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DIREITOS
HUMANOS ENTRE A REGULAO E A
AUTONOMIA
4g706l
Solon
Eduardo Annes Viola
Sumrio
Introduo
Os Direitos Humanos
Institucionalizados
Direitos Humanos entre a
Promessa e o Movimento Social
Paradoxos e Dilemas
Referncias Bibliogrficas
INTRODUO
O tema dos Direitos
Humanos tem contribudo para um sentimento universal de globalizao.
Como o Big-Mac para o paladar, o jeans para o vesturio, o pop para a
arte, o mercado para a economia, os Direitos Humanos so o pano de
fundo para a dimenso de um projeto poltico que se pretende, no s
hegemnico, mas absoluto. No entanto, serve tambm para a elaborao
de plataformas democratizadoras presentes em diferentes tipos de
movimentos sociais.
Seu universalismo o
coloca na condio de: 1) discurso de governantes e de suas agncias
publicitrias; 2) de justificativa para projetos empresariais de tipo
assistencialista; 3) bandeiras polticas para um amplo leque de
movimentos sociais.
Assim pode servir para
garantir e eliminar o que propem. Pode ser utilizado tanto para
governos e empresas imporem suas polticas econmicas, quanto para
movimentos sociais produzirem suas identidades, definirem seus princpios
e formularem suas estratgias de ao.
O presente artigo
abordar as condies histricas percorridas nas trajetrias
sociais que caracterizam as lutas em defesa dos Direitos Humanos.
Procurar, tambm, estabelecer os problemas que atualmente dificultam,
ou at mesmo impedem, a implementao de polticas pblicas que
transformem em ato os princpios expressos nas mltiplas declaraes
existentes. Princpios que s podem se
constituir, autenticamente, atravs de um amplo universo
cultural produzido pelo movimento social
em constante embate com as estruturas de regulamentao, entre
elas as que dizem respeito aos prprios Direitos Humanos.
As
duas ltimas partes do artigo trataro especificamente dos paradoxos e
dos dilemas enfrentados pelos movimentos sociais, como formas de
organizao da sociedade civil, em relaes com os Estados
nacionais, bem como, com as contradies que aqueles revelam em suas aes.
OS DIREITOS HUMANOS INSTITUCIONALIZADOS 5j144f
A
luta pelos Direitos Humanos acompanha a humanidade ao longo de sua histria.
Durante a modernidade tornou-se espao de reivindicaes sociais,
declaraes universais de intenes e parte dos princpios
constitucionais dos mltiplos Estados.
A
amplitude do tema e o seu significado cultural esto presentes desde as
primeiras declaraes de independncia das naes americanas at a
declarao dos direitos do Homem da Revoluo sa.
Revigoram-se, tornando-se cada
vez mais universal a partir da Declarao Universal de 1948, chegando,
mais recentemente a declaraes
especficas sobre, gnero, raa e meio ambiente.
Inseridos
nas constituies como direitos sociais e civis, ao longo do sculo
XIX e a primeira metade do sculo XX, os Direitos Humanos projetaram um
gradual aumento da participao das populaes na produo da
cidadania. Pressionados pelos movimentos dos trabalhadores, no sculo
XIX, e pelo movimento feminista, no sculo XX, os governos cederam espaos
para trabalhadores e mulheres que, gradativamente, aram a organizar
partidos, manifestar pensamentos, elaborar e divulgar programas e
participar dos processos eleitorais, tanto como eleitores quanto como
candidatos.
No
entanto, sempre que os Estados, e seus dirigentes, julgaram-se ameaados
pela presena das "classes perigosas" no hesitaram em
suprimir suas conquistas utilizando uma parafernlia de medidas que
incluem desde a interveno militar e edio de decretos res das liberdades, at atos que eliminam
as garantias legais da cidadania.
Situao
poltica que pode ser encontrada em diferentes momentos da histria
especialmente quando compararmos os princpios das primeiras declaraes
em defesa dos Direitos Humanos com o tratamento dado aos escravos, tanto
na situao da independncia dos Estados Unidos, quanto nas colnias
americanas da Frana republicana.
