Potiguariana
Digital
Experincias
de Educao Popular
De P no Cho Tambm
se Aprende a Ler
Memria Histrica
Potiguar 692x37
Seminrio
Educao e Movimentos Sociais
no Rio Grande do Norte na Dcada
de 60
Natal RN, 25 a 29 de Abril de 1983
A Campanha de P
no Cho Tambm se Aprende
a Ler – Mesa Redonda
De
P no Cho | 40
Horas de Angicos | Movimento
de Natal |
CEBs no ES | Potiguariana
De
P no Cho: Escola Pblica
e Educao Popular
Moacyr de Ges
(1) MOACYR DE GES,
AUTOR DE “DE P NO CHO
TAMBM SE APRENDE A LER – UMA
ESCOLA DEMOCRTICA” –
ED. CIVILIZAO BRASILEIRA,
Rio, 1980, FOI SECRETRIO DE EDUCAO
DO MUNICPIO DE NATAL DE 1960 a 1964
(ISTRAO DO PREFEITO
DJALMA MARANHO)
I
– Introduo
II
– Histria Fatual
Da Origem do Movimento
As eleies de 1960. Os Comits
e o Programa do Candidato a Prefeito
Os Comits - Da Especificidade do
Movimento - De P no Cho
em Oito Fases - As Escolinhas O Acampamento
Escolar - O Ensino Mtuo - As Praas
de Cultura - O Centro de Formao
de Professores - De P no Cho
tambm se Aprende uma Profisso
- A interiorizao da Campanha
- A escola brasileira construda
com dinheiro brasileiro – A destruio
do Movimento
III
– Uma interpretao:
De P no Cho – Escola
Pblica e Educao
Popular
IV
- Concluses
I
– Introduo
Neste Encontro, o Seminrio “Educao
e Movimentos Sociais no Rio Grande do Norte
na dcada de 60” em boa hora
promovido pelos Mestrados e Departamentos
de Cincias Sociais e Educao
da UFRN, ADURN e Faculdade de Cincias
Sociais da PUC de So Paulo no qual
resgatamos a memria e estudamos
os movimentos sociais do Rio Grande do Norte
no incio dos anos 60, esta Mesa,
responsvel pela comunicao
sobre a Campanha de P no Cho
tambm se Aprende a Ler, divide as
suas tarefas da seguinte forma:
O
Professor Jos Willington Germano,
da UFRN, informar a moldura histrica
do perodo, ressaltando os movimentos
de cultura popular ou de educao
popular.
O
lder sindical Pretextato Jos
da Cruz situar as alianas
polticas do perodo, no Rio
Grande do Norte, destacando o contexto no
qual se desenvolveu a proposta poltica
do Prefeito Djalma Maranho.
- O Dr. Hlio Xavier de Vasconcelos,
da UFRN, falar sobre o movimento
estudantil da poca, enfatizando
o Centro de Cultura Popular, ligado ao C
da UNE, um dos projetos de cultura popular
que, tanto quanto o Movimento de Cultura
Popular –M- de Pernambuco, se aproximou
bastante da Campanha de P no Cho
tambm se Aprende a Ler.
A
mim caber, nesta Mesa, a informao
sobre o especfico da Campanha, o
seu fatual, encerrando com alguns questionamentos
que nos levem – a todos, a reflexo
e ao debate. A projeo do
filme que documentou para o MEC o movimento
De P no Cho, ajudar
a resgatar o visual do que se perdeu h
19 anos ados.
Estas
so as tarefas com as quais nos apresentamos
e que expressam o melhor nimo de
servir ao Rio Grande do Norte.
^
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II
– Histria Fatual
1
– Da Origem do Movimento
A
Campanha de P no Cho
tambm se Aprende a Ler, desenvolvida
em Natal, RN, pela Prefeitura Municipal,
de 23 de fevereiro de 1961 a 1 de
abril de 1964, nasceu na burocracia de uma
Secretaria de Educao, nem
no pedagogismo de uma sala de aula, nem
nos “laboratrios” dos
PhDs.
De
P no Cho nasceu nas
ruas.
conseqncia da campanha poltica
de 1960, reivindicada pela populao
pobre organizada nos Comits Nacionalistas-tambm
chamados de Comits de Rua ou Comits
Populares, ao lado dos Comits femininos.
portanto, a partir desse marco organizacional
que ser possvel visibilizar
a origem de De P no Cho
e sua gestao no bojo do
movimento popular de ento.
(2)
As informaes e os dados
deste captulo esto documentados
in GES, Moacyr de. “De P
no Cho tambm se Aprende
a Ler – uma escola democrtica”
– Ed. Civilizao Brasileira,
Rio, 1980.
^
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1.1
– As eleies de 1960.
Os Comits e o Programa do Candidato
a Prefeito
A
campanha poltica de 1960 desenvolveu-se
num terreno ambguo e contraditrio.
Pairavam sobre todos as sombras da ameaa
do Fundo Monetrio Internacional,
da inflao e as lembranas
das tentativas de golpe de Estado de 54,
55, 56 e 59.
Enquanto
Jnio visitava Fidel Castro e tinha
um discurso terceiro-mundista, Lott reiterava
as posies anticomunistas;
no queria nem saber de reatar relaes
com a URSS. Jnio esgrimava de florete,
Lott vinha de tacape. A esquerda, no entanto,
dessa vez, no se equivocou. Apontou
a candidatura de Lott. O importante, no
momento, era preservar a continuidade das
instituies democrticas
e assegurar a defesa das riquezas nacionais.
A Histria provou que a esquerda
estava certa. O que no quer dizer
a campanha tenha sido fcil –
tanto assim que, no resultado final,
Lott no vai chegar nem aos 35% dos
votos computados no Brasil.
Em
Natal, a esquerda nacionalista deu vida
ao frgil PTB e ao velho PSD: Lott
obteve 65,16% dos votos computados. Jnio,
candidato apoiado pelo Governo de Dinarte
Mariz e pela dissidncia udenista
de Aluzio Alves, ficou com 27,66%
dos votos, e Adhemar no ou de
7, 16%. Aluzio Alves e Djalma Maranho
vo alcanar 68 e 66% dos
votos para governador do Estado e prefeito
de Natal, respectivamente. Uma vitria
inequvoca da coligao
oposicionista a nvel do Rio Grande
do Norte, respaldando uma posio
nacionalista e popular: para vice-presidente,
Jango obtinha 60,75% enquanto Milton Campos
e Ferrari ficavam com 21,95% e 17,29%, respectivamente.
Esses os resultados eleitorais de Natal,
em outubro de 1960.
