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Globalizao, Estado e culturas criminosas[1] 6e3s65

Cludio Luiz Zanotelli[2]

Resumo

Esse texto busca ar em revista as relaes entre o fenmeno da globalizao, as corporaes e os Estados na perspectiva do fato criminoso. Ele discute os aspectos da construo das leis como mecanismos de negociao da corrupo e descreve uma tipologia das diversas culturas que atravessam a sociedade e a poltica e que se combinam na apropriao que fazem os dominantes dos mecanismos do Estado-nao e de seus territrios.

O global, a cidade e as corporaes

O atentado do World Trade Center denota a importncia que tm as cidades no mundo contemporneo como lugar de comando dos territrios e n das redes materiais e imateriais.

As seguradoras, as financeiras, os bancos e todas as empresas presentes no lugar foram atingidas no somente em sua forma material, mas tambm, e sobretudo, na sua forma imaterial, pois as aes, os ttulos de especulao na bolsa, entraram em colapso, conjuntamente com a queda das aes das companhias areas e das companhias de seguro. Essas ltimas vivem da especulao no mercado financeiro e so, muitas vezes, seguradoras do seguro, do seguro, do seguro de algum....

A fragilidade da economia, das redes e das cidades e empresas em rede exemplificada pela destruio das torres.

As cidades so esses espaos frgeis e articulados onde a segregao e a auto-segregao so levadas ao paroxismo. O centro financeiro mundial depende profundamente de bases materiais apesar da fico sobre a qual fundada a bolha financeira. Assim voltamos velha necessidade sempre reiterada da relao intrnseca entre o abstrato e concreto, entre o material e o imaterial. Finalmente, todos, em ltima instncia, dependem da Terra transformada pelo homem interagindo com ele e sobre ele, interferindo, no nosso caso, sobre os artefatos humanos que so as cidades e o territrio das naes de maneira mais geral.

A abstrao e a articulao excludente dos mercados e das cidades so paralelas e se reforam. As pessoas vivem em mercado fechado como em condomnios fechados, mesma camada arqueolgica produtora de uma sociedade em redes horizontais, mas hierarquizadas, fragmentadas, mas globalizadas.

As cidades nem sempre foram assim, na Roma antiga os termos relacionados cidade denotavam educao, cultura, bons costumes e elegncia: urbanidade vem do latim urbs ; a polidez, da polis grega (Le Goff, 1997). Mas a promiscuidade muitas vezes era desagradvel, os engarrafamentos, os esgotos, o barulho j eram um problema na Roma Antiga (Tuan, 1980).

As cidades conheceram com o Renascimento e o incio dos Tempos Modernos uma primeira Revoluo : o desenvolvimento da perspectiva permitiu uma nova representao e produo do espao (Lefebvre, 2000). Elas vivenciaram em seguida, com a revoluo industrial e a dinmica econmica, social, tcnica e poltica, uma Segunda Revoluo. A indstria e as grandes lojas (grands magazins) tomaram as cidades e a transformaram, se apoiando sucessivamente sobre a mquina vapor, a eletricidade e o motor exploso. Esses fatores modificaram no somente o tamanho das cidades, sua forma, a estrutura socio-tcnica, os modos de vida, mas tambm as modalidades de concepo e de funcionamento. A cidade se desenvolve em torno do automvel e da fordizao da sociedade: produo em srie, massiva, mito do crescimento infinito, consumo acelerado e utilizao intensa dos recursos energticos. O apogeu dessa Segunda Cidade aconteceu na Europa nos anos 60/70 (Ascher, 2000).

No Brasil a expanso das cidades se deu forma diferenciada e tardia: nossa urbanizao se funda muito mais sobre a no modernizao das relaes de trabalho no campo do que sobre a industrializao. Assim, o Brasil o exemplo da maneira subordinada pela qual nos inserimos no movimento da economia-mundo e do que hoje chamamos globalizao: fornecendo matria-prima para os pases do Norte ou mercado cativo para o consumo de produtos industrializados e mais tarde servios desses mesmos pases, com aparente paradoxo de que muitas multinacionais aqui investiram para garantir uma nacionalidade a sua produo. Nossa industrializao foi seletiva, excludente e orientada para os segmentos das classe mdias, fundada em uma explorao da fora de trabalho dos segmentos menos qualificados que foram excludos do o ao consumo e cidade formal (Oliveira,1978).

O projeto nacional de industrializao conseguiu uma relativa independncia pela prpria forma como se deu, comandado por um Estado populista, burocrtico e autoritrio, fundado sobre uma certa idia de nacionalismo que perava diferentes camadas sociais. Nossas cidades guardaram os traos do perodo colonial na sua localizao, na forma excludente como se desenvolveram em seguida, mas na sua fragmentao crescente ela foi religada pela hegemonia clientelista-paternalista que garantir o desenvolvimento de um Estado populist, burocrtico e autoritrio, como veremos mais adiante.

As transformaes econmico-sociais, tcnicas e culturais atuais so to, se no mais profundas, que aquelas da Revoluo industrial. Elas engendram verdadeiras mutaes nas relaes entre a sociedade e o espao em geral e a cidade em particular, as tecnologias da informao tendo um papel importante e anlogo quele ocupado pela eletricidade anteriormente.

A acelerao da produo, difuso e consumo das imagens e de informaes numerizadas, a proliferao dos servios em rede, o desenvolvimento exponencial das redes informticas mesmo que, como sempre, bastantes limitadas nos pases do Sul - tem levado a uma nova configurao do espao e das cidades. Essa difuso em rede que engloba a prpria denominao cada vez mais utilizada das cidadesredes, distritos industriais em rede ou sociedade em rede (Castells, 1999, Benko, 1999) tem mudado a natureza das relaes socioespaciais, aumentado a integrao entre os grandes centros financeiros e econmicos mundiais e, deixando margem, ou integrando de maneira subordinada, os centros dos pases do Terceiro Mundo e os centros de importncia menor dos pases do Norte.

Essa arquitetura das redes de Metrpoles mundiais que se funda na produo da antiga ordem industrial e de servios que elas comandam, , hoje, de natureza diferente. A economia se baseia cada vez mais na prestao de servios e nos fluxos de experincias, nos contedos culturais, na biodiversidade. A acelerao do tempo de produo e do tempo de comunicao, tem provocado uma baixa tendencial da taxa de lucro e uma multiplicao, acelerao e diversificao da produo, que tem provocado desemprego e crises societais acentuadas. O trabalho como valor estruturante da vida em sociedade questionado. O trabalho, no perodo anterior, como utilidade geral era fundamentalmente social, era uma obra realizada coletivamente, era a mediao maior e o verdadeiro meio de comunicao entre os indivduos que no produzem de maneira alienada (Meda,1995). Em contrapartida se aplica aos tempos atuais aquilo que Hannah Arendt dizia: uma sociedade fundada sobre o trabalho, mas que no oferece aos seus membros aquilo pelo qual ela se estruturou e organizou seu discurso (Arendt, 1983).

Paralelamente crise social e crise do trabalho ou crise das formas socioeconmicas, a valorao das empresas capitalistas nas bolsas obedece a um mecanismo invertido em relao ao perodo anterior, aquelas empresas que supostamente detm maior diversidade de contedos nas redes (cinema, teatro, msica, publicaes, cincia, informaes de toda sorte) com penetrao junto a certos segmentos da sociedade tm suas aes hipervalorizadas, no necessitando para tal dos slidos ativos das emppresas tradicionais apesar de uma crise de reorganizao que o NASDA (bolsa de New York dos papis das empresas da nova economia) conheceu h pouco. As grandes multinacionais se voltam para o controle dos contedos culturais, para a lei das patentes, para o patenteamento das diversidades. Os setores ligados comunicao e informao, que controlam as televises, os cinemas (as formas de difuso) so aqueles que tambm querem controlar a produo e a circulao das informaes (o contedo) ou que querem transformar a cultura em coisa, a cultura como mercado e no o mercado inserido na cultura, aquele da necessidade da troca e da ddiva como cimento social . As diversidades culturais so ameaadas com projetos do tipo AMI (Acordo Multilateral de Investimento), defendido h algum tempo pela OCDE, que visava impedir todo e qualquer tratamento diferente da cultura, bem como ser contra as subvenes dos Estado-nao para a produo cultural local e regional e buscava ainda a impor regras draconianas de comrcio desfavorveis aos pases do Sul.

