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Potiguariana Digital Experincias de Educao Popular De P no Cho Tambm se Aprende a Ler Memria Histrica Potiguar 692x37

Seminrio Educao e Movimentos Sociais no Rio Grande do Norte na Dcada de 60
Natal RN, 25 a 29 de Abril de 1983
A Campanha de P no Cho Tambm se Aprende a Ler – Mesa Redonda

De P no Cho | 40 Horas de Angicos | Movimento de Natal | CEBs no ES | Potiguariana

De P no Cho: Escola Pblica e Educao Popular
Moacyr de Ges

(1) MOACYR DE GES, AUTOR DE “DE P NO CHO TAMBM SE APRENDE A LER – UMA ESCOLA DEMOCRTICA” – ED. CIVILIZAO BRASILEIRA, Rio, 1980, FOI SECRETRIO DE EDUCAO DO MUNICPIO DE NATAL DE 1960 a 1964 (ISTRAO DO PREFEITO DJALMA MARANHO)

I – Introduo

II – Histria Fatual
Da Origem do Movimento
As eleies de 1960. Os Comits e o Programa do Candidato a Prefeito
Os Comits - Da Especificidade do Movimento - De P no Cho em Oito Fases - As Escolinhas O Acampamento Escolar - O Ensino Mtuo - As Praas de Cultura - O Centro de Formao de Professores - De P no Cho tambm se Aprende uma Profisso - A interiorizao da Campanha - A escola brasileira construda com dinheiro brasileiro – A destruio do Movimento

III – Uma interpretao: De P no Cho – Escola Pblica e Educao Popular

IV - Concluses

I – Introduo

Neste Encontro, o Seminrio “Educao e Movimentos Sociais no Rio Grande do Norte na dcada de 60” em boa hora promovido pelos Mestrados e Departamentos de Cincias Sociais e Educao da UFRN, ADURN e Faculdade de Cincias Sociais da PUC de So Paulo no qual resgatamos a memria e estudamos os movimentos sociais do Rio Grande do Norte no incio dos anos 60, esta Mesa, responsvel pela comunicao sobre a Campanha de P no Cho tambm se Aprende a Ler, divide as suas tarefas da seguinte forma:

O Professor Jos Willington Germano, da UFRN, informar a moldura histrica do perodo, ressaltando os movimentos de cultura popular ou de educao popular.

O lder sindical Pretextato Jos da Cruz situar as alianas polticas do perodo, no Rio Grande do Norte, destacando o contexto no qual se desenvolveu a proposta poltica do Prefeito Djalma Maranho.

- O Dr. Hlio Xavier de Vasconcelos, da UFRN, falar sobre o movimento estudantil da poca, enfatizando o Centro de Cultura Popular, ligado ao C da UNE, um dos projetos de cultura popular que, tanto quanto o Movimento de Cultura Popular –M- de Pernambuco, se aproximou bastante da Campanha de P no Cho tambm se Aprende a Ler.

A mim caber, nesta Mesa, a informao sobre o especfico da Campanha, o seu fatual, encerrando com alguns questionamentos que nos levem – a todos, a reflexo e ao debate. A projeo do filme que documentou para o MEC o movimento De P no Cho, ajudar a resgatar o visual do que se perdeu h 19 anos ados.

Estas so as tarefas com as quais nos apresentamos e que expressam o melhor nimo de servir ao Rio Grande do Norte.

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II – Histria Fatual

1 – Da Origem do Movimento

A Campanha de P no Cho tambm se Aprende a Ler, desenvolvida em Natal, RN, pela Prefeitura Municipal, de 23 de fevereiro de 1961 a 1 de abril de 1964, nasceu na burocracia de uma Secretaria de Educao, nem no pedagogismo de uma sala de aula, nem nos “laboratrios” dos PhDs.

De P no Cho nasceu nas ruas.

conseqncia da campanha poltica de 1960, reivindicada pela populao pobre organizada nos Comits Nacionalistas-tambm chamados de Comits de Rua ou Comits Populares, ao lado dos Comits femininos.

portanto, a partir desse marco organizacional que ser possvel visibilizar a origem de De P no Cho e sua gestao no bojo do movimento popular de ento.

(2) As informaes e os dados deste captulo esto documentados in GES, Moacyr de. “De P no Cho tambm se Aprende a Ler – uma escola democrtica” – Ed. Civilizao Brasileira, Rio, 1980.

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1.1 – As eleies de 1960. Os Comits e o Programa do Candidato a Prefeito

A campanha poltica de 1960 desenvolveu-se num terreno ambguo e contraditrio. Pairavam sobre todos as sombras da ameaa do Fundo Monetrio Internacional, da inflao e as lembranas das tentativas de golpe de Estado de 54, 55, 56 e 59.

Enquanto Jnio visitava Fidel Castro e tinha um discurso terceiro-mundista, Lott reiterava as posies anticomunistas; no queria nem saber de reatar relaes com a URSS. Jnio esgrimava de florete, Lott vinha de tacape. A esquerda, no entanto, dessa vez, no se equivocou. Apontou a candidatura de Lott. O importante, no momento, era preservar a continuidade das instituies democrticas e assegurar a defesa das riquezas nacionais. A Histria provou que a esquerda estava certa. O que no quer dizer a campanha tenha sido fcil – tanto assim que, no resultado final, Lott no vai chegar nem aos 35% dos votos computados no Brasil.

Em Natal, a esquerda nacionalista deu vida ao frgil PTB e ao velho PSD: Lott obteve 65,16% dos votos computados. Jnio, candidato apoiado pelo Governo de Dinarte Mariz e pela dissidncia udenista de Aluzio Alves, ficou com 27,66% dos votos, e Adhemar no ou de 7, 16%. Aluzio Alves e Djalma Maranho vo alcanar 68 e 66% dos votos para governador do Estado e prefeito de Natal, respectivamente. Uma vitria inequvoca da coligao oposicionista a nvel do Rio Grande do Norte, respaldando uma posio nacionalista e popular: para vice-presidente, Jango obtinha 60,75% enquanto Milton Campos e Ferrari ficavam com 21,95% e 17,29%, respectivamente. Esses os resultados eleitorais de Natal, em outubro de 1960.

