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DIREITO
INTERNACIONAL E GLOBALIZAO
FACE S QUESTES DE DIREITOS HUMANOS
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Sumrio:
A - Introduo: 1- Conceito de globalizao.
2- Os efeitos da globalizao sobre o Direito
Internacional Pblico. 3- O espao pblico
internacional em formao; B Os Direitos
Humanos e a "Globalizao da Justia":
1- Marcos histricos dos Direitos Humanos. 2- A
Conveno de Viena e a consagrao dos princpios
da indivisibilidade, interdependncia e
universalidade. 3- O quadro normativo existente
e a poltica brasileira de Direitos Humanos.;
C- Concluses: o futuro do Direito
Internacional Pblico; D-Notas ; E.-
Bibliografia
A-
Introduo
A
globalizao, se entendida como um fenmeno
tridimensional formado pela intensificao de
fluxos diversos(1) (econmicos, financeiros,
comunicacionais, religiosos); pela perda de
controle do Estado sobre esses fluxos e sobre
outros atores da cena internacional (Badie,
1999; Frangi e Schulz, 1995(2)) e pela diminuio
de distncias espaciais e temporais (Ladi,
1994; Badie, 1999), cria expectativas de inovaes
poltico-jurdicas. Com efeito, esse fenmeno
conduz ao questionamento do princpio da
soberania, organizador das relaes entre
Estados (Canado Trindade, 1999a; Smouts,
1998), e, conseqentemente, da manuteno da
ordem pblica internacional. nesse contexto
de mutaes aceleradas que as questes de
direitos humanos esto sendo tratadas
atualmente. Neste artigo, sero analisadas as
conseqncias da globalizao no mbito da
proteo internacional dos Direitos Humanos.
A
. 1 - Conceito de "Globalizao"
Considerando
o primeiro e o terceiro nveis acima
mencionados (intensificao de fluxos diversos
e diminuio das distncias), a to
propalada "globalizao" constitui,
na verdade, processo antigo. Teve seu incio
logo no perodo dos grandes descobrimentos, no
sculo XV. Com efeito, as expedies
lideradas pelo navegante genovs Cristvo
Colombo e financiadas pelo Reino de Castilla y
Aragn romperam, em 1492, o isolamento entre o
"Velho" e o "Novo Mundo" e
implicaram crescente contato entre os pases
ento existentes.
Sabe-se
que, j no sculo XIX, a Revoluo
Industrial, com as inovaes tcnicas e
tecnolgicas nas indstrias e nos transportes,
permitiu maior integrao do mundo por
meio da intensificao das trocas mercantis e
do incremento de investimentos no estrangeiro.
Seguiu-se, sem surpresa, a expanso acelerada
das empresas multinacionais e conglomerados
financeiros(3).
O
fato que, em geral, associa-se o fenmeno
"globalizao" a aspectos econmicos
e financeiros atinentes ao ado recente.
Sucede, contudo, que no so esses os nicos
fatores a serem levados em considerao (Brunsvick
e Danzin, 1999). bem verdade que as ltimas
dcadas tm testemunhado um aumento
vertiginoso dos fluxos comerciais e financeiros,
mas tambm se pode verificar um crescimento
substancial dos contatos nos mbitos cultural,
social e at mesmo jurdico.
guisa de melhor sistemtica, podem ser
destacados os seguintes aspectos daquele
primeiro nvel de internacionalizao: a)
comercial homogeneizao das estruturas de
demanda e oferta por empresas que estabelecem
contratos de terceirizao com produtores
locais e comercializam os produtos sob suas prprias
marcas (ex: Nike, Nestl, Benetton, Carrefour);
b) produtivo fenmeno da produo
internacional de um bem para o qual concorrem
diversas economias com diferentes insumos; c)
financeiro aumento do fluxo de capitais,
decorrente da automao bancria; d)
sociocultural os mesmos instrumentos que
permitem o aumento do fluxo de capitais (redes
eletrnicas, televiso, satlites) constituem
o atual sistema de comunicao, o que
contribui para uma relativa homogeneizao da
cultura e dos padres de comportamento nas
sociedades; e) tecnolgico incremento
quantitativo e qualitativo das redes mundiais de
comunicao e informao (Internet).
