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REDE
BRASILEIRA DE EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS |
VIVER EM SOCIEDADE: DIREITO VIDA
5o5525
Dalmo
Dallari
A vida necessria para que uma pessoa exista. Todos os bens
de uma pessoa, o dinheiro e as coisas que ela acumulou, seu prestigio
poltico, seu poder militar; o cargo que ela ocupa, sua importncia na
sociedade, at mesmo seus direitos, tudo isso deixa de ser importante
quando acaba a vida. Tudo o que uma pessoa tem perde o valor, deixa de
ter sentido, quando ela perde a vida. Por isso pode-se dizer que a vida
o bem principal de qualquer pessoa, O primeiro valor moral de
todos os seres humanos.
No so os homens que criam a vida. No mximo os homens so
capazes de perceber que em determinadas condies, quando se juntam
certos elementos, a vida comea a existir Os cientistas podem at
juntar num vidrinho, numa proveta, os elementos que geram a vida, mas
no conseguem criar esses elementos. Na verdade, nenhum homem
conseguiu inventar ou criar a vida, dominar o comeo da vida.
E como no capaz de criar a vida de um ser humano, nenhum
homem deve ter o direito de matar outro ser humano, de fazer acabar a
vida de outro homem. A vida no dada pelos homens, pela sociedade ou
pelo governo, e quem no capaz de dar a vida no deve ter o direito
de tir-la.
preciso lembrar que a vida um bem de todas as pessoas, de
todas as idades e de todas as partes do mundo. Nenhuma vida humana
diferente de outra, nenhuma vale mais nem vale menos do que outra. E
nenhum bem humano superior vida. Por esses motivos no justo
matar uma pessoa ou muitas pessoas para que alguns homens fiquem mais
ricos ou mais poderosos, para satisfazer as ambies ou a
intolerncia de alguns, nem para que uma parte da humanidade viva com
mais conforto ou imponha ao resto do mundo seu sistema de vida.
Quando uma pessoa mata outra por dio, por vingana ou para
obter algum proveito, est cometendo um ato imoral, est ofendendo o
bem maior, a vida, que a nenhum outro se iguala.
E quando uma pessoa ou um grupo de pessoas mata algum, porque
a vtima era criminoso ou marginal, est cometendo, alm disso, um
grave erro. O homicdio no resolve problemas individuais ou
sociais, mas, longe disso, fonte de problemas. Aquele que matou
dever responder por seu ato homicida e ser punido por ele, pois s
o Estado tem o direito e o dever de julgar e punir os criminosos, dentro
da lei e com justia, retirando o criminoso do meio da sociedade para
ensin-lo a respeitar os valores humanos e sociais.
Alm desses aspectos, preciso ter em conta que a
repetio de crimes contra a vida pode gerar a idia de que a vida
no um bem muito importante, e com isso todas as vidas am a ser
menos respeitadas.
A guerra outra forma extremamente imoral de atentado contra
a vida humana. Na origem das guerras est, geralmente, a ambio
econmica dos que desejam vender armamentos ou conquistar
territrios, a ambio de mando ou vaidade dos que pretendem poder
poltico ou, ento, est a intolerncia de homens que querem impor
aos outros sua vontade, seus valores, seu sistema poltico e
econmico.
A guerra imoral porque sacrifica vidas humanas com o
objetivo de satisfazer interesses mesquinhos. Alm disso tudo, a guerra
imoral porque consome, no comrcio da morte, quantias elevadssimas
que deveriam ser utilizadas para a promoo da vida.
Outra prtica imoral e que atenta contra a vida o
genocdio, muito em uso atualmente. Entende-se por genocdio a
matana de grupos populacionais com caractersticas diferenciadas, por
meios diretos ou indiretos. O genocdio pode ser motivado por dio
racial ou por interesses polticos ou econmicos.
Um caso escandaloso de genocdio o que est acontecendo
agora com os ndios brasileiros. Sendo um grupo minoritrio e pobre
na sociedade brasileira, os ndios esto sendo expulsos de suas terras
com a desculpa de que estas so necessrias para o desenvolvimento
econmico.