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1.1.1.1 – Os Comits

O Partido do candidato Djalma Maranho era o PTN, que, em termos de legenda, no existia. O que existia era uma tendncia de oposio e de esquerda no eleitorado de Natal, que se aglutinava em torno de Djalma Maranho. Assim, a organizao da campanha se fez em funo dos Comits Nacionalistas. Entre janeiro e fins de setembro, foram organizados e funcionaram 240 Comits Nacionalistas. Esse nmero ganha maior expresso quando situado numa cidade de cerca de 160 mil habitantes, a poca, tendo tido um comparecimento eleitoral de pouco mais de 36 mil votantes. O Comit era constitudo de uma diretoria com 13 pessoas e um nmero ilimitado de membros.

O Jornal “A Folha da Tarde”, de 19 de janeiro de 1960, noticia a constituio do Comit Central, que assumiu a responsabilidade pela campanha Lott-Jango e Maranho-Gonzaga, e era integrado dos seguintes nomes: professores Moacyr de Ges e Lus Ignacio Maranho Filho, Dr. Ticiano Duarte, jornalista Oliveira Jnior, lder sindical Pretextado Jos da Cruz e vereadores Helion Ramalho, Francisco Sales da Cunha, Antonio Corts e Caubi Barroca.

Em 1960, em Natal, o discurso poltico muitas vezes nasce de baixa pra cima, a partir das classes subalternas. Os quadros polticos que integravam a equipe de Djalma Maranho (j a apoiando para o Governo do Estado Aluzio-Walfredo), vo levar para os Comits, que se fundam, principalmente, na periferia da cidade, a discusso nacional dos problemas brasileiros (o imperialismo, a dependncia poltico-econmica, a SUDENE, o latifndio, a oligarquia, o colonialismo cultural) e vo receber dos integrantes dos Comits as lies das realidades das coisas (a falta de gua, de escolas, de hospitais, de emprego, de transporte, de garantias de direitos, etc.). Esses dois discursos se somam e, pouco a pouco, vo constituindo a plataforma poltica.

Quando, no final da campanha, os 240 Comits se renem, setorialmente, em Convenes de Bairros, discutem e aprovam o programa poltico-istrativo do futuro Prefeito. Os jornais da poca guardam as notcias dessas Convenes de Bairro, quando foi possvel populao propor e organizar um programa de governo para o Municpio. De janeiro, a outubro, profundo trabalho de conscientizao poltica havia frutificado. Esse ser o programa colocado nas mos do Prefeito, diretamente pelo povo, sem eufemismos nem intermediaes.

Somente compreendendo essa ampla e profunda estratgia e ttica polticas possvel entender a construo da Campanha de P no Cho Tambm se Aprende a Ler: a reivindicao da escola emerge em todas as Convenes de Bairros; em geral, encabeando as listagens elaboradas a partir dos Comits.

Assim, quando no incio do ano de 1961 o Secretariado Municipal, presidido pelo Prefeito Djalma Maranho, decide definir a educao e a cultura como a meta nmero um do Governo, no est fazendo nada mais nada menos que comear a executar um programa nascido nos Comits Nacionalistas, discutido nos comcios de janeiro a outubro de 1960, homologado pelas Convenes de Bairros, em setembro, e consagrado pelo eleitorado nas urnas de 3 de outubro.

Assegurar a escola para todos era a tarefa. E os meios? Como possvel romper o ciclo de ferro pauperismo-analfabetismo-pauperismo?

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1.1.2 – Que fazer?

Essa histrica pergunta , realmente a indagao a ser feita, em termos polticos, quando ocorre uma encruzilhada. Em Natal, em 1961, tivemos o bom senso de respond-la com o que nos pareceu a melhor soluo:

- Voltar ao povo!

Durante a campanha, o candidato Djalma Maranho prometera governar, quando Prefeito, com os Comits Nacionalistas. A estaria, ento, a oportunidade de voltar ao povo atravs de seu conduto natural. Discutir com os propositores da erradicao do analfabetismo em Natal os meios de faz-lo. Como o prefeito j definira um plano-piloto de erradicao do analfabetismo no bairro proletrio das Rocas, reunimo-nos com o principal Comit Nacionalista das Rocas para o estudo da questo.

Aqui no h como fugir a um depoimento pessoal. O documento meu testemunho vivo; a lembrana, meu instrumental de trabalho.

De volta aos moradores das Rocas, representados por sua organizao poltica mais simples – o Comit Nacionalista -, expus o problema.

A discusso foi longa. Por mais de duas horas, ficamos em torno das mesmas questes: era preciso acabar com o analfabetismo – o povo queria, o prefeito tambm. Mas como acabar com o analfabetismo sem dinheiro para construir escolas?

No sei, realmente, de quem veio a proposta, naquela reunio de 40 a 50 homens e mulheres:

- Faa uma escola de palha!

Confesso que a proposta me pegou desprevenido. Meus pruridos de pedagogo se arrepiaram. De palha? . . . E o ambiente escolar, como assegurar a sua sacralidade em face dos cnones da s pedagogia? Vivi um conflito. Mas respeitei as palavras dos companheiros do Comit.

A, quase que todos comearam a falar ao mesmo tempo: as sugestes surgiam, uma atrs da outra:
__ Um galpo coberto de palha de coqueiro.
__ No precisa fechar os lados, para no escurecer.
__ O cho pode ser de barro batido.
__ Faa nas Rocas de Cima.
__ No precisa comprar terrenos; constri num terreno, nas dunas, onde a Prefeitura diz que vai construir um cemitrio, mas at agora no levantou nem o muro!

A discusso prosseguiu, animada. No final, os companheiros votaram: o Comit Nacionalista das Rocas apoiava o Prefeito Djalma Maranho na campanha de erradicao ao analfabetismo e, na falta de recursos financeiros para construir escolas de alvenaria, propunha que a Prefeitura ampliasse o programa j existente das escolinhas e, nas Rocas de Cima, construsse escolas cobertas com palha de coqueiro.