^
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1.1.1.1 – Os
Comits
O Partido do candidato Djalma Maranho
era o PTN, que, em termos de legenda, no
existia. O que existia era uma tendncia
de oposio e de esquerda
no eleitorado de Natal, que se aglutinava
em torno de Djalma Maranho. Assim,
a organizao da campanha
se fez em funo dos Comits
Nacionalistas. Entre janeiro e fins de setembro,
foram organizados e funcionaram 240 Comits
Nacionalistas. Esse nmero ganha
maior expresso quando situado numa
cidade de cerca de 160 mil habitantes, a
poca, tendo tido um comparecimento
eleitoral de pouco mais de 36 mil votantes.
O Comit era constitudo de
uma diretoria com 13 pessoas e um nmero
ilimitado de membros.
O
Jornal “A Folha da Tarde”, de
19 de janeiro de 1960, noticia a constituio
do Comit Central, que assumiu a responsabilidade
pela campanha Lott-Jango e Maranho-Gonzaga,
e era integrado dos seguintes nomes: professores
Moacyr de Ges e Lus Ignacio
Maranho Filho, Dr. Ticiano Duarte,
jornalista Oliveira Jnior, lder
sindical Pretextado Jos da Cruz
e vereadores Helion Ramalho, Francisco Sales
da Cunha, Antonio Corts e Caubi Barroca.
Em
1960, em Natal, o discurso poltico
muitas vezes nasce de baixa pra cima, a
partir das classes subalternas. Os quadros
polticos que integravam a equipe
de Djalma Maranho (j a
apoiando para o Governo do Estado Aluzio-Walfredo),
vo levar para os Comits,
que se fundam, principalmente, na periferia
da cidade, a discusso nacional dos
problemas brasileiros (o imperialismo, a
dependncia poltico-econmica,
a SUDENE, o latifndio, a oligarquia,
o colonialismo cultural) e vo receber
dos integrantes dos Comits as lies
das realidades das coisas (a falta de gua,
de escolas, de hospitais, de emprego, de
transporte, de garantias de direitos, etc.).
Esses dois discursos se somam e, pouco a
pouco, vo constituindo a plataforma
poltica.
Quando,
no final da campanha, os 240 Comits
se renem, setorialmente, em Convenes
de Bairros, discutem e aprovam o programa
poltico-istrativo do futuro
Prefeito. Os jornais da poca guardam
as notcias dessas Convenes
de Bairro, quando foi possvel
populao propor e organizar
um programa de governo para o Municpio.
De janeiro, a outubro, profundo trabalho
de conscientizao poltica
havia frutificado. Esse ser o programa
colocado nas mos do Prefeito, diretamente
pelo povo, sem eufemismos nem intermediaes.
Somente
compreendendo essa ampla e profunda estratgia
e ttica polticas
possvel entender a construo
da Campanha de P no Cho
Tambm se Aprende a Ler: a reivindicao
da escola emerge em todas as Convenes
de Bairros; em geral, encabeando
as listagens elaboradas a partir dos Comits.
Assim,
quando no incio do ano de 1961 o
Secretariado Municipal, presidido pelo Prefeito
Djalma Maranho, decide definir a
educao e a cultura como
a meta nmero um do Governo, no
est fazendo nada mais nada menos
que comear a executar um programa
nascido nos Comits Nacionalistas,
discutido nos comcios de janeiro
a outubro de 1960, homologado pelas Convenes
de Bairros, em setembro, e consagrado pelo
eleitorado nas urnas de 3 de outubro.
Assegurar
a escola para todos era a tarefa. E os meios?
Como possvel romper o ciclo
de ferro pauperismo-analfabetismo-pauperismo?
^
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1.1.2
– Que fazer?
Essa
histrica pergunta , realmente
a indagao a ser feita, em
termos polticos, quando ocorre uma
encruzilhada. Em Natal, em 1961, tivemos
o bom senso de respond-la com o que
nos pareceu a melhor soluo:
- Voltar ao povo!
Durante
a campanha, o candidato Djalma Maranho
prometera governar, quando Prefeito, com
os Comits Nacionalistas. A
estaria, ento, a oportunidade de
voltar ao povo atravs de seu conduto
natural. Discutir com os propositores da
erradicao do analfabetismo
em Natal os meios de faz-lo. Como
o prefeito j definira um plano-piloto
de erradicao do analfabetismo
no bairro proletrio das Rocas, reunimo-nos
com o principal Comit Nacionalista
das Rocas para o estudo da questo.
Aqui
no h como fugir a um depoimento
pessoal. O documento meu testemunho
vivo; a lembrana, meu instrumental
de trabalho.
De
volta aos moradores das Rocas, representados
por sua organizao poltica
mais simples – o Comit Nacionalista
-, expus o problema.
A
discusso foi longa. Por mais de
duas horas, ficamos em torno das mesmas
questes: era preciso acabar com
o analfabetismo – o povo queria, o
prefeito tambm. Mas como acabar
com o analfabetismo sem dinheiro para construir
escolas?
No
sei, realmente, de quem veio a proposta,
naquela reunio de 40 a 50 homens
e mulheres:
-
Faa uma escola de palha!
Confesso
que a proposta me pegou desprevenido. Meus
pruridos de pedagogo se arrepiaram. De palha?
. . . E o ambiente escolar, como assegurar
a sua sacralidade em face dos cnones
da s pedagogia? Vivi um conflito.
Mas respeitei as palavras dos companheiros
do Comit.
A,
quase que todos comearam a falar
ao mesmo tempo: as sugestes surgiam,
uma atrs da outra:
__ Um galpo coberto de palha de
coqueiro.
__ No precisa fechar os lados, para
no escurecer.
__ O cho pode ser de barro batido.
__ Faa nas Rocas de Cima.
__ No precisa comprar terrenos;
constri num terreno, nas dunas,
onde a Prefeitura diz que vai construir
um cemitrio, mas at agora
no levantou nem o muro!
A
discusso prosseguiu, animada. No
final, os companheiros votaram: o Comit
Nacionalista das Rocas apoiava o Prefeito
Djalma Maranho na campanha de erradicao
ao analfabetismo e, na falta de recursos
financeiros para construir escolas de alvenaria,
propunha que a Prefeitura ampliasse o programa
j existente das escolinhas e, nas
Rocas de Cima, construsse escolas
cobertas com palha de coqueiro.
Comuniquei
a proposta ao Prefeito. Ele aceitou e ou
a defender, ardorosamente, a idia.
