana no olhar. Instalou-se no Brasil a sndrome de CAIM, com a delao e traio levando pessoas tortura e morte.

Em 1965, quando redigia um memorial de defesa, enquanto dormia o meu filho, ento com poucos meses de idade, recebi um telefonema do advogado Boris Trindade, avisando-me que soubera de uma ordem de priso contra mim. Mal conclui a ligao e a polcia j se apresentava minha porta. Antes que falassem, disse-lhes que iria trocar de roupas, ao que aquiesceram. Escrevi rapidamente um bilhete para uma querida vizinha de prdio, Dona Pepe, me do militante comunista Ivo Carneiro Valena, colocando-o em uma garrafa estrategicamente pendurada em um cordo, que mantinha na varanda, entregando-lhe o meu filho. Retirei o cortinado e o lenol para que meu beb no corresse o risco de sufocar. Voltando sala, acompanhei os policiais, aps encostar a porta de entrada. Depois de rodarem algumas horas, como se quizessem despistar, entregaram-me na Secretaria de Segurana, mas no fui torturada. Depois de trs dias, apareceu o Dr. Moacir Sales, Delegado do DOPS, que me liberou com um seco pode ir. Sai, como natural, com muita raiva.

Continuei meu trabalho, sem falsa modstia, com muita garra, junto aos colegas Varela Barca, Nizi Marinheiro, Antonio de Brito Alves, Boris Trindade, Fernando Tasso, Roberto Furtado e Joo Fonseca, dentre outros. Destaco tambm o apoio prestado pelo saudoso Prof. Rui da Costa Antunes, a quem importunei muitas vezes, na sua Granja Santa Felicidade, tarde da noite, em companhia do estudante de Direito e hoje Prof. Cludio Cesar de Andrade, em busca dos seus sbios ensinamentos.

IV 6l5k48

SENHORAS E SENHORES:

Peo um minuto de silncio em memria de todos quantos, no valoroso Estado do Rio Grande do Norte, tombaram em defesa da democracia, personalizando essa homenagem na pessoa de meus clientes

EMANUEL BEZERRA DOS SANTOS,

ANATLIA MELO ALVES

JOS SILTON PINHEIRO

Emanuel, meu cliente e do Dr. Varela Barca, nascido na tranqila Caiara, filho de Jos Elias dos Santos, homem afeito imprevisibilidade do mar, e de Joana Bezerra Elias, uma mulher forte, nordestina da estirpe da baiana Maria Quitria de Jesus Medeiros, contestadora social consciente de seu papel de me de um autntico guerreiro.

Logo cedo, Emanuel manifestou o seu inconformismo diante da selvageria de nossa sociedade, da misria, das injustias e da opresso que se abatem sobre o povo.

No tardou a ser perseguido pela represso. Lder estudantil, estudou no Colgio Atheneu, da Fundao Jos Augusto. Presidente da Casa dos Estudantes de Natal e estudante de Sociologia, participou do famoso Congresso da Unio Nacional dos Estudantes (UNE), em 1968, em Ibina, So Paulo, onde sofreu uma de suas inmeras prises, sendo finalmente expulso da Universidade, cassado pelo famigerado Decreto Lei n 477, rplica de decreto editado por Adolf Hitler na Alemanha nazista, utilizado para perseguir e expulsar das escolas a juventude idealista do nosso pas, fechando todos os canais democrticos de expresso legtima do idealismo dos jovens, induzindo-os resistncia armada.

Emanuel foi um dos fundadores do Partido Comunista Revolucionrio - o PCR, que se orgulhava de proclamar ser o nico partido genuinamente nordestino.

Por determinao do PCR saiu do pas com destino Argentina e ao Chile, em 1973, vindo a ser preso na fronteira em meados de agosto pela Operao Condor, em trabalho conjunto com a Interpol, conduzido em seguida para Recife e assassinado nas dependncias do DOI-CODI com requintes da mais extrema perversidade, tendo a pele que lhe envolvia o corpo retirada com cortes de tesoura. O seu corpo foi trasladado para So Paulo, montando-se a farsa de que o guerreiro potiguar teria sido morto em um conflito armado naquele Estado.