Assim, a nova onda do crescimento econmico associa cultura, comunicao e informao, os mercados baseados na Nova Economia fazem parte de lutas estratgicas de grandes grupos para o controle desse setor e, diretamente, do controle da produo cultural.

Esses setores comunicacional-informacional esto associados direta ou indiretamente s grandes multinacionais, como Monsanto, que buscam patentear o vivo e introduzir os OGM (Organismos Geneticamente Modificados), bem como introduzir uma indiferenciao cada vez maior entre o homem e os animais e as plantas, pois busca-se tambm patentear descobertas ou sequenciamentos de genes. Quer-se produzir medicamentos j dentro dos animais para fornecer as molculas necessrias juntamente com o leite do animal manipulado geneticamente. Busca-se contratualizar as doenas e a morte atravs das companhias de seguro que asseguram laboratrios que fazem contratos para garantir a sade dos pacientes, etc. (Rifkin, 2001). O escndalo do monoplio de uma certa molcula importante no tratamento da AIDS por um grande laboratrio americano que explora a morte sem vergonha, pde ser atestado recentemente na batalha travada entre a Africa do Sul, pas do mundo mais tocado pela doena, e a Universidade de Yale (Instituio de origem dos pesquisadores que identificaram os benefcios da molcula para os doentes da AIDS e fizeram um acordo de cesso dos direitos de explorao da molcula para esse grande laboratrio).[3]

Esse conjunto de interesses econmicos das corporaes em rede provoca uma desrealizao do espao e uma acelerao do tempo (Virilio, 1993). Esses mecanismos se inscrevem no desenvolvimento do que Milton Santos chamou de Tecnoesfera e estruturam cada vez mais o espao atravs de sua inrcia dinmica.

Muitas cidades viraram as costas para seus centros (deslocao de Centros Comerciais e Condomnios Fechados em distantes subrbios) e/ou expulsam dos centros os habitantes para acolher escritrios, sedes de grandes empresas ou hotis, museus, etc. As cidades se especializam no atendimento cultura-mercadoria, sociedade do espetculo (centros das cidades antigos como que uma casca de ovo vazia mantm as fachadas dos imveis, transformando-os em um lugar especializado para receber turistas e difundir a cultura-espetculo). Acentua-se a fragmentao do perodo anterior de desenvolvimento das cidades paralelo industrializao, constri-se nos pases do primeiro mundo guetos de cultura e de imagem e difundisse a bandizao do espao perifrico, onde vivem os mais pobres, os imigrantes, os operrios, os trabalhadores de Macdonalds e prestadores de servios diversos para a Nova Economia.

O trabalho como obra desvalorizado ou perde sua funo integradora e a cidade como obra desconstruda.

Esse processo no acontece em todos os lugares nem tem a mesma intensidade onde ocorre, porm ele tendencial e mostra a ligao intima entre os processos socioeconmicos e os processos socioespacias.

Em conseqncia, os processos de globalizao esto associados s relaes de trabalho, organizao produtiva e sua cristalizao no espao da cidades mundiais fragmentadas . A proliferao territorial do fenmeno de desenvolvimento econmico est, portanto, associada s estratgias das grandes empresas que por sua vez se encontram associadas s estratgias geopolticas dos Estado-nao atravs das cidades mundiais e das redes que elas comandam, isso o que veremos na prxima parte.

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Globalizao x Estado-nao 3tf4x

As sociedade do lazer que se desenvolve no Ocidente irm da sociedade do espetculo, as representaes do mundo e o simulacro do real em rede, a apropriao indbita de saberes coletivos e a rapinagem da cultura e da biodiversidade so os leitmotiv das grandes corporaes. Assim, vender uma guerra que serve certas corporaes (no caso do Afeganisto a questo do petrleo) serve, tambm, de formatao de conscincias e de extrao de lucros certos nas paranias estabelecidas coletivamente pela repetio infinita de imagens de destruio, brincando com o imaginrio coletivo.

As empresas so protegidas e/ou defendidas pelos Estados de origem de seus acionrios majoritrios, em colaborao, claro, com outros grandes grupos criando oligoplios da comunicao e da informao, cartis dos laboratrios, da produo de filmes, contedos musicais, etc. Associados muitas vezes em uma grande holding que controla armamentos, qumica e petrleo.

Mas, os interesses econmicos das grandes corporaes no se restringem ao mundo das imagens, das redes, dos contedos culturais e dos servios generalizados, pois o mundo ainda vive da dependncia da energia do perodo anterior. Estamos ainda na fase do petrleo, do carro, do avio, temos ainda muitas fbricas e o fim do trabalho e da cidade no para amanh. Mesmo porque devemos tomar cuidado com as aspiraes utpicas sobre o fim do trabalho, pois poderemos cair nos braos do neoliberais que falam de um mercado sem regras onde cada um faria o que quer e estaria livre para no trabalhar, sem especificar que muitos esto livres porque na realidade no encontram trabalho e esto prontos a se submeter na maioria das vezes a salrios aviltantes. Os libertarianos , anarquistas de direita ou neoliberais radicais, assim pregam a expropriao daqueles que nada tem e que continuaro nada tendo estando fora do trabalho. Polticas pblicas de rendas mnimas destinas aos desempregados somente esto criando pessoas assistidas e excludas, em parte, das lutas sociais. Claro um mnimo necessrio para se evitar o aprofundamento da desafiliao social, mas a poltica de trabalho e a poltica com P maisculo ou a Economia Poltica que deve mudar.

As estratgias dos Estados por meio de seus servios secretos de manter a influncia econmica de suas firmas em setores chaves para dar continuidade acumulao do capital e ao controle dos territrios. Assim, a interveno no Afeganisto que a resposta dada destruio das torres smbolos do capitalismo financeiro e da Nova Economia, um momento oportuno para se afirmar a presena americana no centro da sia, bem como de buscar desestabilizar ainda mais a Rssia, mesmo se o discurso americano e europeu parecem dizer o contrrio. Os Russos, quanto a eles, encontraram um bom motivo para apoiar a interveno americana: a guerra da Tetchenia, tentando cortar as bases de apoio ao movimento independentista desse pas. Mas, os interesses petrolferos, tanto dos americanos como dos russos se encontram em filigrana das guerras que promovem nessas regies. Porm, associados a esses interesses petrolferos, encontramos um desejo americano de uma certa desestabilizao do continente europeu e tambm da sia e particularmente da ndia e da China, duas naes que se sobressaem no mundo atualmente. A CEE (Comunidade Econmica Europia) apresenta uma ameaa sria hegemonia americana, mesmo se eles desenvolvem uma colaborao conflituosa com os americanos. H de toda evidncia uma busca de imposio pelas armas do Imprio capitalista e em boa medida americano. E os que pagam o pato so os mais pobres, como sempre, os conflitos pipocam nas periferias para preservar o centro de uma destruio massiva que justifique uma reconstruo material baseada em antigos preceitos de re-acumulao capitalista, ainda de atualidade (infraestruturas, reconstruo do pas, etc.).

Esse apartheid social onde aqueles que so colocados fora da sociedade de consumo, mas que constituem sua base e portanto o terreno sobre a qual o reino do valor mercadoria prolifera, so a parte inferior da pirmide sobre a qual se funda o sistema globalitrio da forma-mercadoria e do dinheiro. A base de acumulao do capital tem sido reduzida contraditoriamente deixando de lado milhes de pessoas, mas essas pessoas esto, digamos assim, subintegradas ao sistema global da economia e portanto o que acontece com eles tem seus reflexos sobre a parte superior da pirmide e da crise que se repete infatigavelmente, Como nos diz Kurtz:

[...]Isto significa que o que, por um lado, num plo, aparece como uma degradao social, aparece no outro plo como uma crise do dinheiro, como crise da prpria forma do capital. E, nesse sentido ns estamos no fundo de uma ironia involuntria quando essa situao histrica designada como uma vitria do capitalismo.[4]

Assim, a crise global, total, e no podemos pensar os problemas da base sem o topo, no entanto isso no pode nos servir como consolo para deixar o barco afundar, pois os sofrimentos e as hecatombes se repetem, sem retorno, pelo mundo afora e cada vez mais de maneira acentuada.