Comuniquei a proposta ao Prefeito. Ele aceitou e ou a defender, ardorosamente, a idia. No dia 23 de fevereiro de 1961, Djalma Maranho, pessoalmente, recrutava alunos para a escola de palha construda nas Rocas de Cima. Tambm no sei quem deu o nome que “pegou”: Acampamento Escolar das Rocas.

O Comit Nacionalista das Rocas, segundo jornais da poca em depoimento do professor Jos Fernandes Machado, foi fundado em 27 de abril de 1960.
Sua diretoria predominantemente de modestos funcionrios pblicos de uma repartio que, poca, vivia um intenso processo de politizao: o Departamento de Correios e Telgrafos, o DCT. Apenas um pedagogo. Todos so homens comuns, de baixa classe mdia e de segmentos do proletariado, o que, alis, deveria ser um corte social autntico do bairro das Rocas – bero poltico de Caf Filho, como ele mesmo confessa. O presidente do Comit era Jos Fernandes Machado, dicono da Igreja Presbiteriana Independente, ento; reprter, funcionrio pblico, carteiro (DCT). Instruo: nvel mdio.

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2 – Da Especificidade do Movimento

“... o processo educativo (em Natal) entrara em verdadeiro retrocesso. Vinte anos atrs funcionavam na cidade 11 Grupos Escolares, hoje reduzidos a 10. Enquanto isso, a populao cresceu, multiplicada por quatro, aproximadamente. A educao pblica primria ou, assim, por verdadeiro colapso”.

Essa denncia da Secretaria Municipal de Educao de Natal, em 1963, integra a comunicao ao I Congresso Nacional de Alfabetizao e Cultura Popular (Recife) e o documento brasileiro Conferncia Interamericana de Ministros de Educao (Bogot). Esses dois documentos (o primeiro, mais detalhado do que o segundo) so as fontes primrias pelas quais ser possvel reconstruir o fatual da Campanha.

O ndice de analfabetismo na populao acima de 14 anos, o mais alto era o do Nordeste (59,97%) e, em Natal, o Censo de 1960 revelara a existncia de 60.254 analfabetos, cifra possvel de ser decomposta em 35.810 crianas e 24.444 adultos. Para responder a este desafio foi criado o grupo de trabalho de Educao Popular para o Planejamento/Execuo/Avaliao de uma poltica educacional que assegurasse escola para todos. Este GT da Secretaria Municipal de Educao (que mais tarde, seria sua espinha dorsal) articulava-se com os Comits Nacionalistas e lideranas dos bairros e, inicialmente, em 1961, foi constitudo das seguintes pessoas: Omar Fernandes Pimenta, diretor do Ensino; Ivis Bezerra, presidente da Unio Estadual dos Estudantes; Edsio Pereira, presidente do Diretrio Acadmico de Medicina; Alberto Pinheiro do Medeiros, presidente do Diretrio Acadmico de Filosofia; professor Severino Fernandes de Oliveira; diretor do Ginsio Municipal; professoras Isabel Alves da Rocha e Ilsa Brilhante; Moacyr de Ges, secretrio de Educao.

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2.1 – De P no Cho em Oito Fases

2.1.1. AS ESCOLINHAS – A primeira fase do ensino municipal de alfabetizao data da primeira istrao de Djalma Maranho (1956-1959) e foi retomada logo em 1961, com o Curso de Emergncia preparando um professorado leigo de 250 monitores. Esta a fase em que a Prefeitura utiliza salas cedidas pela comunidade, gratuitamente, e a instala uma classe de alfabetizao. As despesas da Prefeitura so: um pequeno pro labore para a monitora; material didtico doado aos alunos; toscas carteiras fabricadas na carpintaria municipal e utenslios para servir a merenda que fornecida pelo UNICEF. Salas, gua e energia eltrica so contribuies de sindicatos, igrejas, clubes, associaes de bairros, de folclore e at residncias particulares e cinemas que abrigam essas classes de alfabetizao.
Em meados de 1963, esto em funcionamento 271 Escolinhas ..

2.1.2. O ACAMPAMENTO ESCOLAR – Esta segunda fase a da escola de palha de coqueiro e de cho de barro batido, identificada como a do Acampamento Escolar – proposta do Comit Nacionalista das Rocas. quando surge, tambm, a legenda de P no Cho Tambm se Aprende a Ler. A expresso advm de uma reportagem do jornalista Expedito Silva sobre a democratizao do ensino municipal. Relatando o que vira nas Rocas – a escola de palha de coqueiro e de cho de barro batido, sem exigncias de farda nem sapatos -, o jornalista escreveu que, agora, em Natal, at de p no cho se aprenderia a ler . . .

O Prefeito Djalma Maranho percebeu o apelo da expresso e adotou-a para a Campanha Municipal de Erradicao do Analfabetismo: ter os ps no cho significava conhecer a realidade e a dimenso do desafio.

Um Acampamento Escolar integrado de vrios galpes de 30m x 8m. nesse conjunto h, sempre, um galpo circular destinado s festividades do bairro, s reunies do crculo de pais e professores, recreao infantil, e funciona como uma espcie de teatro de arena para exibies de autos folclricos.

Os galpes destinados s salas de aulas, em forma retangular, eram divididos internamente em quatro partes, atravs de pranchas, utilizadas como quadro-de-giz e quadro mural. Essas pranchas no atingem o teto nem o solo, nem fecham lateralmente a classe. No existindo paredes externas, tambm no se colocavam problemas de acstica, e a viso espacial do recinto escolar/meio ambiente do Acampamento era total.

As nicas dependncias construdas em alvenaria eram uma pequena sala (que funcionava como diretoria, secretaria, almoxarifado e local de guarda de caixas da biblioteca e de utenslios da merenda escolar) e os sanitrios.

Hortas, avirios e parque de recreao compunham, finalmente, a paisagem do Acampamento Escolar, que regulava os seus horrios, liturgicamente, atravs de um sino de bronze, e ecologicamente, se harmonizava com os largos espaos abertos da pequena cidade e com a pobreza de seus moradores – a quem servia.

