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GLOBALIZAO E
ESTADO NACIONAL
Marcos Del Roio **
I
A questo da nao e do
Estado nacional emerge no processo mesmo de configurao da
modernidade capitalista por obra das revolues burguesas
desencadeadas a partir do ltimo quarto do sculo XVIII. A Gr-Bretanha
que havia se constitudo como Estado agregando territrios por
via dinstica, ao velho estilo feudal que invocava o direito
divino dos reis, transformou-se em uma nao que
reivindicava esse mesmo direito na medida em que, a partir de
1763, parte para a construo do seu imprio, ainda imbuda
parcialmente da viso organicista da cultura feudal. Os
EUA se conformam como repblica em oposio a esse projeto
imperial britnico, num conflito externo, mas com a finalidade de
constituir seu prprio imprio, em perspectiva,
concorrente com aquele.
A nao sa, por sua
vez, gestou sua identidade em oposio ao absolutismo feudal-monrquico,
num conflito interno que ganhou projeo universalizante ao
propor-se, a Frana, tambm ela como embrio de um imprio
liberal burgus contraposto as monarquias feudal-absolutistas
de toda a Europa. Assim, a nao e o Estado nacional surgem
acoplados com a idia de uma identidade e de uma cultura
nacional-popular constituda como fora que tende a expanso,
sendo essa uma concepo perfeitamente adequada ao processo de
acumulao do capital e a hegemonia liberal-burguesa na
totalidade scio-histrica gestada no Ocidente.
O ingresso na modernidade
capitalista e a formao de Estados nacionais, a partir de
meados do sculo XIX, diante da ameaa popular socialista de
subverso da ordem do capital, ocorreu sob forma de revolues
ivas, ou seja pela incorporao molecular por parte da velha
ordem feudal absolutista de elementos liberal-burgueses, dando vazo
a dinmica do capital em mais amplos territrios do planeta. Ao
mesmo tempo, e dessa forma, novos projetos imperiais vieram a se
postar em disputa num mercado crescentemente internacionalizado,
com destaque para Alemanha, Itlia e Japo, chocando-se no s
com os Estados nacionais gerados com as revolues burguesas
originais, mas tambm com os velhos imprios orientais da ustria,
Rssia e Turquia.
Os Estados nacionais logo tiveram
que se defrontar com o mundo do trabalho, o outro necessrio
do capital, organizado politicamente como movimento operrio. Diante
da presso operria e da necessidade de angariar respaldo
interno para a expanso imperial, os Estados nacional-liberais
viram-se na contingncia de ampliar o estatuto da cidadania civil
e poltica. Assim, o Estado liberal democratizado surge como
necessidade do poder do capital tendo em vista a disputa com
outros projetos imperiais pelo domnio de parcelas do mercado
internacional que levava consigo o grmen da guerra. O resultado
catastrfico foi o engalfinhamento militar entre esses Estados
por um perodo de trinta anos, entre 1914-1945.
A guerra dos trinta anos do sculo
XX abriu um amplo e significativo leque de possibilidades histricas.
Antes de mais nada, a guerra imperialista possibilitou a partir da
Rssia a irrupo da revoluo socialista internacional entre
1917 e 1921, movimento antagnico a todos os imprios e Estados
nacionais de carter liberal-burgus, com o objetivo de
configurar uma comunidade de povos emancipados da explorao do
capital. A particularizao da revoluo no interior das
fronteiras do ex-imprio russo teve o significado de uma derrota
histrica de graves propores. Os limites materiais e
culturais prprios dos sujeitos scio-polticos que fizeram a
revoluo, conjugados com violenta presso econmica e militar
do imperialismo, acabou provocando na URSS uma revoluo iva
prpria do Oriente que reconstituiu o Estado absolutista sob
forma de um socialismo de Estado conduzido pela lgica do
capital: o stalinismo.
A guerra e a revoluo obrigaram
a que se processasse no campo dos Estados imperialistas uma onda
de revolues ivas a fim de conter o movimento operrio e
de reordenar a hegemonia do capital. Agiram nesse sentido tanto o
americanismo-fordismo como os fascismos, atravs de uma
reorganizao tanto do mundo da produo como das instituies.
A paradoxal aliana entre os Estados nacional-liberais originais
(EUA, Inglaterra e Frana) com o socialismo estatal russo
implicaram a derrota militar da opo corporativo-fascista de
reordenao da dominao burguesa e da hierarquia imperial de
poder. Tal aliana tambm impossibilitou que a concluso da
guerra coincidisse com a retomada da revoluo socialista, j
que essa afetaria os interesses imperiais que se consolidavam
tanto a Ocidente como a Oriente.
