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Advogada
da liberdade
Jornal do Commercio 09.03.2003
Hiram Fernandes Lima
(advogado)
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Nos
difceis momentos da vida brasileira, enquanto perdurou a
ditadura militar, a Dra. Mrcia de Albuquerque Ferreira, como
advogada de presos polticos, enfrentou a tudo e a todos na
defesa de muitos, desde um militante comunista do porte, dignidade
e coerncia de Gregrio Bezerra a um simples campons. Todos
mereciam sua dedicao como advogada. Pensando apenas em ajudar,
ela exps de tal forma, que na dcada de 70, poca de grandes
atrocidades, aos contestadores do sistema, por sua corajosa
ao, chegou a ser vtima de sequestro.
No
deixando nenhuma dvida que se tratava de uma operao de
sequestro, em mais uma ao conjunta da SSP-PE com o DOI-Codi
do IV Exrcito e outras foras de apoio represso, como
igualmente foram as operaes das prises do jornalista Carlos
Garcia Novaes da Mata Machado, Gildo Macedo Lacerda, Marcelo
Srgio Martins Mesel, Fernanda Gomes de Mattos, Paulo Marcos
de Barros e Souza, Eduardo Maia Freese de Carvalho, Oscar
Bandeira Coutinho Neto, Custdio Amorim, Carlcio de Souza
Castanha Jnior, Jos Arnaldo Amaral, Alanir Cardoso, Frederick
Birten Morris e tantos outros combatentes da ditadura.
Dra.
Mrcia tornou-se uma pessoa altamente visada, unicamente porque
era solidria e fazia a defesa dos presos polticos, sem visar
obteno de honorrios advocatcios. Desdobrava-se inclusive
na assistncia aos familiares daqueles que se encontravam
nas masmorras da ditadura.
A
solidariedade de Dra. Mrcia era inesgotvel, tendo nos primeiros
dias de abril de 64 acolhido em sua casa a menor Maria do
Carmo, que acabara de deixar a 2 Cia. de Guardas, posta em
liberdade pelo Ten-Cel. Hlio Ibiapina Lima, enquanto seu
irmo Manuel Messias era procurado como se um criminoso fosse.
Em
abril de 73, ao tomar conhecimento do desaparecimento de Carlos
Fernando, hoje um compositor consagrado, Dra. Mrcia percorreu
diversos hospitais e at o IML, na busca desesperada da me
do desaparecido, dona Iai. Com a solidariedade e i inestimvel
apoio de Dra. Mrcia, ela se dirigiu at a Assemblia Legislativa,
onde procurou o combatente deputado Jarbas Vasconcelos, lder
das oposies, e lhe entregou uma carta, em que relatava os
fatos ados com o filho, Carlos Fernando.
O
deputado Jarbas Vasconcelos, no dizer do insigne professor
Dr. Luiz Pinto Ferreira, em pouco tempo de mandato parlamentar
se consagrou como uma das maiores vocaes polticas de Pernambuco,
como no poderia deixar de ser, sensibilizou-se com o drama
de d. Amlia e ao ensejo da Ata da 32 Reunio da 3 Sesso
Ordinria da Legislatura do Sesquicentenrio, em 26 de abril
de 1973, fez o seguinte registro:
Por
fim, se denuncia a priso do sr. Carlos Fernando da Silva,
ocorrida no dia 14 do corrente. L para conhecimento de seus
pares, a carta que recebeu da genitora do detido, Sra. Amlia
Queiroz da Silva, comunicando o fato. Precisa-se compreender
que no se podia exigir da ditadura que tivesse um comportamento
como se na poca vivssemos num Estado de direito. Se assim
fosse, a Dra. Mrcia e tantos outros combatentes no teriam
participado da luta clandestina contra a ditadura.
Os
grandes idelogos Rousseau, Montesquieu e Locke lanaram a
filosofia do Estado democrtico e do regime constitucional:
subversivo s quem viola a constituio e a lei. Nos tempos
da ditadura, os seus combatentes quando caam nas malhas da
represso, eram exterminados e enterrados em cova rasa, sem
identificao, em local desconhecido, como foi o caso de Anatlia
de Melo Alves, assassinado pelos sicrios da Secretaria de
Segurana Pblica do Estado de Pernambuco.
Fernando
Augusto de Santa Cruz Oliveira, Eduardo Collier Filho e tantos
outros patriotas, vtimas do quem sabe ou do talvez, mortos
sem sepultura, sem nenhuma sombra de dvida, lutaram contra
a ditadura com o sacrifcio das prprias vidas, heris de
um Pas que tenta reescrever sua histria. O fundamento da
democracia a liberdade, o fundamento da ditadura o medo.
Finalmente
hoje, que podemos testemunhar diante da histria contempornea,
graas abertura e o retorno do Pas ao Estado de Direito,
a coragem e o destemor da Dra. Mrcia de Albuquerque Ferreira.
Por sua marcante atuao, assim como Rui Barbosa, em certos
momentos da histria da ptria, foi a conscincia jurdica
e poltica do povo, a quem presto minha homenagem. Foi tambm
a inexcedvel tribuna das liberdades violadas ou ameaadas,
a porta-voz das famlias e dos que estavam presos, a guardi
dos direitos da pessoa humana em sntese, uma advogada da
liberdade.