Desse modo o sistema econmico mundial se a cada vez mais dos Estado-Nao e mostra a sua lgica integradora global, de um lado

[...] o sistema dos Estados Nacionais continua sendo o terreno no qual as foras da crtica se aglutinam. Por outro lado, o Estado Nacional no pode mais ser para essas foras o nico e essencial sistema de referncia. Deveramos, portanto, refletir sobre o papel que o Estado Nao desempenha na crise do sistema global. A medida em que este Estado Nacional ainda desempenha um papel, este papel parece essencialmente ser o papel da externalizao, vale dizer da transferncia dos custos da crise para os outros Estados Nacionais.[5]

Ora, a importncia contraditria do Estado-Nao, demonstrada na citao acima, aponta para o fato que ele instrumento da crise e do processo de mundializaco, portanto apesar de tudo continua sendo a referncia para as sociedades no mundo atual, mas no devemos e nem o movimento social deve se conformar a suas fronteiras para levar a diante uma luta que se tornou global, da a importncia de espaos de articulao e mobilizao social como o do Frum Social Mundial de Porto Alegre.

Se inscrevendo na externalizao indicada por Kurtz mais acima, podemos pensar que a lgica que tomou conta do Estado americano parece ser a lgica bandida. Mas essa lgica encontra ressonncia na prpria forma como se estrutura a economia de pirataria do patrimnio ecolgico, cultural e biodiverso da humanidade. Ela se respalda na forma mesmo como os chamados mercados se organizam, onde h uma conivncia e uma reversibilidade entre o dinheiro sujo e o dinheiro limpo.

Os circuitos econmicos-financeiros legais se sobrepem aos circuitos ilegais. H uma associao entre os capitais oriundos dos trficos e contrabandos diversos, desvio de dinheiro pblico e corrupo, reciclados nos parasos fiscais e invertidos na economia legal, e os capitais especulativos chamados legais. A prpria forma de comportamento e a relao com o Estado dos segmentos ligados s corporaes e ao capital financeiro, organizada sob a estrutura de bando de presso, o que se chama de lobby. A maneira como o Estado intervem em favor dessas empresas por meio da espionagem, da organizao de golpes de Estado, da desestabilizao territorial, etc. est ligada forma como os crimes contra o bem pblico so cometidos. Assim, as intervenes dos Estados em nome das corporaes est intimamente associada criminalidade, os circuitos por onde circulam o dinheiro do chamado mundo ilegal esto em estreita relao com o mundo legal. Finalmente o exemplo de New York nos demonstra que as redes terroristas[6] se organizam no mercado financeiro, so paridas pelas redes internacionais estabelecidas pelos Estados e as corporaes.

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O Estado de Direito, os territrios da lei e os territrios fora da lei 5f21z

H depois do que descrevemos anteriormente algumas questes que podemos nos colocar : ento o que o Estado contemporneo? Quais as funes que o Estado-nao deve cumprir? At que ponto a lei serve de divisor de guas nas aes levadas adiante pelo Estado contra o crime organizado ou o terror? Quais so os diferentes tipos de cultura que devemos investigar para ver as diferentes formas de apropriao/utilizao/penetrao do Estado pela sociedade ou partes da sociedade? H um Estado ideal? H uma forma de Estado ou uma cultura democrtica que possa ar as presses que o Estado sofre de toda parte notadamente com a globalizao e os fenmenos econmicos-espacias que descrevemos? O Estado deve ser historicamente ultraado na ordem da teoria e da prtica dos movimentos sociais?

Existe de toda evidncia uma crena, ou se preferirmos uma vontade poltica comum na base do Estado, isso que leva as populaes a viverem juntas num mesmo espao, em um mesmo territrio. Como dizia C. Geffray :

A existncia do Estado no resulta da violncia, mas bem da crena das populaes segunda a qual o exerccio do poder do Estado procede de uma figura qualquer do ideal do bem pblico, onde somente pode se encontrar sua legitimidade(C. Geffray, 2000).

Segundo esse raciocnio toda legitimidade, de uma certa forma, diz respeito f. Porm no podemos esquecer o monoplio da violncia legitima que instituinte do Estado Moderno e que est de uma certa maneira associado crena nas instituies inculcada nos agentes sociais. O Estado moderno segundo essa linha de raciocnio veio substituir o Estado Patrimonial, nesse ltimo o poder estava encarnado na pessoa de um Imperator, garantia o bem pblico ao mesmo tempo que o tesouro donde ele tirava o mana devolvido a seus sujeitos. O rei encarnava a idealidade das leis, era a natureza divina do rei que garantia e fundava a legitimidade do Estado. Mas, hoje, o tesouro do Estado moderno distribudo segundo uma outra lgica, a sua repartio legal desencarnada, os cidados reivindicam a atribuio de sua parte do bem comum, esta parte no apresentada a eles como um favor mas como um direito. Com o Estado Moderno no h mais Rei, esse ltimo teve sua cabea cortada. O que veio se colocar no lugar do Rei foi o povo soberano. Esse povo tem uma existncia simblica, um sujeito fictcio, objeto de crena como aquela do Rei soberano. Mas essa ltima crena da ordem do poltico e no do religioso. Essa crena tende a subverter todas as ordens, pois ela probe toda encarnao da lei ideal e arruna toda legitimidade dos Imperatores.

Segundo Geffray, O Estado de Direito o nome de um ideal de Estado (simblico) e de um Estado ideal (imaginrio), um jogo na luta social e poltica e uma realidade institucional. Mas as populaes que acreditam, ou que podem viver um pouco nesse Estado de Direito relativo, so aquelas Mestres do Mundo.

Em geral esses Estados, principalmente a Europa Ocidental e os Estados Unidos da Amrica do Norte, calcados em sua forma de controle econmico e militar do mundo desenvolvem tambm as representaes da verdade e da melhor forma de ar a Democracia e o Estado de Direito. Ora, o que podemos constatar que estamos diante de lei do lobo; os Imprios, os Estados dominantes, tem tendncia a impor sua lgica de dominao pelas armas, pela hegemonia da representao cultural, etc. Essa lgica interna de respeito Democracia e externa de poder autorizar tudo e qualquer coisa tinha perdido muito de sua facilidade na Europa do ps-segunda Guerra e todo os processos traumticos de descolonizao. Muitos Estados renunciaram pelo menos abertamente a levar adiante uma poltica colonialista, mas esse discurso e essa prtica no funcionaram muito tempo, notadamente quando aplicado aos Estados Unidos da Amrica do Norte. Dessa forma, o respeito ao Estado de Direito nos pases onde a maioria da populao de confisso muulmana , e tambm em outras partes do mundo, no estimulado pelos Estados Unidos da Amrica do Norte. Mesmo no Estados Unidos as garantias formais do Estado de Direito esto sendo postas em cheque j h um certo tempo e tomaram um rude golpe com as ltimas medidas adotadas contra os suspeitos de terrorismo.

Na busca de fazer valer os interesses supremos de oligoplios e de apelo a uma crena coletiva no papel do Presidente como encarnao da Ordem Pblica e do Bem Pblico, o presidente americano Bush busca como os antigos tiranos gregos se apropriar da Democracia e para isso invoca, como os Imperatores de outrora a religio, a Lei divina.

O paradoxo da modernidade que descrevemos mais acima que ela associa assim lutas pelo Estado de Direito, notadamente no ps-queda do muro de Berlim, nos Estados do resto do mundo que so a Amrica Latina, ando pela frica, pela sia e pela Europa Oriental, mas na prtica no apia profundamente essas iniciativas, ou as apia de maneira diferente segundo seus interesses. Ento, a resposta a essa modernidade capenga: controle econmico e militar, monoplio da representao cultural mundial por um conjunto limitado de potncias; a volta ao religioso. A crena em um Estado de Direito, no poltica laica, comea a no surtir mais efeito face pobreza e percepo de dois pesos e duas medidas nas relaes entre Estados e entre povos. Diante de uma injustia flagrante, de guerras e disputas destruidoras estimuladas ou deixadas em estado pelos dominantes do mundo, os povos se encontram na busca de uma crena que os una, que os proteja da idia do fim, que justifique essa vida de misrias e privaes sobre a Terra.

