332z3i

Cidadania
e Impunidade
urgente desenvolver e implementar polticas pblicas contra a
violncia
Nelson
Pellegrino 3v3o40
deputado federal (PT-BA) e presidente da Comisso de Direitos Humanos
da Cmara Federal.
A
impunidade , para ns que trabalhamos cotidianamente com as
inmeras violaes de direitos humanos, a principal causa da
violncia e do aumento da criminalidade. A certeza de que o crime vai
ficar impune encoraja delinquentes a continuar na escalada do crime.
Nos
desvos criados pela ausncia do Estado, o crime propicia prestgio,
poder econmico e liderana, O sistema penal repressivo no
capaz de inibir a ao, cada vez mais organizada e audaciosa, de
organizaes criminosas. necessrio levantarmos propostas
eficientes de polticas pblicas capazes de acabar com essa realidade.
A
grande vtima de toda esta impunidade a prpria sociedade, que se
encontra atnita e amedrontada. O cidado tem seus direitos violados
duplamente: primeiro, pela ao inescrupulosa das organizaes
criminosas e, em segundo lugar, porque acaba por ser vitima do prprio
Estado, que vem se apresentando inoperante e incompetente para as
investigaes.
Toda
a pessoa humana tem direito segurana individual. dever do
Estado garantir esse direito. Para isso, o aparelho estatal deve se
capacitar para atuar contra as grandes organizaes criminosas, contra
o crime do colarinho branco, contra o sistema financeiro e tributrio e
a economia popular; crimes que envolvem grandes traficantes, polticos
e empresrios.
So
esses os criminosos que devem estar atrs das grades e no os
pequenos que furtam comida como um ltimo ato de desespero, ou o
usurio de droga que porta pequena quantidade de txico porque
dependente qumico e doente; carece, portanto, de tratamento e no de
privao da sua liberdade, corno em regra acontece.
Realmente,
h muitas distores no nosso sistema penal. Muitos dos que esto
hoje nas cadeias deveriam estar nas ruas, trabalhando e convivendo com
plenos direitos de cidadania, e muitos dos que esto soltos deveriam
estar reclusos porque so danosos para a sociedade. So os grandes
poderosos do crime que, cada vez mais, sofisticam suas ardilosas
tcnicas voltadas para acumularem poder econmico. Corrompem
polticos e funcionrios pblicos, contaminando as instituies
pblicas de todos Os poderes da Federao.
verdade que o crime desafia as nossas instituies policiais e do
Poder Judicirio. O crime se transnacionalizou, se globalizou,
principalmente nos pases mais empobrecidos. O avano do narcotrfico
nesses pases e assustador. Em grande parte, porque crescente o
empobrecimento dessas populaes. O narcotrfico se tornou uma
economia vivel para esses pases. Milhares de pessoas vivem as custas
do crime organizado e do trfico.
Precisamos,
urgentemente, de uma nova segurana publica. lnfelizmente, as nossas
polcias esto desaparelhadas, dispondo de menos recursos do que
dispe o crime organizado. No temos uma polcia tcnica,
investigativa e eficiente para combater os crimes de informtica,
financeiros, tributrios etc.
Em
muitos Estados da federao, os delegados de polcia no so
bacharis em Direito, sendo nomeados por prefeitos. Grande parte dessas
corporaes tm a tortura como o nico meio para conseguir uma
prova, que forjada e ilcita. E mais fcil para o policial obter a
prova de confisso, mesmo que ela seja ilcita, do que fazer uma competente
investigao. Fia uma exigncia de inqurito policial, que torna
esse processo ainda mais anacrnico, burocratizado e cartorial.
As
policias militares so desequipadas para o policiamento ostensivo.
Seus membros so mal remunerados e h desassistncia de toda a ordem.
Ela ainda treinada para ser violenta, arbitrria, incapaz de
assegurar aos cidados os direitos mais fundamentais.
E
verdade que h muitos que enobrecem essas corporaes. So policiais
que sabem do seu real papel de zelar pela ordem pblica e garantir a
cidadania. Com esses profissionais, queremos, cada vez mais estreitar
laos de parceria na luta pela impunidade e ateno total aos
direitos humanos.
Lutamos
por reformas na nossa legislao penal e processual penal. A
comear pela Lei 9.455/97, a chamada lei que tipificou o crime de
tortura. Esta lei significou marco importante para cessar a cultura da
tortura como mtodo de investigao. Mas, h tempos, temos dito que
e lei no aplicada. A comear pelas denncias de que pretere classificar
como crime de leso corporal em vez de tortura. At hoje, no h
nenhuma condenao por crime de tortura nesse pas.
O
Ministrio Pblico, por sua vez, tambm peca quando no pratica o
controle da atividade policial constitucionalmente garantido a esta
instituio. Muitas vezes, os membros do Ministrio Pblico no
acompanham as investigaes, e, seguidamente, apresentam denncias
genricas, inaptas, sem ar pelo filtro da formalidade legal. A
consequncia o engavetamento dessas peas processuais.
Calcula-se
que apenas 2% dos registros policiais virem aes penais. O resto
morre na prpria fase policial ou posteriormente, na fase de
apresentao da denncia.