A me de Emanuel no aceitava falar sobre a morte do filho. Certa vez, ao insistir no assunto, ela fitou-me e sentenciou:

Eu no lhe disse que procuro meu filho vivo; eu procuro completar a histria de Emanuel; eu tenho o comeo e vou encontrar o fim .

E entregou-me a seguinte poesia dela, Joana, para o filho martirizado:

POESIA DE UMA ME AFLITA

Meu filho, eu me encontro a ti procurar

Com a notcia que ests na priso.

O corao de me quase no resiste

Em saber que sofres nesta solido.

S a lembrana de Cristo no Calvrio

que me faz no desfalecer.

Que ele tenha compaixo de ti,

Que no sofrimento no venhas perecer.

O corao de me continua aflito

S em pensar nos teus sofrimentos,

Relembrando um filho como tu s,

Viver sofrendo tamanho tormentos.

Confiando em Deus que no desampara

Todos aqueles que amam seus irmos,

Pois cumprindo o teu dever de humanidade

Jesus h de ter de ti compaixo .

Emanuel reunia a intrepidez de Felipe Camaro, a resistncia obstinada de Ferreiro Torto, a conscincia poltica de Dr. Vulpiano Cavalcanti e o desprendimento de Miguel Joaquim de Almeida Castro, o Frei Miguelinho, heri da Revoluo de 1817, executado na Bahia pelo Conde DArcos, cumpridor das ordens de D. Joo VI.

Conversvamos na quietude dos cemitrios, igrejas, cinemas e na minha prpria casa. Pequenas informaes e mensagens foram deixadas nos tmulos da matriz da Boa Vista. Emanuel tinha plena conscincia de que seria assassinado se viesse a ser preso. Parecia um tigre, astuto, rpido e desconfiado. Costumava dizer:

Eu vos contemplo

Geraes futuras,

Herdeiros da paz e do trabalho.

As grades esmaecem

Ante o meu contemplar .

Falava-me de um amor, da sua musa potiguar, musa do missionrio da liberdade, o clima ficava cinzento.

s vezes, dizia-lhe:

Depois voltei-me, e atentei para todas as opresses que se fazem debaixo do sol: e eis que vi as lgrimas dos que foram oprimidos e dos que no tm consolador; e a fora estava da banda dos seus opressores, mas eles no tinham nenhum consolador. [Eclesiastes, cap. 4]

Ele ria e dizia: Eu no sou Deus.

Acredito que Emanuel, ao ser torturado, deva ter pensado como Ho-chi-min:

Que crime cometi, afinal ? O crime de ser devotado ao meu povo .

O sacrifcio de Emanuel foi cruento; todo o seu sangue, as clulas, a sua vida, enfim, resultaram doados pela liberdade do seu povo, por esse verdadeiro apstolo. Talvez seja destino dos Emanuis se sacrificarem pelo povo, embora Cristo numa dimenso infinita.

Anatlia Melo Alves foi presa de madrugada, com o seu esposo Luiz Alves de Melo, em Gravat, cidade serrana do interior de Pernambuco. Conduzida para Recife, durante a viagem j teve incio dilacerante tortura, ao ponto de Anatlia desfalecer com hemorragia.

Possua apenas 27 anos de idade e j era militante do Partido Comunista Revolucionrio. Levada para o DOI-CODI e, posteriormente, para a Secretaria de Segurana Pblica, pude v-la, muito machucada, profundamente deprimida.

