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GLOBALIZAO E DIREITOS HUMANOS

Wellington Almeida

1. A Evoluo dos Direitos Humanos

2. A Idia de Segurana Humana Global

3. O Que Fazer com Tudo Isto?

4. O Programa Brasileiro de Direitos Humanos


1. A EVOLUO DOS DIREITOS HUMANOS

Um longo caminho marca a trajetria dos direitos humanos como um tema global. At a Conferncia de Viena, em 1993, que consolidou definitivamente os direitos humanos dentro da temtica que conforma a agenda global neste final de sculo, este assunto esteve bastante contingenciado (em parte contnua) por interpretaes polticas e ideolgicas. Na bipolaridade da Guerra Fria os dois grandes plos polticos utilizavam enfoques distintos no tratamento dos direitos humanos. De um lado, o bloco formado pelos pases capitalistas ocidentais e desenvolvidos se apegavam aos aspectos mais formais dos direitos da pessoa humana, os chamados direitos de primeira gerao. De outro, o ex-bloco socialista junto com os pases do chamado Terceiro Mundo, articulados no movimento dos no-alinhados, dava pouca importncia aos direitos individuais, conferindo maior nfase aos direitos sociais e coletivos e aos direitos dos povos, que caracterizam os direitos de segunda e terceira gerao.

Ainda no auge da Guerra Fria, em 1968, realiza-se em Teer, a primeira Conferncia Mundial dos Direitos Humanos das Naes Unidas. Este encontro, embora limitado pela realidade bipolar, j comea a dar os primeiros os para romper a dicotomia entre direitos civis e polticos com os direitos econmicos, sociais e culturais, proclamando a indivisibilidade e a interdependncia entre todos eles, como nos mostra Canado Trindade. Este processo se completa em Viena, dentro de uma conjuntura de polaridades indefinidas, quando, aps intensos debates e negociaes, foi aprovado o texto final.

So mais de 200 anos de disputas polticas em torno do conceito de direitos humanos. Segundo Dornelles, podemos buscar fundamentos tericos bem mais antigos para explicar a evoluo dos direitos humanos:

As origens mais remotas da fundamentao filosfica dos direitos fundamentais da pessoa humana se encontram nos primrdios da civilizao humana. No mundo antigo, diversos principies embasavam sistemas de proteo aos valores humanos marcados pelo humanismo ocidental judaico-cristo e greco-romano e pelo humanismo oriental, atravs das tradies hindu, chinesa e islmica. Assim que diferentes ordenamentos jurdicos da Antiguidade, como as leis hebraicas, previam princpios de proteo de valores humanos atravs de uma leitura religiosa.

Apesar desses primrdios e de suas fontes plurais, citados por Dormentes, os direitos humanos geralmente tm sua origem relacionada com os ideais burgueses constituidores dos pilares da democracia liberal e ocidental que se consolidam com a Independncia Americana e a Revoluo sa, embora, raramente, apaream tambm referncias Revoluo Parlamentar Inglesa do sculo XVII. Esses dois acontecimentos impulsionam de forma definitiva a ruptura com o antigo regime absolutista e o movimento de independncia das colnias americanas. Assim, a Declarao de Virgnia, de 12 de junho de 1776, e a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado da Assemblia Nacional sa, de 1789, se tornam os dois documentos mais influentes nas definies normativas futuras dos direitos humanos.

na afirmao deste Estado liberal, que expressa os anseios e valores da burguesia revolucionria, vitoriosa na luta contra o absolutismo feudal, que se solidificam os ideais do iluminismo e se consolidam os direitos civis e polticos ou direitos individuais, a primeira gerao dos direitos humanos. No sculo XIX, o desenvolvimento da sociedade industrial e as lutas levadas a cabo pela nova classe operria, principalmente, sob influncia do pensamento socialista, d novo contedo aos direitos humanos. Neste contexto de intensa disputa entre liberalismo e socialismo, com acontecimentos marcantes como a Revoluo Russa de 1917 e diversos levantes operrios na Europa, emergem os direitos sociais ou coletivos (segunda gerao de direitos humanos). Em 1919, ao mesmo tempo em que constituda a Repblica de Weimar, na Alemanha, fundada pelo Tratado de Versalhes a Organizao Internacional do Trabalho - OIT. A partir da os direitos humanos no so mais entendidos somente como direitos individuais da pessoa humana ou direitos civis e polticos. Os direitos dos povos (tambm conhecidos como direitos da solidariedade), se desenvolvem no segundo ps-guerra e so classificados como de terceira gerao. Hoje, porm, esta diviso por geraes cumpre apenas um carter didtico, pois todos os direitos humanos esto inter-relacionados. A tese de geraes de direitos no tem mais consistncia.