Na
Inglaterra, centro hegemnico do Imprio Britnico, as lutas em
defesa dos Direitos Humanos, ao longo do sculo XIX, possibilitaram a
extenso do direito do voto para, somente 1/10 da populao
masculina. Mesmo o poderoso movimento social carlista no foi
suficientemente forte para torn-lo direito universal. O Estado agiu na direo de impedir a participao poltica dos
trabalhadores. Ou no dizer de Silver: " ...manter os pobres
afastados do poder ou a ser visto como precondio fundamental
para o funcionamento do laissez-faire e para a proteo da propriedade
privada" (Silver, 2001, 184).
J,
na Amrica colonial a questo da escravido caracterizou
especialmente as rebelies negras que transformaram o Haiti no nico territrio livre capaz de
dar abrigo a refugiados e de receber rebeldes latino-americanos
exilados, entre eles Smon Bolvar. Capaz, tambm de derrotar
militarmente as grandes potncias europias da poca. Potncias que
no podiam permitir a existncia de uma repblica negra e muulmana
em pleno Caribe ocidental.
A
Repblica do Haiti inspirou mudanas em toda a Amrica. Leis
abolicionistas em Nova York (1799) e Nova Jersey (1804), movimentos
sociais abolicionistas no Brasil, a revolta dos Mals em Salvador,
Bahia (1835), quando a populao negra rebelada exigia o fim a
escravido e a organizao de uma Repblica aos moldes da de Santo
Domingos. Reprimida com violncia a rebelio foi derrotada, seus lderes
executados e os rebeldes perseguidos apesar destas revoltas, ou mesmo em
razo das mesmas a "... escravido continuaria a existir na
Brasil, em Cuba e no sul dos estados Unidos"
(Silver, 2001,185).
As
lutas pelos direitos sociais continuariam a ser tratados com uma violncia
que se manifestaria em mltiplas situaes polticas ao longo dos sculos
XIX e XX. Desta maneira os Direitos Humanos, no importando a latitude
para a qual se olhe, em sua dimenso poltica, transformam-se, ao
longo da modernidade, em promessa no executada, impossibilidade prtica
de realizao e regulao no transformada em ato.
De
outro modo, no campo scio-econmico, as polticas que privilegiam o
capital financeiro, orientando-se e orientando a sociedade,
pela prioridade do mercado, ampliam os processos concentradores
de renda que privilegiam as elites empresariais multinacionais ou as
empresas a elas associadas. Assim, atualmente, a qualidade de vida se
deteriora para a grande maioria da humanidade enquanto se concentra de
forma gigantesca para uma minoria privilegiada.
O
atual modelo econmico tem produzido uma sociedade que apresenta as
mais radicais diferenas de oportunidades e de condio de vida que a
humanidade j conheceu. Em alguns casos, a opulncia convive lado a
lado com a misria mais abjeta, a concentrao de renda e propriedade
faz divisa com a fome e a falta de servios pblicos bsicos.
No
Brasil o empobrecimento econmico produz a perda imediata da tranqilidade
social colocando em risco os direito polticos. No cotidiano a populao
convive com mltiplas formas de medo, entre eles os que Murilo de
Carvalho descreve nos lugares de moradia das classes mdias e pobres:
...
a alta classe mdia
entrincheira-se em condomnios protegidos por muros e guaritas. As
favelas, com menos recursos, ficam a merc de quadrilhas organizadas
que, por ironia se encarregam da nica segurana disponvel. Quando a
polcia aparece nas favelas para trocar tiros com as quadrilhas,
invadir casa e, eventualmente, matar inocentes (Carvalho 200, p.
214).
Nos
mltiplos espectros deste quadro social pode-se observar o rompimento
dos estreitos limites entre civilidade e barbrie, notadamente quando
verificamos o permanente crescimento dos ndices de violncia nas
camadas empobrecidas da sociedade.