No dia 22 de janeiro de 1973, atendendo a um chamado de Anatlia, fui ao DOPS. Plida, debilitada, mostrou-me os seios e as coxas queimados por cigarros, narrando haver sido vtima de violncias sexuais no DOI-CODI, me pedindo ajuda. Sa aproximadamente s 15 horas para os os, retornando por volta das 17:50 horas, mas j era tarde demais para a doce e meiga Anatlia. Pescoo com vrias marcas de fios, manchas roxas nos braos e pernas, um pouco de sangue no nariz e na boca, jazia morta. Policiais e jornalistas falavam em suicdio. Retirei-me. Sentei-me s margens do Capibaribe, profundamente solitria. Naquele momento lembrei-me de Mahatma Gandhi

Estou convencido das minhas prprias limitaes e esta convico minha fora.

JOS SILTON PINHEIRO foi tambm estudante do Atheneu, aqui em Natal, muito cedo militante do Partido Comunista Revolucionrio, assassinado brutalmente em 29 de dezembro de 1972, no DOI-CODI do Rio de Janeiro.

Silton era um militante alegre, disposto a cumprir as determinaes do Partido, me chamava de madrinha.

Certa feita, me encontrava lecionando no Liceu de Artes e Ofcios, no Recife, quando me aparece Silton e sorrindo disse-me:

- A polcia est na minha cola !

Confundiu-se com os alunos e consegui escond-lo naquele educandrio. Em seguida, uma prostituta deu-lhe abrigo. Arranjei dinheiro, roupas e ele me enganou dizendo que iria para o exterior, rumando no entanto para o Rio de Janeiro.

No Rio, Silton foi preso, e para revelar os pontos supostamente marcados, as unhas lhes foram arrancadas, sofreu choques eltricos e foi empalado. Depois de morto, o seu corpo foi colocado em um automvel, explodindo-se o veculo.

Senti dio. Despertava em mim um sentimento menor de destruio, a vontade de matar, depois aflorava a conscincia de minha fragilidade e a minha alma sangrava. Questionava ento: e depois desta luta vir a paz ?

Comecei, porm, a meditar, o tempo estava maduro para a anistia.. Projeto pioneiro do deputado Srgio Murilo, de Pernambuco, em favor do ex-Presidente Juscelino Kubistchek, apontava esse rumo, tendo sido bem acolhido at por alguns setores ligados ao regime. Tratava-se de alargar o caminho, pois a anistia haveria de ser ampla, geral e irrestrita.

Ao me referir especialmente aos meus clientes do valoroso Estado do Rio Grande do Norte, no posso deixar de homenagear as notveis figuras de Ligia Rhute Salgado Nbrega, assassinada pela polcia no Estado do Rio de Janeiro, aos vinte quatro anos de idade, em plena marcha ascensional da vida; Luiz Incio Maranho Filho, desaparecido at esta data, provavelmente assassinado; Virglio Gomes da Silva, morto pela Operao Bandeirante no DOI-CODI de So Paulo; Hiram de Lima Pereira, dirigente do Partido Comunista Brasileiro, executado pela represso, e Djalma Maranho, ex-Prefeito de Natal, falecido no exlio em Montevidu; e do ex-Sargento da Marinha, expulso aps o golpe de 1964, Edson Quaresma, participante do seqestro do Embaixador norte-americano Burke Elbrick, assassinado na Praa Santa Rita de Cssia, na cidade de So Paulo.

V

Uma das maiores barbaridades que testemunhei, praticadas pelo aparato brutal da represso, foi o episdio do desvendamento da morte dos estudantes Jos Carlos Novais da Mata Machado e Gildo Macedo.

Fui procurado pelo advogado pernambucano e ex-Ministro Oswaldo Lima Filho, que me apresentou aos Drs. Jos Henrique e Jos Rodrigues, mdicos ortopedistas, catedrticos e tios de Jos Carlos Novais da Mata Machado, acompanhados ainda de um terceiro ortopedista. O estudante, filho do ex-deputado Edgar da Mata Machado, fora assassinado nos pores da ditadura, nas dependncias do DOI-CODI. Nos jornais fora plantada a notcia de que Jos Carlos falecera em meio a um tiroteio na Av. Caxang, em Recife, quando reagira a um cerco policial.