O que realmente acontece que h poucos anos se descobriu
que, se os ladres aventureiros tivessem a ajuda de pessoas ligadas ao
governo, seria muito fcil tomar as terras que h sculos so
ocupadas pelos ndios. Ao mesmo tempo, por meios de estudos realizados
com o uso de satlites equipados com aparelhos de grande alcance, foi
revelado que existem muitas riquezas minerais no solo e no subsolo dos
territrios indgenas.
Comeou a a matana dos ndios para que as terras hoje
ocupadas por eles sejam dadas de presente aos aventureiros. Assim est
ocorrendo a morte de uma raa. Isso um genocdio, pois o
assassinato de um grupo racial.
Muitos outros atentados contra a vida humana esto ocorrendo
todos os dias, quase sempre pela ambio sem limites de alguns homens,
que provocam a morte de outros com o objetivo de ganhar dinheiro. A
poluio provocada por muitas indstrias e pelo uso de venenos e
substncias txicas na agricultura bem um exemplo de agresso
vida.
Assim tambm a situao de pobreza em que so obrigadas a
viver milhes de pessoas um atentado contra a vida. A morte no
ocorre de um momento para outro mas essas pessoas esto morrendo
rapidamente, um pouco por dia, por falta de alimentos, de assistncia
mdica e de condies mnimas para a conservao da vida.
O mesmo acontece com os trabalhadores que so obrigados a
trabalhar em condies perigosas ou muito prejudiciais sade.
Sua vida no est sendo respeitada, pois mediante o pagamento de um
salrio o empregador fica com o direito de exigir que eles arrisquem a
vida constantemente ou vivam num ambiente de trabalho que apressar
sua morte
O respeito vida de uma pessoa no significa apenas no
matar essa pessoa com violncia, mas tambm dar a ela a garantia de
que todas as suas necessidades fundamentais sero atendidas. Toda
pessoa tem necessidades materiais, as necessidades do corpo, que se no
forem plenamente atendidas levaro morte ou uma vida incompleta, que
no se realiza totalmente e que j um comeo de morte. Assim,
tambm, as pessoas tm necessidades espirituais, como a necessidade de
amor, de beleza, de liberdade, de gozar do respeito dos semelhantes, de
ter suas crenas, de sonhar, de ter esperana.
Todos os seres humanos tm o direito de que respeitem sua
vida. E s existe respeito quando a vida, alm de ser mantida, pode
ser vivida com dignidade.
DIREITOS HUMANOS: HISTRICO, CONCEITO E CLASSIFICAO
(Palestra realizada, sem reviso do autor)
H 15 anos mais ou menos, falar em Direitos Humanos era
considerado subverso. Corria-se o risco de sofrer processo com
fundamento na lei de Segurana Nacional. Houve tambm todo um trabalho
de mistificao que, entre outras coisas, associou a pregao aos
Direitos Humanos com o comunismo e com a defesa de criminosos e, em
conseqncia, estmulo prtica do crime. Mais ainda, uma
pregao que dificultava a ao das autoridades ... fazemos um
esforo enorme para apanhar um criminoso, quando o prendemos, os
Direitos Humanos atrapalham tudo... no permitem torturar, bater,
matar..
Em sua visita ao Brasil, Jimmy Carter, ento presidente dos
Estados Unidos, falou em proteger os direitos humanos, o que abriu
novos espaos. Hoje, corre-se o risco do extremo oposto, o fisco de
falar demasiado e demagogicamente sobre os direitos humanos, o que pode
levar a um desgaste indesejvel.
muito importante que as pessoas que esto tratando dos
direitos humanos tenham pela convico de que realmente uma coisa
sria, fundamental para a convivncia. Por circunstancias
histricas, fomos encaminhados para um sentido ultra-individualista
de vida que levou a uma atitude egosta. difcil que algum se
sinta injustiado porque o outro sofreu uma injustia e, no entanto,
ficamos muito ofendidos quando somos ns a vtima de injustias e os
outros no nos vm apoiar.
O que seria o seu contedo, o que significa direitos Humanos?
Direitos humanos uma forma sinttica de nos referirmos a
direitos fundamentais da pessoa humana, aqueles que so essenciais
pessoa humana e que precisa ser respeitada como pessoa. So aqueles
necessrios para a satisfao das necessidades humanas fundamentais.
Respirar uma necessidade bsica, portanto a pessoa tem direito a um
ar puro e no ar poludo que pode ser o caminho da morte.
