Coleo
Memria das Lutas Populares no RN
Coleo Memria Histrica
Emmanuel Bezerra dos Santos - Volume IV 265ja
Emmanuel
Bezerra: A trajetria e o sentido de sua luta
Todos j haviam
dado entrada na documentao com o pedido de ingresso
na Casa do Estudante do Rio Grande do Norte. Cada um aguardava ar
no teste de pobreza. Uns alm de pobres ainda contavam com
recomendao de scios mais antigos ou pessoas
influentes na poltica do Estado.
Era 1963, entre dezenas
de candidatos estava um jovem raqutico, cabelo encaracolado,
rosto, j quela altura, marcado por muitas espinhas.
Chamava a ateno
dos mais curiosos ver pendurado no pescoo daquele jovem
um grosso rosrio que um Agnus-Dei. Ambos representavam seu
profundo sentimento de f e de proteo
tentaes do mundo.
Aparentemente tmido
e talvez estudando melhor o novo ambiente o jovem externava apenas
um sentimento recatado. Vindo de um lugar simples e pacato mais
de convivncia com homens corajosos que embrenhavam-se mar
adentro para buscar o sustento de suas famlias, ele certamente
se perguntava: que tipo de coragem e destemor tero que ter
os homens que vivem nesse mundo agitado?
Os seus padres
certamente estavam em conflito com essa nova realidade. Filho de
me devota e serva de Deus, vereadora pertencente, no seu
municpio, ao esquema dinartista, inclusive no perodo
da ditadura, no lhe seria nada fcil equacionar a
sua acentuada religiosidade, os valores polticos herdados
e a vida profana e agitada que dominava o coletivo do casaro.
O seu talento, entretanto,
surpreendia desafiando as circunstancias. A sua convico
de quase coroinha comeou a ser testada e abalada com as
amizades e relacionamento que engendrou no interior da Casa do Estudante
e no Atheneu. O gosto pela leitura lhe aflorou com a intensidade
e o sentido de quem desbrava terras virgens buscando a fertilidade
oculta em suas entranhas.
O contato com a literatura
lhe permitia novas incurses no campo do conhecimento humano.
De inicio Jorge Amado, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Vincius
de Morais, Carlos Drumond, Jos Lins do Rego, Machado de
Assis, entre outros, constituram sua literatura predileta.
Da foi um o para Erich Fromm e Roger Garaudy que, no
campo da psicanlise e da filosofia forneciam os elementos
tericos compreenso mais prxima
da sociedade que vivia.
Todavia, longe de bastar-se
com essa leitura, o jovem buscava a cada dia contato com novos enfoques
sobre o mundo que pretendia compreender. Essa sede de saber o arrastou
para a vida cultural da Casa do Estudante fazendo-o participar dos
concursos de prosa e veros promovidos pelo ento Grmio
Ltero-Cultural "Cmara Cascudo", e, posteriormente,
manter seus primeiros contatos com a filosofia marxista.
Concomitante ao seu progresso
intelectual salientava-se naquele jovem o interesse pela poltica.
A f religiosa que herdara de sua me foi aos poucos
se transformando em opo poltica e ideolgica.
J no lhe bastava compreender o mundo, era preciso
intervir decididamente. A sua destacada participao
no movimento estudantil secundarista, dentro e fora da Casa do Estudante,
lhe credenciariam a disputar a presidncia desta.
Ele havia se temperado
nos embates de lutas estudantis com os verdugos da ditadura. Naquela
poca, 1964 a 1966, os movimentos operrios haviam
sido sufocados pelo regime militar. Era no movimento estudantil
que residia a resistncia do povo brasileiro aos golpistas
de planto.
Eleito, em 1967, presidente
da Casa do Estudante. sucedendo o tambm saudoso companheiro
Jos Rocha (Kerginaldo), o jovem estudante revelava cada
dia, alm da inteligncia, coragem e ousadia. Transformou
a Casa num bastio de resistncia e liberdade. Muitos
foram os lideres estudantis que de l saram e tantos
outros que l iam buscar a base de sustentao
de seus projetos polticos, recrutando em seus filiados os
quadros de que precisavam para integrar os partidos ou movimentos
clandestinos.
Antes mesmo de eleger-se
presidente o jovem praieiro j havia ingressado na vida partidria.