Nas
grandes cidades brasileiras a taxa de homicdios est entre as mais
altas do mundo. Para cada grupo de 100 mil moradores o Rio de janeiro
apresenta uma taxa de 546 homicdios, So Paulo 59 e Vitria a taxa
alcana 70 homicdios/ms. Nmero que, em toda a Amrica, s
inferior ao da Colmbia que vive uma longa guerra civil.
Em
um quadro de disparidades econmicas cada vez maior, as diferenas
sociais ampliam-se produzindo tipos diferenciados de cidadania. Em um
extremo, 23% das famlias vivem com uma renda mensal de at dois salrios
mnimos o que lhes permite uma vida em condio infra-humana.
Submetida
a viver com baixos salrios, ou sem salrios, com servios pblicos
insuficientes e cada vez mais precrios
e submetidos a freqentes humilhaes por parte das
autoridades responsveis pela ordem, esta populao a a ser
tratada, preconcebidamente, se compusesse as novas "classes
perigosos" tpicas da agem do sculo. Elas esto
submetidas a rigoroso controle e suas relaes, sociais as colocam
mais como causadoras de violncia do que como detentoras de direitos e
participantes da cidadania. Nas suas relaes com o sistema de justia,
esto em permanente embate, e normalmente
submetidos, com o cdigo penal. Politicamente acompanham, com pesar, a
sucesso de governos que escudados no discurso da diminuio dos
gastos pblicos e do Estado mnimo se ausentam dos compromissos
sociais que assumem quando em campanha eleitoral.
Esta
parte da populao composta por 63% das famlias que ganham entre
2 a 20 salrios mnimos. Olhada com desconfiana e preconceito pelo
restante da populao, inclusive pela que divide com ela os mesmos
espaos sociais, as mesmas angstias cotidianas e a mesma expropriao
do trabalho:
...
podem ser brancos, pardos ou negros, tem educao fundamental completa
e o segundo grau em parte ou todo. Essas pessoas nem sempre tem noo
exata de seus direitos e quando a tm carecem dos meios necessrios
para os fazer valer, como o o aos rgos e autoridades
competentes, e os recursos para custear as demandas judiciais. Freqentemente,
ficam a merc da polcia e de outros agentes da lei que definem na prtica
que direitos sero ou no respeitados (Carvalho, 2001, p. 216).
De
outro lado formam-se elites que, no raro, esto acima de qualquer
controle, sejam os mesmos legais ou ticos. Defendem seus interesses
independente do restante da sociedade e influenciam decises
governamentais pelo poder econmico ou o prestgio social que possuem.
Segundo de Carvalho as elites:
Do
ponto de vista da garantia dos direitos civis, os cidados brasileiros
podem ser divididos em classes. H os de primeira classe, os
privilegiados, "os doutores", que esto acima da lei, que
sempre conseguem defender seus interesses pelo poder do dinheiro ou do
prestgio social. Os "doutores" so invariavelmente brancos,
ricos, bem vestidos, com formao universitria. So empresrios,
banqueiros, grandes proprietrios rurais e urbanos, polticos,
profissionais liberais, altos funcionrios. Freqentemente, mantm vnculos
importantes nos negcios, no governo, no prprio poder judicirio
(Carvalho, 2001,p. 215).
So,
alis, estes vnculos que as distinguem do restante da populao,
colocando o sistema em benefcio da minoria. Uma minoria de 8 % das famlias
que, recebendo mais de 20 salrios mnimos mensais, forma uma
sociedade a parte, refazendo as condies sociais que caracterizavam
privilgios como aqueles que possuam as cortes absolutistas do sculo
XVIII, ou a aristocracia da moeda do perodo ureo do Imprio Britnico.
O fator social que a torna atual e contemporneas sua importncia
econmica:
...
o seu poder sobre a
economia que a distingue. Ela negocia e decide. Seu conceito no est
mais nas belas aparncias, da vida sunturia ou divertida dos cadernos
de variedades dos jornais; est na seriedade, nas pginas de economia.