Essa geopoltica do Estado de Direito geometria varivel nos remete prpria noo da lei, do que est dentro da lei e do que est fora da lei, ou dos territrios que se encontram na lei ou fora da lei[7], pois a lei que valida em um certo sentido no o em outro. Se a lei uma vontade coletiva fundada em uma crena ela no , ento, eterna, e como instrumento simblico e imaginrio pode ser operacional para fundar as dessimetrias entre os pases, seus territrios e/ou entre classes sociais no interior de um mesmo pas. Dessa maneira h uma reversibilidade dos termos da lei dependendo do ator que a institui e do local onde ela aplicada. A prpria lei pode servir de limite pelo qual sua aplicao favorece sua no aplicao. Assim, a aprovao de certas leis em muitos Estados serve de instrumento de presso e da negociao por parte daqueles que se encontram em posio dominante no campo do Estado. A disputa simblica e material pelo controle e aplicao da lei um dos campos sociais onde a luta sanguinria e sem tregua.

Assim, a definio do crime sempre conjuntural e est submetida a uma estrutura social que usa da lei para punir queles que no se encontram dentro das normas. Essa estado de punio est intimamente associado a uma generalizao no mundo da criminalizao dos movimentos sociais contestatrios. Tem se buscado despolitizar os crimes cotidianos e tem-se criminalizado a poltica.

O assassinato recente do prefeito de Santo Andr (So Paulo), Celso Daniel , um exemplo tpico dessas tentativas de despolitizao do crime, se tentou a todo custo despolitizar esse crime hediondo. Ora, independente dos motivos torpes que cercaram a execuo do prefeito no se pode varrer para baixo do tapete os crimes em srie contra prefeitos e homens polticos de esquerda e contra os lderes de movimentos sociais, particularmente, nesses ltimos tempos em So Paulo. Crimes que diga-se de agem acontecem desde sempre no Brasil. Esses crimes tm haver com a poltica no sentido de luta de poder e de eliminao de pessoas representando movimentos sociais e certas prticas sociais, eles se inscrevem, tambm, numa busca aparente de desestabilizao da ordem social e finalmente so reflexos de um laisser faire da polcia do Estado, incapaz ou, em parte, conivente com o estado atual das coisas. Os crimes ditos comuns, cotidianos, que atingem dezenas de milhares de brasileiros todos os anos, as execues capitais cotidianas nas grandes cidades, so crimes polticos tambm. Esses crimes atingem preferencialmente os pobres, os moradores das periferias das cidades, os negros e jovens homens. Eles so uma forma de controle social, de inculcao do medo nas classes trabalhadores ou desempregadas desse pas.

De outro lado, pode-se pensar na criminalizao da poltica com homens polticos envolvidos em escndalos, em corrupes as mais diversas e na maioria das vezes com impunidade garantida no fim da linha, depois de um esquecimento voluntrio da mdia, os processos acabam, os presos, se houve presos, so soltos. Essa impunidade e banalizao do crime ajudada pelos grupos dominantes da imprensa que perpetuam o medo como forma de controle social. Tudo se a como se quisessem realmente desmoralizar a poltica para que os que controlam o Estado continuassem dominado-o e a populao abandonasse toda e qualquer esperana na poltica.

Porm, o mais grave, e que funciona como um jogo de espelho invertendo termos com relao a categoria dos polticos criminosos, a fabricao artificial e estrutural da criminalizao de movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra). Tenta-se invocar a lei para se impedir qualquer contestao legtima e poltica da ordem estabelecida. Uma sociedade pode ser interpretada como um campo de foras onde as classes sociais se disputam espaos e onde esses espaos so mais ou menos conquistados, simblica e materialmente, atravs do controle dos contedos e dos meios de comunicao, bem como dos meios de difuso de cultura, como tambm do controle dos meios de produo e do aparelho armado da polcia e da ordem socioespacial como um todo. Ora, essa ordem das coisas no eterna, no est inscrita nas coisas. Portanto, legitimo todo aquele movimento que a questiona, mesmo se para tal ele utiliza expedientes inslitos como a ocupao de terras, de prdios ou bloqueia a circulao, etc... Esses mecanismos so parte constitutiva de uma sociedade democrtica que deve viver com as diferenas e presses de toda ordem, a garantia do direito de manifestao, de pensamento e de contestao da ordem estabelecida fazem parte da plena democracia.

Dessa maneira, movimentos que se opem politicamente a ordem vigente de maneira no violenta so classificados como possveis criminosos. De outro lado os crimes comuns so fetichizados e erguidos em estado de barbrie, so substantivados e individualizados, descontextualizando-se a sociedade que os produziu e onde eles foram produzidos. As noes de fato social, de que todo ato humano de natureza social, nos ajudam a entender a busca desesperada que os dominantes tem feito para encobrir a razo social da violncia.

Para melhor entender, de maneira desalienada, as junes entre o legal e o ilegal, o dentro e o fora da lei, entre o corruptor e o corrompido, a relao entre o indivduo e o social, entre o Estado e a sociedade, tentaremos a seguir estabelecer uma tipologia parcial para separar os diversos fios que atravessam as diferentes classes sociais e so o pano de fundo das prticas sociais dentro e fora do Estado. Essa tipologia fundada no termo cultura que aqui no tem a acepo culturalista, poderia antes at ser chamada de prticas sociais. Porm mantive o termo cultura primeiramente porque utilizei, para efeito dessa demonstrao, as posies tericas de um socilogo francs (Jean Rivelois), em segundo lugar, porque cultura uma expresso que j se consagrou como definio de prticas sociais dos diversos grupos e classes que compem as sociedades

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As culturas criminosas 4qf5

Por dentro e atravs do Estado, fora do Estado e com a cumplicidade de seus membros, se desenvolve escala mundial, regional e local, atravs de territrios mais ou menos fludos, redes criminosas geometria varivel e de diversas ordens e interesses. Essas redes esto intimamente associadas natureza dos Estados e prpria crena nas leis estabelecidas pela sociedade atravs do Estado, elas tm se desenvolvido e tem exercido seu poder graas a periclitao da ao do Estado e prpria forma como a cultura neoliberal tm permeado a sociedade e desenvolvido seus preceitos fundamentalistas de todos contra todos e cada um por si baseados na crena de um paraso terrestre do ganho e do lucro, preceitos que tem uma estranha ressonncia religiosa (busca de um paraso, crena dura na verdade do interesse, mo invisvel, etc. que com certeza tem suas razes nas seitas americanas que favoreceram, dentre outras determinaes, o desenvolvimento do capitalismo no sculo XIX).

Porm, essa cultura no unvoca, no acontece de maneira igual em todos os lugares, pode estar presente de maneira combinada no interior das sociedades e dos Estados. Assim:

Diferentes culturas polticas, geradoras de valores, de status sociais, de prticas e de socializao, esto na base dos sistemas polticos nacionais e, quando elas transcendem as fronteiras, podem fundar as relaes entre atores de diferentes pases[8].

Desse modo o que caracteriza as diferentes culturas polticas que elas atravessam diferentes classes sociais. Assim, uma cultura poltica dominante promovida pelas classes polticas dominantes com vistas defesa de seus interesses particulares pode ser interiorizada pelas classes polticas dominadas. Realiza-se por meio desse expediente a inculcao nos dominados das prticas sociais dos dominantes, exerccio e prtica da violncia simblica realizada atravs dos diversos mecanismos de representao e reproduo social controlados pelos dominantes (Bourdieu, 1997).

Como exemplo do que foi dito podemos constatar que o apelo a atacar o Afeganisto da parte do presidente americano feito como uma vingana da nao inteira contra aqueles que ousaram desafiar o centro financeiro mundial, que como todos sabem, apesar dos trabalhadores que ali estavam e morreram, no representa os interesses de toda as classes dos Estados Unidos da Amrica do Norte ou do mundo. O apelo nao e a invocao de uma vingana ligam as pessoas em uma espcie de instinto de sobrevivncia, como se essa nao fosse una, monoltica. Nesse sentido essa ao nos lembra que os princpios religiosos e corporatistas se encontram na base mesmo do Estado-Nao contemporneos. A ordem nacional-territorial uma ideologia justificadora da reao do corpo da ptria contra o inimigo externo(Lacoste, 1989).

Dessa forma o apelo Nao, ao Estado, serve para amalgamar as classes, escamotear os conflitos internos e externos e por uma ascese fazer nascer um sentimento de pertencimento a um destino comum que nada tem a ver com uma prtica poltica que se constri e produzida em sociedade: a grande poltica nascida na Grcia e que se estabelece na autodeterminao e na autoinstituio da comunidade poltica citadina que determina seus prprios destinos.