Naquela ocasio histrica a maioria dos militantes
estudantis j pertenciam ao Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Ele tambm fazia parte dos quadros do partido. Outros
entretanto, se engajaram na Ao Popular (AP), organizao
poltica com razes na doutrina social da igreja.
O Partido Comunista do Brasil (PC do B) no tinha qualquer
expresso, ainda, no estado.
A ousadia do jovem presidente
inquietava at mesmo seus companheiros de partido e de Diretoria
da Casa do Estudante. ando sempre por crises peridicas
a Casa a exigir a tomada de decises que respondessem s
necessidades de alimentao e de alojamento para um
universo crescente de associados. Aquele jovem impetuoso no
vacilou e mantendo contato com o gerente do Banco S. Gurgel negociou
o financiamento de 10 (dez) veculos que constituram
o prmio de um BINGO que seria promovido pela Casa do Estudante.
Muitos temeram e duvidaram da empreitada. Mas o jovem presidente
foi em frente e obteve grande xito, apesar de um incidente
ocorrido com um veculo do sorteio, substitudo por
um novo. Foi com o resultado desse BINGO que se conseguiu construir
alguns novos alojamentos e garantir por algum tempo melhores condies
de higiene e alimentao aos moradores da casa.
A luta travada por ele
no se restringia a istrao da Casa do
Estudante. Em 1967, aprovado no vestibular de sociologia, a sua
participao no movimento estudantil universitrio
era, inegavelmente, da maior importncia. Ao mesmo tempo que
promoveu uma grande eata da Casa at o Gabinete do ento
prefeito, Agnelo Alves, visando presion-lo para liberar
mais verbas para a entidade que dirigia, no lhe faltava
tempo para dar apoio e ajudar o DCE na luta contra o acordo MEC-USAID
que tinha como objetivo divorciar a universidade dos interesses
da Sociedade e transform-la em mero laboratrio a
servio dos grandes grupos nacionais e estrangeiros.
Tambm, esteve
frente, juntamente com outras lideranas estudantis,
do movimento em defesa do aproveitamento dos excedentes de medicina,
direitos e odontologia da UFRN, e do protesto contra a morte do
estudante Edson Luiz, no Rio de Janeiro.
Em 1967 foi eleito delegado
ao Congresso da UNE, realizado em So Paulo.
Quando chegou a Presidncia
da Casa do Estudante j havia rompido com o PCB e ingressado
no Partido Comunista Revolucionrio (PCR). Partido de carter
regional que conseguiu atrair para os seus quadros vrios
militantes do movimento estudantil de Natal.
Foi nesse novo partido
e em face da priso por um ano, alm das perseguies
que lhe foram impostas pelo regime militar que o jovem lder
foi pouco a pouco se embrenhando na clandestinidade. A sua f
religiosa havia se transformado em crena poltico-ideolgica.
Agora s o partido, o seu programa e o projeto de construo
da sociedade socialista lhe interessava. E s a clandestinidade
e a "verdade absoluta" da filosofia e da prxis
marxista-leninista eram capazes de anim-lo em vos
mais alto em busca da tomada do poder.
Homem sem vaidades materiais,
gestos simples e muita coragem pessoal. No caminho de sua luta ou
da luta de todos era assim Emmanuel Bezerra dos Santos. Pretendeu
aprender de tudo, da Aliana sa defesa pessoal.
No lhe constrangia por estar bem ou mal vestido ou calado.
Via de regra as roupas melhores que usava ou sapatos que calava
no eram seus. Nada disso lhe afetava. O sentimento de sua
conscincia e a forma religiosa como abraou a militncia
poltica e a luta pelo socialismo era suficiente para faze-lo
ir em frente.
Mas Emmanuel Bezerra
sabia os riscos de vida que corria. Todos os militantes das organizaes
clandestinas de esquerda sabiam e sofriam revezes que tornava cada
vez mais difcil a sobrevivncia subterrnea.
Esse jovem, nascido em
Caiara do Norte tombou em nome da liberdade. Os seus equvocos
no devem ser invocados para justificar a omisso
de muitos. Sua vida deve servir de exemplo sem que se mistifique
a sua luta e os seus ideais.
Manoel
Duarte (MANU)
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