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Violncia
e Poltica
Propostas de Ao
Paulo
Csar Carbonari
1.
Apresentao
Nosso
objetivo apresentar alguns lineamentos de propostas
para enfrentar politicamente a violncia. Esperamos
complementar as demais exposies, que se ocuparam de
discutir razes, situao e experincias. At porque,
debater este conjunto de questes na perspectiva de
apresentar propostas concretas de ao ser o objeto
central deste Grupo de Trabalho.
Nosso
trabalho ser desenvolvido em trs momentos:
inicialmente faremos algumas aproximaes conceituais
que subsidiam nossas propostas; em seguida identificaremos
desafios para enfrentar a violncia e, finalmente,
propostas de ao, ambos na perspectiva dos direitos
humanos.
2. Aproximaes
conceituais iniciais
4a45i
A
violncia o fim da poltica, sem ser sua finalidade.
Ou seja, a violncia se instala exatamente quando no so
desenvolvidas condies polticas, em sentido amplo,
para equacionar conflitos. Da que, o ponto de relao
entre violncia e poltica est exatamente na
possibilidade de serem construdas condies polticas
para intermediar conflitos, de tal forma a criar
mecanismos para que estes no se desdobrem em violncia.
Marilena
Chau define a violncia como sendo um ato de
brutalidade, sevcia e abuso fsico ou psquico contra
algum e caracteriza relaes intersubjetivas e sociais
definidas pela opresso e intimidao, pelo medo e pelo
terror. A violncia se ope tica porque trata seres
racionais e sensveis, dotados de linguagem e de
liberdade, como se fossem coisas, isto , irracionais
insensveis, mudos, inertes ou ivos.
A definio de Chau ampla e moderna. Ela
incorpora idia de violncia a dimenso fsica e psquica
acrescentaria espiritual. Alm disso, entende aes
que comportam humilhao, vergonha, discriminao,
como sendo condutas violentas. Em outro aspecto, incorpora
ao conceito a violncia interpessoal e a violncia
social dimenso estrutural e institucional da violncia.
Em
termos antropolgico-filosficos, violncia tratar
seres racionais, sujeitos de direitos, seres livres, como
sendo coisas. A violncia exatamente o limite da
racionalidade, como sua destruio, como destituio
dos humanos de sua condio de dignidade,
transformando-os em coisas ou reduzveis a tal.
Em
termos sociolgicos, poderemos entender perfeitamente bem
esta compreenso de violncia no contexto da lgica
excludente do mercado neoliberal. Ela insiste em tratar
cidados unicamente como clientes e, em consequncia, em
excluir da condio de cidadania contingentes humanos
cada vez maiores. A vigncia de relaes mercantis como
determinantes das relaes sociais leva ao isolamento,
excluso, competio, elementos que corroem as
bases de sociabilidade e, em consequncia, as condies
de florescimento da tica e da poltica como tratamentos
pblicos de problemticas comuns.
A
existncia de conflitos no pode ser confundida com a
violncia. Os conflitos tornam-se violentos a partir do
momento em que perdem a possibilidade de serem resolvidos
politicamente e se convertem em enfrentamento de fora.
Neste sentido, fugindo de uma concepo funcionalista da
sociedade, os conflitos no so desajustes. Eles so
parte inerente ao processo scio-histrico e, quando
tratados de forma poltica, podem se converter em
aprendizagem para a sociedade. No entanto, uma sociedade
que no desenvolve instrumentos e mecanismo de mediao
poltica de conflitos uma sociedade que acaba por
reconhecer a violncia como elemento natural do processo
de socializao, rompendo contraditoriamente com as
condies bsicas de socializao.
Partindo
desta idia de violncia, entendemos que os agentes da
violncia podem ser tanto indivduos, grupos, quanto
instituies sociais e polticas. Em outras palavras,
os agentes da violncia podem ser caracterizados, em
linhas gerais, nos seguintes grupos: os indivduos que
produzem violncia no grau direto de relaes
interpessoais, no mundo da vida; os grupos violentos, que
agem de forma articulada e orquestrada na promoo do
crime crime organizado; e os agentes institucionais ou
institucionalizados violncia legtima
promovida pelos aparelhos policiais que, em tese, se
justificam como exclusivos no monoplio da fora e
contraditoriamente como os que deveriam agir para evitar e
conter a violncia em todos os sentidos.
3.
Desafios para enfrentar a violncia na perspectiva dos
direitos humanos
Partindo
das noes que rapidamente apresentamos acima,
localizaremos os desafios para enfrentar a violncia
procurando levar em conta, como foco central, a
possibilidade de recuperao da poltica como elemento
de intermediao de conflitos na perspectiva de, com
isso, preservar a dignidade e os direitos humanos.