(Ribeiro, 2000, p. 23)
Esta
situao aponta para uma nova condio poltica na qual a economia
transforma-se em senhor absoluto da definio das polticas pblicas
e as questes de ordem social ficam reduzidas a um lugar menor. Neste
quadro cultural as desigualdades sociais so desconsideradas, ampliando
as historicamente difceis condies para a implantao de polticas
pblicas que sejam capazes de tornar factvel as promessas contidas
nas declaraes universais e nos princpios constitucionais dos
Estados nacionais.
DIREITOS
HUMANOS ENTRE A PROMESSA E O MOVIMENTO SOCIAL 6ne2z
A
contradio acima referida demonstra os limites efetivos implantao
de polticas estatais destinadas a superar as desigualdades sociais e a
implementar os direitos da maioria da populao. Condio histrica
que j se fazia presente quando das primeiras declaraes dos
Direitos do Homem e do Cidado em oposio, ao direito natural da
igualdade, era proposto o direito social da propriedade, e dela
extraia-se a legitimidade para a participao poltica, tanto para a
condio de eleitor, quanto para a de eleito.
A
ampliao dos espaos de participao para as mulheres e para os
setores sociais de no proprietrios foi conseguida, gradativamente,
atravs de amplos movimentos sociais realizados ao longo dos dois ltimos
sculos. Nos limites deste trabalho entendemos, como BOBBIO (2000),
movimentos sociais como a produo de aes constitudas por
valores comuns e orientadas para influenciar a constituio de novas culturas polticas
no interior de diferentes sociedades e da prpria sociedade mundial.
Segundo
este conceito as lutas que possibilitaram as conquistas dos direitos polticos
esto especialmente ligados ao movimento operrio clssico do sculo
XIX e da primeira metade do sculo XX, e aos movimentos feminista e de
defesa dos direitos civis, ao longo de todo o sculo XX.
Foram
estas lutas que estabeleceram os direitos de segunda gerao. Direitos
que combateram
...as
violaes, mesmo indireta ou estruturais, integridade pessoal ou
social, alm de abranger o direitos a um desenvolvimento cultural, econmico
e social autnomo, contra os obstculos resultante de uma ordem
internacional injusta (Altvater, 1999, p. 116) .
A
conquista destes direitos, no entanto, no se caracterizam por
apresentar uma cronologia de conquistas evolutivas. Ao contrrio, foram
suprimidas inmeras vezes, na Europa ao longo das dcadas de
1920 a 1970 ( derrubada do salazarismo e do franquismo )
e ao longo dos Anos de Chumbo na Amrica Latina.
Em
outras circunstncias os direitos de participao tornam-se meras
formalidades. Estas situaes ocorrem, especialmente, quando os
Estados e seus dirigentes apresentam-se indiferentes as condies
sociais da populao, quadro que se agrava nas condies histricas
nas quais Partidos polticos, e seus representantes, revelam uma
mesmice entre discursos e prticas polticas impedindo o
estabelecimento de campos ideolgicos claramente definidos.
Produz-se,
assim, a iluso de que s possvel um tipo de soluo para os
problemas sociais, aquela que hoje fornecida, no mais pelo Estado,
mas pela mais ampla
liberdade de mercado. Iluso poltica que torna-se quase absoluta
quando faz crer que ...a economia sria e moderna; o social,
perdulrio e arcaico ( Ribeiro, 2000,p. 21).
O
quadro poltico, acima descrito, tem remetido a populao para
novas formas de construo da cidadania que se caracterizam por
lutas parciais em busca de soluo de temas imediatos, como as
lutas por transporte, por moradia, pela terra, por educao e sade,
por empregos ou melhores condies de trabalho, e no raro, at
mesmo pelo direito a alimentao.
Estas
lutas remontam as condies sociais que estiveram presentes
durante os perodos revolucionrios do sculo XVIII quando se
constituram, e foram conquistados, os direitos de primeira gerao
nas naes centrais do capitalismo. Condio histrica
estabelecida "a partir de reivindicaes de indivduos
contra violaes por agentes econmicos, Estados, instituies
polticas e agentes sociais" (Altvater,1999, p. 116)
, e que na regies perifricas do capitalismo ainda no foram
alcanadas pelos setores empobrecidos.