Rivelois, nos apresenta seis ordens de culturas polticas dominantes que podem se mesclar e serem reversveis nos diversos Estados e sociedades do mundo: patrimonial-paternalista, clnica, comunitarista, burocrtica, democrtica e liberal. As redes criminosas que se servem ou penetram o Estado agiriam, segundo o autor, em consonncia com essas diferentes culturas.

bom que se diga que essas culturas no visam nenhum essencialismo culturalista do crime, mas antes servem como ferramenta analtica da reproduo social e das relaes de foras inscritas no campo social.

Rivelois, na sua tipologia, nos diz que as duas primeiras culturas tem como centro o quadro da socializao pela famlia originria de um territrio local ou regional dominado por poderes tnicos ou feudais (patrimonial-paternalista e clnica); a terceira (comunitarista) tem por centro um quadro de socializao, o pertencimento uma comunidade, um grupo local ou transnacional baseados no estabelecimento de contratos que repousam sobre a confiana, a tica (ONG) ou os valores profissionais (as corporaes) ou sobre valores tnicos, religiosos, mafiosos ou sectrios; a quarta (burocrtica), valoriza o Partido como instncia nacional de socializao contribuindo para afirmao do Estado, tolera a ingerncia de poderes clnicos e paternalistas nos nveis locais e regionais, e pode acabar em ditadura burocrtica (civil ou militar); a quinta (a democrtica) tem como centro o quadro de socializao do indivduo em sociedade, submetido transcendncia da lei e do desenvolvimento dos valores polticos ligados aquisio da sua cidadania no interior de um sistema de direito e, finalmente, a ltima (liberal) tem como centro o quadro da socializao do indivduo no mundo, submetido transcendncia do mercado e desenvolvendo valores econmicos ligados aquisio de riqueza financeira e material a partir das empresas.

As trs primeiras culturas (patrimonial-paternalista, clnica e comunitarista) se fundam sobre valores universais transcendentes (o reino de Deus ou a vida depois da morte, o costume a moral); as trs ltimas (burocrtica, democrtica e liberal) se fundam, predominantemente, sobre valores universais imanentes (a soberania, a legitimidade, o povo, os direitos do homem, o livre comrcio).

No que se segue descreveremos e comentaremos essas culturas, buscando fornecer exemplos locais e nacionais e seus efeitos sobre o Estado.

Cultura Clientelista-paternalista

Uma das caractersticas dessa cultura a dvida: comunitria, das famlias, interindividual, entre Estados, dos Estados em relao organismos internacionais e aos bancos e dvidas entre mfias. Essa cultura da dvida difundida no mundo, notadamente em relao a divida que os pases do Terceiro Mundo tem com os pases do Norte. Dvida, que nunca paga: entre 1980 e 2000 em toda a Amrica Latina, os bancos privados e seus associados receberam 192 bilhes de dlares a mais do que eles emprestaram aos Estados. Os anos 1999 e 2000 foram particularmente rentveis para os bancos, pois 45% dessa transferncia lquida foi realiza nesse perodo ou seja, 86,2 bilhes de dlares reembolsados a mais do que a quantia recebida pelos Estados.[9] Se nos reportarmos aos jornais brasileiros recentes que afirmavam que mais da metade do lucro dos bancos instalados no Brasil foram realizados em 2001 com ttulos da dvida pblica, podemos concretamente ver onde esto ando os juros estratosfricos dessa dvida. Somente o maior banco privado brasileiro lucrou em 2001 perto de 2 bilhes de dlares.

Esse mesmo estado de endividamento representado nas relaes escravistas de produo pelo Brasil a fora onde as pessoa fechadas dentro de fazendas tem uma divida infinita que no acaba nunca, nem com a morte ou a fuga. Da mesma forma dvidas so contradas pelos empregados de grandes empresas ou por empregadas domsticas, dvidas materiais e morais que muitas vezes levam meses e anos para serem pagas, mantendo os trabalhadores sob controle. A dvida um dos es arcaicos das relaes de dominao, ela pode ser simblica e/ou real ela cria obrigaes entre os indivduos e instituies e est na base das relaes clientelistas e paternalistas. Os grupos que a controlam, controlam tambm partes e/ou a totalidade das corporaes e dos Estados.

A cultura paternalista-clientelista se manifesta no Brasil sob a forma da vingana, da morte sob encomenda, da pistolagem ou do que poderamos chamar de jagunos rurais ou urbanos encarregados de cobrar dvidas de dinheiro ou dvida de sangue que se paga com o sangue.

Cultura Clnica

A cultura clnica pode se insinuar por meio da tomada do poder por cls polticos nacionais, que se substituem aos cls ticos ou locais ou regionais, associados de uma maneira mais ou menos pontual cls criminosos locais ou regionais. Assim em Estados burocrticos ou liberais, o clanismo poltico pode ser colocado a servio de relaes de poder e do Estado (exemplo do Mxico, de algumas figuras clnicas brasileiras que controlam a poltica regional e parcialmente nacional: Antnio Carlos Magalhes e Jader Barbalho. Contrariamente cultura democrtica do mrito que se conquista pelo trabalho, a cultura clnica valoriza o roubo, seja por meio da apropriao forada de riquezas, segundo a lei do mais forte, seja pelo jogo que permite ao jogador, vtima da paixo, de arriscar seus bens, sua reputao e sua vida para dominar a fatalidade do acaso. A gente pode, segundo Rivelois, interpretar as corrupes burocrticas e liberais como uma forma de combinao do roubo e do jogo que leva mudana das regras desse mesmo jogo para se apropriar dos bens dos outros. Nesse ltimo caso o risco no depende mais do acaso de um jogador comum, mas da influncia dos jogadores, o que permite, ento, de se falsear o jogo e revelar as relaes de dominao atravs do endividamento (financeiro e moral) dos beneficirios do jogo em relao queles (atores polticos pela corrupo burocrtica ou atores empresrios pela corrupo liberal) que permitiram eles de ganharem. Jogo que podemos perceber nas relaes de dependncia onde se enredaram os trficos de influncia nas negociaes de iseno e do pagamento de dvidas do ICMS (Imposto Sobre a Circulao de Mercadorias e de Servios) do Estado do Esprito Santo, com a apropriao por certos cls polticos e empresariais de parte das receitas ods impostos pagos pela populao.[10] Esses jogos e essas dvidas podem levar at a morte dos atores endividados que no pagam a dvida ou no devolvem a mesma quantia que foi recebida. Isso explica o porque dos cls criminosos e as mfias terem tendncia a controlar as casa de jogos que parecem ser feitas imagem de sua cultura clnica, aproveitando, de agem, para lavar uma parte de seus benefcios.

Em resumo, a cultura clnica est ligada constituio da mfias criminosas que tendem seja a se autonomizar, seja a infiltrar o poder poltico, ou a concluir alianas com certos cls que constituem esse ltimo (como diversos casos no Estado do Esprito Santo mas tambm em outros Estados brasileiros como o Rio de janeiro, Acre, Amazonas, ...).

Como diz Rivelois, no h dvidas que numa situao de dependncia em relao ao exterior ou de ameaa interna (desestabilizao por guerrilhas revolucionrias), um Estado Burocrtico ao seio do qual a cultura clnica dominante e onde os cls polticos integram os cls criminosos ou so infiltrados por eles se produzira um sistema poltico autoritrio, militar ou totalitrio. Poderamos acrescentar que uma forte desestabilizao social no Brasil poderia levar esse pas burocrtico-liberal infiltrado pelos mais diversos cls, golpes polticos autoritrios.

A Cultura comunitarista

O modo de vida comunitarista pode ser considerado como uma ultraagem do quadro familial que preserva a famlia como unidade de socializao e valoriza a sociedade civil contra o Estado. A comunidade, segundo Rivelois, um reagrupamento local que se reproduz de maneira mais freqente por endogamia e que pode ser ligada, por rede a outros reagrupamentos (regionais, nacionais ou transnacionais) fundados sobre os mesmos critrios de pertencimento, por exemplo como alguns grupos das disporas (judeus, curdos, libaneses, etc.). Esse tipo de cultura, que transporta ao nvel da vida cotidiana as relaes paternalistas assim que as relaes religiosas ou tnicas de socializao (como no caso do Esprito Santo algumas comunidades de Italianos, de Pomeranos, de Tiroleses, de Libaneses, etc.), caracteriza, tambm, as organizaes mafiosas, assim que certas ONG e grupos sectrios no seu modo de funcionamento interno.