Em 1961, construram-se dois Acampamentos: os dos bairros de Rocas e de Carrasco. Em 1962, o nmero cresceu para nove, situados nos seguintes bairros perifricos: Quintas, Conceio, Granja, Nova Descoberta, Nordeste, Aparecida e Igap. Com os dois anteriores, cobriam-se os limites da cidade.
O funcionamento se fazia em trs turnos.


a) - RH do Acampamento Escolar

A equipe que assegurava a operacionalizao de um Acampamento era integrada de um diretor (professor titulado pela Escola Normal de Natal e que acumulava suas funes de gestor istrativo com as de orientador educacional e supervisor pedaggico); regentes de classes ou monitoras, em nmero suficiente ao atendimento dos trs turnos; recreadoras (professoras diplomadas e recicladas em tcnicas de recreao atravs dos Cursos de Emergncias da Campanha); merendeiras (monitoras recicladas em nutrio pelos Cursos de Emergncias j referidos, que eram responsveis, ainda, pela superviso de avirios e hortas); secretria do Acampamento, responsvel por tarefas inerentes funo, acrescidas s de biblioteca, estoque e distribuio aos alunos do material escolar, guarda e zelo pelo material pedaggico em geral; serventes e vigias.

A essa equipe fixa, o Grupo de Trabalho de Educao Popular, da Diretoria do Ensino, oferecia o apoio necessrio ao seu funcionamento eficiente, como, por exemplo: a pesquisa domiciliar para o combate evaso de alunos; os estudos (tabulaes e representaes grficas) do setor de Pesquisas e Medidas sobre provas e testes aplicados; a dinamizao das bibliotecas e crculos de leitura; a participao e animao dos crculos de pais e professores.

b) – Poltica Cultural

Era poltica expressa da Secretaria Municipal de Educao vincular o Acampamento s organizaes populares e lideranas culturais mais expressivas do bairro onde se localizava. Assim, pouco a pouco, surgiam iniciativas comuns entre o Acampamento das Rocas e a Sociedade Araruna de Danas Antigas; entre o Acampamento de Aparecida e o fazedor de imagens Chico Santeiro; entre o Acampamento de Conceio e o Bambel Asa Branca; entre o Acampamento do Carrasco e os Congos e/ou o Boi-Calemba.

Fazendo da escola o centro de desenvolvimento da vida da comunidade, foi fcil trazer os responsveis e participantes dos conjuntos folclricos para ministrar a recreao infantil, nos Acampamentos, base dos autos populares. Isso se fazia sem se gastar um tosto, e, principalmente, preservando a pureza do folclore, que vinha da fonte, diretamente, para o patrimnio cultural das crianas.

2.1.3. – O ENSINO MTUO – A terceira fase s compreensvel a partir do dado de que a Campanha j criara um alto clima de mobilizao popular para a erradicao do analfabetismo.

O ano de 1961 foi vivido sob um clima emocional muito grande, quando a Campanha procurou ganhar a cidade, mobilizando a opinio publica, a partir das Rocas.

O ano de 1962 comea com as classes de aula cheias de alunos, mas – a pesquisa informa – nas Rocas existe um resduo de adultos analfabetos com resistncia em ir escola. Ainda no chegara a hora do Sistema Paulo Freire, dirigido, especificamente, cultura do adulto; nem a Campanha criara, ainda, o seu Livro de leitura para adultos, que somente seria lanado em abril de 1963. Assim, era plenamente justificado que adultos idosos no aceitassem sentar em bancos escolares para soletrar “Eva viu a uva”...

a) – RH do Ensino Mtuo – O desafio ento colocado foi respondido de uma forma at certo ponto ingnua: se o adulto no quer ir escola, a escola vai ao adulto, em sua casa! Como? Os estudantes secundaristas entram em cena: reduzida equipe, previamente treinada, professores-meninos-voluntrios, indo de casa em casa, de porta em porta, alfabetizavam pequenos grupos daqueles adultos. Funcionava a escola a domicilio.

Em 1962, 22 ncleos prestaram esse servio, sob a superviso de Antonio Campos e Silva, ento concluinte da Faculdade de Filosofia de Natal.

Dir Pierre Furter:

“Por falta de monitores e de pessoal qualificado, a Campanha fez apelo ajuda voluntria ou pouco remunerada, e uma vez que isso ainda no era suficiente, muito naturalmente, chegou-se a introduzir, sem o saber, o mtodo de ensino mtuo que o padre Girard, h mais de cem anos, havia imaginado para resolver uma situao igualmente desfavorvel”.

A emulao foi inevitvel. A cada resultado da pesquisa, as ruas das Rocas exibiam faixas em que comunicavam que o ndice do resduo de analfabetos estava baixando.

As prprias classes subalternas se convertiam em grupos de presso, fazendo da luta pela educao, sua luta.

2.1.4. – AS PRAAS DE CULTURA – A quarta fase de 1962 e revela, em sua formulao, o intercmbio que a Campanha vinha mantendo com o M do Recife. Foi no M – istrao do Prefeito Miguel Arraes – que a Secretaria Municipal de Educao do Natal estudou a proposta recifense das Praas de Cultura. A adaptao se fez a nvel das possibilidades de Natal.

Basicamente, uma Praa de Cultura, em Natal, era constituda de parque infantil, quadras de esporte (vlei, futebol de salo e basquete) e uma biblioteca.

Em 1962, apesar de 10 praas construdas, somente duas estavam dotadas de bibliotecas (postos de emprstimo de livros). Em 1963, a praa principal da cidade foi convertida em Praa de Cultura, a j integrada de concha acstica, biblioteca, discoteca e galeria de arte.

a) Funcionalidade – o importante numa Praa de Cultura no o seu equipamento. a sua funcionalidade. Numa Praa de Cultura, possvel um espao de convenincia (parque infantil e esporte); fontes de informao (bibliotecas, jornais murais, exposies de artes plsticas, etc.) e uma oportunidade para organizar debates de interesse da comunidade, a partir do discurso poltico, quando a quadra de esporte e seus degraus de arquibancadas se convertem em frum de discusso dos mais variados temas, com a participao das organizaes do bairro.

A Praa de Cultura , em ltima instncia, a complementao das Escolinhas e dos Acampamentos, que se localizam prximos.
Sua programao diria era coordenada pela Diretoria de Documentao e Cultura da Secretaria de Educao e se encontrava sempre aberta aos interesses da comunidade.