O
final do sculo XX acompanhou a diferenciao das lutas sociais.
Enquanto amplos setores mdios revelavam uma profunda melancolia e
descrena pelos processos de participao poltica, os setores
empobrecidos e marginalizados retomaram as lutas por melhores condies
de vida, mesmo quando estas lutas revelavam um carter particular e
imediato.
Muitas
vezes, em seus particularismos, os movimentos sociais perderam a
dimenso da totalidade ficando
submetidos a um auto esgotamento, seja pelo atendimento de suas
reivindicaes, seja pelo exausto da capacidade de mobilizao
de seus integrantes mas, especialmente porque no possuam uma
proposta mais ampla de modelo social a ser alcanado.
Os
movimentos sociais produziram uma compreenso dos Direitos Humanos
que tornou-se
exclusivista, perdendo a dimenso universal dos mesmos. Na Amrica
Latina, e no Brasil em especial, as lutas pelos direitos da segunda
gerao, formaram as bandeiras dos Movimentos Sociais das dcadas
de 1960, 1970 e 1980, privilegiando o difcil combate em defesa da
vida e da integridade fsica dos adversrios dos regimes militares
latino-americanos. J a defesa dos direitos de primeira gerao,
caracterizaram as lutas travadas ao longo dos anos 1980 e 1990.
Demonstrando o empobrecimento decorrente da implementao de um
modelo econmico concentrador de renda e capaz de aguar
os conflitos entre
a populao empobrecida e o Estado.
Mesmo
quando buscavam agir em conjunto cada um destes movimentos guardava
suas fronteiras e procurava preservar sua prpria identidade, o que
levou, muitas vezes, a um isolamento insupervel. A especificidade
de cada uma das identidades acabava por impedir a construo de
uma identidade social universalizada capaz de produzir propostas
mais abrangentes e unificadoras.
Este
um dilema que os movimentos sociais em geral, e os movimentos em
defesa dos Direitos Humanos em particular, precisam enfrentar em uma
situao histrica que tem se revelado avessa a participao
social dos dominados e institudo mecanismos jurdicos capazes de
eliminar conquistas seculares.
Poltica
que, alis, tem sido implementada sob o manto protetor da chamada
globalizao, e que pode ser caracterizada atravs das medidas
feitas para possibilitar a execuo de mudanas istrativas
que produzem a fragilizao do Estado de Bem Estar Social e a
perda dos direitos da ampla maioria dos trabalhadores, privilegiando
a economia de mercado, especialmente o capital financeiro
internacional. Ou, como afirma SADER (2000, p. 126)
...
o carter mnimo do Estado s est presente na deteriorizao
das polticas sociais, no carter de maiores geradores de
desemprego que esses estados assumem, no congelamento dos salrios
dos funcionrios pblicos, no enfraquecimento generalizado da
educao educao pblica, da sade pblica, etc. Por isso
falamos num Estado mini-max: mximo para o capital, mnimo para o
trabalho.
A
gradativa e constante perda dos direitos dos trabalhadores amplia-se
e sua dimenso social torna-se ainda mais significativa quando os
lugares perdidos so ocupados por crianas e adolescentes. Assim
as condies de trabalho se precarizam e uma parte gigantesca da
humanidade perde seu futuro. Segundo BLACKBURN (2000, p. 158):
...
verdade que a escravido foi abolida, mas continua o trabalho
infantil, uma espcie de trabalho forado que, segundo as
estimativas do UNICEF, afeta cerca de 300 milhes de crianas em
todo o mundo, uma cifra muito superior a do nmero de escravos que
existia no apogeu do escravismo no sculo XIX. Este fenmeno do
trabalho infantil pressiona a baixa dos salrios no s dos operrios
ingleses, mas tambm dos operrios da ndia ou de Bangladesh,
onde as fiaes e firmas txteis substituem o trabalho das
mulheres pelo de adolescentes ou crianas, contratados com salrios
muito baixos e atentando irreparavelmente contra suas condies de
sade.