No dia 23 de fevereiro de 1961, Djalma Maranho,
pessoalmente, recrutava alunos para a escola
de palha construda nas Rocas de
Cima. Tambm no sei quem
deu o nome que “pegou”: Acampamento
Escolar das Rocas.
O
Comit Nacionalista das Rocas, segundo
jornais da poca em depoimento do
professor Jos Fernandes Machado,
foi fundado em 27 de abril de 1960.
Sua diretoria predominantemente
de modestos funcionrios pblicos
de uma repartio que,
poca, vivia um intenso processo
de politizao: o Departamento
de Correios e Telgrafos, o DCT.
Apenas um pedagogo. Todos so
homens comuns, de baixa classe mdia
e de segmentos do proletariado, o que, alis,
deveria ser um corte social autntico
do bairro das Rocas – bero
poltico de Caf Filho, como
ele mesmo confessa. O presidente do Comit
era Jos Fernandes Machado, dicono
da Igreja Presbiteriana Independente, ento;
reprter, funcionrio pblico,
carteiro (DCT). Instruo:
nvel mdio.
^
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2
– Da Especificidade do Movimento
“... o processo educativo (em Natal)
entrara em verdadeiro retrocesso. Vinte
anos atrs funcionavam na cidade
11 Grupos Escolares, hoje reduzidos a 10.
Enquanto isso, a populao
cresceu, multiplicada por quatro, aproximadamente.
A educao pblica
primria ou, assim, por verdadeiro
colapso”.
Essa
denncia da Secretaria Municipal
de Educao de Natal, em 1963,
integra a comunicao ao I
Congresso Nacional de Alfabetizao
e Cultura Popular (Recife) e o documento
brasileiro Conferncia Interamericana
de Ministros de Educao (Bogot).
Esses dois documentos (o primeiro, mais
detalhado do que o segundo) so as
fontes primrias pelas quais ser
possvel reconstruir o fatual da
Campanha.
O
ndice de analfabetismo na populao
acima de 14 anos, o mais alto era o do Nordeste
(59,97%) e, em Natal, o Censo de 1960 revelara
a existncia de 60.254 analfabetos,
cifra possvel de ser decomposta
em 35.810 crianas e 24.444 adultos.
Para responder a este desafio foi criado
o grupo de trabalho de Educao
Popular para o Planejamento/Execuo/Avaliao
de uma poltica educacional que assegurasse
escola para todos. Este GT da Secretaria
Municipal de Educao (que
mais tarde, seria sua espinha dorsal) articulava-se
com os Comits Nacionalistas e lideranas
dos bairros e, inicialmente, em 1961, foi
constitudo das seguintes pessoas:
Omar Fernandes Pimenta, diretor do Ensino;
Ivis Bezerra, presidente da Unio
Estadual dos Estudantes; Edsio Pereira,
presidente do Diretrio Acadmico
de Medicina; Alberto Pinheiro do Medeiros,
presidente do Diretrio Acadmico
de Filosofia; professor Severino Fernandes
de Oliveira; diretor do Ginsio Municipal;
professoras Isabel Alves da Rocha e Ilsa
Brilhante; Moacyr de Ges, secretrio
de Educao.
^
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2.1 – De P
no Cho em Oito Fases
2.1.1.
AS ESCOLINHAS – A primeira
fase do ensino municipal de alfabetizao
data da primeira istrao
de Djalma Maranho (1956-1959) e
foi retomada logo em 1961, com o Curso de
Emergncia preparando um professorado
leigo de 250 monitores. Esta a
fase em que a Prefeitura utiliza salas cedidas
pela comunidade, gratuitamente, e a
instala uma classe de alfabetizao.
As despesas da Prefeitura so: um
pequeno pro labore para a monitora; material
didtico doado aos alunos; toscas
carteiras fabricadas na carpintaria municipal
e utenslios para servir a merenda
que fornecida pelo UNICEF. Salas,
gua e energia eltrica so
contribuies de sindicatos,
igrejas, clubes, associaes
de bairros, de folclore e at residncias
particulares e cinemas que abrigam essas
classes de alfabetizao.
Em meados de 1963, esto em funcionamento
271 Escolinhas ..
2.1.2.
O ACAMPAMENTO ESCOLAR – Esta
segunda fase a da escola de palha
de coqueiro e de cho de barro batido,
identificada como a do Acampamento Escolar
– proposta do Comit Nacionalista
das Rocas. quando surge, tambm,
a legenda de P no Cho Tambm
se Aprende a Ler. A expresso advm
de uma reportagem do jornalista Expedito
Silva sobre a democratizao
do ensino municipal. Relatando o que vira
nas Rocas – a escola de palha de coqueiro
e de cho de barro batido, sem exigncias
de farda nem sapatos -, o jornalista escreveu
que, agora, em Natal, at de p
no cho se aprenderia a ler . . .
O
Prefeito Djalma Maranho percebeu
o apelo da expresso e adotou-a para
a Campanha Municipal de Erradicao
do Analfabetismo: ter os ps no cho
significava conhecer a realidade e a dimenso
do desafio.
Um
Acampamento Escolar integrado de
vrios galpes de 30m x 8m.
nesse conjunto h, sempre, um galpo
circular destinado s festividades
do bairro, s reunies do
crculo de pais e professores,
recreao infantil, e funciona
como uma espcie de teatro de arena
para exibies de autos folclricos.
Os
galpes destinados s salas
de aulas, em forma retangular, eram divididos
internamente em quatro partes, atravs
de pranchas, utilizadas como quadro-de-giz
e quadro mural. Essas pranchas no
atingem o teto nem o solo, nem fecham lateralmente
a classe. No existindo paredes externas,
tambm no se colocavam problemas
de acstica, e a viso espacial
do recinto escolar/meio ambiente do Acampamento
era total.
As
nicas dependncias construdas
em alvenaria eram uma pequena sala (que
funcionava como diretoria, secretaria, almoxarifado
e local de guarda de caixas da biblioteca
e de utenslios da merenda escolar)
e os sanitrios.
Hortas,
avirios e parque de recreao
compunham, finalmente, a paisagem do Acampamento
Escolar, que regulava os seus horrios,
liturgicamente, atravs de um sino
de bronze, e ecologicamente, se harmonizava
com os largos espaos abertos da
pequena cidade e com a pobreza de seus moradores
– a quem servia.
Em
1961, construram-se dois Acampamentos:
os dos bairros de Rocas e de Carrasco. Em
1962, o nmero cresceu para nove,
situados nos seguintes bairros perifricos:
Quintas, Conceio, Granja,
Nova Descoberta, Nordeste, Aparecida e Igap.
Com os dois anteriores, cobriam-se os limites
da cidade.