As tarefas foram divididas. Enquanto o Dr. Oswaldo Lima Filho iria pesquisar toda a Av. Caxang sobre o suposto tiroteio, tarefa que cumpriu palmo a palmo, restando comprovada a farsa do inventado tiroteio, negado definitivamente por moradores e vigilantes, a mim coube vasculhar os cemitrios em busca do corpo do estudante, que o DOI-CODI no queria entregar famlia.

Percorri os cemitrios de Jaboato, do Barro, de Olinda, Santo Amaro, quando ento recebi a informao de que deveria proceder as buscas no cemitrio da Vrzea. Rumando para l, um coveiro me relatou que dois corpos haviam sido sepultados em caixes sem tampa, e eram jovens. De posse das fotografias pude identificar, apesar do incio da decomposio, o corpo barbarizado de Jos Carlos da Mata Machado. A famlia de Gildo Macedo, pressionada e atemorizada, no reinvindicou a exumao.

Fui ao IV Exrcito falar com o Cel. Crcio Neto, que colocou toda a sorte de obstculos. Mostrei-lhe as fotografias das covas. O Coronel, com semblante de dio, disse-me apenas que voltasse depois. Perguntei-lhe quando. Ele ento fitou-me, impaciente, e disse: uma pena que a senhora, to jovem, defenda terroristas. Perguntei, nesta ocasio, se poderia sentar. Diante de sua anuncia, respirei fundo e comecei: enterrar os mortos um direito sagrado, coronel. Como o senhor sabe, at na guerra os exrcitos concedem sempre uma trgua, respeitando o inimigo, e entregando os corpos para sepultamento. Z Carlos est morto e a famlia chora o seu corpo. O exrcito brasileiro quer agora torturar a famlia pelo resto da vida. Visivelmente abalado, o Cel. Cursio terminou por concordar em liberar o corpo, desde que no houvesse aviso fnebre e a imprensa ficasse longe.

Exumamos o corpo com muita dificuldade. O Dr. Loureno Ipiranga de Souza recusou-se a o laudo que atestava a morte em tiroteio, protestando veementemente. No dia seguinte, o Dr. Nivaldo Ribeiro, patologista, assinou o laudo.

Quanto a mim, a represlia no se fez por tardar. Fui seqestrada e abandonada na zona do baixo meretrcio, bairro do Recife Antigo, s trs horas da manh, depois de vagar sem destino, no interior de um automvel em velocidade, sofrendo ameaas de ser jogada na via pblica por quatro homens armados, dentre eles por Francisco Antonio de Almeida Monteiro, vulgo Chico Monteiro, dono da Padaria SION, e o empresrio de transportes Edson Souto, que me injuriou fortemente com palavras de baixo calo e gestos obscenos. Fui socorrida por uma prostituta apelidada BISCU, que surgiu minha frente qual uma nova Maria Madalena, confortando-me e enxugando as minhas lgrimas.

A opresso, o arbtrio e a prepotncia no davam trgua.

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Foi um tempo verdadeiramente incrvel, mas que no conseguiu abafar por completo o senso de humor do nosso povo. O Auditor Militar, Dr. Antonio Carlos Seixas Teles, condenou um ru nos seguintes termos:

Por todas essas razes... resolve o Conselho de Justia da Aeronutica... julgar procedente a denncia contra os acusados Carlos Alberto Soares... e o acusado que atende pelo codinome de JACARɔ pena de priso perptua, na conformidade do artigo 28 do Decreto-Lei 898/69 (Processo n 93/70, sentena prolatada em 30 de maio de 1972 Auditoria da 7 CJM).

Conta-se no Cenbio portugus que os padres condenaram formigas por dizimarem hortalias. No perdi, evidentemente, a oportunidade, e no recurso de apelao, lembrei que o ru, deste modo inslita e grotescamente qualificado, somente poderia cumprir a exacerbada pena de priso perptua em algum igarap da Amaznia. Lembrei, finalmente, que todo o brasileiro apelidado de JACAR ava a correr o srio risco de terminar sua existncia nos Igaraps.