2.1.5. – O CENTRO DE FORMAO DE PROFESSORES – Esta a quinta fase da Campanha.

O poderoso impulso das classes subalternas, encontrando um aliado no Governo Djalma Maranho, que se oferecia para ser o seu conduto de expresso, criou uma presso incontrolvel para os quadros dirigentes e a mquina burocrtica da Prefeitura, que no estavam habituados a to forte demanda educacional.

A matrcula, de maro a outubro de 1961, crescera em 300%, dobrando, ainda, em 1962.

O programa do Prefeito Maranho no era desaquecer a Campanha. Nem mesmo estabilizar. A palavra de ordem era ampliar servios e aumentar a mobilizao. Isso colocava em risco a qualidade do terreno conquistado, se a Secretaria no se instrumentalizasse adequadamente. A soluo foi a criao do Centro de Formao de Professores, no final de 1962, partindo da experincia acumulada da Coordenao Tcnico-Pedaggica, em funcionamento desde outubro de 1961.

a) Funcionalidade – Confiado direo da professora Margarida de Jesus Cortez, o CEP funcionava em trs nveis: a) Curso de Emergncia para treinamento de monitores da Campanha, preparando em trs meses, pessoal leigo;

b) b) Curso Normal de grau ginasial, preparando em quatro anos as regentes de classes; com ingresso mediante exame de isso;

c) c) Curso normal de grau colegial, preparando professores com mais de trs anos de escolaridade.

Ainda era atribuio do CFP fazer a coordenao tcnico-pedaggica da Campanha e manter uma Escola de Demonstrao (de nvel primrio) como laboratrio.

O CFP desempenhou um papel de primordial importncia em De P no Cho. Na rea docente, treinando e reciclando, periodicamente, professores, monitores e regentes de classes. No campo discente, assegurando o rendimento da aprendizagem.

Papis polivalentes foram desempenhados pelo CFP que, no dizer da poca, era o “crebro da Campanha”... Em depoimento que nos prestou Margarida de Jesus Cortez, ela relembra alguns momentos significativos, entre os quais a experincia de medir o tempo necessrio alfabetizao de crianas pelo “mtodo analtico ou global”. Duas classes, no CFP, dirigidas por professoras diplomadas, com curso de especializao, demonstraram a possibilidade de alfabetizar crianas sem qualquer vivncia de pr-escolar em menos de nove meses.
Assim, no era s na rea de alfabetizao de adultos que os experimentos eram feitos, objetivando a reduo do tempo de alfabetizao, como o Sistema Paulo Freire, que estava em andamento. Tambm na alfabetizao infantil se pesquisava e se inovava.

2.1.6. – CAMPANHA DE P NO CHO TAMBM SE APRENDE UMA PROFISSO – Esta sexta fase a evoluo da educao acadmica para a educao para o trabalho.

Com oito cursos iniciados em fevereiro de 1963, j em agosto De P no Cho tambm se Aprende uma Profisso entregava os primeiros certificados, em nmero de 148, correspondentes aos seguintes cursos: corte e costura, enfermagem de urgncia, sapataria, marcenaria, barbearia, datilografia, artesanato e encadernao.

Em setembro do mesmo ano, 17 cursos estavam em funcionamento, divididos em trs turnos e distribudos atravs de cinco Acampamentos: Rocas – corte e costura, alfaiataria, marcenaria, sapataria, telegrafia, elementos de eletricidade, barbearia, bordado a mo; Carrasco – barbearia, corte de cabelo (feminino), enfermagem de urgncia, datilografia, taquigrafia, encadernao e corte e costura; Nova Descoberta – artesanato, bordado a mquina, cermica e bordado a mo; Nordeste – corte e costura; Quintas – em fase de instalao.
A nova Campanha se instalava em um dos galpes do Acampamento da antiga, integrando-se com essa no programa educacional do Municpio. Era sua parte complementar. Atendida da criana ao adulto. E sua matrcula, em setembro de 1963, era de 700 alunos.

a) – Paulo Freire em De P no Cho – Nesta fase, h referncias aplicao do Sistema Paulo Freire por De P no Cho, de acordo com os documentos referidos.
Se comparada todavia, com o volume global das duas campanhas, os resultados, em matrcula, da aplicao do Sistema Paulo Freire para adultos da Campanha De P no Cho Tambm se Aprende a Ler, foram relativamente modestos.

Aps um curso de preparao de “animadores”, ministrado pelo prprio Paulo Freire, em Natal, De P no Cho abriu dois Crculos de Cultura nas Rocas, dois em Nova Descoberta e um no Carrasco, com um nmero de classes que no deve ter excedido a uma dezena.

Nessas turmas, operavam parte dos melhores quadros tcnicos da Campanha, universitrios e secundaristas, bastando citar, como exemplo, os nomes de Jos Fernandes Machado e Josem Azevedo, presidentes do Comit Nacionalista das Rocas e do Diretrio Acadmico de Engenharia, respectivamente.

2.1.7. – A INTERIORIZAO DA CAMPANHA – Esta fase, a stima, indica que em Natal a Campanha j estava consolidada e ampliava espaos. evidente que os acontecimentos que ocorrem em Natal tendem a ter repercusso nos demais Municpios do Estado. Principalmente se esses eventos trazem em si o impacto com que estava sendo colocada a Campanha e sua proposta de resolver com baixos custos o desafio do ensino municipal.

Assim, vrios prefeitos do interior se aproximaram do Prefeito de Natal, tentando um estudo conjunto do problema em suas reas, ainda mais carentes do que as da capital do Estado.