O funcionamento se fazia em trs turnos.
a) - RH do Acampamento Escolar
A equipe que assegurava a operacionalizao
de um Acampamento era integrada de um diretor
(professor titulado pela Escola Normal de
Natal e que acumulava suas funes
de gestor istrativo com as de orientador
educacional e supervisor pedaggico);
regentes de classes ou monitoras, em nmero
suficiente ao atendimento dos trs
turnos; recreadoras (professoras diplomadas
e recicladas em tcnicas de recreao
atravs dos Cursos de Emergncias
da Campanha); merendeiras (monitoras recicladas
em nutrio pelos Cursos de
Emergncias j referidos, que
eram responsveis, ainda, pela superviso
de avirios e hortas); secretria
do Acampamento, responsvel por tarefas
inerentes funo,
acrescidas s de biblioteca, estoque
e distribuio aos alunos
do material escolar, guarda e zelo pelo
material pedaggico em geral; serventes
e vigias.
A
essa equipe fixa, o Grupo de Trabalho de
Educao Popular, da Diretoria
do Ensino, oferecia o apoio necessrio
ao seu funcionamento eficiente, como, por
exemplo: a pesquisa domiciliar para o combate
evaso de alunos; os estudos
(tabulaes e representaes
grficas) do setor de Pesquisas e
Medidas sobre provas e testes aplicados;
a dinamizao das bibliotecas
e crculos de leitura; a participao
e animao dos crculos
de pais e professores.
b) – Poltica Cultural
Era
poltica expressa da Secretaria Municipal
de Educao vincular o Acampamento
s organizaes populares
e lideranas culturais mais expressivas
do bairro onde se localizava. Assim, pouco
a pouco, surgiam iniciativas comuns entre
o Acampamento das Rocas e a Sociedade Araruna
de Danas Antigas; entre o Acampamento
de Aparecida e o fazedor de imagens Chico
Santeiro; entre o Acampamento de Conceio
e o Bambel Asa Branca; entre o Acampamento
do Carrasco e os Congos e/ou o Boi-Calemba.
Fazendo
da escola o centro de desenvolvimento da
vida da comunidade, foi fcil trazer
os responsveis e participantes dos
conjuntos folclricos para ministrar
a recreao infantil, nos
Acampamentos, base dos autos populares.
Isso se fazia sem se gastar um tosto,
e, principalmente, preservando a pureza
do folclore, que vinha da fonte, diretamente,
para o patrimnio cultural das crianas.
2.1.3. – O ENSINO MTUO
– A terceira fase s
compreensvel a partir do dado de
que a Campanha j criara um alto
clima de mobilizao popular
para a erradicao do analfabetismo.
O
ano de 1961 foi vivido sob um clima emocional
muito grande, quando a Campanha procurou
ganhar a cidade, mobilizando a opinio
publica, a partir das Rocas.
O
ano de 1962 comea com as classes
de aula cheias de alunos, mas – a
pesquisa informa – nas Rocas existe
um resduo de adultos analfabetos
com resistncia em ir escola.
Ainda no chegara a hora do Sistema
Paulo Freire, dirigido, especificamente,
cultura do adulto; nem a Campanha
criara, ainda, o seu Livro de leitura para
adultos, que somente seria lanado
em abril de 1963. Assim, era plenamente
justificado que adultos idosos no
aceitassem sentar em bancos escolares para
soletrar “Eva viu a uva”...
a)
– RH do Ensino Mtuo
– O desafio ento colocado
foi respondido de uma forma at certo
ponto ingnua: se o adulto no
quer ir escola, a escola vai ao
adulto, em sua casa! Como? Os estudantes
secundaristas entram em cena: reduzida equipe,
previamente treinada, professores-meninos-voluntrios,
indo de casa em casa, de porta em porta,
alfabetizavam pequenos grupos daqueles adultos.
Funcionava a escola a domicilio.
Em
1962, 22 ncleos prestaram esse servio,
sob a superviso de Antonio Campos
e Silva, ento concluinte da Faculdade
de Filosofia de Natal.
Dir
Pierre Furter:
“Por falta de monitores e de pessoal
qualificado, a Campanha fez apelo
ajuda voluntria ou pouco remunerada,
e uma vez que isso ainda no era
suficiente, muito naturalmente, chegou-se
a introduzir, sem o saber, o mtodo
de ensino mtuo que o padre Girard,
h mais de cem anos, havia imaginado
para resolver uma situao
igualmente desfavorvel”.
A
emulao foi inevitvel.
A cada resultado da pesquisa, as ruas das
Rocas exibiam faixas em que comunicavam
que o ndice do resduo de
analfabetos estava baixando.
As
prprias classes subalternas se convertiam
em grupos de presso, fazendo da
luta pela educao, sua luta.
2.1.4.
– AS PRAAS DE CULTURA
– A quarta fase de 1962 e
revela, em sua formulao,
o intercmbio que a Campanha vinha
mantendo com o M do Recife. Foi no M
– istrao do Prefeito
Miguel Arraes – que a Secretaria Municipal
de Educao do Natal estudou
a proposta recifense das Praas de
Cultura. A adaptao se fez
a nvel das possibilidades de Natal.
Basicamente,
uma Praa de Cultura, em Natal, era
constituda de parque infantil, quadras
de esporte (vlei, futebol de salo
e basquete) e uma biblioteca.
Em
1962, apesar de 10 praas construdas,
somente duas estavam dotadas de bibliotecas
(postos de emprstimo de livros).
Em 1963, a praa principal da cidade
foi convertida em Praa de Cultura,
a j integrada de concha
acstica, biblioteca, discoteca e
galeria de arte.
a)
Funcionalidade – o importante
numa Praa de Cultura no
o seu equipamento. a sua
funcionalidade. Numa Praa de Cultura,
possvel um espao
de convenincia (parque infantil e
esporte); fontes de informao
(bibliotecas, jornais murais, exposies
de artes plsticas, etc.) e uma oportunidade
para organizar debates de interesse da comunidade,
a partir do discurso poltico, quando
a quadra de esporte e seus degraus de arquibancadas
se convertem em frum de discusso
dos mais variados temas, com a participao
das organizaes do bairro.
A
Praa de Cultura , em ltima
instncia, a complementao
das Escolinhas e dos Acampamentos, que se
localizam prximos.
Sua programao diria
era coordenada pela Diretoria de Documentao
e Cultura da Secretaria de Educao
e se encontrava sempre aberta aos interesses
da comunidade.
2.1.5.
– O CENTRO DE FORMAO
DE PROFESSORES – Esta
a quinta fase da Campanha.