O chiste valeu-me a inimizade do Juiz Auditor, que pelo seu servilismo chegou a ser Ministro Presidente do STM.

O caso, porm, no foi nico, pois no processo a que responderam Alvamar Costa Queiroz, Lindemberg Silva, Irapuam Fernandes Rocha, Maurlio Ansio de Arajo, Luza Maria Nbrega e Jos Silton Pinheiro, o Dr. Antonio Carlos Seixa Teles condenou um ru que tambm fez parte de processo sem a devida identificao e qualificao, atendendo pelos codinomes de Joo Raul e Rubens, e da mesma maneira aberrante um gluto alcunhado de Gordo, em sentenas extraordinariamente ineptas, contrariando os mais elementares princpios jurdicos processuais.

VII

O golpe de 1964 escreveu a sua histria desumana com o sangue de inocentes. Quem determinava a tortura, ou pelo menos se omitia e calava diante dela, como o General Presidente Garrastazu Mdici, no conhece com detalhes uma sesso de horrores, o cheiro de sangue, o odor de fezes e urina, o extertor de corpos mutilados, os gritos lancinantes dos eletrocutados, o alarido dos torturadores verdadeiras bestas humanas, os gritos das vtimas de estupro, os gemidos dos patriotas.

A estrada que a quartelada de 1964 construiu foi a estrada da morte que deixava sua marca com a viuvez, a orfandade e a incerteza. Como disse o deputado Alencar Furtado, em clebre pronunciamento contido no seu livro Salgando a Terra:

O programa do MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que no hajam lares em prantos; filhos rfos de pais vivos quem sabe... mortos, talvez... rfos do talvez e do quem sabe. Para que no hajam esposas que envivem com maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe ? Vivas do quem sabe e do talvez .

Mataram grande parte da liderana, mas no conseguiram sufocar o sentimento da liberdade.

Sculos de histria separam os heris de nossa gerao da presena dos heris do ado. Nessa dimenso, porm, o ontem, o hoje e o amanh se confundem.

A moral poltica bem disse BECARIA no seu livro imortal Dos Delitos e das Penas no pode proporcionar sociedade nenhuma vantagem durvel, se no for fundada sobre os limites indelveis do corao do Homem.

Liberdade no nada que nos seja dado - proclamou sabiamente Spinosa.

VIII

Em notvel discurso encerrando o seminrio intitulado O Homem e a Liberdade (Florianpolis, 1975, Instituto Pedroso Horta, PMDB), ULISSES GUIMARES proclamou:

O homem e a liberdade ou o homem a liberdade?

No so categorias distintas, homem e Liberdade, pois o homem a Liberdade.

Penso que o carter do ser humano plasmado antes mesmo do primeiro choro, que o grito de protesto da criatura frente ao Criador.

Pude presenciar na minha infncia, cheia de incertezas, uma criana que chorava, vtima da autoridade insensata de um senhor, que o obrigara a transportar cal do depsito para as carroas dos compradores, sem pensar por um instante no fato de que o menino, com apenas oito anos de idade, fragilizado no fsico e na alma, era seu neto. Refiro-me ao meu irmo Pedro, cujo nome homenageava o nosso av. Ainda sinto presente a imagem do maninho todo lambuzado de cal, com os olhos avermelhados.

O episdio iniciou uma verdadeira revoluo particular na minha vida. Enfurecida na minha imaturidade infantil, juntei numa cesta pedras, garrafas vazias, tudo que fui encontrando para substituir uma metralhadora checa, como diria Clia Guevara. Escondi-me no emprio do meu av rico e prepotente, e esperei, curtindo a surpresa que reservara para ele, que logo cedo aprendeu a me respeitar. To logo saiu, demorei um pouco, mas em seguida pulei o balco e comecei a apedrejar as vitrines, as louas e candeeiros que estavam nas prateleiras, tudo reduzindo a cacos. Era o meu protesto contra injustia, praticada contra um ser humano indefeso. Depois busquei abrigo na casa de minha av, j falecida, mulher forte, matriarca e amarga, mas eu era tudo para ela. Meu av olhou-me demoradamente, e saiu sem dizer uma palavra.