A nova realidade internacional do ps-guerra, ao mesmo tempo em que condicionada pela diviso do mundo em blocos, tambm pode ser caracterizada pela sua complexidade e pelas novas demandas provocadas pelo fantstico desenvolvimento econmico entre a segunda metade da dcada de 40 at o final da dcada de 60, com uso intensivo e indiscriminado dos recursos naturais. A ameaa de um confronto nuclear aterroriza o mundo; os processos de descolonizao na frica e na sia aumentam significativamente o nmero de atores estatais; surgem movimentos sociais lutando por novos direitos especficos. Assim, surgem novos direitos que aos poucos vo ampliando mais ainda o foco dos direitos humanos. Entre eles esto o direito paz; ao desenvolvimento e autodeterminao dos povos; a um meio ambiente saudvel e ecologicamente equilibrado; utilizao do patrimnio comum da humanidade; da mulher; da criana entre outros.

Para promover e proteger todos estes direitos no plano internacional foram constitudos diversos mecanismos que se expressam em diversos documentos. O mais conhecido destes textos Declarao Universal dos Direitos do Homem, que d incio formao de regimes internacionais em direitos humanos. Esta declarao foi aprovada pela Assemblia Geral da ONU, que se reuniu em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, por 48 votos a favor e 8 abstenes. Se abstiveram de votar a Polnia, Ucrnia, Iugoslvia, Unio Sovitica, Bielorssia, Tcheco-eslovquia, frica do Sul e Arbia Saudita. Os seis primeiros, ento socialistas, alegando que a declarao no deu tratamento adequado aos direitos econmicos, sociais e culturais, Arbia Saudita por princpios religiosos e a frica do Sul pelo contedo do texto que questionava a sua ento poltica racista do apartheid.

A partir dai ocorre, progressivamente, a internacionalizaco da proteo dos direitos humanos, com a perda relativa da soberania pelos Estados Nacionais. Canado Trindade faz uma anlise comparativa da evoluo dos sistemas de proteo dos direitos humanos e do meio ambiente. Sua concluso de que ambos testemunham e precipitam a eroso gradual do chamado domnio reservado dos Estados4. Este sistema ampliado pela constituio de diversos pactos e tratados internacionais. No mbito das Naes Unidas, em 1966, a Declarao Universal de 1948 completada com a adoo do Pacto de Direitos Civis e Polticos e com o Pacto de Direitos Econmicos Sociais e Culturais5.

O processo de internacionalizao dos direitos humanos, iniciado em 1948, ganha outra dimenso com a Conferncia de Viena, em 1993, quando estes se afirmam como um tema global. Esta conferncia criou novos regimes em direitos humanos, impondo, em tese, limites aos Estados no exerccio da soberania.

O primeiro ponto que deve ser destacado em relao aos resultados de Viena que eles foram satisfatrios, contradizendo as avaliaes pessimistas que surgiram no decorrer do processo preparatrio. Os aspectos conceituais presentes na Declarao de Viena significam reconhecimento no plano poltico do carter global dos direitos humanos, abrindo novos caminhos para o avano normativo na proteo internacional. E, ao mesmo tempo, conferindo aos direitos humanos a representao simblica de uma nova agenda positiva.