Os modos de ao poltico mais comuns ligados ao comunitarismo so o Nepotismo (como forma de reproduo de famlias dominantes), a usagem de uma violncia defensiva, assim que a organizao de grupos de presso. Esses grupos de presso, destinados a assegurar a defesa das comunidades junto aos responsveis polticos locais, regionais ou nacionais, so freqentemente apoiados sobre associaes influentes que podem praticar a corrupo, a estratgia do compl e a Omerta para ligar seus aderentes e chegar a impor suas vises ao poder (cf. a organizao religiosa influente no Vaticano, o Opus Dei,b e certos movimentos da maonaria). Aqui podemos fazer uma reflexo a propsito do Brasil, onde as comunidades dos pases de origem dos imigrantes so fortes e importantes, mesmo se no temos um comunitarismo segregacionista moda americana do norte.

No Brasil, se os indivduos no se conformam aos quadros religiosos ou comunitrios existentes (seja tnico, seja por reagrupamento local ou grupo religioso) e/ou exista uma incompatibilidade entre a cultura comunitria excludente e a cultura democrtica includente, ou, com a cultura burocrtica controlada por certos cls excludentes, haver uma diminuio do sentimento de culpabilidade, que se no compensado pela adoo de uma cultura cvica laica, favorecer o aparecimento de mltiplas formas de transgresso. Essas formas de transgresso se concretizam nas violncias cotidianas incontroladas, na banalizao da vida e da morte.

A cultura liberal, que tende em direo da atomisao dos indivduos e dos grupos, se impregnou ela mesma de cultura comunitarista, esta ltima no se destina mais simplesmente s minorias, mas se impe como uma norma no somente para os dominantes, mas para o conjunto da populao integrada socio-profissional e que tem tendncia a se excluir da sociedade em adotando modos de vida separados (autosegregao) em condomnios fechados associados centros de lazer ou centros comerciais que so destinados por cooptao populao escolhida. Como diz Rivelois, em nome do respeito das diferenas (inverso do direito diferena integrador) , as polticas liberais do tudo privado tiveram tendncia no somente a reabilitar o clnismo poltico ou criminoso (lavagem e reciclagem de dinheiro), mas tambm a promoverem as culturas paternalista e comunitrias e a destruir os fundamentos da cultura democrtica baseada na construo de servios pblicos (controle dos grupos privados sobre a educao, a sade ou a comunicao). Acentua-se, assim, as desigualdades sociais e as dissociaes socio-territoriais.

A Cultura Burocrtica

Associando cultura paternalista e cultura clnica em uma mediao que desemboca sobre um outro nvel de governo, a cultura poltica burocrtica, fundada sobre o favoritismo e as lealdades regionais orientadas para a construo do Estado-Nao, associa o mundo do trabalho ao esprito de famlia e leva a se dar somente valor aos engajamentos pessoais ou s solidariedades de partido em detrimento do respeito da legalidade e dos direitos do homem. Um exemplo seria o mundo asitico com a cultura confuceana modernizada que busca preencher o vazio sociopoltico com os famosos valores asiticos para garantir a estabilidade e a ordem social. Esses valores seriam apresentados como incompatveis com o individualismo, o hedonismo e os valores universais ligados ao debate pblico que caracteriza alguns pases ocidentais, mas, tambm, como possveis de ultraar o declnio do Ocidente. Na China o partido e o exrcito buscam encarnar essa realidade, bem como as trades, as famosas sociedades secretas.

A perverso da cultura burocrtica republicana manifesta nos Estados que so governados por um partido nico ou dominante no seio de cls polticos, colocados ao servio da construo nacional. O poder concentrado, personalizado e fundado sobre a utilizao da corrupo institucional: se alicerando nos monoplios econmicos do Estado ou na hierarquia: representantes da istrao que so habilitados a contornar ou transgredir a lei e os regulamentos, violncia ilegal, culto da conspirao. Podemos citar, dentre outros pases que so constitudos por essa cultura a Turquia, O Egito, a China, a Coria do Norte, o Vietnam, Cuba, as ex-republicas comunistas da Europa do Leste, o Mxico do PRI (Partido Revolucionrio Institucional), a Tunsia de Bem Ali e o Ouzbkistan.

Esses Estados so no mais das vezes corporatistas, como o Estado no Brasil sob Getlio Vargas, sob os militares e at hoje em uma certa medida. Conta-se com certas mfias e grupos criminosos que colaboraram com os representantes do poder poltico em fornecendo pistoleiros para tomar o poder dos sindicatos ou de istraes municipais/estaduais afim de assegurar um poder poltico, econmico e social permitindo de captar uma clientela (caso de um momento recente no Esprito Santo onde se controlava diversas municipalidades por meio do crime como o desvio de verbas pblicas e em troca se assegurava o poder atravs da clientela , do empreguismo, etc.).

A Cultura Democrtica

No quadro democrtico, a legitimidade se impes, igualmente, em virtude da legalidade, da crena em uma competncia fundada sobre o mrito e regras estabelecidas racionalmente (Weber). O exerccio da violncia delegado, pois o Estado que assegura o monoplio da violncia legal ou legitima, o que, teoricamente, deveria garantir a paz civil.

A Cultura democrtica se distingue da cultura burocrtica republicana quando aparece um corte entre o povo e os seus representantes, o povo exigindo de participar mais das decises pblicas, invoca contra-poderes para reduzir o arbitrrio do Estado; esses contra-poderes sero considerados como a expresso de uma cultura democrtica. Assim, afim que a palavra do povo no seja monopolizada pelos representantes, a cultura democrtica favorece a expresso de corpos intermedirios mltiplos: o sindicatos, as igrejas, os partidos, as associaes o mass mdia. Uma relao de fora com conseqncia sobre a captao de clientelas, subvenes, controles de territrios. Mas, a cultura liberal espera na virada a cultura democrtica com seu apelo a diminuio e o enfraquecimento do Estado como garantia da unidade nacional. Assim como fazem os neoliberais de planto e seus aclitos por meio do apelo reduo dos investimentos do Estado destinados aos setores sociais, bem como pela ao incessante que realizam contra o papel de redistribuidor de riquezas, por meio dos impostos, desse mesmo Estado.

O planejamento e organizao dos territrios tambm devem segundo esses novos apstolos serem deixados ao encargo da livre iniciativa, encobrindo o fato que as infraestruturas no so fragmentveis e apropriveis ao infinito pela iniciativa privada, pois devem ser um continuum que atravessa o territrio e que sem a sua unidade pode se transformar num verdadeiro empecilho circulao das mercadorias, das informaes, da comunicao e portanto da prpria acumulao do capital. Mais uma vez aqui est demonstrada a contradio insolvel da fase atual do capitalismo que sem freios busca retirar todo o lucro possvel de espaos de investimentos conquistados ao espao pblico, exemplo da empresa Enron, negociadora de energia eltrica, e empresa cone da Nova Economia, nos Estados Unidos da Amrica do Norte, que fundou seu imprio sob uma falcatrua jamais vista nos Estados Unidos e sobre a prtica de preos abusivos nas tarifas de eletricidade em diversos estados americanos, com a cumplicidade dos poderes constitudos, notadamente os membros do Partido Republicano e do Partido Democrata americanos.[11]

Essas situaes podem nos levar a submeter o interesse geral e o bem comum aos interesse particulares dos corpos intermedirios dentre os quais certos grupos criminosos e mfias e assim aparecero novas rupturas e marginalizaes econmicas e dissociaes socioespaciais mais profundas que as produzidas pelo Estado burocrtico. Isso parece estar acontecendo em diversos pases do Norte exemplo dos Estados Unidos da Amrica do Norte onde as associaes criminosas dentro da prpria economia oficial so inmeras, bem como na Frana com as grandes empresas de petrleo e de infraestruturas presentes em diversos lugares do planeta que esto envoltas em escndalos de desvio de fundos pblicos associadas partidos polticos e muitas vezes ao mundo do jogo, do futebol e, evidentemente, criminalidade financeira. Mas em alguns pases do Norte o peso da sociedade civil importante e as redes criminosas vem limitado o seu campo de ao ou desbaratados seus esquemas, mesmo se importantes personalidades polticas so acusadas formalmente de falcatruas e no so trazidas diante dos juzes, como o caso do presidente francs Jacques Chirac. Sobre ele pesam diversos indcios de desvio de verbas pblicas na concesso de obras pblicas quando era prefeito de Paris, mas sua posio de presidente da Repblica o protege de um processo aberto da parte do judicirio.