Cedo aprendi que as crianas choram mais do que sorriem.

No imaginei, naquele tempo, que adulta viria defender crianas que j choravam antes mesmo de nascerem.

Em 1976, j envolvida nas lutas pelas liberdades individuais, vi morrer uma criana pela violncia e intransigncia da ditadura militar.

Em Recife, meu cliente, preso em sua residncia, espancado, viu todos os seus mveis destrudos bala. Maria Liege, sua esposa, voltava do mdico com Elenira, fruto do amor do casal, quando foi surpreendida por uma vizinha, que entregou-lhe uma sacola, algum dinheiro, e contou-lhe o ocorrido. Apavorada, Maria Liege fugiu, e durante a fuga internou a filha em um hospital do interior, onde a menor contraiu infeco. Com os verdugos em seu encalo, Maria Liege deu continuidade fuga, com a filha Elenira febril e j apresentando convulses. Finalmente, chegaram em Salvador, porm Elenira faleceu. Coube-me a misso ingrata de ir ao quartel de bombeiros da PM, onde Artur estava detido, dar-lhe a notcia. Aps o comunicado terrvel, ficamos sentados de mos dadas, frente a frente, repartindo uma dor solidria, at que um oficial nos interrompeu, identificando-se como psiclogo, e ou a falar com Artur, que quando me viu sair comeou a gritar o nome de sua filha e o meu nome, pedindo-me para ficar.

Logo depois Artur foi julgado.

Iniciei assim a defesa:

A memria de Elenira Rocha Paula, falecida com um ano e meio de vida, por obra de uma sociedade cada vez mais insensvel aos direitos humanos e ao ideal de Justia.

Nesse mesmo processo, o casal Manuel Dias da Fonseca Neto e Iracema Serra Azul da Fonseca, presos e espancados diante dos filhos Luiz Ernesto Serra Azul da Fonseca, trs anos de idade, e Andra Fonseca Serra Azul, com dois anos de idade. A menina foi arrebatada dos braos da me e junto com o irmo foram as crianas conduzidas para a residncia de uma agente policial. Antes o menino esteve internado em um hospital que no localizei. Tambm nunca consegui descobrir porque furaram a cabea de Ernesto em vrios pontos.

Fui luta com Paulo Cavalcanti e pedi ajuda aos grupos de Direitos Humanos Internacionais, Igreja Catlica, mas a descoberta do esconderijo veio atravs de uma informao de uma agente policial que fora minha aluna. Quando tive a certeza do local comecei a denunciar. Iracema foi libertada e recebeu as crianas na Polcia Federal.

Ftima Elizabeth, no stimo ms de gestao, foi despida e amarrada em uma tbua, ameaada de ter o filho retirado do ventre com a ponta de uma peixeira.

Ana Maria Santos, presa com o companheiro Joo Bosco Rolemberg, em adiantado estado de gestao, perdendo sangue. Consegui que meu mdico Dr. Francisco Henrique Barbosa, a visitasse no DOPS. Foi transferida para o Hospital Portugus, e, com a interferncia da Igreja Catlica, foi transportada posteriormente para a minha residncia, onde permaneceu por algum tempo.

Josefa Lcia de Andrade e Luciano Siqueira Rosa, hoje vice-prefeito da cidade do Recife, presos no interior de Alagoas, torturados, aviltados, conduzidos para Macei e depois Recife, Josefa, j no oitavo ms de gestao, foi levada ao banco de rus, estigmatizada, vilipendiada mas sempre digna, aguardava o julgamento consciente do seu papel histrico.

Iniciei a defesa assim:

Antes de entrar no mrito do processo, em defesa de Luciano Siqueira Rosa e Josefa Lcia invoco a Constituio Federal em seu art. 153:

A Constituio assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pas a inviolabilidade a vida, a liberdade, a segurana individual.