A Conferncia configurou tambm um novo marco poltico e conceitual para o tema. Aprovou, com apoio de praticamente toda a comunidade de Estados, uma resoluo que afirma serem os direitos humanos universais, indivisveis, interdependentes e inter-relacionados, negando as pretenses dos pases que queriam legitimar o discurso do relativismo cultural para negarem os direitos humanos. Desmontou assim a falsa contradio entre especificidades culturais, histricas e religiosas e a obrigao por parte dos Estados com a garantia destes direitos. Nesse mesmo sentido foi tambm significativo o apoio explcito democracia como forma de governo mais adequada para se alcanar estes objetivos e o chamamento comunidade internacional para a sua promoo, inclusive com a garantia do direito ao desenvolvimento.

igualmente significativo o tratamento dado aos chamados temas especficos como os direitos da mulher, ndios, crianas, trabalhadores imigrantes, portadores de deficincia, meio ambiente, moradia, minorias em geral entre outros. Nestes casos as propostas aprovadas incorporaram no plano internacional uma srie de reivindicaes que se forjara a partir da atuao de amplos, distintos e plurais movimentos civis que conseguiram constituir uma agenda poltica por fora dos Estados. Uma agenda que no pode ser mais ignorada pelos representantes de governos nos fruns internacionais. O desafio maior para a sociedade civil garantir a elaborao de planos nacionais constitudos a partir destes acordos.

Certamente, estas propostas contidas na Declarao e no Programa de Ao ainda esto distante da realidade. E necessrio ponderar, inclusive, que a Conferncia de Viena est inserida dentro do processo que previa uma completa reformulao da ONU, que visava dot-la de maior capacidade poltica para atuar na soluo dos grandes conflitos e problemas internacionais contemporneos. E at agora este processo tem um saldo de fracasso. Nem por isso, porm, deixam de ser importantes. A definio de normas e compromissos no plano internacional - tambm no domstico - se d sempre com um descomo entre a lei e o real. Mas se tudo fosse meramente formal no haveria disputa poltica, filosfica e ideolgica para a definio de tais procedimentos. A definio destas normas, regimes, delimitam os espaos e os limites para ao dos diversos atores que interagem no sistema internacional. E a anlise das resolues de Viena mostra claramente que foram criados novos referenciais para a proteo internacional dos direitos humanos, sob um prisma global.

Afirmaes desta ordem so encaradas como ingnuas e idealistas. E logicamente assim seriam se tivessem como objetivo afirmar que estamos vivendo uma transio no plano internacional para um novo sistema mais democrtico, equitativo e de plena garantia dos direitos humanos. Mas no este o objetivo, pois se tem claro que no h democracia nem gozo de todos os direitos humanos de forma enftica em nenhum pas. Evidentemente, no h, tambm, democracia nas relaes internacionais. Isto no impede, contudo, que estes dois valores (a democracia e os direitos humanos) sejam cada vez mais universais, constituindo-se enquanto elementos de referncia para o aperfeioamento da prtica poltica, para a afirmao de valores democrticos e crtica aos modelos de excluso atualmente hegemnicos

Democracia e direitos humanos so idias-fora. Nem mesmo o mais autoritrio dos regimes consegue negar formalmente no plano interno e externo estes dois valores. Concordamos com os argumentos de HeIler, que desmontam categoricamente as crticas daqueles que procuram imputar democracia e, em ltima instncia, aos direitos humanos, um carter essencialmente Ocidental. Sem negar que estes valores se forjaram no Ocidente, HelIer demonstra como at hoje no se gestou em nenhuma cultura outro valor capaz de negar e/ou superar a democracia. O centro de seu argumento de que a noo de Ocidente se formou a partir de combinao de trs lgicas sobrepostas: a democracia, o capitalismo e a sociedade industrial. E que embora possam haver crticas profundas e consistentes aos valores do capitalismo e da sociedade industrial, no existe em nenhuma outra cultura um valor que possa se opor democracia e, consequentemente, idia de liberdade em seu sentido mais amplo 9

E significativo, portanto, o fato da Declarao de Viena ser o primeiro documento das Naes Unidas que elege a democracia como forma de governo mais adequada para a garantia dos direitos humanos e das liberdades fundamentais:

A democracia, o desenvolvimento e o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais so conceitos interdependentes que se reforam mutuamente. A democracia se baseia na vontade livremente expressa pelo povos de determinar seus prprios sistemas polticos, econmicos, sociais e culturais e em sua plena participao em todos os aspectos da sua vida. Nesse contexto, a promoo e proteo dos direitos humanos e liberdades fundamentais, em nveis nacional e internacional, devem ser universais e incondicionais. A comunidade internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoo da democracia e o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais no mundo inteiro.