Inicialmente, a Secretaria deslocou equipes do CFP que ministraram Cursos de Emergncia no interior (trs semanas). A prpria diretora do CFP participou de algumas dessas misses pedaggicas.

a) – RH para o interior – Depois, em face da demanda, abriu-se um programa de bolsas de estudo nos Cursos de Emergncia de preparao de monitores da Campanha no prprio Centro de Formao de Professores. Assim, junto s natalenses, algumas dezenas de moas do interior do Estado se preparavam para o exerccio do magistrio leigo, em suas cidades de origem.

b) – Avaliando esse programa como insuficiente, o Centro de Formao de Professores ou a prestar assistncia tcnico-pedaggica in loco s Prefeituras que encaminhavam bolsistas pedaggicas vai at cada cidade, onde supervisiona classes, rene-se com professores e apresenta sugestes para uma programao quinzenal”. Josem Azevedo, presidente do Diretrio Acadmico da Escola de Engenharia, coordenava esse programa de interiorizao.

c) – Frente de Educao Popular do Rio Grande do Norte.
Em setembro de 1963, j haviam assinado convnios de assistncia tcnico-pedaggica com a Prefeitura do Natal os seguintes municpios: So Tom, So Paulo do Potengi, Afonso Bezerra, Au, Currais Novos, So Gonalo e Macau, este atravs de vrios sindicatos operrios.

Em janeiro de 1964, cerca de 40 prefeitos, ou seus representantes, reuniram-se no Centro de Formao de Professores da Campanha para a adoo de um planejamento comum. A foi lanada a semente da Frente de Educao Popular do Rio Grande do Norte, que foi ceifada pelo golpe de Estado em abril.

2.1.8. - A ESCOLA BRASILEIRA CONSTRUDA COM DINHEIRO BRASILEIRO – A oitava fase de que falam os dois documentos que esto embasando estas notas se refere tentativa de a Campanha superar o seu plano de emergncia e comear a edificar, de forma mais definitiva, a sua rede escolar. Isso s poderia ocorrer com a ajuda do Governo Federal. O municpio j dera provas de confiabilidade para a execuo de um programa de educao. Restava, ento, ao Governo Federal, se associar para implementar esse programa.

A ajuda foi propiciada pelo Ministro Paulo de Tarso em meados de 1963, Cr$ 50 mil.

A partir desses recursos, a Prefeitura vai comear a abrigar parte das escolas em salas pr-fabricadas, beneficiando tambm dessa maneira o Centro de Formao de Professores, o Colgio Municipal e a Escola Tcnica de Comrcio do Municpio, que se encontravam em prdios alugados.

Sem substituir a escola de palha, a Prefeitura colocava, assim, na paisagem da cidade, pequenas salas de aula de alvenaria, partindo de estruturas metlicas pr-fabricadas, adquiridas com os recursos liberados pelo MEC.

Nesse programa, a Prefeitura, em 1963, inaugurou trs pequenas escolas em agosto, duas em setembro, e a partir de outubro, at dezembro, mais 14 unidades.

Nessa poca, a frontalizao em face da Aliana Para o Progresso ganhava um espao poltico maior, e o Prefeito Djalma Maranho, no propsito de diferenciar o seu Governo do de Aluzio Alves (que se apoiava em recursos norte-americanos), denominou essa etapa de Campanha de “Escola Brasileira Construda com Dinheiro Brasileiro”.

Cada inaugurao de escola era uma festa, com exibies de autos populares e folclricos (principalmente de bambel) e discursos polticos das lideranas locais.

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2.2 - DA DESTRUIO DO MOVIMENTO

A destruio da Campanha De P no Cho Tambm se Aprende a Ler se insere no quadro geral criado pelo golpe de estado de 1964, e na implantao do projeto educacional-ideolgico do IPES.

Numerosas so as anlises do perodo e no valeria a pena repeti-las. Convm, todavia, destacar:

2.2.1. A interpretao de Jos Willington Germano (in “Lendo e Aprendendo- a Campanha De P no Cho”, Cortez Editora, So Paulo, 1982) e

2.2.2. A represso desencadeada em 1964, no Rio Grande do Norte, identificou como um dos seus alvos preferenciais a istrao do Prefeito Djalma Maranho; nesta esclusivamente, a Secretaria Municipal de Educao; e, nesta, preferencialmente, a sua Campanha De P no Cho tambm se Aprende a Ler.

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III – Uma interpretao: De P no Cho – Escola Pblica e Educao Popular

Entre as reflexes que tenho ultimamente feito, com mais freqncia, est a pergunta se valeria a pena continuar a definir De P no Cho apenas como um dos movimentos pioneiros de educao popular dos anos 60 – ao lado do M de Pernambuco, do MEB da Igreja Catlica, do C da UNE, da CEPLAR da Paraba? Ou De P no Cho se situaria tambm – e principalmente - numa moldura histrica mais ampla, que seria a da retomada da bandeira da escola pblica e da laicidade do ensino no Brasil? Agora no mais como uma proposta terica e ideolgica – e sim como uma inquestionvel prtica.

Atravs desta ltima vertente De P no Cho no seria, somente, a resposta do poder pblico municipal reivindicao poltica do movimento popular gerado pela campanha eleitoral de 1960 – seria, tambm, a extenso dos anseios das lideranas brasileiras que buscam para a Educao uma postura coetnea ao Sculo XX: isto , a cobrana responsabilidade do Estado pelo ensino universal, gratuito e laico.

Se assim for, De P no Cho seria a continuidade, coerente e histrica, de momentos significativos da educao neste pas, quando se reafirma a defesa da escola pblica, como:

  • A criao da ABE (Associao Brasileira da Educao) de 1924;
  • A IV Conferncia Nacional de Educao, Rio, 1931;
  • O Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, de 1932;
  • O I Congresso Brasileiro de Escritores, So Paulo, 1945;
  • O IX Congresso Brasileiro da Educao, Rio, 1945;
  • A Universidade do Povo e os Comits Democrticos, criados pelo PCB no Distrito Federal, 1945-47;

Seria, assim, De P no Cho alinhado politicamente aos movimentos de sua poca:

  • defesa da escola pblica, gratuita e laica, quando da discusso da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LBD) – fiel melhor vertente do pensamento de Ansio Teixeira;
  • posio da UNE, de 1960 a 1964;
  • s concluses das I e II Convenes Operrias em Defesa da Escola Pblica, Sindicato dos Metalrgicos, So Paulo, 1961 etc.