Hoje, ou no mximo amanh, o filho do casal sair do no ser para o ser, e se faz necessrio que a sua individualidade primeira no seja violada com os grilhes do crcere.

Neste caso especfico da minha Constituinte os Srs. Juzes ho de convir, como cidados, como pais e portadores cada um de sua verdade particular, mas que tm um ponto comum, na afetividade que caracteriza a nossa raa, no vislumbro uma sociedade brasileira capaz de estigmatizar um novo ente social, que emerge de uma realidade fisiolgica para a nossa realidade social. Condenar Josefa Lcia impregnar o seu ser de uma gama de angstias e ansiedades que limitaro o exerccio do sacrossanto dever de me.

No foi por outras razes que a bblia registra a fuga de Maria e Jos atravs do deserto, perseguidos pelas hostes insensveis e intolerantes do todo poderoso da terra, Herodes, como um dos primeiros milagres, quando as palmeiras, testemunhas da grandiosa evoluo da natureza, curvaram-se sobre aquele casal que conduzia um novo ente social. Foram bilnios de evoluo biolgica que, numa manifestao de submisso, contrariando as prprias leis que orientaram o seu caminhar filogentico, se debruaram sobre aquela tenra criana, num simbolismo de quanto significa para Deus todo Criador a mensagem de vida que existe em cada pequenino ser, que inicia a sua caminhada entre os homens, muitos deles herdeiros pstumos de Herodes.

Depois de todo esse sofrimento, a Revista VEJA, em matria intrigante e maliciosa, ainda acusou Luciano de ser informante dos militares do golpe de 1964.

Aps a chacina do Loteamento So Bento, em Paulista, Pernambuco, vi Soledad Barret Viedma, SOL, morta, despida dentro de uma barrica e aos ps um feto entre cinco e seis meses. Tirei a angua e cobri a nudez daquele corpo jovem profanado e silenciado pelos pitibus da represso. Duas vidas interrompidas, uma na luta poltica da cidadania, e a outra sem sequer ter tido a chance da vida plena, sacrificadas para fazer valer a liberdade, legado de ambas posteridade.

Outro caso envolvendo crianas se deu no processo em que foram acusados Jos Correia de Souza, Jos Gomes Novais, Josu Correia de Souza, Roberto Ferreira, Juarez Johaudne Etcheverria (codinome usado pelo deputado Aldo Arantes), que conseguiu com a minha colaborao fugir antes de ser identificado, por ao direta de AP, Maria Auxiliadora Cunha Ferreira e Rosa Santos de Oliveira, presos no distrito de Pariconha, gua Branca, Alagoas. Ao ir visit-los no referido estado nordestino, constatei que se encontravam tambm presas trs crianas contando entre quatro e sete anos, filhos de Auxiliadora. Imediatamente protestei e comuniquei o fato ao Juiz Auditor Militar da 7 CJM. Os menores impberes ainda permaneceram encarcerados at o dia do julgamento, quando chegaram acompanhando a me. Nesse momento coloquei nos braos o menor e protestei. Somente ento foram liberados.

Meu filho Aradin Clementino de Albuquerque tambm uma das vtimas, privado da companhia e assistncia materna, traumatizado por haver presenciado algumas das minhas diversas prises, e por telefonemas annimos anunciando por vezes a minha morte.

Iracema, uma bela menina de olhos azuis, que se lanava em meus braos com imenso carinho, filha de Lcia Emlia de Carvalho Arajo, presa poltica filiada ao Partido Comunista Brasileiro, participante do Grupo dos Onze, professora rural na localidade Cova da Ona, em Jaboato dos Guararapes, Pernambuco. Fui advogada de Lcia Emlia, Concludo o processo e sendo liberada, despediu-se de mim e nunca mais nos encontramos.