Nos pases do Sul onde a populao na maior parte pobre, a cultura democrtica pode se impor condio que seja combatida e limitada a influncia dos cls e dos grupos de presso que no dispem de uma legitimidade eleitoral e conservam um controle sobre a istrao e a economia. Supe, tambm, uma autonomia do aparelho judicirio e uma reciclagem e novas contrataes nesse setor, bem como da policia, para que a lei seja aplicada contra todos aqueles que utilizam a funo pblica para fins pessoais atravs da corrupo (caso dos secretrios e de diversos membros do governo do Esprito Santo na atualidade), ou usam as instituies de violncia do Estado ou a ele associadas ao servio de interesses privados ou pela conservao do poder arbitrrio dos atores da margem (caso dos policiais envolvidos em crimes ou trabalhando para certos homens pblicos ou para o setor privado, caso de complacncia com o sindicato do crime da parte do judicirio, da polcia ou da istrao).

Rivelois, nos diz que a cultura democrtica fundamentalmente oposta ao comunitarismo (xenfobo, integrista, segregacionista ou de bandas), o que aparece como alternativa face mundializao liberal e s desestruturaes socio-profissionais que ela provoca. Por isso a cultura democrtica inseparvel das prticas e valores universais de cidadania e de laicidade republicana.

A cultura democrtica em muito compatvel com a cultura liberal, que prega a transformao do mundo em um vasto mercado como condio de liberao do individuo e do desenvolvimento das sociedade pelo crescimento econmico, o que explica o crescimento das desigualdades com a evoluo da violncia nas democracias ocidentais e fora delas.

A cultura Liberal

a atual cultura dominante de terceirizao do poltico servio da economia, caracterisa os pases do Norte ou emergentes que renem os critrios de Estado de Direito, de quase-ausncia de barreiras comerciais e um nvel fraco de impostos. Os pases do Norte constroem a sua prosperidade, nos diz Rivelois, aceitando de comercializar com outros pases cujos sistemas polticos so permeveis violncia arbitrria do Estado, banalizao da corrupo ou a uma reduo de seus espaos pblicos por causa de criminalizao de certas partes do territrio. A cultura liberal dos pases do Norte aplicada aos pases do Sul desemboca muitas vezes sobre o reforo da cultura clnica nos ltimos. A cultura liberal contribui, igualmente, a reduzir os espaos pblicos nos pases do Norte, dando livre curso s reivindicaes de identidades fechadas ou artificialmente construdas, o que a torna compatvel com a cultura comunitarista. Ela consiste a valorizar os critrios de competncia comercial, de competio entre os homens (violncia interindividual, flexibilidade e precarizao do trabalho) e de concorrncias entre as empresas, o que conduz a privilegiar como prticas dominantes o esprito de empresa e o driblar a lei atravs da organizao de grupos de presso. Ela tem como valor dominante o culto do dinheiro fcil e rapidamente ganho (especulao financeira e delinqncia). Ela est ligada imposio de um modelo econmico que, em numerosos pases do Sul, sob cobertura de busca de vantagens comparativos ligados ao dumping social, leva ao aprofundamento de desigualdades sociais, interdio ou represso do direito de greve nas empresas e ausncia de proteo social legal para os trabalhadores, o que constitui uma regresso a modos de organizao do tipo paternalista. O Brasil pode se exemplificar em diversos setores e lugares do territrio com a aplicao desses preceitos.

Uma das formas mais insidiosas e desestruturadoras da sociedade que a evoluo atual do liberalismo nos impe a questo dos novos contratos liberais fundados sobre objetivos partilhados, uma durao determinada, uma avaliao peridica e um interesse aos resultados, associando o patronato e os sindicatos bem como diversas instituies pblicas. O prprio Estado e as instituies internacionais (Organizao Mundial do Comrcio, Banco Mundial e Fundo Monetrio Internacional) estabelecem esses contratos. Mas se os contratos na sua forma cannica, como nos diz Rivelois, ligam as pessoas iguais tendo livremente subscrito obrigaes no mais das vezes recprocas, os novos contratos liberais tem tendncia a questionar o princpio de igualdade, fundando o controle de uns sobre os outros, como no caso da terceirizao. Eles podem tambm colocar em questo o princpio de liberdade quando eles so impostos pelas leis e permitem de organizar um poder. No caso dos contratos e objetivos que o governo realiza com o Fundo Monetrio Internacional est claro a sobreposio desses acordos Constituio dos pases, garante do interesse geral e votada pelo parlamento depositrio da soberania do povo. Essa contratualizao da sociedade a propsito de planos de sade, de seguros, etc, nos demonstra que estamos saindo do interesse geral dos regimes de participao assegurados pelas leis do pases para o enfraquecimento do Estado e uma feudalizao das relaes sociais,proliferao de autoridades independentes encarregadas da policia contratual. Essa contratualizao pode facilitar a ao da corrupo por obedecer mesma lgica da negociao local e facilitar a ao de mfias no campo poltico e econmico.

Nunca se falou tanto em segurana e ao mesmo tempo se fez tanto seguro de diversas ordens (carro, casa, sade, etc.), nos pases do Norte o processo de securizao chegou s raias do absurdo, o setor seguro sendo uma das principais alavancas dos investimentos financeiros e da multiplicao dos patrimnios pelo mundo afora. Talvez o discurso securitrio esteja estruturalmente ligado contratualizao financeira e securizao de toda ordem. Como setor de ponta do capitalismo financeiro, recebendo investimentos dos fundos de penso, eo setor de seguros imps um modo de segurana, favorecendo, claro, o aumento dos investimentos em segurana, bem como as prticas de demolio dos regimes de repartio do seguro social e da sade, estimulando a individualizao do seguro de vida, de sade e da aposentadoria, etc. A busca de uma segurana total, de risco zero, seja na guerra como nos investimentos a obsesso do mundo econmico dominante, mas esse discurso a arvore que esconde a floresta, pois sabemos que a segurana total seja em negcios seja em guerra inexiste. Dessa forma alm de esconder interesses econmicos bem precisos no desenvolvimento dos seguros, esses discursos manifestam a vontade de um controle, utpico, totalitrio de todos os parmetros do mercado, a obsesso de um controle automtico est intimamente associada uma suposta racionalidade do mercado e a um controle sobre a morte. O fetiche da mercadoria ou do processo financeiro assim o vu de Maia que encobre o horizonte da morte.

Associado morte, porm ser ter plena conscincia dela, o mundo do fetiche produtivista provoca como que uma metstase sobre o tecido social, recebendo em plena figura aquilo que tanto tenta negar, ou seja a morte como moeda de troca do capital. Nesse sentido a busca de uma abolio da diferena, de um mercado nico e de uma negao da morte na realidade o enaltecimento da prpria morte. A violncia por meio do capital que se exercita em suas batalhas pelo mundo afora nos demonstra que o limpo engendra o sujo, o lucro a morte. Lucra-se com a morte, seja nos novos cemitrios, nos seguros de vida ou com as doenas como a AIDS ou as guerras, lucra-se tambm com o meio-ambiente e sua morte anunciada. Mas com o discurso da segurana, associado ao lucro em todos os lugares e em todos os tempos, se provoca a insegurana. A insegurana parte da estratgia do medo destilada nas cidades do mundo e particularmente no Brasil. Como resposta ao mecanismo da insegurana fabricado realmente e simbolicamente pela busca da mais-valia planetria, surge a militarizao dos fenmenos sociais, os investimentos estapafrdios em armas, em prises e em policiais, criminaliza-se os movimentos sociais, com a inverso das leis e o rompimento dos pactos sociais.[12]