De
um modo genrico, enfim, pode-se utilizar o
termo para designar a crescente e acelerada
transnacionalizao das relaes econmicas,
financeiras, comerciais, tecnolgicas,
culturais e sociais que vem ocorrendo
especialmente nos ltimos vinte anos.
Sucede
que tambm se pode conferir um carter
crescentemente "global" ao campo do
Direito, haja vista o teor cada vez mais
candente das discusses tericas, polticas e
jurdicas no que se refere relatividade da
noo clssica de soberania, com o fito de se
redimensionar a questo da aplicao das
normas de Direito das Gentes.
De
fato, torna-se cada vez mais enftica e
cristalina a idia segundo a qual a proteo
dos direitos humanos no mais matria de
competncia exclusiva das soberanias nacionais,
nem pode ser esquivada sob o manto do
relativismo cultural(4). Se antes as questes
de direito internacional interessavam apenas aos
Estados soberanos, agora elas so criadoras de
uma imensa lacuna relativa s relaes dos
Estados com outros atores, como diversas
organizaes (notadamente as ONG's), empresas
multinacionais, indivduos, minorias e grupos
de interesse.
Certo
que tal intensificao de contato entre
diversos atores trouxe consigo novas demandas de
regulao das relaes internacionais e a
opinio pblica de vrios pases tende a se
unir - como porta-voz da Humanidade - para
exigir respostas multilaterais contra Estados
soberanos julgados culpados (Vdrine, 2000)(5).
Tal foi o caso no Iraque, Ruanda, Haiti, Bsnia,
Kosovo, Timor Leste e Chechnia(6). Nota-se que
a presso da opinio pblica na Unio Europia
tem aumentado consideravelmente na dcada de
90, levando certos polticos idia de
diplomacia de interveno (nas questes econmicas),
como mostraram exemplos ses e nrdicos.
A
. 2 - Direito Internacional Pblico e Globalizao
Herdou-se
o direito internacional do sculo XVIII, quando
os filsofos europeus comearam a afirmar seus
princpios, e os soberanos a colocar-lhes em prtica
(Duflo, 1999). Kant, por exemplo, j acreditava
que a ordem internacional deveria ser construda
por relaes jurdicas e no por relaes
de poder ente os Estados soberanos - o que ele
bem explicou nas suas obras Doctrine du droit
e Projet de paix perptuelle. Sua obra
foi construda a partir da preocupao de
garantir a propriedade individual (direito
privado), a fim de garantir a paz universal
(direito pblico) e chegar ao "direito
cosmopolita" (dever de cada Estado de
estabelecer relaes jurdicas com os demais
para defender seus interesses legtimos). Ainda
que esse esquema seja discutvel, muito
importante assinalar o esboo do direito
internacional cujas esferas nacional,
internacional, pblica e privada esto
interligadas.
O
Direito Internacional, de uma maneira geral, e
os Direitos Humanos, em particular, localizam-se
no cenrio descrito na medida em que se esboa
continuamente uma idia de "globalizao
da justia". Com efeito, pode-se afirmar
que o tema da defesa internacional dos direitos
fundamentais do ser humano tem assumido uma
configurao cada vez mais "global",
eis que se exige dos Estados nacionais o
cumprimento dos instrumentos jurdicos
internacionais firmados que regulam a matria.
Exemplos recentes so as cobranas feitas pela
Unio Europia Turquia (que almeja integrar
o seleto grupo dos Quinze), ou de ONG's que
denunciam a represso poltica em pases como
a China. Cabe assinalar, ainda, as diversas
querelas entre Estados duvidosamente democrticos
e as ONG's, tais como "Amnesty
International"(7) e "Human Rights
Watch".