No corrente ano, acometida de forte crise na coluna, com dores intensas, fui massageada por uma senhora que no aceitou pagamento e, diante da minha insistncia, caiu em pranto dizendo que o seu desejo era encontrar a sua me. Era Iracema, a menina de olhos azuis, filha rf do talvez e do quem sabe, procurando sepultar a me e esse ado tenebroso.

IX 1495h

A tripla homenagem que recebo agora foi, quanto ao ttulo de cidad norte-riograndense, uma iniciativa da nobre Deputada MRCIA MAIA, a quem agradeo sensibilizada a largueza do gesto, por simbolizar na minha pessoa a sua solidariedade crist e humanista aos oprimidos, perseguidos, torturados e injustiados.

O ttulo de cidad natalense foi uma iniciativa do nobre Vereador HUGO MANSO, Presidente da Comisso de Direitos Humanos da Casa de Frei Miguelinho, que ao lado de ROBERTO MONTE, Presidente do Centro de Direitos Humanos e Memria Popular e do Conselho Estadual de Direitos Humanos, tem dignificado as tradies humanistas de Natal e do Rio Grande do Norte.

O ttulo estadual de Defensor dos Direitos Humanos por mim recebido com igual respeito e humildade. Estendo essas honrarias e o seu significado a todos os que sofreram na luta por liberdade e justia.

Vejo nesta homenagem, singular pela amplitude do ato conjunto, a transcendncia do apoio, significando o reconhecimento a um trabalho rduo em defesa dos direitos mais fundamentais do ser humano, para o restabelecimento, entre ns, da primazia da fora do Direito sobre a fora bruta.

Alm das minhas arraigadas convices, como mulher e me sinto-me vontade para atuar nas causas que envolvam a liberdade poltica.

Realmente, no foi fcil. Enfrentei resistncias familiares, a incompreenso de amigos e as aleivosias espalhadas pela represso, que pretendia me desacreditar, e por amigos de ontem, afogados ou na prpria mesquinheza ou nas intrigas e fofocas de pretensos militantes, cuja atuao se restringia a falar mal da vida alheia, alcova e mesa de bar.

Hoje a minha saga defender os encarcerados e os excludos sociais.

H mil formas de acreditar na vida e no somente de destru-la. Bem aventurados os que sabem dignific-la por atos e prticas que somente o tempo julgar em definitivo, ultraadas as paixes geradas pela luta e pela controvrsia.

Sou uma mulher simples do povo, igual a tantas outras. Desde menina aprendi a lutar pelo meu espao, a defender o que julgava verdadeiro, a reagir contra o injusto. Esses traos da minha personalidade foram decisivos para me dar fora e determinao na defesa dos presos e perseguidos polticos.

Apesar de todos os horrores do meu tempo, acredito na bondade humana e fao questo de proclamar que se no fosse esse sentimento superior, que se sobreps em alguns a outros interesses menores, teria sido muito pior.

Vejo neste ato expressivo da generosidade do povo potiguar o significado poltico essencial de manifestao afirmativa e sincera para que esse tempo de ditadura, de violncia e tortura no volte nunca mais.

Aqui no Rio Grande do Norte e em Pernambuco teve incio, na guerra holandesa, o sentimento nativista. De par com a defesa intransigente da liberdade poltica, a ao social para reduzir as desigualdades e promover o desenvolvimento sempre foi uma luta presente de importantes segmentos na histria desse Estado da Federao e do qual me orgulho de ser, agora, sua cidad.

Autoridades presentes ou representadas,

Senhoras e Senhores:

Anteriormente, as minhas vindas a Natal sempre ocorreram na escurido da noite, em encontros furtivos com clientes e colegas, fugindo dos rigores e da vigilncia da represso.

Nesta data inesquecvel, pela primeira vez sob a luz radiosa da noiva do sol, posso contemplar as belezas naturais fulgurantes do Rio Grande do Norte, e usufruir, no ambiente festivo da liberdade, o convvio fraterno do povo potiguar.

Do fundo do corao, vos digo:

Muito obrigado !

MRCIA ALBUQUERQUE FERREIRA
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