E mais: pelo papel histrico que desempenhou de 1961 a 1964 e por ser a antpoda ao projeto ideolgico do IPES, implantado pelo Estado autoritrio de 1964, De P no Cho pode, tambm ser considerado o elo para o futuro, quando emergiro os mais importantes movimentos pela redemocratizao da educao, como por exemplo:

  • A SBPC, a partir de 1970;
  • A criao e/ou ressurreio de organizaes de professores como o CEPRS (Centro Estadual de Professores do Rio Grande do Sul), CEPRJ (Centro Estadual de Professores do Rio de Janeiro), ANDES, CEDES, ANPED etc.
  • O frum “Cincia e Educao para uma sociedade democrtica”, SBPC, Rio, 1980;
  • As I e II Conferncias Brasileiras de Educao, (CBEs) So Paulo e Minas Gerais, 1980 e 82, respectivamente;
  • E, finalmente, o XVI Congresso Nacional de Professores, promovido pela Confederao dos Professores do Brasil – (B), Natal, 1983.

Esta tica no invalida o movimento de De P No Cho ser situado e datado no Nordeste do incio dos anos 60 e atravs desse contexto ser compreendido e explicado como um dos movimentos pioneiros da educao popular. Esta uma questo histrica e, portanto, transcende s interpretaes episdicas.

O que eu quero dizer que De P no Cho mais que isso – ele, como campanha regional, se insere na participao de uma luta maior e mais antiga que a do movimento pela educao pblica. Esta, ganha fora no Brasil a partir dos anos 20, esvazia-se nas fases ditatoriais de nossa Histria e, agora, acumula foras para ampliar os seus espaos – principalmente, junto aos governos estaduais nascidos de novas alianas das eleies de 15 de novembro ltimo.

Esta discusso aqui colocada porque, ultimamente, muito se tem falado da impossibilidade de se desenvolver um programa de educao popular no mbito das instituies e/ou do Estado. Esta a discusso preferida dos anos 70 – quando algumas interpretaes mecanicistas das teorias da reproduo e dos aparelhos ideolgicos do Estado jogaram o pndulo da avaliao do papel da educao na sociedade para o outro extremo daquela posio registrada nos anos 60 – quando, ento se dizia que a educao era o motor da transformao social e os educadores os seus timoneiros.

Acredito que os anos 80 iro corrigir o pndulo em seus extremos. Os educadores dos anos 60 tero melhor visibilidade do que uma sociedade dividida na classe, os educadores dos anos 70 enxergaro na escola publica, desde que democraticamente arejada pela sociedade civil, algum espao de luta pela transformao social, apesar do peso institucional.

Por isso transcrevo, apesar de longa, uma lio de Guiomar Namo de Mello, ministrada no I Encontro de Supervisores da Educao, realizado em outubro ltimo, no Rio de Janeiro, quando discute “o popular” em educao:

“Alguns educadores tm insistido que, para ser popular, a educao deve estar a servio da organizao poltica das classes populares. Na realidade, desse ponto de vista, educao popular seria a dimenso educativa dos movimentos sociais e polticos. Ela se definiria neste caso, menos por seus destinatrios e mais pelo seu contedo e objetivos. A educao elementar promovida pelo Estado no se aplicaria, portanto, o qualificativo popular, apesar de ser destinada s classes populares e de atingir grande contingente de crianas e jovens originrios dessas classes.

Minha posio diferente dessa que acabei de expor. Comeo por afirmar que no me parece produtivo discutir o que e o que no autenticamente popular, e muito menos reivindicar “a priori” esse qualificativo para a educao escolar ministrada pelo poder pblico.

De meu ponto de vista o critrio para qualificar o que e o que no popular, deve ser sobretudo prtico, e portanto, histrico. Ser pelo resultado concreto das diferentes prticas educativas – tanto as que aconteceram dentro do ensino formal como as que se colocaram fora ou alternativamente a ele – que se poder decidir at que ponto determinada forma do processo educacional se realizou mais ou menos favoravelmente s necessidades e interesses do povo.

Tentando, desse modo, escapar de uma polmica que no julgo produtiva quero remeter as reflexes que vamos fazer (...) escola existente hoje. Esta escola, onde trabalhamos, e que h algumas dcadas vem recebendo entre seus alunos, parcelas ano a ano maiores dos filhos das classes populares, especialmente em seus graus e sries iniciais. Uma escola onde a representatividade dessas classes est portanto aumentando, exatamente por ser gratuita e mantida pelo poder pblico”.

Alinho-me a esta posio de Guiomar Namo de Mello e vejo que suas palavras caem como uma luva no estudo de De P no Cho. Repito o que diz a educadora paulista”...o critrio para qualificar o que e o que no popular deve ser sobretudo prtico”.

Se, antes da istrao de Djalma Maranho no havia ensino municipal em Natal; se de 1961 a 63, quando existiam 60.000 analfabetos, mais de 17.000 alunos oriundos das classes subalternas receberam a escolaridade fundamental (ou parte dela); se em 1963 e 64 soma-se a De P no Cho a contribuio de Paulo Freire na educao de adultos e no discurso poltico; se a proposta da Campanha afina e se alia ao M de Perbambuco e ao C da UNE; se depois de 1964 os ndices de escolaridade caram no Brasil (e em Natal) porque a escola pblica perdeu o seu impulso (como demonstram os estudos de Vanilda Paiva e Luis Antonio Cunha) – ento, De P no Cho, “esse processo educacional, se realizou mais ou menos favoravelmente s necessidades e interesses do povo”.

Portanto vejo em De P no Cho duas vertentes que o alimentam – permeando o impulso das classes subalternas j mencionado: o carter de um movimento prtico e terico de implantao e implementao da escola pblica; o carter de educao popular – este, presente, no princpio, em funo dos destinatrios de sua proposta, depois, evoluindo para se colocar servio da organizao poltica das classes populares (veja-se, por exemplo, a experincia dos Crculos de Pais e Professores, a conquista, por sua organizao e intermediao, da extenso de gua encanada e servios de eletricidade aos bairros perifricos; leia-se, tambm, o documento apresentado por De P no Cho ao I Encontro Nacional de Alfabetizao e Cultura Popular, realizado em setembro- 1963, no Recife).

Se esta reflexo estiver correta cabe, ento a pergunta: - por que essa especificidade em De P no Cho ter se convertido em leito nico de duas vertentes: a de escola pblica, gratuita e laica e a de movimento de educao popular dos anos 60?