No ps-guerra a renovada republica
imperial americana difundiu seu prprio projeto societrio,
articulando-se com resqucios do fascismo e deitando seu manto
imperial sobre o conjunto do Ocidente. O fordismo tendeu a
difundir-se por todo o Ocidente, articulando-se ainda com a
interveno estatal no processo de acumulao e na conformao
da hegemonia na sociedade civil, tal como sugeria Lord Keynes e
tambm as correntes social-democratas. O resultado foi a
configurao de um Estado assistencial capaz tanto de atenuar a
insurgncia operria e a influncia comunista, como de dirigir
uma fase expansiva da acumulao.
Derrotado o nazi-fascismo e tambm
a possibilidade da retomada da revoluo socialista, o inimigo
de monta do tentacular imprio liberal do Ocidente ficou
sendo o imprio oriental conformado em torno do Estado
absolutista sovitico e seu socialismo feudal. A vitria militar
contra a Alemanha permitiu que esse regime se expandisse num
processo mais complexo do que normalmente se pretende, por uma
larga faixa da Europa do leste, sufocando as nascentes experincias
de democracia popular.
Do ponto de vista desse texto de
grande importncia acentuar o impacto exercido pelo sculo
imperialista (1880-1980) na desagregao de formas econmicas e
polticas arcaicas e na subsequente gestao de novos Estados
nacionais. A expanso imperialista, como to bem sintetizou
Lenin, marca uma poca da acumulao do capital baseado nos
monoplios e no predomnio do setor financeiro que ampliou a
disputa pelo mercado internacional. nesse contexto que se
encontra a luta dos Estados nacional-imperialistas pela apropriao
do mundo, com a conseqente desarticulao de estruturas de
poder tradicionais. A resposta dos povos submersos no processo de
ocidentalizao conduzido pela dinmica do capital foi muito
diversificada, mas talvez possa ser reduzida a duas vertentes
principais que, no entanto, resultaram na formao de novos
Estados nacionais.
II
Numa reao mimtica, amplas
zonas do mundo submetidas ao domnio do Ocidente, ao se rebelarem
buscaram argumentos na prpria trajetria revolucionria da
burguesia e do liberalismo, objetivando conformar Estados
"nacionais". Em grande medida, esse no ou de
subterfgio para que as antigas camadas dominantes renegociassem
sua insero no mercado internacional controlado pelo Ocidente.
Foi esse o caso na maioria dos novos Estados que surgiram a partir
da concluso da guerra civil do Ocidente, na sia e na frica.
Esses pases e continentes foram
precedidos nessa linha pelo amplo rosrio de Estados que surgiram
da desagregao do antigo sistema colonial da Ibero-Amrica
(1808-1838) que coincidiu com a ecloso das revolues
burguesas originais, permitindo que as oligarquias agrrias se
apropriassem mimticamente do discurso liberal revolucionrio
para redefinir sua insero histrica como Ocidente subalterno.
Foi esse tambm o caso brasileiro que forjou uma pardia de
Estado nacional liberal a fim de preservar a ordem social
agro-mercantil escravista. Um caso excepcional ocorrido ainda no sculo
XIX foi a incorporao mimtica pelas classes dominantes
japonesas de vrios preceitos econmicos, polticos e ideolgicos
gerados no Ocidente, como o de nacionalidade. Essa ocidentalizao
parcial e voluntria do Japo possibilitou a formao de um
Estado nacional e, em seguida, de um autnomo plo de poder
imperialista.
A marcante novidade das lutas pela
emancipao poltica dos povos submetidos, no sculo XX, pode
ser observada na fora propulsora exercida pela revoluo
socialista na Rssia que estimulou movimentos revolucionrios
pela formao de novos Estados de carter nacional-popular.
Foram os casos da China, do Vietn, de Cuba, pases nos quais as
antigas classes dominantes associadas ao Ocidente viram-se
expropriadas.
A guerra civil do Ocidente
(1914-1945) e a expanso do mercado internacional sob predomnio
do capital financeiro imperialista possibilitou que alguns pases
do mundo pudessem ingressar na arena do capital com um poder de
negociao poltica maior e com condies econmico-sociais
mais slidas. Foram pases que realizaram revolues burguesas
ivas, a nica forma que se mostrou vivel na poca
imperialista. A revoluo iva, como se sabe, tem como uma de
suas dimenses a de servir de contra-revoluo preventiva que
obrigada a conceder alguns direitos sociais bsicos a classe
operria, e esse aspecto foi significativo para que revolues
democrtico-populares pudessem ser bloqueadas. Num leque tambm
bastante diversificado de formas alguns pases da Ibero-Amrica
conseguiram configurar um polo de acumulao do capital baseado
na grande indstria, assim como Estados nacionais com alguma
insero internacional.