Este enunciado se completa com os pargrafos 66, 67 e 68 do Programa da Ao que tratam da relao entre cooperao, desenvolvimento e fortalecimento dos direitos humanos. So partes do texto onde se d nfase as medidas capazes de estabelecer e fortalecer instituies de direitos humanos, favorecendo a expanso de sociedades civis pluralistas. Sem dvida, trata-se de um avano - mesmo que simblico - para a afirmao dos direitos humanos, principalmente, considerando-se a realidade poltica interna de grande parte dos Estados presentes em Viena, que aceitaram esta formulao.

O consenso de Viena foi construdo a partir da superao de alguns imes significativos que surgiram no processo preparatrio. O primeiro foi em relao reafirmao da universalidade dos direitos humanos, que vinha sendo questionado, pela insistncia de alguns pases que sustentavam a falcia do relativismo cultural. Estas pretenses foram sepultadas em Viena. O texto aprovado foi fruto de um consenso que superou a oposio destes pases que insistiam na tese de que a Declarao Universal dos Direitos Humanos, fonte originria dos demais instrumentos internacionais que adotam esta formulao, no levara em considerao as particularidades religiosas, culturais e histricas de pases que surgiram com o processo de descolonizao. Assim, o texto aprovado reitera a universalidade dos direitos humanos proclamando tambm sua indivisibilidade, interdependncia e inter-relao, colocando um desafio para os pases em desenvolvimento, na medida em que concede tratamento igual aos direitos econmicos, sociais e culturais, como analisa Saboia . Prevaleceu a seguinte formulao:

Todos os direitos humanos so universais, indivisveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em p de igualdade e com a mesma nfase. As particularidades nacionais e regionais devem ser levadas em considerao, assim como os diversos contextos histricos, culturais e religiosos, mas dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente de seus sistemas polticos, econmicos e culturais.

Observa-se, portanto, que embora o texto atenda corretamente reivindicao de se considerar as particularidades nacionais e regionais e os contextos histricos, culturais e religiosos, no deixa dvidas de que estas especificidades no podem ser aludidas como justificativa para se negar a universalidade dos direitos humanos.

O segundo ime superado foi em relao ao direito ao desenvolvimento Neste caso, a resistncia se concentrava rios pases ricos, especialmente os Estados Unidos, que no apoiaram a aprovao da Declarao sobre o Direito ao Desenvolvimento pela Assemblia Geral da ONU, em 1986. Geralmente, para o pases em desenvolvimento as carncias materiais, sociais e econmicas - que tm relao com este direito - se constituem em violaes dos direitos humanos. Por sua parte, os pases ricos e desenvolvidos procuram quase sempre dar maior nfase aos direitos individuais, encarando os problemas econmicos e sociais como obstculos garantia dos direitos humanos e no como violaes. Logicamente, alm de uma posio de natureza conceitual, esto envolvidos nesta polmica interesses ligados a ordem econmica internacional. Dai a grande importncia que teve no contexto da Conferncia a aprovao, de forma clara, do direito ao desenvolvimento como reivindicavam diversos pases do Terceiro Mundo.

Em relao a este tema que mantm intrnseca relao com o debate sobre direitos econmicos e sociais, vale recordar que no frum paralelo de ONGs e movimentos sociais houve uma certa perplexidade devido questo das clusulas sociais. Apareceu em Viena, e hoje est ainda mais forte. uma divergncia entre as ONGs. Mesmo reconhecendo o potencial de manipulao poltica pelos pases ricos, cresce no meio da comunidade internacional de ONGs - inclusive entre as grandes federaes e confederaes sindicais - um apoio s chamadas clusulas sociais em questes como a do trabalho infantil e escravo e a da garantia mnima dos direitos humanos.