O
primeiro efeito da globalizao, do ponto de
vista da relao entre Estados soberanos, a
crescente demanda legtima por uma melhor
regulao internacional. Contudo, as fontes
dessa demanda causam tambm problema, porque no
so apenas os Estados, mas todos os atores
internacionais que conseguirem participar dos
mecanismos decisrios. Por exemplo, quando
ONG's se unem para exigir o fim do trabalho
escravo no mundo. Sucede que a necessidade dessa
construo jurdica acelerada ao mesmo
tempo que a "fratura social"(8) entre
Estados ricos e pobres tem se agravado(9). A
ordem internacional tende a ser reformada pelos
Estados mais poderosos (ou politicamente
organizados), que defendem suas prioridades e
interesses, mas acabam comprometendo todos os
outros(10).
Porm,
o principal efeito da globalizao a
intensificao de conflitos entre normas e
sujeitos de direito internacional pblico,
levando ao questionamento sobre a
operacionalidade dos referenciais de regulao.
Em outros termos, o direito internacional
destinado unicamente aos Estados soberanos e s
organizaes internacionais est sendo
submetido a uma leitura mais exigente da observncia
das normas internacionais. Ademais, verifica-se
que mecanismos jurdicos de sanes, antes
impensveis face pretensa soberania
absoluta, aparecem lentamente nos debates
multilaterais. Enfim, os Estados comeam a
prestar contas a outros atores e a opinies pblicas
cujas nacionalidades se somam e se misturam. Ento,
o ponto interessante a sublinhar a irrupo
desses atores na cena internacional e a sua atuao
como juzes da ao poltica do Estado
(soberano). Este o incio do debate sobre a
formao do "espao pblico
internacional" que ser desenvolvido
adiante.
Nesse
contexto de construo jurdica marcado pela
desigualdade internacional, outra fonte de
contendas a fragilidade do princpio de
universalidade do direito e dos valores que ele
defende (Vdrine, 2000)(11). Quando se fala em
direitos humanos, as questes mais abordadas na
Unio Europia so as minorias tnicas, as vtimas
de guerras (prisoneiros, refugiados, imigrantes)
e a proteo do cidado contra o abuso de
poder pblico (ou seja, o o a tribunais
internacionais ou supranacionais). No Brasil,
por outro lado, os valores so os mesmos, mas
as questes pertinentes so a proteo da
infncia, o estatuto dos ndios e a vida
carcerria. Ora, o direito internacional
espelha as preocupaes ocidentais de manter
uma ordem internacional estvel e pacfica,
pois foi codificado principalmente por
Estados-nao dominantes da cena internacional
a partir da era das grandes navegaes. Em razo
dessa fragilidade inerente a toda construo
multilateral, o direito internacional avana
lentamente e depende das concesses feitas
pelos Estados. Assim, Chartouni-Dubarry e al
Rachid (1999) asseveram que o princpio de
universalidade uma grande falcia jurdica,
e por isso os textos internacionais so muitas
vezes simples declaraes de compromisso sem
poder cogente.
Quanto
aos Estados, de bom alvitre ressaltar que
cada um age em funo de interesses prprios,
que so definidos como seus interesses
nacionais, mas nem sempre expressos de maneira
clara e transparente. Conseqentemente, a
definio de termos jurdicos bem como sua
interpretao no so jamais neutras,
qualquer que seja a questo. Dessa divergncia
legtima de interpretaes, de percepes e
de interesses surge o conflito de legitimidades
(Badie e Smouts, 1999) e o contedo de direito
internacional torna-se a pedra de toque de
atores internacionais que consomem esse
direito(12). Com efeito, tal conflito
resultado lgico da diversidade de atores, e,
portanto, no constitui, por si s, novidade.