Revolues burguesas ivas,
realizadas por meio do Estado, que reorganizaram o bloco de poder,
incorporando novos atores sociais e preservando o poder oligrquico,
ocorreram no Brasil, na Argentina e no Mxico. A derrota da
revoluo democrtica na Espanha abriu caminho para uma revoluo
iva em moldes semelhantes. Formas particulares de revolues
ivas foram realizadas na ndia, um gigante geo-demogrfico
que preservou o antiqussimo sistema de estratificao social
por castas e serviu de contraponto a China, e na frica do Sul
com seu desenvolvimento capitalista fincado na abominvel
discriminao tnica. Se desconsiderarmos o pequeno Estado de
Israel, importante pelo seu peso estratgico, poucos so os pases
que conseguiram se conformar enquanto Estado nacionais.
Os poucos Estados nacionais que
conseguiram se firmar no sculo XX, fizeram-no aproveitando-se da
guerra civil do Ocidente na primeira metade da centria e, nas dcadas
seguintes, do confronto entre o imprio liberal do Ocidente
conduzido pelo EUA e pelo imprio socialista feudal do Oriente,
dirigido pela URSS. s necessidades estratgicas desses dois imprios
pareceu funcional a emergncia de novos Estados aliados poltico-militares
e que ofereciam tambm novas oportunidades para o mercado
internacional do capital em expanso. Por outro lado a ideologia
do capital, nesse momento, valorizava a existncia de um Estado
"democrtico", interventor e regulador do mercado,
condio essa da sua hegemonia e da preservao da
subalternidade do mundo do trabalho. No se podia deixar de
considerar a presena de um forte movimento operrio de inspirao
social-democrata e/ou comunista, alm, claro, da presena do
espectro sovitico com sua aparentemente generalizada garantia de
direitos sociais.
A questo nacional na era
imperialista se colocava, em suma, de trs maneiras diferentes.
Inicialmente, nos pases de revoluo burguesa original e
naqueles que ingressaram na modernidade capitalista pela via da
revoluo iva antes da poca imperialista, tratava-se da
construo de espaos imperiais. Para os pases e povos
vitimados pela expanso imperial, principalmente do Ocidente (mas
tambm da Rssia e do Japo) a questo nacional confundia-se
com a questo da emancipao poltica e da construo (ou
resgate) de um Estado e de uma identidade nacional. Essa poderia
ocorrer por via de revolues burguesas ivas que implicavam
compromissos com a velha ordem social e com a prpria ordem
imperial burguesa ou ento por meio de uma revoluo social
que, como condio da construo da identidade
nacional-popular, deslocasse as classes dominantes internas e
rompesse com o imperialismo, tendo no horizonte a prpria superao
do capitalismo.
Por quase trs dcadas
subsequentes ao fim da guerra civil do Ocidente a expanso do
capital ocorreu de maneira substancial e com significativo
consenso hegemnico que se exprimiu, nos pases imperialistas,
num "pacto democrtico" e num Estado assistencial. Em
alguns pases de revoluo burguesa iva tardia intentou-se
a construo da hegemonia burguesa por meio de um Estado que
garantia alguns direitos sociais bsicos, enquanto que nos
Estados revolucionrios buscava-se a superao da misria e
das seqelas do colonialismo. O chamado processo de
"descolonizao" de amplas reas da sia e frica,
nada mais foi que um rearranjo imperial. Ao mesmo tempo que Frana
e Inglaterra recuavam do exerccio do domnio direto sobre
muitos pases, avanava o projeto americanista de difuso de
novos "Estados liberais", "livres e iguais" no
mercado internacional. A instaurao intermitente de violentas
ditaduras nesses novos "Estados" justificava-se pelas
necessidade de se confrontar o "comunismo", ou seja a
possibilidade da efetivao de revolues nacional-populares
antiimperialistas.
III
Sintomas de desacelerao nessa
fase expansiva do capital comearam a se fazer sentir j nos
anos 60. A crescente presso do movimento operrio, ainda que
mantida nos contornos do reformismo, comeava, por sua vez, a se
fazer invel quando adveio a ecloso sociocultural com
potencial revolucionrio envolvendo a juventude, as mulheres e as
etnias oprimidas. Em 1968-69 estava germinando uma revoluo
mundial com uma difuso ainda maior do que a revoluo
socialista originada na Rssia em 1917. A ausncia de qualquer
direo poltica hegemnica e a pronta reao das instituies
sociais e polticas ligadas a ordem, praticamente reconduziram a
contestao para o leito do reformismo. O movimento operrio e
popular continuou avanando, no entanto, no conjunto do Ocidente,
at cerca de 1976. Esse foi um elemento agravante na latente
crise fiscal dos Estados que contavam dificuldades cada vez
maiores para contemplar a demanda popular pela ampliao dos
direitos e mesmo de gesto da economia.