A
crise econmica atual ameaa no s os direitos sociais, mas
todos os direitos, inclusive os direitos ambientais, os direitos de
terceira gerao, Ou, ainda no dizer de ALTVATER (1999, p. 116)
...
a terceira gerao inclui os direitos relativos integridade
ambiental. Alm do direito ao desenvolvimento, justia social e
ao o riqueza natural, a integridade ambiental tornou-se uma
questo em destaque, em funo da crise ambiental aguda.
Os
direitos ambientais tornam-se cada vez mais significativos na medida
em que as questes ecolgicas colocam em risco a prpria sobrevivncia
da humanidade sob o planeta, no s pelo esgotamento das fontes no-renovveis
de energia fssil, mas pelo geomtrico crescimento dos ndices de
poluio do ar e da gua.
A
crise torna urgente redimensionar as atuais formas de produo e
consumo, na medida em que o desperdcio de recursos produzido por
uma parte da humanidade acelera a destruio do meio ambiente
enquanto a maioria da humanidade submetida a rigorosa escassez.
Em
uma situao de crescimento da ameaa ecolgica e da perda de
direitos, como a atual, amplia-se a necessidade permanente do
movimento social na luta pela
superao da crena ingnua de que, uma vez
regulamentados, os Direitos Humanos sero transformados em prtica
social emancipadora.
Atualmente,
ao contrrio do perodo poltico que se seguiu ao final da
segunda grande guerra quando os Direitos Humanos serviam de fundo
ideolgico nos embates polticos da guerra fria, a realidade poltica
demonstra a dificuldade de implantao efetiva de polticas pblicas
capazes de garantir a cidadania e a qualidade de vida da maioria da
populao. No dizer de Altvater:
...
os processos de globalizao - incluindo a dissoluo da
soberania poltica, de um lado, e a crise ecolgica, de outro -
prejudicaram as reivindicaes voltadas para determinados direitos
substanciais. A ordem democrtica ou a enfrentar uma srie de
novos dilemas (Altvater, 1999, p. 116).
Dilemas
que encontram sua expresso maior na relao entre movimentos
sociais e o Estado. Os primeiros lutam e defendem os Direitos civis,
sociais e ambientais, no mbito do Estado estes direitos so
reconhecidos, regulamentados, efetivados ou esquecidos e combatidos.
PARADOXOS
E DILEMAS
No
turbilho econmico, social e cultural que caracterizam a
atualidade, a temtica dos Direitos Humanos tem assumido, o dilemtico
e paradoxal lugar de unanimidade mundial.
Paradoxal
na medida em que se transformou em bandeira de luta dos mais
distintos movimentos sociais, como uma aspirao de mudana,
tanto atravs setores organizados e mobilizados da sociedade civil,
quanto pelos diferentes tipos de Estado, independente de sua orientao
poltica.
O
paradoxo tem se tornado ainda maior quando os Estados nacionais
institucionalizam os Direitos Humanos como universais, assinam
protocolos internacionais, os transformam em princpios
constitucionais, criam organismos e planos para sua implementao,
e agem exatamente na contramo do que apregoam.
Freqentemente,
a bandeira dos Direitos Humanos tem servido de justificativa ideolgica
para intervenes armadas que eliminam a soberania das naes
ocupadas e retiram as liberdades fundamentais dos povos, entre elas
as de escolher sua cultura e suas formas de organizao social.
O
paradoxo se torna ainda mais significativo quando os Estados
nacionais orientam suas aes para polticas econmicas que
privilegiam a hipertrofia do mercado internacionalizado,
especialmente do mercado financeiro mundial
Mercado
financeiro
que, a cada quinze dias, faz circular, atravs da especulao
eletrnica, um valor de riquezas equivalente a toda produo
agro-industrial do planeta. Estas mesmas prticas
fazem circular, em 24 horas, um valor maior do que a soma
registrada pelo comrcio internacional durante um ano (Boron,
2000).
Nestas
condies o paradoxo extrapola o poltico e transforma-se em
drama social demonstrado pelo aumento da misria mundial, da qual
as maiores vtimas so as crianas, os idosos, as mulheres, os
trabalhadores desempregados, especialmente aquelas que fazem parte
das populaes empobrecidas que vivem no hemisfrio sul.