No
entanto, para evitar o obstculo da divergncia
de interesses ou o desafio do reconhecimento da
heterogeneidade, acreditou-se que era possvel
criar um modelo ideal, justo e adequado para
todos os atores internacionais, ou melhor,
aproveitar a oportunidade para impor
internacionalmente um modelo nacional. Nesse
sentido, a ao da OTAN no Kosovo demonstrou
que primeiramente alguns Estados decidiram agir,
para depois legalizarem as operaes militares
pelo recurso aos instrumentos onusianos. Essa
ilustrao pode ser tomada como prova da
vontade dos decisionmakers mais
poderosos(13) de manter a segurana mundial e o
respeito dos direitos humanos, enquanto os
outros no interferiram de maneira
significativa no processo decisrio (Gounelle,
1998).
Porm,
em termos estritamente jurdicos, foi a
comunidade internacional que puniu um agressor
em nome do bem-estar da humanidade. Cabe aqui
observar que esse conceito de
"comunidade" distingue-se do conceito
de "sistema internacional" usado pela
corrente realista das relaes internacionais
que privilegia o papel do Estado.
"Comunidade" traduz o interesse de
mostrar a diversidade de atores internacionais,
sem que estes cheguem a formar uma verdadeira
"sociedade civil internacional", como
supe Wapner (1996). Alm disso, como defendeu
Kant e seus sucessores, no h sociedade
internacional (no sentido forte do termo) sem
que haja um direito que regule as relaes
dentro dela. Portanto, se o debate terico
sobre a existncia de uma sociedade ou
comunidade internacional parece interminvel,
inissvel que os dois termos sejam
utilizados como sinnimos.
Depois
que a comunidade internacional condenou o
Iraque, em 1991, esse fenmeno tem crescido
porque ela se sente garantidora do bem-estar da
humanidade. Enfim, a construo jurdica para
estabelecer as "regras do jogo" e
assegurar certa previsibilidade do cenrio
internacional influenciada por lutas polticas.
Alm disso, os contenciosos transfronteirios
tendem a aumentar na mesma medida em que a
globalizao tende a se espargir (Mercadante e
Magalhes, 1998).
Por
conseguinte, do ponto de vista das relaes
entre Estados e diversos atores, o direito sofre
concorrncia de uma ordem jurdica
internacional que aspira a uma nova ordem
normativa alm da simples coordenao das
relaes de poder entre Estados soberanos(14).
Este seria, com efeito, o terceiro grande
impacto do fenmeno da globalizao no campo
jurdico. Em outros termos, existe uma
comunidade de atores internacionais - geralmente
denominada "comunidade internacional"
- que demanda reconhecimento jurdico para
poder agir legalmente, e por isso milita para
transformar o direito internacional dos
soberanos em direito internacional das relaes
entre todos os atores legtimos. Dessarte,
parece incontestvel o dcalage entre a
ordem normativa que o direito internacional
oferece atualmente e as aspiraes de outros
atores internacionais, como as empresas
multinacionais e as ONG's.
De
fato, o papel e a natureza do Estado so
contestados no cenrio internacional por atores
que uma leitura estrita do direito internacional
no reconhece (Frangi e Schulz, 1995). O
exemplo das crescentes interaes entre atores
pblicos e privados pertinente no s
porque reflete a complexidade do contexto, mas
tambm porque levanta a questo sobre que tipo
de regulao jurdica internacional seria
adequada realidade atual. Outrossim, o
direito de agir dentro do cenrio internacional
faz parte da agenda das ONG's e da opinio pblica
e constitui o "paradigma da dignidade da
pessoa humana" (Ndia de Arajo) (15).
Nesse sentido, a grande questo atual como
assegurar aos indivduos o o aos tribunais
internacionais de direitos humanos. O exemplo da
Corte Europia dos Direitos Humanos , por
enquanto, nico no mundo.
Nesse
sentido, o questionamento da validade de
conceitos tradicionais seria o quarto efeito da
globalizao sobre o direito internacional pblico.