As ltimas ditaduras de carter
fascista foram derrotadas em Portugal, Espanha e Grcia. No Chile
intentou-se uma experincia de transio socialista sufocada no
sangue e na Indochina o imprio americano sofreu sua maior
derrota histrica. Ameaa de monta, embora menos ruidosa, a
correlao de foras no interior do imprio do Ocidente, foi a
emergncia de novos Estados nacionais de capitalismo monopolista
como Brasil e ndia, dotados de importante mercado interno de
bens de capital, e de cartis de pases produtores de petrleo.
Esses vieram se somar a Alemanha e Japo, potncias econmicas
que avam a prescindir do capital americano e a forjar zonas prprias
de acumulao. Para completar, o imprio socialista do Oriente
(URSS e aliados) beneficiaram-se da "crise energtica"
e aram para a ofensiva militar estratgica (at para tentar
encobrir sua terminal crise hegemnica interna).
Diante desse quadro tornou-se inadivel
para o capital empreender uma geral reorganizao do imprio do
Ocidente que implicou mudanas nas relaes entre os Estados
imperialistas, a ofensiva contra o mundo do trabalho e suas
instituies, o esvaziamento da soberania dos Estados emergentes
no interior do imprio e a ofensiva econmica e poltico-ideolgica
contra o estagnado imprio oriental. O invlucro ideolgico
dessa ofensiva do capital imperialista ganhou o nome de globalizao,
orientada pelas chamadas polticas neo-liberais. Acontece porm
que a globalizao representa tambm uma nova fase do capital
como contradio em processo, fazendo coincidir, de certa forma,
ideologia e movimento do real. Assim, a globalizao ao mesmo
tempo um produto da crise de valorizao do capital e uma vitria
poltica do imperialismo. Da sua caracterstica de agravar as
contradies presentes no processo scio-histrico orientado
pela lgica do capital. A globalizao tem tambm o
significado de completar o longo processo de ocidentalizao do
mundo e de construo do imprio universal do Ocidente
liberal.
Sem dvida, deve ser recusada a
leitura ideolgica orientada pelos interesses do capital
financeiro que observa apenas a positividade de uma globalizao
cultural manipulada e manipulatria que destri identidades
sociais e nacionais em troca da gerao de individualidades
desconexas e transitrias colocadas a merc do mercado. Da mesma
maneira deve ser abominado a viso da globalizao dos fluxos
financeiros e do dinheiro voltil que pode jogar milhes de
pessoas na misria em tempo meterico. Recorde-se, porm, que
tambm a noo de imperialismo surgiu envolto por uma aura
positiva colocada pela publicstica favorvel a expanso
imperial do Ocidente e s depois ou por uma devassa crtico
dialtica com as leituras clssicas de Hilferding, Rosa e Lenin.
A ofensiva do capital, em termos
ideolgicos, insiste na tecla de que a racionalidade esta alocada
no mercado, constituindo-se em objetivo a realizao de um
mercado global homogneo e sem frico, decorrendo esta da
atividade poltica e coletiva. Nessa linha de raciocnio o
Estado e suas agncias econmicas devem ser desmantelados e
privatizados em favor do indivduo livre no mercado global. Esse
discurso aparentemente o oposto da poca anterior que
valorizava o Estado como lcus da vontade e da razo capaz de
corrigir as imperfeies do mercado deixado a si mesmo. Ambos so
instrumento de ao poltica do capital visando sua reproduo
ampliada e a farsa no difcil de ser desvendada.
A globalizao aparece ento
como deciso poltica do capital, movimento desencadeado a
partir de 1978 com a derrubada do governo trabalhista ingls prximo
aos sindicatos, com a escolha do papa Woytila, com a eliminao
do primeiro-ministro Aldo Moro na Itlia, seguido pela eleio
de Reagan no EUA e por governos conservadores no Japo e
Alemanha. A caracterstica fundamental da globalizao e do
chamado neo-liberalismo, do ponto de vista poltico, oferecer
mos livres ao capital para que busque reconstituir sua
capacidade da valorizao.
H um retorno inaudito da especulao
e do rentismo (que estavam relativamente retrados na fase
fordista imperialista da acumulao capitalista) que contamina
at os setores do capital mercantil e do capital industrial. A
acumulao do capital-dinheiro, cada vez mais descolada do
processo produtivo e tambm sempre mais desterritorializada, at
pelo fato de prescindir da fora de trabalho, incapaz de
sustentar um novo ciclo de acumulao. Na verdade a estmulo
maior se faz sentir na economia criminal que engloba trfico de
armas, de drogas e de detritos industriais, articulada ao sistema
bancrio financeiro. Ao capital financeiro o mundo-natureza surge
como uma entidade externalizada que no precisa ser reproduzida,
apenas usufruda. Assim que outra caracterstica da globalizao
o agravamento dos problemas ambientais.