A presena dos direitos humanos atravs da histria
H divergncias quanto ao primeiro aparecimento na histria,
mas muitos autores referem-se Grcia Antiga, citando um dos textos
de Sfocles em que Antigona responde ao rei que a interpela em nome
de quem sepultara, contra suas ordens, o irmo que fora executado: agi
em nome de uma lei que muito mais antiga do que o rei, uma lei que se
perde na origem dos tempos, que ningum sabe quando foi promulgada.
Nos grandes monumentos legislativos da humanidade, encontramos
inmeros dispositivos que hoje, sem dvida, colocaramos como
direitos humanos. A Idade Mdia vai ter uma importncia excepcional,
por uma srie de fatores. E um momento de reviso de valores, de
confronto de objetivos temporais, imediatos e permanentes, muitos deles
j indicados como objetivos espirituais. O cristianismo a a ter uma
influncia muito grande na vida poltica, ora benfica, ora
malfica, e a Igreja a a associar-se ao poder temporal.
No final da Idade Mdia aparece a grande figura de Santo
Toms de Aquino, que discute diretamente a questo dos direitos
humanos, retomando Aristteles e dando sua filosofia a viso
crist, inclusive dos direitos humanos. A fundamentao de Santo
Toms teolgica: o ser humano tem direitos naturais que fazem parte
de sua natureza, pois lhe foram dados por Deus. Da se desenvolve
toda uma linha terica, poltica. Ocorrer, no entanto, uma
ambigidade na utilizao deste conceito, levando at mesmo a
firmar-se e aceitar-se, na prtica, que o direito dos reis era um
direito natural, de origem divina. De onde nasceu o absolutismo.
Na Idade Mdia, a partir das famlias daqueles que lutaram
contra as invases dos brbaros e com isso tornaram-se proprietrios
de terras, constituiu-se uma aristocracia, scia natural do poder real,
que buscava fundamento no direito natural para os seus privilgios. Foi
uma caminho aberto para toda sorte de violncias, em ltima anlise
at para a negao dos direitos humanos. O poder armado, o poder
econmico, proprietrios de terras no respeitavam aqueles que no
desfrutavam desses privilgios. No havia respeito pela pessoa
humana. Um grande nmero de seres humanos vivem margem, no tm,
na verdade, nenhum direito, so explorados de todas as maneiras.
Nesse quadro, surgem instituies jurdicas novas como a que at
hoje muito usada, o habeas corpus, que est presente na nova
Constituio brasileira., e que, naquela poca, determinava que a
pessoa acusada fosse apresentada para julgamento pblico, pois que os
nobres e aristocratas prendiam e faziam a sua prpria justia.
Nos fins da Idade Mdia, surge uma nova realidade histrica -
a burguesia. Cessadas as invases dos brbaros, cessados os grandes
riscos, a proteo dos senhores feudais se tornara dispensvel, e
as pessoas comeam a voltar para as cidades e os burgos am a se
desenvolver a burguesia vai crescendo, dedica-se ao comrcio, s
funes de emprestador de dinheiro, de banqueiro, vai tornando-se
rica, forte economicamente, mas marginalizada do poder poltico, o que
lhe faltava para defender direitos pessoais e seu patrimnio. Na
Inglaterra, onde existia o parlamento desde o sculo XIV mas formado
somente por nobres e prelados, todos os proprietrios, a burguesia
consegue a criao de uma Cmara dos Comuns, o que perdura at hoje.
O crescimento poltico da burguesia favorece o crescimento dos direitos
humanos.
No sculo XVII, ocorre a primeira grande revoluo burguesa,
que se deu na Holanda, quando aparecem grandes pensadores liberais como
Espinoza, grandes pregadores da liberdade como direito humano. Com essa
revoluo, instala-se na Holanda, pela primeira vez, um governo de
comerciantes. No foi por acaso que os holandeses vieram ao Brasil.
Vieram em busca de comrcio, de utilizao de seu potencial
econmico. A Holanda vem a ter papel relevante na criao do direito
internacional.