2. A IDIA DE SEGURANA HUMANA GLOBAL

O ciclo de conferncias globais da ONU - no qual a Conferncia de Viena se inseriu - d continuidade, em linguagem formal e diplomtica, ao problema da segurana humana global. A partir da ONU foram constitudas, nos ltimos anos, diversas comisses independentes formadas por polticos e expertos para discutir e elaborar diagnsticos e propostas sobre os chamados temas globais. Alguns destes documentos viraram referncia poltica importante e influenciaram os debates no plano internacional. Trs comisses independentes formadas a partir destes debates no seio da ONU elaboraram relatrios, estabelecendo novos parmetros na discusso sobre temas globais. A primeira foi a Comisso Brandt, constituda em 1977, que publicou um relatrio sobre as relaes Norte-Sul e outro sobre a crise comum na comunidade internacional. A segunda foi a Comisso Palme, estabelecida em 1980, e que publicou, em 1982, um relatrio sobre segurana comum e desarmamento. Completado este primeiro bloco foi formada em 1984 a Comisso Brundtland que publicou, em 1987, relatrio que leva o mesmo nome da Comisso.13

Destes trs primeiros textos o que obteve maior impacto foi o Relatrio Brundtland. Em suas quase 400 pginas ele examina os temas crticos na relao entre o meio ambiente e o desenvolvimento e prope uma agenda global de mudanas. Entre os temas estudados pela comisso, os principais so: populao e recursos humanos; segurana alimentar; sade e educao; grupos vulnerveis; desenvolvimento urbano; energia; clima; resduos txicos; ecossistemas; oceanos; espao e contaminao industrial.

Mas o que sintetiza o Relatrio Brundtland e lhe confere importncia poltica e terica a fixao que ele promove do conceito de desenvolvimento sustentvel. Atualmente, embora com interpretaes polticas diferenciadas, este conceito praticamente um consenso nos debates internacionais. Em sntese, a caracterizao de sustentabilidade pode ser entendida como: O desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de que as futuras geraes possam satisfazer suas prprias necessidades.

O conceito de desenvolvimento sustentvel funciona hoje como uma idia-fora que pera todos os chamados temas globais e emergentes. Todos os assuntos que foram discutidos no ciclo de conferncias mundiais da ONU se relacionam entre si, complementando a agenda global: meio ambiente, direitos humanos, populao, desenvolvimento social, habitao e segurana alimentar so discutidos a partir de pressupostos globalizantes.

Outro documento importante para esta temtica, que surgiu dentro da ONU e que ou a ser publicado anualmente o Relatrio de Desenvolvimento Humano, organizado pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Publicado pela primeira vez em 199015, este relatrio consolidou a idia da sustentabilidade como um parmetro global a ser considerado, introduzindo o ndice de Desenvolvimento Humano - IDH como uma varivel nova na lgica do desenvolvimento at ento considerada apenas por ndices de desempenho econmico como Produto Nacional Bruto - PNB, Produto Interno Bruto - PIB e a renda per capita.

O mais recente estudo sobre estes temas foi lanado em 1995. Trata-se do relatrio preparado pela Comisso de Governabilidade Global16 batizado com o nome de Vizinhana Global ~ Esta comisso funcionou com quatro grupos de trabalho que levantaram propostas para quatro temas globais: valores, segurana, desenvolvimento e governabilidade. Utilizando o conceito de globalizao como marco de anlise o relatrio procura definir um esquema de governabilidade global capaz de constituir, ao mesmo tempo, espao para a interveno poltica dos mltiplos atores e um novo entendimento dos conceitos de soberania e autodeterminao.

Na anlise sobre as diferenas entre a realidade atual e a de 50 anos atrs, quando foi criada a ONU, o texto afirma que hoje, ao contrrio daquele perodo, os Estados, sozinhos, no tm mais a capacidade de proteger seus cidados e constituir um desenvolvimento mundial seguro. A concentrao poltica que propiciou o surgimento da ONU teria cumprido pelo menos um de seus principais objetivos que foi o de evitar um terceiro confronto mundial. Hoje, porm, para enfrentar os problemas globais e constituir a governabilidade possvel em nvel mundial os Estados so obrigados a dividir este papel com outros atores.

Em sntese, o que o relatrio assim como outros documentos prope como requisitos para o alcance de uma segurana humana global exigiria uma mudana radical nos instrumentos internacionais no plano poltico, legal e econmico, reorientando drasticamente os modelos de desenvolvimento atravs da aplicao dos pressupostos bsicos da sustentabilidade com equidade social.