A eficcia do capital-dinheiro
especulativo est precisamente na sua volatilidade, na capacidade
de se transferir rapidamente de um ponto a outro do globo em busca
de uma maior valorizao. Para isso necessrio que preserve
a propriedade do conhecimento e dos meios de comunicao,
atuando esse monoplio em vrias direes. O conhecimento e os
meios de transmisso imediata da informao possibilita a ao
especulativa do capital financeiro, por meio da transferncia de
ativos. Os meios de comunicao de massa agem para manipular a
conscincia das massas na direo da despolitizao e do
individualismo consumista Mas o mais importante na produo da
mais-valia a propriedade privada do conhecimento cientfico
que poderia ser designada como capital cognitivo, um setor do
capital desdobrado da acumulao do grande capital financeiro e
imediatamente aplicvel ao processo produtivo. E esse elemento
decisivo na definio da globalizao como nova fase da
contradio em processo pois que o capital cognitivo surge como
possvel fio condutor da acumulao e da extrao da
mais-valia.
A aplicao de novas tecnologias
ao processo produtivo associada a profundas alteraes
gerenciais no processo de trabalho visam ampliar substancialmente
a produtividade do capital agindo, com esse mesmo objetivo, no
sentido de desarticular a atividade de resistncia do mundo do
trabalho ao processo de explorao. A revoluo tecnolgica
em andamento, com a robotizao e informatizao acelerada
aponta para a superao do fordismo com o deslocamento espacial
e o desmantelamento progressivo da grande indstria. Essa, que
ocupa grande massa de trabalhadores num sistema de mquinas mecnicas
rgidas e repetitivas, vem sendo substituda por uma fbrica
fina e diluda que ocupa um nmero significativamente menor de
trabalhadores ocupados num sistemas de mquinas flexveis e
inteligentes.
Como a matria prima dessa forma
produtiva o saber, a cincia e a inteligncia, o processo de
produo da mais valia se inicia no laboratrio e se estende at
o consumo, j que esse condiciona a prpria oferta de
mercadorias. No processo de trabalho assim concebido, a
subjetividade do trabalhador subsumida num grau muito superior
ao da produo fordista, pois no gerenciamento chamado de
toiotista, grupos de trabalhadores interagem com grupos de mquinas,
tornando decisivo o papel da informao, de maneira que mos e
mentes ficam envolvidas no processo de trabalho. A presso
gerencial pelo aumento constante da produtividade possibilita a
oferta de salrios significativos a esses operrios dotados de
saber cientfico e gestores de mquinas automticas.
A revoluo tecnolgica e
gerencial provoca alteraes na prpria materialidade do
capital, necessria para que se proceda a ofensiva e restaurao
da sua hegemonia, no s no processo scio-produtivo, mas tambm
como poder poltico destitudo de fora antagnica, a fim de
que se cumpra a velha utopia liberal de um mercado homogneo e
sem frico. Com o objetivo de resgatar sua produtividade
declinante, o capital, pela inverso em novas tecnologias,
redefine o perfil do mundo do trabalho, desmantelando suas
instituies e cultura e por conseqncia tambm toda a
composio da sociedade civil burguesa e das instituies
estatais, promovendo uma reordenao das relaes sociais
favorvel s classes e camadas dominantes, particularmente a
oligarquia financeira..
IV
Pela ao do capital h uma tendncia
a se forjar uma camada de trabalhadores intelectualizados que
convive com a massa em diminuio da classe operria
fordista-taylorizada, ao mesmo tempo que tem origem um setor de
trabalhadores autnomos ligados a informao. Mas um elemento
socialmente problemtico a "flexibilizao" das
relaes de trabalho, eufemismo para trabalho precrio e de
tempo parcial que buscado numa massa cada vez maior de
trabalhadores sem trabalho, ou seja de seres humanos destitudos
de sua sociabilidade fundante, e despidos de qualquer direito
elementar. Essa situao fora outros setores do mundo do
trabalho a se acoplar imediatamente aos interesses empresariais,
lutando por "produtividade" e "reestruturao",
numa tentativa desesperada para manter o posto no processo
produtivo e garantir a sobrevivncia mnima.