A reflexo se abre, tambm, em outras dimenses. Por exemplo: os chamados movimentos de cultura popular e de educao popular dos anos 60 contaram em seus quadros com grandes componentes de esquerda crist – originaria da JUC, participante da UNE e formadora da AP. Por outro lado a defesa da escola pblica, gratuita e laica sempre foi bandeira dos segmentos mais progressistas de sociedade brasileira, na busca de tornar coetnea ao Sculo XX a educao – e nestes segmentos situam-se, evidentemente, os marxistas.

Ora, j demonstrei em meu livro (“De P no Cho Tambm se Aprende a Ler” – uma escola democrtica) que o movimento De P no Cho se converteu, numa frente ampla de marxistas e cristos, (estes de confisso catlica e no-catlica) num trabalho em comum que no impedia, todavia, de cada um preservar a sua identidade ideolgica, sem tenses nem agravos. Das vertentes crists de esquerda vieram os impulsos para transformar a educao em Natal numa proposta de educao popular (a influncia de Paulo Freire, e da AP por exemplo); das vertentes marxistas vieram os impulsos para exercitar-se a educao em Natal, com dimenses de transformao social, mas, no mbito do poder pblico, mantendo-a gratuita e laica sob a direo de uma Secretaria de Estado (influncias de Djalma Maranho, Luis Igncio Maranho Filho, por exemplo).

Porque marxistas e cristos se mantiveram aliados na mesma proposta educacional De P no Cho resultou com as caractersticas de prtica e de defesa da escola pblica, gratuita e laica e de movimento de educao popular. Esta uma reflexo que poder explicar porque, em De P no Cho uma categoria no exclui a outra. Pelo contrrio: as duas se somam, se completam e fazem crescer o movimento.

Estas so algumas questes que alimentam a reflexo e a discusso, sem esgot-las, evidentemente.

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IV - Concluses

Para os limites de uma comunicao numa mesa redonda j fui longo demais. Preciso concluir.

Esta minha concluso se dividir em dois tempos: o primeiro indicando, na minha tica, onde identificar o carter inovador em De P no Cho; o segundo tempo: a tentativa de visibilizar as grandes linhas da possvel contribuio deixada pelo movimento e que mereceria ser conhecida e incorporada ao patrimnio cultural do povo brasileiro.


1. Primeiro tempo: As inovaes.

Identifico em De P no Cho as seguintes conquistas inovadoras:

1.1. A Campanha gerou os seus prprios recursos humanos, no dependendo de instituies tradicionais (respeitveis, mas, tradicionais) como Escola Normal e/ou Universidade).

1.2. A escola comeou pela prxis, construindo a sua proposta terica a partir do conhecimento e a anlise de uma realidade vivida (o Conselho Estadual de Educao s vai reconhecer De P no Cho em setembro de 1963).

1.3. O movimento no confundiu escola com prdio escolar (ver o partido arquitetnico do Acampamento Escolar)

1.4. A Campanha estruturou-se de forma no convencional, com a participao dos monitores, contribuindo, quinzenalmente, para a definio dos contedos integradores de programas e currculos, estes, posteriormente, indicados pelos professores e tcnicos do Centro de Formao de Professores.

1.5. Os convnios celebrados entre De P no Cho e a ... UFRN (testagem no Acampamento das Rocas de exame de feses, levantamento estatstico, a aplicao de vermfogos pelos acadmicos da Faculdade de Farmcia; servios de odontologia, idem; orientao dos crculos de pais e professores pelos acadmicos de medicina em todas as reas da Campanha etc.) e a participao das mais importantes lideranas universitrias no GT de Educao Popular – estes convnios e esta participao podem ser considerados como um momento significativo de apoio da instituio universitria (istrao do Reitor Onofre Lopes) e do movimento universitrio (istrao de Francisco Floripe Ginani, presidente do DCE) ao movimento popular, liderado pelo Prefeito Djalma Maranho.

1.6. De P no Cho, antes da grande crise do capitalismo dos anos 70 j adotara a tecnologia da escassez (custo-aluno da escola primria era cerca de dois dlares).

1.7. De P no Cho, antes da interveno americana no processo educacional brasileiro (acordos MEC-USAID, a partir de 26 de junho de 1964) j denunciara esta agresso embutida na Aliana para o Progresso.

1.8. Os Crculos de Pais e Professores do movimento evoluram de uma postura acadmica para a etapa da organizao das comunidades na luta pelos seus direitos.

1.9. De P no Cho, exemplo do mtodo Paulo Freire, diversificou a sua proposta educacional quando esta remetia ao mundo do adulto.

1.10. De P no Cho criou uma “nova mentalidade”, como escreveu Pierre Furter.


2. Segundo tempo: a herana.

Identifico em De P no Cho duas contribuies, que, independentemente da poca em que se processaram podem e devem – ser apropriadas pela sociedade brasileira.

2.1. A Campanha demonstrou a viabilidade de um projeto educacional ser proposto, executado e avaliado (avaliao parcial, face s circunstncias) pelas classes subalternas.

2.2. Um processo educacional que se apia na prxis, poder evoluir de uma simples etapa de reproduo do sistema para uma fase superior de questionamento de uma realidade e buscar formas concretas e alianas polticas que levem transformao da sociedade.


3. – Finalizo esta comunicao homenageado a argcia do educador Jose Willington Germano que em sua tese na UNICAMP (op.cit) bem percebeu os andaimes humanos utilizados na engenharia de construo da Campanha. Identificou ele os equvocos e debilidades do movimento, prprios de uma poca de fortes tendncias culturalistas e de otimismo pedaggicos, alm das limitaes do nacionalismo que privilegiava a luta imperialista em detrimento denncia da luta de classes no mbito da sociedade.

E vai mais fundo na sua anlise quando afirma:

“De um movimento que, de incio, pretendia, simplesmente oferecer educao para todos, De P no Cho avana conceptualmente e a a encarar a educao e a cultura como instrumentos de libertao. No se tratava, pois, de um projeto que tivesse em vista integrar os marginalizados sociedade, fornecendo aos indivduos escolarizados a possibilidade de ascenso social. Tratava-se, isto sim, de transformar essa mesma sociedade e a educao e a cultura exerceriam um papel preponderante nesse processo”.

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