3. O QUE FAZER COM TUDO ISTO?

Bem, parece-me que no temos dificuldades de conceito em relao aos direitos humanos e sociais. H formulao de sobra. O problema que se coloca pra ns a disputa poltica em relao a estes conceitos e a clara contradio entre seus enunciados democrticos e a lgica neoliberal. Creio ser desnecessrio reafirmar que o enfrentamento concreto desta realidade s pode ser consequente atravs da continuidade da luta radical por mudanas de natureza poltica econmica e social. S que esta constatao insuficiente para criar referenciais que explicitem a contraposio entre a lgica da excluso X a lgica da solidariedade, enfrentando a discusso da inexorabilidade do econmico frente a destituio dos direitos, a defesa da cidadania X apartheid social.


4. O PROGRAMA BRASILEIRO DE DIREITOS HUMANOS

E nossa critica tem sido modesta e desarticulada Vejamos o caso no Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, lanando ano ado pelo governo brasileiro. Um programa que contm pontos importantes, mas que ignora os direitos sociais, como se fosse possvel atacar a violncia sem enfrent-los. Na prtica, aceitamos a lgica do governo que s se esfora para solucionar problemas que atrapalham a imagem no pas no exterior e que prejudicam a tentativa de uma nova insero internacional na economia globalizada.

A estratgia da diplomacia brasileira nos ltimos anos tem sido a de reconhecer a existncia das violaes dos direitos individuais, dentro de uma poltica definida como de transparncia. Esta poltica significa no mais negar as violaes que ocorrem, tentando mostrar que o governo est empenhado na apurao dos fatos. O que muitas vezes no a de pura retrica, pois o governo se submete s alianas polticas regionais, freando as propostas que visam trazer para o plano federal a responsabilidade de alguns crimes contra os direitos humanos. A situao chegou a um ponto inaceitvel e provvel que tenhamos algumas mudanas em termos de organizao da justia e da segurana. Mas isto apenas recoloca no nosso problema a articulao integral da luta pelos direitos humanos.

Penso que uma questo prtica que se coloca para as diversas redes da sociedade civil brasileira e internacional diz respeito disputa sobre a imagem que o governo projeta no plano internacional. Ela hoje bastante favorvel ao governo, pois este consegue ar a idia de que est emprenhado em resolver os problemas de maior impacto na rea de direitos humanos e, de quebra, est beneficiando a populao mais pobre atravs do Plano Real.

O mesmo se coloca em relao necessidade de articulao no enfrentamento dos problemas comuns do Norte e do Sul. Temos que avanar no sentido de uma critica consistente e de impacto sobre a natureza do posicionamento de nossos governos nos fruns internacionais. Mostrando, com indicadores , que as intenes firmadas no campo social so , na prtica, anuladas pelos acordos no plano econmico. Parece simples, mas no . Temos uma critica justa lgica do apartheid, mas no plano conceitual ainda no conseguimos desmistificar alguns consensos presentes no debate sobre desenvolvimento, nem construir um movimento poltico forte, explorando as contradies desta lgica dominante.

E por isso que ainda no conseguimos mostrar claramente sociedade os limites do PNDH, que tem propiciado alguns dividendos polticos internos e muitos externos ao governo brasileiro. O Programa se concentra basicamente nos direitos civis. Articula-se com base nos princpios definidos pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos da ONU adotado em 1966, embora contenha tambm algumas medidas que se efetivadas podem contribuir para a promoo dos direitos sociais. Entre elas o apoio implementao de diversas convenes internacionais relativas aos direitos das crianas, das mulheres e dos trabalhadores. O argumento citado no Programa que a nfase nos direitos civis e polticos no impede a abordagem dos demais. O fato dos direitos humanos em todas as suas trs geraes - a dos direitos civis e polticos, a dos direitos sociais, econmicos e culturais e a dos direitos coletivos - serem indivisveis no implica que, na definio de polticas especficas - dos direitos civis- o Governo deixe de contemplar de forma especfica cada uma dessas outras dimenses