O resultado que setores antes de
vanguarda da luta operria ficam reduzidas a relaes quase
servis em relao a empresa, fragmentando tambm poltica e
culturalmente o mundo do trabalho. As organizaes da sociedade
civil burguesa tambm se debilitam, mas o impacto maior e mais
decisivo para a estratgia ofensiva do capital o
desmantelamento das instituies sociais e polticas ligadas ao
movimento operrio, particularmente os sindicatos e os partidos
polticos da esquerda socialista e comunista, que tem corrodas
sua base social e sua cultura poltica posta em xeque.
Acontece que essa situao de
crescente desocupao, de poupana de trabalho vivo por parte
do capital, decorrente da inovao tecnolgica, agrava um
elemento crucial que politicamente induziu o prprio processo de
globalizao capitalista, qual seja a crise fiscal dos Estados
nacionais que no conseguem cobrir seu dficit. Criou-se ento
um perverso crculo vicioso, pois procura-se cortar gastos pblicos
atacando os direitos sociais elementares e reduzindo o raio das
"polticas pblicas", ao mesmo tempo estimula-se a
atividade do capital em crise cortando-se seus custos. A ciranda
de "privatizaes" de empresas estatais esta inserida
nessa mesma situao, pois que seu objetivo declarado minorar
o dficit pblico e tambm estimular a atividade do capital
privado, forma de pretensamente incorporar novas tecnologias.
Mas capital especulativo e a
economia criminosa que se beneficiam dessa situao e como esto
fora da alada do poder do Estado atuam para o enfraquecimento
ulterior da capacidade de arrecadao do prprio Estado e de
sua ao como agente regulador da economia. Alm disso, tambm
desterritorializao do capital ensejada pela globalizao
tende a agravar a crise fiscal para a qual era uma proposta de
soluo, j que para fugir ao fisco os "parasos
fiscais" se multiplicam servindo de abrigo ao capital
especulativo e criminal. Assim, no resta dvida que h uma
crise geral dos Estados nacionais, mas essa afirmativa tem que ser
necessariamente mediatizada e diferenciada a fim de que no se
incorra em concluses politicamente descabidas.
Comeando pelo cenrio do
continente africano que no conseguiu formar mais que arremedos
de Estados nacionais associados ao imperialismo na fase
precedente, e onde tampouco as tentativas de alternativas
nacional-popular tenham conseguido qualquer sucesso, hoje
observa-se a frica imersa numa generalizada e aparentemente
infindvel guerra tribal. Por outro lado, h indcios de formao
de plos de agregao ao estilo difuso dos antigos imprios
africanos, em torno, por ex., da frica do Sul e da Nigria. A
situao do mundo rabe-muulmano no muito diferente,
assim como os pequenos e mdios Estado nacionais que surgiram do
processo histrico interno ao imperialismo. Devido a novas
tecnologias e a nova qualidade de produtos colocados no mercado
pelo processo de globalizao essas zonas tendem a perder
qualquer importncia nessa fase da acumulao. Alguns pases
da Ibero-Amrica encontram-se em situao semelhante, o que
facilita a difuso da economia criminal e do narcotrfico.
Funcionando mais como gigantescos
porta-avies, os chamados "tigres asiticos", s
custas de uma explorao do trabalho anloga a fase de acumulao
primitiva do capital, conseguiram projetar-se no mercado
globalizado por meio de grandes monoplios privados amparados no
Estado. A vida mostrou, porm, que esse o setor frgil de
economia globalizada pois onde primeiro a capital financeiro
especulativo procura conter a "super valorizao" que
coloca em risco o conjunto do sistema. O resultado que esses pases
tem sua soberania inteiramente alienada em favor das agncias
globais do capital, como o FMI. Embora com um potencial maior de
resistncia com vistas a renegociar sua situao no mercado
mundializado do capital, pases emergentes com grande potencial
de recursos naturais, industrial e demogrfico como Brasil, Mxico
e ndia no tem conseguido barrar a colonizao de seus
mercados e a descaracterizao das identidades culturais. Isso,
em boa medida, decorrncia das opes polticas das classes
dirigentes desses pases que deliberaram pelo ingresso subalterno
no processo de globalizao.
O colapso do socialismo de Estado e
do imprio do Oriente entre 1989 e 1991, derivado da crise de
hegemonia da camada burocrtica dominante e da presso externa
do mercado capitalista ingressante na fase da globalizao, teve
o significado de uma catstrofe para a maioria esmagadora desses
povos, tendo que enfrentar uma crise social de monta e a regresso
econmica. Na maior parte dos casos a transio para uma forma
estatal e econmica subalterna aos ncleos imperiais do Ocidente
ocorreu pelas mos de setores da prpria burocracia
pseudo-socialista dominante naquelas pases. Uma das decorrncias
da desintegrao do imprio oriental foi a fragmentao de
alguns Estados nacionais existentes como Iugoslvia, Checoslovquia
e a prpria URSS. O fim do socialismo de Estado e de seu poder
imperial o elemento que com mais fora sugere a realizao
do imprio universal do Ocidente liberal, processo que vem sendo
identificado com a globalizao capitalista. At o momento a
China resiste e cresce econmica e politicamente pelo motivo de
haver iniciado o trnsito para uma forma de capitalismo
monopolista de Estado no mesmo momento poltico que se
desencadeava o que viria a se chamar de globalizao,
representando hoje a ltima fronteira transposta e um potencial
mercado gigantesco.