Recompor
as bases de sociabilidade. Este desafio talvez
seja o mais exigente de todos, pois implica uma ao
articulada e sistmica de reverso da lgica de excluso
e de ensimesmamento (isolamento, particularismo) que marca
a sociedade contempornea. O estmulo ao respeito
diversidade e ao encontro dos distintos, o reconhecimento
do outro como alteridade desafiadora e constitutiva do eu,
o estabelecimento de espaos e tempos dialgicos, entre
outros, podem ser bons comeos. No entanto, a tarefa de
recompor as bases da sociabilidade herclea e implica
em dispor-se e dotar a sociedade de mecanismos concretos
para transformar as relaes interpessoais e
institucionais. A liberdade, neste sentido, mais do que um
bem individual garantido pelo direito civil, a
disponibilizao de condies e de possibilidades mltiplas
para fazer crescer a dignidade humana.
Redirecionar
as aes de intermediao de conflitos. Em
conseqncia do primeiro desafio est exatamente a idia
de criar novos mecanismos para intermediar os conflitos
sem que sejam extremados pela violncia e sem que para
isso se lance mo da violncia. Ou seja, trata-se de
desenvolver aes concretas que sejam capazes de
recompor a comunicatividade, os espaos pblicos, as
condies de sociabilidade. Numa sociedade democrtica
resulta inissvel que a violncia policial tenha
algum grau de legitimidade, quando esta sociedade est
dotada de canais permanentes institucionais de dilogo
e de negociao. O tratamento criminalizado dos
movimentos sociais, neste sentido, soa como autoritarismo
puro e somente ganha sentido se for encarado como ao
violenta para dirimir conflitos sociais o que remonta
velha idia de que a questo social uma questo
de polcia. Esta postura insustentvel quando a
sociedade dota o Estado da capacidade de desenvolver aes
concretas em polticas pblicas exatamente como forma de
satisfazer direitos e no como servios comerciais.
Reorientar
os agentes sociais. O desafio de reorientar os
agentes sociais vai no sentido de re-educ-los na
perspectiva dos desafios que apresentamos anteriormente.
Ora, so os agentes sociais que tm um papel
preponderante na discusso e na implementao de formas
e mecanismos, a serem institucionalizados ou no, capazes
de dirimir politicamente os conflitos. Neste sentido,
pode-se compreender desde formas comuns e inerentes
sociabilidade concreta, como mecanismos para enfrentar os
conflitos interpessoais, at formas institucionalizadas
em espaos pblicos da sociedade civil ou mesmo dos
agentes do Estado. O monoplio da fora atribudo ao
Estado, neste contexto, ao mesmo tempo em que alenta a
sociedade no sentido de delegar-lhe a tarefa primeira de
dirimir conflitos, tambm pode se converter exatamente na
institucionalizao da violncia como forma de resoluo
de conflitos. Da que, repensar o papel das instituies
sociais encarregadas de resolver conflitos um dos
grandes desafios.
4.
Propostas de ao na perspectiva dos direitos humanos
Em
conseqncia da base conceitual e dos desafios que
identificamos, apresentamos algumas pistas que podem se
constituir em propostas de ao para enfrentar a violncia,
novamente na perspectiva dos direitos humanos.
Estado
como agente de polticas pblicas. O Estado tem
legitimidade social na medida em que se constitui em
agente de satisfao de direitos da cidadania. O
instrumento propcio para tal polticas pblicas.
Neste sentido, o Estado, mais do que agente regulador,
agente protagonista no desenvolvimento de polticas
orientadas para a satisfao de direitos e, portanto,
como agente dotado de condies para dar conta de sua
responsabilidade primeira na promoo, proteo e
reparao de direitos. Recuperar a capacidade de
investimento pblico em polticas de promoo da
cidadania, para alm do atendimento s populaes
historicamente vulnerveis ou desajustadas ao mercado,
tarefa primeira do Estado.
Investimento
na organizao social e poltica da sociedade. A
organizao da sociedade, de forma autnoma e das mais
diversas formas, garantia de que haver canais
diversos de socializao e de desenvolvimento de condies
no violentas de resoluo de conflitos. As forma
tradicionais de socializao e de participao poltica
j no so suficientes. Famlia e Escola j no do
conta da diversidade social e, portanto, precisam ser
complementadas com o investimento social e poltico
tanto da prpria sociedade quanto do Estado no
sentido de qualificar os espaos de convivncia e de
organizao social. Entendemos que, quanto mais
organizada e quanto mais diversificada for a organizao
de uma sociedade maior ser a presena de conflitos, mas
tambm maiores sero as condies de desenvolver
possibilidades de resoluo no violenta dos conflitos.