Exemplos de conceitos colocados prova da
realidade atual so: soberania nacional (Byers,
1991; Litfin, 1997, 1998; Badie, 1999; Krasner,
1999), ingerncia (Zorgbibe, 1994;
Moreau-Defarges, 1997), comunidade internacional
(Frangi e Schulz, 1995; Lefebvre, 1997), opinio
pblica internacional (Favre, 1994), humanidade
como destinatria do direito internacional (Ost
e Gutwirth, 1996) etc. Nesse contexto de incurso
de atores exteriores dentro do domnio
reservado dos Estados, surge a seguinte questo:
em que medida o espao pblico internacional
em plena formao poderia atenuar esse duplo
desequilbrio entre direito das relaes
entre Estados e direito das relaes entre
Estados e outros atores?
A
.3 - O espao pblico internacional em formao
A
crescente participao de atores
internacionais diversos nas questes
internacionais fenmeno irrefragvel em
questes relativas proteo internacional
dos direitos humanos. O termo "espao pblico
internacional" traduz, segundo o Professor
Bertrand Badie(16), essa abertura poltico-jurdica.
O conceito de espao pblico utilizado
habermasiano, definindo um espao onde
diferentes componentes de uma sociedade se
exprimem e se estabelecem atravs da comunicao
entre eles.
A
grande magia da era da globalizao clara:
a informao circula no Planeta e nigum tem
o poder de "engavetar um processo" sem
prestar contas a uma opinio pblica cada vez
mais militante. Comprova-se, certamente, o
paradigma de relaes internacionais segundo o
qual os Estados no so - e talvez nunca
tenham sido - atores exclusivos das relaes
internacionais, haja vista que a literatura mais
recente chega mesmo a questionar ou a
relativizar o significado do conceito de
soberania(17). O Estado parece estar, por isso,
intimado a redefinir seu papel (Badie e Smouts,
1999) para a satisfao da humanidade em
termos globais de justia.
Contudo,
aborda-se a era da globalizao ps-Guerra
Fria no como uma situao de crise de
governana global, mas como o nicio de sua
formao. Essa governana, descrita por James
Rosenau e citada por Smouts(18), supe a
"existncia de regras, a qualquer nvel
de atividade humana, da famlia at as
organizaes internacionais, cujas
finalidades, que so controladas, tm incidncias
internacionais". Essa abordagem objetiva
demonstrar como indivduos e instituies
procuram resolver, por meio de processos
interativos de deciso, problemas comuns, tais
como os fenmenos transnacionais de migraes,
criminalidade, poluio e trficos (de
entorpecentes, de mercadorias ou de dinheiro).
Nesse sentido, a institucionalizao gradativa
das relaes internacionais por meio de
instrumentos jurdicos uma das condies
de possibilidade dessa governana global.
Em
conseqncia, o direito internacional pode ser
considerado um regime relativo (Lefebvre, 1997).
Em primeiro lugar, por questo de contedo,
pois os textos internacionais no so
universais nem hierarquizados, e seu poder de
coero depende da vontade poltica de atores
interessados. Em segundo lugar, porque existem
diferentes percepes polticas e jurdicas
oriundas da multiplicidade de valores de cada
sociedade. Por exemplo, os Estados ocidentais
liberais e a Amrica Latina valorizam os
direitos polticos e civis porque acreditam que
eles asseguram a pluralidade poltica e a
democracia liberal. Mas os socialistas,
inspirados no marxismo, distinguiam direitos
formais dos direitos reais, sendo apenas os ltimos
garantidos pela sociedade socialista igualitria,
como o direito ao trabalho. E certos Estados da
frica e da sia, para limitar o liberalismo
poltico, escolheram a inspirao marxista,
facilmente identificada em textos de 1981, tais
como a Carta Africana de Direitos Humanos e dos
Povos e a Declarao Islmica Universal de
Direitos Humanos.