No se pode afirmar, muito pelo
contrrio, que alguns dos Estados imperialistas tenha se
fragilizado no processo de globalizao. Antes de mais nada, o
EUA emerge no cenrio mundial como potncia militar nica
dotada de enorme capacidade de extermnio e com pretenso de se
consolidar como "guardi" da (des)ordem mundial.
Liquidada a URSS, de condutor da fora armada do Ocidente, por
meio da OTAN, o EUA a a ser o "chefe da polcia" do
imprio universal do Ocidente liberal. O Estado americano, mais
que nunca, a a ser o defensor da propriedade privada em todos
os quadrantes do mundo, preservando o investimento tecnolgico
nas suas foras armadas, necessidade mais que poltica, de
manuteno das taxas de valorizao do capital. Ao mesmo tempo
amplia as foras coercitivas contra as classes subalternas do
interior do pas, exigncia posta pela crescente marginalizao
social gerada pela desocupao e pelo crescimento da economia
criminal.
No entanto, a fora econmica da
Alemanha e do Japo no podem ser relevadas, o que obriga o EUA
a compor com esses pases a trade que conduz o imprio
universal gestado com a globalizao capitalista e que substitui
a antiga bipolaridade imperial Ocidente/Oriente. At o colapso do
imprio oriental sovitico, o processo de Unio Europia
estava sendo conduzido pela hegemnica aliana franco-alem. A
partir da anexao da RDA, da diviso da Checoslovquia e da
fragmentao da Iugoslvia, a Alemanha voltou-se bruscamente
para sua velha viso imperial direcionada a Leste, provocando
resistncias na Frana e, embora parecendo paradoxal, um maior
engajamento da Inglaterra na unio europia. Tendo tido uma
classe operria precocemente derrotada (j nos anos 50) o Japo
iniciou a transposio do fordismo, adquirindo vantagens
comparativas que fizeram desse pas destroado no final da
guerra um plo de poder e de acumulao capitalista de grande
monta.
Assim, o imprio universal do
Ocidente liberal, embora tenha no EUA um poder militar incontrastvel,
conta com uma conduo poltica tridica (ou tricfala) que
se condensa em instituies supranacionais de carter
financeiro como o FMI e o BM ou ento em organismo informais como
o G-7, estando a ONU como organismo regulamentador das relaes
internacionais visivelmente debilitado. Encontrando-se o Japo
limitado pela sua prpria situao geogrfica de arquiplago
e defrontando-se com o crescimento da China, pode-se antecipar que
no futuro ter que optar por uma aproximao maior com o EUA ou
com a prpria China. Em compensao o EUA tende a se expandir
com o NAFTA e a Alemanha surge como fora hegemnica na Unio
Europia.
Com isso que foi dito pode-se notar
que a chamada crise dos Estados nacionais ou a diluio da
soberania dos Estados uma verdade parcial que deve ser
analisada dentro do processo de globalizao, entendido como
nova fase do capital em processo e que exige uma redefinio do
papel do poder poltico e do territrio. inegvel a permanncia
(ou mesmo ampliao) do poder dos Estados imperialistas, assim
como visvel o enfraquecimento da maioria dos Estados
"emergentes", estimulado pelas polticas de privatizao
do patrimnio estatal e pela defasagem tecnolgica. Por sua vez
a potncia dos Estados se manifesta na formao de espaos
supranacionais que colocam a disputa pela hegemonia poltica em
outro patamar. Em certa medida essa uma forma de tentar
acompanhar o processo de desterritorializao do capital.
Mas por um outro ngulo, quando se
fala em crise do Estado est-se referindo a crise das instituies
do Estado liberal-democrtico e da identidade nacional-popular.
verdade que o poder decisrio do poder executivo e do governo
como um todo esta cada vez mais subordinado a decises que lhe so
externas, tanto no sentido das burocracias estatais quanto
principalmente das agencias internacionais do capital financeiro.
Isso para no se falar na crise de representatividade dos
parlamentos e dos partidos polticos. O debilitamento dessas
instituies facilita o ataque contra os direitos sociais
conseguidos pelo movimento operrio no ltimo sculo, fazendo
com que, em suma, os espaos democrticos fiquem mais limitados
em favor das instncias manipulatrias dos meio de comunicao
dominados e de vrias formas geridos pelo oligarquia financeira.