Ao
social sistemtica e universal. Para criar condies
de incidir de forma significativa na realidade,
antecipando-se s violaes e violncia, tendo uma
perspectiva pr-ativa, necessrio dar os no
sentido da articulao dos diversos instrumentos e
mecanismos disponveis para promover a ao social.
Fazer frente s perspectivas focalizadoras, pontuais e
particularistas necessidade urgente. Isto no
significa que as aes havero de ser genricas.
Antes, pelo contrrio, tero que ser ajustadas s
demandas especficas, porm, sempre no sentido da
universalizao. No podemos itir que programas
sociais, por exemplo, cheguem desarticulados e
pontualmente s populaes deles usurias.
Aprimoramento
dos canais diretos de participao e controle social. A
cidadania precisa ser entendida como agente, longe, da idia
de beneficirio ou de cliente. O cidado no mximo
usurio de servios e, como tal, tem direito, alm de
desfrut-lo de incidir positivamente no seu controle e
direcionamento. Neste sentido, aprimorar os canais e os
espaos de participao direta definio do oramento,
de polticas e programas pblicos e de controle
social conselhos, conferncias e outros incidem
diretamente no desenvolvimento da cidadania como agente de
satisfao de seus direitos. Neste sentido, a multiplicao
pura e simples de espaos de participao e controle no
suficiente, preciso que estes sejam dotados
objetivamente de condies de ao e de interao
poltica tanto em nvel subjetivo dos participantes,
quanto dos instrumentos institucionais de ao.
Construo
de uma poltica pblica nacional de segurana. Historicamente
a questo da segurana pblica tem sido tratada de
forma corporativa, segmentada e pontual. Ante uma situao
de grande comoo social, o assunto volta pauta e,
imediatamente em seguida, s calendas. No suficiente
delegar aos Estados a tarefa de enfrentar a questo.
necessrio uma ao coordenada ,sistemtica e
nacional. Isto implica entender a segurana pblica no
como a organizao dos meios exclusivos e de fora para
lanar mo do controle dos conflitos, mas como satisfao
de um direito. Neste sentido, a orientao da poltica
de segurana pblica deixar de ser investimento em polcia,
estritamente, e haver de ar a ser investimento no
desenvolvimento de condies para tratamento poltico
dos conflitos sociais. Aprimorar os aparelhos policiais,
dotando-os de capacidade de ao numa nova lgica de
racionalidade no-violenta e com capacidade
operacional unificada so ao menos os iniciais necessrios
para desconstituir corporativismos e para dotar a
sociedade como um todo de condies de ao neste
tema, sem com isso substituirem-se os papis e as
responsabilidades.
Implementao
de um sistema de proteo dos direitos humanos. A
questo dos direitos humanos precisa deixar de ser um
tema de fachada ou a especialistas. Precisa cada
vez mais se constituir em mecanismos e instrumentos
concretos de orientao da ao poltica e social. A
implementao de um Sistema Nacional de Proteo dos
Direitos Humanos idia lanada na VI Conferncia
Nacional de Direitos Humanos (2001) pelo Movimento
Nacional de Direitos Humanos urgente e necessria
para que possam ser aprimorados os espaos e os canais de
participao e controle social e, da mesma forma, o
Estado seja dotado de condies para reorientar suas aes
na perspectiva dos direitos humanos. Neste sentido,
preciso ter em conta que este Sistema haver de primar:
a) pela promoo integral dos direitos humanos, o que
implica desenvolver aes de PROMOO (para efetivar
os direitos), de PROTEO (para evitar violaes) e de
REPARAO (para repor os direitos violados), conjugando
aes diversas e complementares; b) pela consolidao
de um sistema nico e descentralizado, capaz de atingir
todas as esferas do poder do Estado, considerando a
especificidade de federao; c) pela capacidade de
implementar o controle social, no sentido de que as instncias,
os instrumentos e os mecanismos do sistema tenham o mximo
de possibilidades de participao popular das organizaes
da sociedade civil, e que tenham poder deliberativo para
normatizar, formular, monitorar e avaliar as aes; pela
atuao intersetorial e transdisciplinar, respeitando os
espaos e as polticas especficas, sem submet-las
hierarquicamente, mas atuando em questes estruturais
para a garantia de aes baseadas nos direitos humanos.
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