O
poderoso impulso das classes subalternas,
encontrando um aliado no Governo Djalma
Maranho, que se oferecia para ser
o seu conduto de expresso, criou
uma presso incontrolvel
para os quadros dirigentes e a mquina
burocrtica da Prefeitura, que no
estavam habituados a to forte demanda
educacional.
A
matrcula, de maro a outubro
de 1961, crescera em 300%, dobrando, ainda,
em 1962.
O
programa do Prefeito Maranho no
era desaquecer a Campanha. Nem mesmo estabilizar.
A palavra de ordem era ampliar servios
e aumentar a mobilizao.
Isso colocava em risco a qualidade do terreno
conquistado, se a Secretaria no
se instrumentalizasse adequadamente. A soluo
foi a criao do Centro de
Formao de Professores, no
final de 1962, partindo da experincia
acumulada da Coordenao Tcnico-Pedaggica,
em funcionamento desde outubro de 1961.
a)
Funcionalidade – Confiado
direo da professora Margarida
de Jesus Cortez, o CEP funcionava em trs
nveis: a) Curso de Emergncia
para treinamento de monitores da Campanha,
preparando em trs meses, pessoal
leigo;
b)
b) Curso Normal de grau ginasial, preparando
em quatro anos as regentes de classes; com
ingresso mediante exame de isso;
c)
c) Curso normal de grau colegial, preparando
professores com mais de trs anos
de escolaridade.
Ainda
era atribuio do CFP fazer
a coordenao tcnico-pedaggica
da Campanha e manter uma Escola de Demonstrao
(de nvel primrio) como laboratrio.
O
CFP desempenhou um papel de primordial importncia
em De P no Cho. Na
rea docente, treinando e reciclando,
periodicamente, professores, monitores e
regentes de classes. No campo discente,
assegurando o rendimento da aprendizagem.
Papis
polivalentes foram desempenhados pelo CFP
que, no dizer da poca, era o “crebro
da Campanha”... Em depoimento que
nos prestou Margarida de Jesus Cortez, ela
relembra alguns momentos significativos,
entre os quais a experincia de medir
o tempo necessrio alfabetizao
de crianas pelo “mtodo
analtico ou global”. Duas
classes, no CFP, dirigidas por professoras
diplomadas, com curso de especializao,
demonstraram a possibilidade de alfabetizar
crianas sem qualquer vivncia
de pr-escolar em menos de nove meses.
Assim, no era s na rea
de alfabetizao de adultos
que os experimentos eram feitos, objetivando
a reduo do tempo de alfabetizao,
como o Sistema Paulo Freire, que estava
em andamento. Tambm na alfabetizao
infantil se pesquisava e se inovava.
2.1.6. – CAMPANHA DE P
NO CHO TAMBM SE APRENDE
UMA PROFISSO – Esta sexta
fase a evoluo da
educao acadmica para
a educao para o trabalho.
Com
oito cursos iniciados em fevereiro de 1963,
j em agosto De P no Cho
tambm se Aprende uma Profisso
entregava os primeiros certificados, em
nmero de 148, correspondentes aos
seguintes cursos: corte e costura, enfermagem
de urgncia, sapataria, marcenaria,
barbearia, datilografia, artesanato e encadernao.
Em
setembro do mesmo ano, 17 cursos estavam
em funcionamento, divididos em trs
turnos e distribudos atravs
de cinco Acampamentos: Rocas – corte
e costura, alfaiataria, marcenaria, sapataria,
telegrafia, elementos de eletricidade, barbearia,
bordado a mo; Carrasco – barbearia,
corte de cabelo (feminino), enfermagem de
urgncia, datilografia, taquigrafia,
encadernao e corte e costura;
Nova Descoberta – artesanato, bordado
a mquina, cermica e bordado
a mo; Nordeste – corte e costura;
Quintas – em fase de instalao.
A nova Campanha se instalava em um dos galpes
do Acampamento da antiga, integrando-se
com essa no programa educacional do Municpio.
Era sua parte complementar. Atendida da
criana ao adulto. E sua matrcula,
em setembro de 1963, era de 700 alunos.
a)
– Paulo Freire em De P
no Cho – Nesta fase, h
referncias aplicao
do Sistema Paulo Freire por De P
no Cho, de acordo com os documentos
referidos.
Se comparada todavia, com o volume global
das duas campanhas, os resultados, em matrcula,
da aplicao do Sistema Paulo
Freire para adultos da Campanha De P
no Cho Tambm se Aprende
a Ler, foram relativamente modestos.
Aps
um curso de preparao de
“animadores”, ministrado pelo
prprio Paulo Freire, em Natal, De
P no Cho abriu dois Crculos
de Cultura nas Rocas, dois em Nova Descoberta
e um no Carrasco, com um nmero de
classes que no deve ter excedido
a uma dezena.
Nessas
turmas, operavam parte dos melhores quadros
tcnicos da Campanha, universitrios
e secundaristas, bastando citar, como exemplo,
os nomes de Jos Fernandes Machado
e Josem Azevedo, presidentes do
Comit Nacionalista das Rocas e do
Diretrio Acadmico de Engenharia,
respectivamente.
2.1.7.
– A INTERIORIZAO
DA CAMPANHA – Esta fase, a stima,
indica que em Natal a Campanha j
estava consolidada e ampliava espaos.
evidente que os acontecimentos
que ocorrem em Natal tendem a ter repercusso
nos demais Municpios do Estado.
Principalmente se esses eventos trazem em
si o impacto com que estava sendo colocada
a Campanha e sua proposta de resolver com
baixos custos o desafio do ensino municipal.
Assim,
vrios prefeitos do interior se aproximaram
do Prefeito de Natal, tentando um estudo
conjunto do problema em suas reas,
ainda mais carentes do que as da capital
do Estado.
Inicialmente,
a Secretaria deslocou equipes do CFP que
ministraram Cursos de Emergncia no
interior (trs semanas). A prpria
diretora do CFP participou de algumas dessas
misses pedaggicas.
a)
– RH para o interior –
Depois, em face da demanda, abriu-se um
programa de bolsas de estudo nos Cursos
de Emergncia de preparao
de monitores da Campanha no prprio
Centro de Formao de Professores.
Assim, junto s natalenses, algumas
dezenas de moas do interior do Estado
se preparavam para o exerccio do
magistrio leigo, em suas cidades
de origem.
b) – Avaliando esse programa como
insuficiente, o Centro de Formao
de Professores ou a prestar assistncia
tcnico-pedaggica in loco
s Prefeituras que encaminhavam bolsistas
pedaggicas vai at cada cidade,
onde supervisiona classes, rene-se
com professores e apresenta sugestes
para uma programao quinzenal”.