Enquanto a soberania dos Estados
subalternos, expressa nas polticas econmicas, esta
permanentemente condicionada pela movimentao global do capital
financeiro, os Estados imperialistas e suas instituies tem sua
capacidade de deciso transferida para burocracias internacionais
mais adequadas a gerir os interesses da oligarquia financeira do
imprio global. Diferente da poca imperialista quando o poder
do Estado e do capital industrial e financeiro se alimentavam um
ao outro, na globalizao o Estado imperialista continua a
suprir os desgnios do capital financeiro sem que no entanto esse
se realimente, pois que o capital se desloca para qualquer parte
do globo onde sua rentabilidade seja maior, despreocupando-se de
questes relativas a hegemonia civil e ao consenso social. Essa
a decorrncia da vitria de sua ao predatria que
desbaratou (pelo menos momentaneamente) qualquer antagonismo
social que projete a superao da ordem e da dinmica da
acumulao e do individualismo proprietrio.
V
Para concluir pode-se afirmar que
esta ocorrendo um muito diferenciado processo de esvaziamento dos
Estados nacionais emergentes e de desdobramento/transferncia do
poder poltico dos Estados imperialistas para instncias
supranacionais de modo a melhor defender os interesses da
oligarquia financeira e da ordem do capital como um todo. Esta
bastante evidente que qualquer recuo "nacionalista" ou
projeto nacional autrquico inexeqvel na era do capital
globalizado e do imprio universal do Ocidente.
A continuidade da forma atual do
imprio universal, com sua polticas ditas neo-liberais de benefcio
quase que exclusivo da oligarquia financeira e da economia
criminal, tendem a agravar sobremaneira a crise social global e a
intensificar a larvar guerra civil generalizada. Como a crise da
valorizao do capital tende a se agravar com a poupana de
trabalho vivo promovida pela revoluo tecnolgica os conflitos
presentes no mercado global podem se intensificar de modo a por em
confronto armado as trs cabeas do Crbero do capital. Mesmo a
tnue esperana despertada pela difuso de governos reformistas
em alguns pases importantes da Unio Europia, parece contar
com flego curto no seu desejo de conter a desocupao massiva
reduzindo a jornada de trabalho e criando espaos para o trabalho
social produtivo.
A difcil mas no impossvel
emergncia de um novo polo de poder poltico e de acumulao
que conteste o poder da trade pode agravar os riscos de
confronto num futuro no to remoto. Uma rpida olhada no mapa
sugere que esse novo plo s tem possibilidade de emergir na sia,
em torno da China, ou ento na Amrica meridional, ao redor do
Brasil. Neste caso porm, acontece que os governos de planto na
regio tem concorrido mais para inviabilizar essa possibilidade
com sua polticas de ajuste fiscal e de adequao aos
interesses da oligarquia financeira global.
Para que fosse efetiva a emergncia
desse novo polo seria necessrio que o Mercosul se espraiasse por
todo o continente e se tornasse algo mais que uma simples zona de
livre-comrcio. So necessrias a formao de instituies
polticas representativas, uma burocracia articulada e uma poltica
de defesa continental, alm, claro, de polticas cientficas
e tecnolgicas e culturais. Nessa era de globalizao
capitalista a questo da nacionalidade s pode se concretizar no
encontro e na integrao com outras nacionalidades incompletas
como as da Amrica do Sul, e no desenvolvimento de um projeto
democrtico comum. certo que as foras do capital no tem
interesse nem fora para entabular um projeto de tal envergadura
a menos que fosse aproveitando uma rara oportunidade oferecida
pelo acirramento do conflito entre os elementos da trade.
Na verdade, um projeto desse tipo s
vivel em clara oposio ao imprio universal do Ocidente e
a globalizao capitalista. E s factvel pela ao
consciente de uma nova aliana social internacional do trabalho
antagnica a dominao da imperial oligarquia financeira. Assim
a questo da reconstruo das identidades coletivas, inclusive
"nacionais", s pode ocorrer num processo de transposio
dos Estados nacionais numa identidade poltica mais ampla e
democrtica. Esse processo se confunde com o recuo do mercado do
capital em favor de espaos definidos pelo planejamento democrtico
e socialista do conjunto da vida material e pela emancipao
espiritual da humanidade redefinida numa nova situao de igual
liberdade. Esse seria o cenrio de uma reproposta revoluo
socialista e de um renovado projeto humanista e democrtico.
** prof. de Cincia
Poltica da F.F.C-Unesp (Marlia), presidente
do Instituto Astrojildo Pereira
e-mail para contato: [email protected]
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