O
grande paradoxo em relao aos Direitos Humanos encontra-se no
fato de que mesmo itidos pela jurisprudncia dos tribunais,
reconhecidos nas constituies dos Estados nacionais, acordados em
tratados internacionais, proclamados
em declaraes universais, sua execuo esbarra em uma
forma de estrutura scio-econmica que, em nome da prioridade
absoluta do mercado, elimina direitos historicamente conquistados:
...a
avassaladora tendncia mercantilizao de direitos e
prerrogativas conquistadas pelas classes populares ao longo de mais
de um sculo de luta, convertidos agora em bens ou servios
adquirveis em mercado. A sade, a educao e a seguridade
social, por exemplo, deixaram de ser componentes inalienveis dos
direitos de cidado e se transformaram em simples mercadorias
intercambiadas entre fornecedores e compradores margem de
toda a estipulao poltica" (Boron, 2000, p. 9)
As
diferenas entre Norte e Sul no impedem que o iderio dos
Direitos Humanos esteja presente nos movimentos sociais dos dois
hemisfrios. Algumas das lutas, travadas em sua defesa, revelam-se
como dilemas para toda a humanidade, entre elas situam-se,
especialmente, as lutas por uma economia auto-sustentvel, a defesa
de uma economia construda a partir da preservao do equilbrio
ecolgico, e as lutas pela superao das discriminaes de raa
e de gnero.
O
dilema se torna ainda mais expressivo na medida em que o Norte detm
o controle dos avanos da cincia e da tcnica, concentra
riquezas e consumo em nveis que no podem ser estendidos a toda a
humanidade sob risco de gerar uma gigantesca falncia econmica e
ambiental (Santos, 1995; Arrighi, 2001).
O
segundo dilema est ligado aos limites dos prprios movimentos
sociais na medida em que, muitas vezes, ficam s a questes
especficas especialmente aquelas ligadas aos direitos sociais,
esquecendo a amplitude universal dos princpios fundadores dos
Direitos Humanos.
Por
fim o dilema entre os movimentos sociais e os Estados na luta pela
garantia e efetivao dos direitos j legalmente reconhecidos, e
pela implementao de novos direitos, precisa ser entendida como
processo histrico, ou seja, processo de luta que se realiza nos
espaos tencionados entre a autonomia e a regulao.
Tenses que se tornam speras na medida em que os direitos
sociais so colocados em risco, os nveis de pobreza crescem na
mesma proporo que os de acumulao de riquezas nas mos de
poucos, e aumentam as possibilidades de desastres ecolgicos.
As
ameaas aos Direitos Humanos, cada vez mais constantes e vigorosas,
precisam ser enfrentadas com a lembrana permanente de suas origens
e de sua constituio como espaos de lutas individuais e sociais
que ampliam sua abrangncia e seus objetivos
...
os direitos humanos tradicionais - da "primeira" e da
chamada "segunda" geraes - tm que ser complementados
pelos de "terceira" gerao, reivindicao que vem
ganhando cada vez mais fora. Portanto, direitos humanos
compreendem tambm direitos de indivduos (e povos) em relao
integridade da natureza, isto , do meio ambiente em que os
seres humanos vivem (Altvater, 1999, p. 115)
Assim,
os Direitos Humanos revelam-se, de um lado, como um discurso capaz
de legitimar o modelo econmico excludente,
socialmente injusto,
e de outro como capaz de fornecer as bases para a produo
de sociedade mais participativa e
igualitria. A garantia possvel de sua aplicabilidade
est intimamente relacionada a capacidade das diferentes
sociedades mobilizarem-se, autonomamente, em busca de uma cultura
poltica que objetive sua implementao.
De
outra parte, e para finalizar, os Direitos Humanos apresentam-se
como uma possibilidade de mundializao poltica construda para
alm das dimenses de mercado, em permanente relao de conflito
com os Estados nacionais, dos quais
devem exigir reconhecimento, regulamentao, efetivao
e autonomia para sua aplicao.
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