Concluso

Depois de ar em revista a evoluo do mundo contemporneo e das cidades, as polticas econmicas organizadas pelos dominantes e os liberais e ter visitado resumidamente, a partir de um texto de Jean Rivelois, as diversas culturas existentes na sociedade e as inmeras oportunidades de cruzamento que elas tm dentro do Estado, completando-o com comentrios e anlises que dizem respeito somente a mim, podemos pensar para concluir, no papel da Lei como mecanismo de simulacro nas relaes sociais. Essa Leis no so nem sempre utilizadas por aqueles que as votam e so muitas vezes votadas para exercer uma explorao e/ou uma negociao e depedrao do patrimnio pblico atravs da corrupo sob seus mais diversos matizes. Assim, Foucault, falava no sculo XIX de ilegalismo de direito, buscando qualificar o comportamento transgressivo da burguesia do sculo XIX que driblava suas prprias leis para assegurar uma circulao econmica na margem da legislao, margens previstas pelos silncios ou liberadas por uma tolerncia de fato. Como diz Rivelois:

De uma maneira mais geral, podemos analisar a corrupo strutural como resultado do fato que num sistema clientelista, a lei necessria pois ela representa uma barreira, que para ser ultraada tem um preo: pode-se transgredir as leis condio de se pagar um preo.[13]

Aquele que fixa o preo e que se beneficia da corrupo ser o ator dominante da cadeia de poder. Mais os atores esto prximos das leis (parlamentares, juizes, policiais, etc.), mais eles so suscetveis de tolerar a transgresso e de ser ou corruptor (como no caso do Esprito Santo, extorso do ICMS, proteo de funcionrios pblicos incriminados, Leis votados no parlamento provavelmente para fazer chantagem aos empresrios ou associao com empresrios para facilitar subvenes). Mais os atores sero prximos das leis mais eles sero dominantes no seio de suas clientelas e em relao s clientelas concorrentes.

Assim, podemos fazer uma distino, junto com Rivelois, entre os Estados da Lei (leis numerosas e limitativas favorecendo a cultura poltica do abuso de poder) ou o Estado de Direito, onde se prima pelo mrito e o respeito do direito sobre a busca de favores, sem no entanto eliminar as contradies e reverses possveis no ideal de Estado de Direito.

Ao nvel geopoltico, hoje, com a guerra do Afeganisto, ns percebemos que h um processo onde o centro das lutas essencialmente entre cls mafiosos e comunitarismos, lutas baseadas em um sistema paternalista e clientelista, fundadas no ptrio poder, que controlava o Estado atravs de uma ditadura e que para sobreviver se molhou em trficos de pium e de armas, bem como contou com a cumplicidade e apoios diversos dos ex-aliados paquistaneses americanos. Esse processo foi tolerado at h pouco por um jogo de pilhagem de riquezas minerais ou por uma geopoltica para assegurar o transporte do petrleo e a influncia americana na rea.

Para no concluir esse texto, lano mais interrogaes em resposta s perguntas que foram feitas mais acima no captulo O Estado de direito , os territrios da lei e os territrios fora da lei, pois acredito que no haja respostas unvocas e acabadas sobre o problema da criminalizao internacional e sua relao com as diversas culturas que permeiam o mundo contemporneo notadamente na sua fase de globalizao perversa atual.

Ser que a criminalizao dos atores locais/regionais a contrapartida necessria para uma complementaridade e uma funcionalidade na expropriao e na pilhagem dos recursos, humanos, culturais e materiais do Sul pelo Norte?

Ou a guerra a soluo ltima de uma relao com bandos de toda sorte que circulam, como vimos, com apoios e cumplicidades diretas da prpria forma de cultura e de interao com os Estados, mesmo aqueles que se dizem mais democrticos e que se inscrevem em uma cultura liberal suicidaria?

Ou ainda deveramos lutar por uma sociedade universalizada onde grassaria a igualdade entre os povos, um parlamento mundial que controlaria os fluxos de capitais, os fluxos mafiosos, etc.?

Ou ainda no defenderamos o Estado e o deixaramos apodrecer para construir algo de novo?! Mas nesse ltimo caso estaramos comungando com uma viso finalista da histria onde os fins justificariam os meios, uma viso escatolgica do mundo onde o presente seria uma mera previso do futuro e no um movimento que engendra histria, vida, sofrimento e que o mundo vale pelo que ele ?

Ou ainda acreditaramos nas promessas religiosas de um devir radioso onde concordaramos com uma transcendncia do homem e no com sua imanncia e prxis, com o espao e a sociedade como fatos sociais?

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WACQUANT, Lic. Prisons de la misre. Paris: Liber-Raison dagir, 2001.



[1] Esse texto foi apresentado em uma oficina organizada pela AGB no II Frum Social Mundial, realizado na cidade de Porto Alegre entre os dias 31 de janeiro e 05 de fevereiro de 2002.

[2] Professor doutor Adjunto do curso de Geografia da UFES Universidade Federal do Esprito Santo, e diretor da AGB seo Vitria (Esprito Santo).

[3] Ver o texto de Philippe Demenet, Le scandale stavudine. Ces profiteurs du sida. Le Monde Diplomatique, fevereiro 2002, p. 1 e p.22-23.

[4] KURTZ, Robert. Os ltimos combates. Petrpolis: Ed. Vozes, 1997, p.85.

[5] Ibid. op. cit., p.85.

[6] Sobre as expresses terroristas e terrorismo muito se pode dizer, mas h uma generalizao desse termo para designar os movimentos sociais contestatrios da ordem vigente e portanto suspeitos de serem terroristas, reproduzindo assim o mecanismo simblico e material das classes dominantes de todos os tempos de da criminalizao dos dominados e de toda forma de contestao da ordem estabelecida. Ver a propsito da evoluo jurdica da noo de terrorista na Europa o artigo de Jonh Brow, Les prilleuses tentatives pour definir l terrorismo. jornal Le Monde Diplomatique, fevereiro de 2002, p.4-5.

[7] Os territrios fora da lei podem ser os estados de papel, lugares como as Ilhas Caiman, as Bahamas, onde se lava dinheiro a rodo, mas tambm os Estados Unidos da Amrica do Norte que no respeitam as convenes e os tratados internacionais como a conveno sobre a reduo de emisso de gs carbnico, ou mesmo no respeitam a soberania das naes e agem como gendarmes do mundo.

[8] RIVELOIS, Jean. Systmes politiques et solidarits criminelles issues dune mme culture politique. Texto apresentado em Seminrio Internacional sobre a Criminalidade em Guadalajara, Mxico, Novembro 2001. Organizado pelo coletivo de pesquisadores do Groupe de Cluny (IRD-GREITD CEDI-IHEAL). (Texto mimeografado, verso preliminar fornecida pelo autor a quem agradeo aqui por essa gentileza).

[9] TOUSSAINT, Eric. Une dette odieuseInLe Monde Dimplomatique, Fevereiro, 2002. p. 12-13.

[10] Ver a propsito da poltica de incentivos fiscais no Esprito Santo, a Dissertao de mestrado de Helder Gomes, Potencial e limites s polticas regionais de desenvolvimento no Estado do Esprito Santo. O apego s formas tradicionais de intermediaes de interesses. UFES, Vitria, agosto de 1998. 167p.

[11] Ver a esse propsito Tom Frank. Enron aux Mille et une escroqueries. Le Monde Diplomatique, fevereiro, 2002. p.24.

[12] Veja a evoluo do nmero de presos nos Estados Unidos da Amrica do Norte que aram em 20 anos de 380 mil para 1,6 milhes de pessoas, acrecentando-se a esse nmero as pessoas em condicional ou liberdade vigiada, chegamos 5,4 de seres humanos que esto fichados no sistema penal americano, principalmente jovens homens e negros. Cf. sobre esse ponto Lo:c Wacquant, Les prisons de la misre, Paris: Liber-Raisons dagir, 2001. Na Europa a criminalizao dos movimentos sociais tem se estendido e os discursos americanos de zero criminalidade que escondem o verdadeiro objetivo de controle das populaes perigosas porque suscetveis de se revoltar, tem tambm penetrado a sociedade. No Brasil, o investimento em segurana, e notadamente em prises tem aumentado nos ltimos anos, em So Paulo ele mais que triplicou em 20 anos sem apresentar resultados sobre a diminuio taxa de roubos e de furtos (cf. Folha de So Paulo, 27/01/2002, pg. C1 e C3). As prises se transformaram em depsitos humanos e lugar de reproduo da violncia sob o controle de bandas mafiosas com a cumplicidade de parte da polcia e dos vigilantes.

[13] Jean Rivelois, op.cit., p.30.

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