Temos aqui um primeiro e importante debate a fazer. Seria equivocado ignorar a importncia dos direitos civis e o potencial que eles tm para impulsionar a luta mais ampla por direitos. Um pacto entre governo e sociedade para promov-los e garanti-los, por si s, j significativo. E o PNDH est voltado para superar uma carncia comum nas democracias realmente existentes na Amrica Latina, ou seja, buscar o aperfeioamento de mecanismos institucionais capazes de garantir o Estado democrtico de direito. At agora o que se pode observar nos pases que superaram as ditaduras militares - caso do Brasil -, foi o enorme descomo entre as garantias formais, ofertadas pelo reconhecimento dos direitos civis, e o funcionamento efetivo das instituies do Estado

Porm, fica a pergunta sobre a viabilidade de se garantir os direitos civis clssicos em um contexto onde os direitos sociais econmicos e sociais so negados para grandes parcelas da populao. Nossa experincia revela claramente que no. Afinal, a principais formas de violncia em nosso pas so praticadas contra os pobres e excludos que vem a lei no como uma possibilidade de garantia de seus direitos, mas como mais um instrumento de garantia de privilgios dos de cima. Tambm nas democracias desenvolvidas o distanciamento entre os direitos civis e os direitos econmicos e sociais tm impactos diferenciados. O Que paradoxal, desde que considerada a violncia e o crime, que democracias julgadas consolidadas como os Estados Unidos, que tm a pior distribuio de renda entre os sete pases mais industrializados, tambm seja, nesse conjunto, aquele com a mais alta taxa de homicdios. Em 1997, os Federal Centers for Disease Control and Prevention mostraram que a taxa de morte de crianas de O a 14 anos por armas de fogo 12 vezes maior que qualquer pas de mundo industrializado.

Estas questes no podem ser desconsideradas em um balano global do Programa, principalmente porque os motivos que levaram o governo a conferir maior nfase aos direitos civis - ignorando os direitos sociais -. esto relacionados com uma concepo dogmtica que confere primazia ao desenvolvimento econmico e que concebe o desenvolvimento social como sub-extrato deste. A posio do governo brasileiro a este respeito clara. Desconsidera como central as polticas sociais. Entende que a melhor poltica social no momento est sendo feita pelo Plano Real que teria distribudo renda e reduzido a pobreza.

E importante, porm, registrar que o PNDH a ao largo dos compromissos assumidos pelo Brasil na Cpula de Desenvolvimento Social de Copenhague. Junto com outros representantes de governos da Amrica Latina, e Caribe, reunidos em So Paulo, no ltimo ms de abril, o presidente Fernando Henrique reiterou apoio a tese de que o crescimento econmico e controle da inflao so os fatores determinantes da reduo da pobreza. Neste encontro promovido para se fazer um balano da implementao dos compromissos da Cpula Social os representantes dos governos, apoiados pela CEPAL, apresentaram um diagnstico de dificuldades para o cumprimento de 10 compromissos bsicos assumidos nesta cpula, culpando os atrasos sociais gerados durante a chamada dcada perdida.

Neste aspecto persiste uma significativa diferena conceitual e de posicionamento em relao entre ao que foi apresentado pelas ONGs durante o ciclo de conferncias globais das Naes Unidas e o que foi contemplado no PNDH. Em geral, as ONGs e outras foras polticas que se opem predominncia da ditadura econmica so criticadas pelos governos pela suposta ingenuidade e desconhecimento da importncia da base econmica produtiva para a soluo dos problemas sociais.

Uma crtica injusta, pois ningum em s conscincia pode negar a importncia da estabilizao e do crescimento econmico para a garantia dos direitos sociais e coletivos. O problema no caso do Brasil e de outros pases que os principais imes para a garantia destes direitos se concentram mais no plano poltico. E um tratamento integrado dos direitos humanos fundamental para democratizar o Estado e a sociedade e para a promoo de um conflito positivo em torno desses imes. O contedo do PNDH no contempla plenamente - embora isto no anule sua importncia poltica - todas as diretrizes da Conferncia de Viena. Ele ainda valoriza a concepo de gerao de direitos que no tem mais consistncia e precisa ser superada.

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