Josem Azevedo, presidente do Diretrio
Acadmico da Escola de Engenharia,
coordenava esse programa de interiorizao.
c)
– Frente de Educao
Popular do Rio Grande do Norte.
Em setembro de 1963, j haviam assinado
convnios de assistncia tcnico-pedaggica
com a Prefeitura do Natal os seguintes municpios:
So Tom, So Paulo
do Potengi, Afonso Bezerra, Au,
Currais Novos, So Gonalo
e Macau, este atravs de vrios
sindicatos operrios.
Em
janeiro de 1964, cerca de 40 prefeitos,
ou seus representantes, reuniram-se no Centro
de Formao de Professores
da Campanha para a adoo
de um planejamento comum. A foi
lanada a semente da Frente de Educao
Popular do Rio Grande do Norte, que foi
ceifada pelo golpe de Estado em abril.
2.1.8.
- A ESCOLA BRASILEIRA CONSTRUDA
COM DINHEIRO BRASILEIRO – A oitava
fase de que falam os dois documentos que
esto embasando estas notas se refere
tentativa de a Campanha superar
o seu plano de emergncia e comear
a edificar, de forma mais definitiva, a
sua rede escolar. Isso s poderia
ocorrer com a ajuda do Governo Federal.
O municpio j dera provas
de confiabilidade para a execuo
de um programa de educao.
Restava, ento, ao Governo Federal,
se associar para implementar esse programa.
A
ajuda foi propiciada pelo Ministro Paulo
de Tarso em meados de 1963, Cr$ 50 mil.
A
partir desses recursos, a Prefeitura vai
comear a abrigar parte das escolas
em salas pr-fabricadas, beneficiando
tambm dessa maneira o Centro de
Formao de Professores, o
Colgio Municipal e a Escola Tcnica
de Comrcio do Municpio,
que se encontravam em prdios alugados.
Sem
substituir a escola de palha, a Prefeitura
colocava, assim, na paisagem da cidade,
pequenas salas de aula de alvenaria, partindo
de estruturas metlicas pr-fabricadas,
adquiridas com os recursos liberados pelo
MEC.
Nesse
programa, a Prefeitura, em 1963, inaugurou
trs pequenas escolas em agosto, duas
em setembro, e a partir de outubro, at
dezembro, mais 14 unidades.
Nessa
poca, a frontalizao
em face da Aliana Para o Progresso
ganhava um espao poltico
maior, e o Prefeito Djalma Maranho,
no propsito de diferenciar o seu
Governo do de Aluzio Alves (que
se apoiava em recursos norte-americanos),
denominou essa etapa de Campanha de “Escola
Brasileira Construda com Dinheiro
Brasileiro”.
Cada
inaugurao de escola era
uma festa, com exibies de
autos populares e folclricos (principalmente
de bambel) e discursos polticos
das lideranas locais.
^
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2.2 - DA DESTRUIO DO
MOVIMENTO
A
destruio da Campanha
De P no Cho Tambm
se Aprende a Ler se insere no quadro
geral criado pelo golpe de estado de 1964,
e na implantao do projeto
educacional-ideolgico do IPES.
Numerosas
so as anlises do perodo
e no valeria a pena repeti-las.
Convm, todavia, destacar:
2.2.1.
A interpretao de Jos
Willington Germano (in “Lendo
e Aprendendo- a Campanha De P no
Cho”, Cortez Editora, So
Paulo, 1982) e
2.2.2.
A represso desencadeada em 1964,
no Rio Grande do Norte, identificou como
um dos seus alvos preferenciais a istrao
do Prefeito Djalma Maranho; nesta
esclusivamente, a Secretaria Municipal de
Educao; e, nesta, preferencialmente,
a sua Campanha De P no Cho
tambm se Aprende a Ler.
^
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III
– Uma interpretao:
De P no Cho – Escola
Pblica e Educao
Popular
Entre
as reflexes que tenho ultimamente
feito, com mais freqncia, est
a pergunta se valeria a pena continuar a
definir De P no Cho
apenas como um dos movimentos pioneiros
de educao popular dos anos
60 – ao lado do M de Pernambuco,
do MEB da Igreja Catlica, do C
da UNE, da CEPLAR da Paraba? Ou
De P no Cho se situaria
tambm – e principalmente -
numa moldura histrica mais ampla,
que seria a da retomada da bandeira da escola
pblica e da laicidade do ensino
no Brasil? Agora no mais como uma
proposta terica e ideolgica
– e sim como uma inquestionvel
prtica.
Atravs
desta ltima vertente De P
no Cho no seria, somente,
a resposta do poder pblico municipal
reivindicao poltica
do movimento popular gerado pela campanha
eleitoral de 1960 – seria, tambm,
a extenso dos anseios das lideranas
brasileiras que buscam para a Educao
uma postura coetnea ao Sculo
XX: isto , a cobrana
responsabilidade do Estado pelo ensino universal,
gratuito e laico.
Se
assim for, De P no Cho
seria a continuidade, coerente e histrica,
de momentos significativos da educao
neste pas, quando se reafirma a
defesa da escola pblica, como:
-
A criao da ABE (Associao
Brasileira da Educao)
de 1924;
-
A IV Conferncia Nacional de Educao,
Rio, 1931;
-
O Manifesto dos Pioneiros da Educao
Nova, de 1932;
-
O I Congresso Brasileiro de Escritores,
So Paulo, 1945;
-
O IX Congresso Brasileiro da Educao,
Rio, 1945;
-
A Universidade do Povo e os Comits
Democrticos, criados pelo PCB
no Distrito Federal, 1945-47;
Seria,
assim, De P no Cho
alinhado politicamente aos movimentos de
sua poca:
-
defesa da escola pblica,
gratuita e laica, quando da discusso
da Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional (LBD) – fiel melhor
vertente do pensamento de Ansio
Teixeira;
-
posio da UNE,
de 1960 a 1964;
-
s concluses das I e II
Convenes Operrias
em Defesa da Escola Pblica, Sindicato
dos Metalrgicos, So Paulo,
1961 etc.
E
mais: pelo papel histrico que desempenhou
de 1961 a 1964 e por ser a antpoda
ao projeto ideolgico do IPES, implantado
pelo Estado autoritrio de 1964,
De P no Cho pode,
tambm ser considerado o elo para
o futuro, quando emergiro os mais
importantes movimentos pela redemocratizao
da educao, como por exemplo:
-
A SBPC, a partir de 1970;
-
A criao e/ou ressurreio
de organizaes de professores
como o CEPRS (Centro Estadual de Professores
do Rio Grande do Sul), CEPRJ (Centro Estadual
de Professores do Rio de Janeiro), ANDES,
CEDES, ANPED etc.