O
prprio Poder Judicirio, frequentemente, contribui a impunidade. Isso
ocorre quando o juiz procrastina, no cumpre prazos, aceita inquritos
e denuncias mal feitos, causa infindveis violaes aos direitos
humanos e no punido. Urge que se regulamente o Controle Externo do
Poder Judicirio includo na Reforma do Poder Judicirio, cuja PEC
encontra-se tramitando no Senado Federal . A prpria I do Judicirio
demonstrou diverso casos, em que juizes corruptos cometeram crimes e
at esto impunes.
Porm,
o baluarte da impunidade a imunidade parlamentar. Em nada se
justifica a necessidade do parlamentar no responder e ser ru em
processos comuns judiciais. Esse privilgio incentiva grandes
poderosos de redes organizadssimas de crimes a adquirirem mandato
somente com o intuito de obter impunidade.
Precisamos
acabar em definitivo com esta forma de imunidade parlamentar. E
urgente uma grande mobilizao dos movimentos populares e sociais,
para a aprovao, no Congresso, da Proposta de Emenda
Constituio 34/95, que limita a imunidade parlamentar aos atos
relacionados efetivamente ao exerccio do mandato. A Comisso de Direitos
Humanos tem se empenhado nesta luta e quer o apoio de todos para atingir
esse objetivo.
O
foro privilegiado para determinadas categorias profissionais tambm
incompatvel com os postulados fundamentais da democracia e dos
direitos humanos. Principalmente, quando se trata de crimes praticados
por policiais. No podemos aceitar que policial investigue policial.
Se o policial praticou crime comum deve ser julgado pela justia comum
e no julgado pela justia militar.
Queremos
que determinados crimes, como os praticados por grupos de extermnio,
os que envolvem torturas, chacinas, crimes polticos sejam investigados
pela Polcia Federal e julgados pela Justia Federal.
Uma
outra medida para acabar com a impunidade a mudana da legislao
penal. Hoje, temos mais de mil tipos penais. Isso um absurdo. H
crime para tudo, todos com penas privativas de liberdade. As penas
alternativas ou restritivas de direito e multa abarcam poucos crimes.
Precisamos reformar a parte especial do Cdigo Penal. Consideramos essa
reforma mais necessria at do que a parte geral que j tramita no
Congresso Nacional.
Achamos,
tambm, que as regras processuais penais devem sofrer alteraes.
No possvel que grande quantidade de crimes acabe sendo
prescrita, antes de haver sentena transitada em julgado. Isso
provoca numerosos casos de impunidade porque as decises judiciais se
limitam a reconhecer a extino da punibilidade. Houve o crime, mas
seu autor no poder ser punido, porque as instituies que deveriam
fazer a persecuo penal foram lentas u incompetentes.
Queremos
um novo processo penal, mais aberto interveno das entidadescivis
e sociais. Acreditamos que entidades de direitos humanos podem se
preparar para ser parte nos processos judiciais e perseverar pela punio
dos culpados.
Um
exemplo de impunidade neste pas tem sido o trabalho escravo. Apesar
de todos os instrumentos internacionais e nacionais de proteo,
essa realidade ainda uma grave violao de direitos humanos.
Citamos, Corno exemplo, o caso da Fazenda Brasil Verde, no sul do
Par. Diversos rgos vm fiscalizando a referida fazenda e tm
constatado que o trabalho escravo continua, apesar da questo j
estar sub judice.
Acompanhamos
um outro caso srio de impunidade: a execuo do jovem Hugo de Souza
Gonalves, de 15 anos de idade, na cidade do Parano, no Distrito
Federal. Este jovem, em 18 de dezembro de 1997, foi executado por policias
militares que desferiram tiros de arma de fogo na sua cabea. At
hoje, este crime est impune.
O
caso envolvendo o assassinato da lder Margarida Maria Alves,
presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais dos Trabalhadores
Rurais de Alagoa Grande (PB), outro exemplo de impunidade. O crime
ocorreu em 12 de agosto de 1983 e prescrever daqui a dois anos. Nas
investigaes, chegou-se aos mandantes do crime, Jos Buarque de
Gusmo Neto e Agnaldo Veloso Borges, latifundirios da regio. Mas o
julgamento foi adiado simplesmente por seis vezes. Lutamos para que o II
Tribunal do jri da Comarca de Joo Pessoa (PB), enfim paute o
julgamento do mandante do crime. Poderamos dar muitos outros
exemplos de casos que continuam impunes. Vivemos dcadas de impunidade.
Por
isso, a criao de um Sistema Nacional de Proteo e Garantia dos
Direitos Humanos fundamental. Precisamos, urgentemente, que os
direitos civis, polticos, econmicos, sociais e culturais
efetivamente garantidos por instrumentos jurdicos e polticos.
Outrossim, este
Sistema Nacional deve estreitar a relao com o sistema
internacional de proteo dos direitos humanos da ONU e da OEA.
Precisamos que os mecanismos de o nessas instancias sejam postos
disposio de todos os cidados, inclusive atravs do direito
individual de petio.
|