Foi o burgus, associado aos pensadores liberais, quem
levantou modernamente a liberdade como um valor. Os burgueses, ao final
do sculo XVIT, conseguem fazer com que a Cmara dos Comuns se torne
mais importante que a Cmara dos Lords, o que prevalece at hoje. No
incio do sculo XVIII, veio o Parlamentarismo que nasceu do quadro
burgus em ascenso poltica e que coloca o poder nas mos do
Primeiro ministro e no do rei. Nesse mesmo sculo, surge a criao
dos Estados Unidos da Amrica, atravs de uma revoluo claramente
burguesa. A Constituio norte-americana uma Constituio feita
por comerciantes para comerciantes. No final do sculo XVIII vem a
Revoluo sa, tambm burguesa.
Refletindo historicamente, verificamos que os direitos humanos
foram concebidos como direitos naturais, impostos por Deus e vinham
sendo utilizados contra os burgueses, em favor dos reis, em favor da
aristocracia, para cometer violncias. O burgus no rejeita esses
direitos mas os reclama para si tambm. Aparecem pensadores,
considerados liberais, como Espinoza, Locke, Rousseau, Montesquieu, que
pregam a existncia dos direitos fundamentais como a liberdade e a
igualdade. O conceito de igualdade nessa poca no o mesmo de hoje,
pois a Constituio norte-americana itia a escravido.
Rejeita-se a fundamentao teolgica e busca-se um
fundamento racionalista, que vai ter um peso extraordinrio. O
racionalismo no rejeita os direitos naturais mas muda o seu
fundamento. Disse Hugo Grocius que ainda que Deus no existisse, o
homem teria direitos naturais. O fundamento portanto no est em
Deus mas na razo. Isto o racionalismo. Em conseqncia, ou-se
a valorizar a lei, de tal modo que, no sculo XVII, chegou-se a dizer
que um governo da sociedade deve ser um governo de lei e no um governo
de homens, afirmando que o homem arbitrrio e a lei no, pois
igual para todos.
Ser mesmo? Na verdade, os tericos do racionalismo quando
falavam em lei, estavam tomando a lei natural no sentido de
Aristteles, de 5. Toms de Aquino e no de uma lei criada
arbitrariamente pelo Parlamento ou Executivo burgus, ou por quem
quer que seja. Acreditava-se numa lei natural que a razo poderia
descobrir. Percebe-se pela razo que o ser humano precisa ser livre,
precisa ter liberdade de expresso, de locomoo, e cada uma destas
necessidades corresponde a uma lei natural.
O sculo XVIII est muito presente em nossa Constituio,
que concebida como um acordo entre iguais, quando na realidade no
temos a igualdade.
Temos um Parlamento que no funciona, porque foi concebido
para uma sociedade do sculo XVIII e estamos no sculo XXI. Porque
no usamos o computador para saber a opinio das pessoas, pois temos a
loteria esportiva que a captao de opinies. Porque s para a
opinio esportiva?
Na atual Constituio brasileira, se d muita nfase
liberdade e quase nada igualdade. Como fica a liberdade para quem
no tem dinheiro? Ser que adianta dizer a um favelado voc livre,
o Estado no vai interferir na sua vida, use sua misria como voc
quiser?
Quando no Brasil se inicia o processo intenso de
industrializao, as indstrias se localizam nas cidades que am a
ser vistas como centros de riqueza, para onde se desloca muita gente,
acima das disponibilidades de trabalho. Muita gente vai para o centro da
riqueza mas a a formar a periferia que no penetra no centro da
riqueza. Permanece na periferia econmica que tambm a periferia
social, no recebe os benefcios sociais. Estou falando com Pessoas da
Rede Pblica, que sabem que a escola pblica muito mal tratada, mas
a escola pblica da periferia ainda mais mal tratada. menos
visvel, recebe menos apoio. H inclusive perigo de invaso, de
assalto, at de assassinato de alunos.
A vertente liberal da revoluo burguesa ite a liberdade
como primeiro valor A desigualdade que foi produto de uma sociedade
livre no tem importncia. J os duas coisas juntas.
- ser possvel ter-se uma legislao que respeite os
Direitos Humanos, ou as leis iro sempre beneficiar os ricos, os mais
fortes, os mais poderosos? A Constituio brasileira, que trouxe uma
srie de coisas muito boas para os Direitos Humanos, a par de coisas
extremamente negativas, no mostra que a lei pode ser a favor dos
Direitos Humanos?
- ser possvel criar
uma sociedade justa por meios pacficos ou inevitvel uma luta
armada?
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