-
O frum “Cincia e
Educao para uma sociedade
democrtica”, SBPC, Rio,
1980;
-
As I e II Conferncias Brasileiras
de Educao, (CBEs) So
Paulo e Minas Gerais, 1980 e 82, respectivamente;
-
E, finalmente, o XVI Congresso Nacional
de Professores, promovido pela Confederao
dos Professores do Brasil – (B),
Natal, 1983.
Esta tica no invalida o
movimento de De P No Cho
ser situado e datado no Nordeste do incio
dos anos 60 e atravs desse contexto
ser compreendido e explicado como um dos
movimentos pioneiros da educao
popular. Esta uma questo
histrica e, portanto, transcende
s interpretaes episdicas.
O
que eu quero dizer que De P
no Cho mais que isso
– ele, como campanha regional, se
insere na participao de
uma luta maior e mais antiga que
a do movimento pela educao
pblica. Esta, ganha fora
no Brasil a partir dos anos 20, esvazia-se
nas fases ditatoriais de nossa Histria
e, agora, acumula foras para ampliar
os seus espaos – principalmente,
junto aos governos estaduais nascidos de
novas alianas das eleies
de 15 de novembro ltimo.
Esta
discusso aqui colocada
porque, ultimamente, muito se tem falado
da impossibilidade de se desenvolver um
programa de educao popular
no mbito das instituies
e/ou do Estado. Esta a discusso
preferida dos anos 70 – quando algumas
interpretaes mecanicistas
das teorias da reproduo
e dos aparelhos ideolgicos do Estado
jogaram o pndulo da avaliao
do papel da educao na sociedade
para o outro extremo daquela posio
registrada nos anos 60 – quando, ento
se dizia que a educao era
o motor da transformao social
e os educadores os seus timoneiros.
Acredito
que os anos 80 iro corrigir o pndulo
em seus extremos. Os educadores dos anos
60 tero melhor visibilidade do que
uma sociedade dividida na classe,
os educadores dos anos 70 enxergaro
na escola publica, desde que democraticamente
arejada pela sociedade civil, algum espao
de luta pela transformao
social, apesar do peso institucional.
Por
isso transcrevo, apesar de longa, uma lio
de Guiomar Namo de Mello, ministrada no
I Encontro de Supervisores da Educao,
realizado em outubro ltimo, no Rio
de Janeiro, quando discute “o popular”
em educao:
“Alguns
educadores tm insistido que, para
ser popular, a educao
deve estar a servio da organizao
poltica das classes populares.
Na realidade, desse ponto de vista, educao
popular seria a dimenso educativa
dos movimentos sociais e polticos.
Ela se definiria neste caso, menos por
seus destinatrios e mais pelo
seu contedo e objetivos. A educao
elementar promovida pelo Estado no
se aplicaria, portanto, o qualificativo
popular, apesar de ser destinada s
classes populares e de atingir grande
contingente de crianas e jovens
originrios dessas classes.
Minha
posio diferente
dessa que acabei de expor. Comeo
por afirmar que no me parece produtivo
discutir o que e o que no
autenticamente popular, e muito
menos reivindicar “a priori”
esse qualificativo para a educao
escolar ministrada pelo poder pblico.
De
meu ponto de vista o critrio para
qualificar o que e o que no
popular, deve ser sobretudo prtico,
e portanto, histrico. Ser
pelo resultado concreto das diferentes
prticas educativas – tanto
as que aconteceram dentro do ensino formal
como as que se colocaram fora ou alternativamente
a ele – que se poder decidir
at que ponto determinada forma
do processo educacional se realizou mais
ou menos favoravelmente s necessidades
e interesses do povo.
Tentando,
desse modo, escapar de uma polmica
que no julgo produtiva quero remeter
as reflexes que vamos fazer (...)
escola existente hoje. Esta escola,
onde trabalhamos, e que h algumas
dcadas vem recebendo entre seus
alunos, parcelas ano a ano maiores dos
filhos das classes populares, especialmente
em seus graus e sries iniciais.
Uma escola onde a representatividade dessas
classes est portanto aumentando,
exatamente por ser gratuita e mantida
pelo poder pblico”.
Alinho-me
a esta posio de Guiomar
Namo de Mello e vejo que suas palavras caem
como uma luva no estudo de De P
no Cho. Repito o que diz a educadora
paulista”...o critrio para
qualificar o que e o que no
popular deve ser sobretudo prtico”.
Se,
antes da istrao de
Djalma Maranho no havia
ensino municipal em Natal; se de 1961 a
63, quando existiam 60.000 analfabetos,
mais de 17.000 alunos oriundos das classes
subalternas receberam a escolaridade fundamental
(ou parte dela); se em 1963 e 64 soma-se
a De P no Cho a contribuio
de Paulo Freire na educao
de adultos e no discurso poltico;
se a proposta da Campanha afina e se alia
ao M de Perbambuco e ao C da UNE; se
depois de 1964 os ndices de escolaridade
caram no Brasil (e em Natal) porque
a escola pblica perdeu o seu impulso
(como demonstram os estudos de Vanilda Paiva
e Luis Antonio Cunha) – ento,
De P no Cho, “esse
processo educacional, se realizou mais ou
menos favoravelmente s necessidades
e interesses do povo”.
Portanto
vejo em De P no Cho
duas vertentes que o alimentam – permeando
o impulso das classes subalternas j
mencionado: o carter de um movimento
prtico e terico de implantao
e implementao da escola
pblica; o carter de educao
popular – este, presente, no princpio,
em funo dos destinatrios
de sua proposta, depois, evoluindo para
se colocar servio da organizao
poltica das classes populares (veja-se,
por exemplo, a experincia dos Crculos
de Pais e Professores, a conquista, por
sua organizao e intermediao,
da extenso de gua encanada
e servios de eletricidade aos bairros
perifricos; leia-se, tambm,
o documento apresentado por De P
no Cho ao I Encontro Nacional
de Alfabetizao e Cultura
Popular, realizado em setembro- 1963, no
Recife).
Se esta reflexo estiver correta
cabe, ento a pergunta: - por que
essa especificidade em De P no
Cho ter se convertido em leito
nico de duas vertentes: a de escola
pblica, gratuita e laica e a de
movimento de educao popular
dos anos 60?
A
reflexo se abre, tambm,
em outras dimenses. Por exemplo:
os chamados movimentos de cultura popular
e de educao popular dos
anos 60 contaram em seus quadros com grandes
componentes de esquerda crist –
originaria da JUC, participante da UNE e
formadora da AP. Por outro lado a defesa
da escola pblica, gratuita e laica
sempre foi bandeira dos segmentos mais progressistas
de sociedade brasileira, na busca de tornar
coetnea ao Sculo XX a educao
– e nestes segmentos situam-se, evidentemente,
os marxistas.
Ora,
j demonstrei em meu livro (“De
P no Cho Tambm se
Aprende a Ler” – uma escola
democrtica) que o movimento De
P no Cho se converteu,
numa frente ampla de marxistas e cristos,
(estes de confisso catlica
e no-catlica) num trabalho
em comum que no impedia, todavia,
de cada um preservar a sua identidade ideolgica,
sem tenses nem agravos. Das vertentes
crists de esquerda vieram os impulsos
para transformar a educao
em Natal numa proposta de educao
popular (a influncia de Paulo Freire,
e da AP por exemplo); das vertentes marxistas
vieram os impulsos para exercitar-se a educao
em Natal, com dimenses de transformao
social, mas, no mbito do poder pblico,
mantendo-a gratuita e laica sob a direo
de uma Secretaria de Estado (influncias
de Djalma Maranho, Luis Igncio
Maranho Filho, por exemplo).
Porque
marxistas e cristos se mantiveram
aliados na mesma proposta educacional De
P no Cho resultou com
as caractersticas de prtica
e de defesa da escola pblica, gratuita
e laica e de movimento de educao
popular. Esta uma reflexo
que poder explicar porque, em De
P no Cho uma categoria
no exclui a outra. Pelo contrrio:
as duas se somam, se completam e fazem crescer
o movimento.
Estas
so algumas questes que alimentam
a reflexo e a discusso,
sem esgot-las, evidentemente.
^
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IV - Concluses
Para
os limites de uma comunicao
numa mesa redonda j fui longo demais.
Preciso concluir.
Esta
minha concluso se dividir
em dois tempos: o primeiro indicando, na
minha tica, onde identificar o carter
inovador em De P no Cho;
o segundo tempo: a tentativa de visibilizar
as grandes linhas da possvel contribuio
deixada pelo movimento e que mereceria ser
conhecida e incorporada ao patrimnio
cultural do povo brasileiro.
1. Primeiro tempo: As inovaes.
Identifico
em De P no Cho as
seguintes conquistas inovadoras:
1.1. A Campanha gerou os seus prprios
recursos humanos, no dependendo
de instituies tradicionais
(respeitveis, mas, tradicionais)
como Escola Normal e/ou Universidade).
1.2. A escola comeou pela prxis,
construindo a sua proposta terica
a partir do conhecimento e a anlise
de uma realidade vivida (o Conselho Estadual
de Educao s vai
reconhecer De P no Cho
em setembro de 1963).
1.3.
O movimento no confundiu escola
com prdio escolar (ver o partido
arquitetnico do Acampamento Escolar)
1.4. A Campanha estruturou-se de forma no
convencional, com a participao
dos monitores, contribuindo, quinzenalmente,
para a definio dos contedos
integradores de programas e currculos,
estes, posteriormente, indicados pelos professores
e tcnicos do Centro de Formao
de Professores.
1.5. Os convnios celebrados entre
De P no Cho e a ... UFRN
(testagem no Acampamento das Rocas de exame
de feses, levantamento estatstico,
a aplicao de vermfogos
pelos acadmicos da Faculdade de Farmcia;
servios de odontologia, idem; orientao
dos crculos de pais e professores
pelos acadmicos de medicina em todas
as reas da Campanha etc.) e a participao
das mais importantes lideranas universitrias
no GT de Educao Popular
– estes convnios e esta participao
podem ser considerados como um momento significativo
de apoio da instituio universitria
(istrao do Reitor Onofre
Lopes) e do movimento universitrio
(istrao de Francisco
Floripe Ginani, presidente do DCE) ao movimento
popular, liderado pelo Prefeito Djalma Maranho.
1.6. De P no Cho, antes
da grande crise do capitalismo dos anos
70 j adotara a tecnologia da escassez
(custo-aluno da escola primria era
cerca de dois dlares).
1.7. De P no Cho, antes
da interveno americana no
processo educacional brasileiro (acordos
MEC-USAID, a partir de 26 de junho de 1964)
j denunciara esta agresso
embutida na Aliana para o Progresso.
1.8. Os Crculos de Pais e Professores
do movimento evoluram de uma postura
acadmica para a etapa da organizao
das comunidades na luta pelos seus direitos.
1.9. De P no Cho,
exemplo do mtodo Paulo Freire, diversificou
a sua proposta educacional quando esta remetia
ao mundo do adulto.
1.10. De P no Cho criou
uma “nova mentalidade”, como
escreveu Pierre Furter.
2. Segundo tempo: a herana.
Identifico em De P no Cho
duas contribuies, que, independentemente
da poca em que se processaram podem
e devem – ser apropriadas pela sociedade
brasileira.
2.1. A Campanha demonstrou a viabilidade
de um projeto educacional ser proposto,
executado e avaliado (avaliao
parcial, face s circunstncias)
pelas classes subalternas.
2.2. Um processo educacional que se apia
na prxis, poder evoluir
de uma simples etapa de reproduo
do sistema para uma fase superior de questionamento
de uma realidade e buscar formas concretas
e alianas polticas que levem
transformao da
sociedade.
3. – Finalizo esta comunicao
homenageado a argcia do educador
Jose Willington Germano que em sua tese
na UNICAMP (op.cit) bem percebeu os andaimes
humanos utilizados na engenharia de construo
da Campanha. Identificou ele os equvocos
e debilidades do movimento, prprios
de uma poca de fortes tendncias
culturalistas e de otimismo pedaggicos,
alm das limitaes
do nacionalismo que privilegiava a luta
imperialista em detrimento denncia
da luta de classes no mbito da sociedade.
E vai mais fundo na sua anlise quando
afirma:
“De um movimento que, de incio,
pretendia, simplesmente oferecer educao
para todos, De P no Cho
avana conceptualmente e a a
encarar a educao e a cultura
como instrumentos de libertao.
No se tratava, pois, de um projeto
que tivesse em vista integrar os marginalizados
sociedade, fornecendo aos indivduos
escolarizados a possibilidade de ascenso
social. Tratava-se, isto sim, de transformar
essa mesma sociedade e a educao
e a cultura exerceriam um papel preponderante
nesse processo”.
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