Em
terceiro lugar, por sua natureza, o direito
internacional tambm relativo, pois entra em
conflito com o princpio de soberania e as nicas
solues para a aplicao do texto jurdico
contra um Estado so as presses diplomticas
(e econmicas) e a mobilizao da opinio pblica
internacional. Em quarto lugar, a relatividade
tambm se explica pelo espao territorial,
porque os dois textos mais avanados em matria
de direitos humanos so a Carta da Unio Europia
e a Carta da OEA. As outras regies do mundo
apresentam nveis muito dspares de controle
jurdico. Em termos de responsabilidade penal
internacional, aquelas Cartas representam casos
de exceo, porque os crimes de guerra so e
sero sancionados por solues ad hoc (clusula
124 dos acordos da Corte Penal de Justia).
Enquanto os crimes contra os direitos humanos so
de competncia dos Estados, esperando que a J
funcione sistematicamente.
B
- Direitos Humanos e a "Globalizao da
Justia"
Antes
de tudo, convm analisar a evoluo do
direito internacional antes e aps a II
Grande Guerra. Antes de 1945, o direito
internacional ou em silncio pelas questes
de direitos humanos, tratando apenas de questes
restritas escravido e ao trabalho forado.
As questes humanitrias entravam na agenda
internacional quando ocorria uma guerra, mas
logo mencionava-se o problema da ingerncia
contra um Estado soberano e a discusso morria
lentamente. Temas como o respeito s minorias
dentro de territrios nacionais e direitos de
expresso poltica no eram abordados para no
ferirem o ento inconstestvel e absoluto
princpio de soberania (Lefebvre, 1997:115-7).
Aps
a Segunda Guerra, o tema "Direitos
Humanos" ou a ser tratado como
verdadeira revoluo, na medida em que teria
colocado o ser humano individualmente
considerado no primeiro plano do Direito
Internacional Pblico em um domnio outrora
reservado aos Estados nacionais. Paradoxalmente,
o direito internacional feito por Estados e para
os Estados comeou a tratar da proteo
internacional dos direitos humanos contra o
Estado, nico responsvel reconhecido
juridicamente. Esse novo elemento significaria
uma mudana qualitativa para a comunidade
internacional, pois no se cingiria mais a
interesse nacional particular(19). O cidado,
antes vinculado a sua nao, torna-se lenta e
progressivamente "cidado do
mundo"(20).
A
multiplicao dos instrumentos internacionais
aps o final dessa guerra, como a Declarao
Universal de 1948 e os dois Pactos de 1966,
levaram a uma nova evoluo da proteo
internacional dos direitos humanos. Por essa razo,
o que se verifica na atualidade uma espcie
de busca por uma "justia
globalizada", a qual poderia ser
institucionalizada por meio de um tribunal
verdadeiramente supra-nacional, permanente e
livremente constitudo pela comunidade
internacional.
A
propsito, alguns estudiosos aventam a urgncia
de se "constitucionalizar" as relaes
internacionais(21) para sob a gide do
paradigma grociano enfatizar a sociabilidade
existente para tornar possvel elaborar regras
que garantam uma convivncia internacional
harmoniosa. Essa "constitucionalizao"
exigiria o estabelecimento de um verdadeiro e nico
tribunal internacional e evitaria o que se
verifica na atualidade: a proliferao fcil
de tribunais ad hoc - o que constitui
fator altamente pernicioso para a construo
de um sistema jurdico internacional
equilibrado, eficiente e justo.
bem verdade que essa idia no se coaduna com
a realidade (em sentido hobbesiano) das relaes
internacionais, sempre assimtricas e marcadas
pelo diferencial de poder entre os atores. Seria
ingnuo supor, por exemplo, que uma grande potncia
fosse acatar sentenas e decises contrrias
a seus interesses. De qualquer sorte, entende-se
que o sistema multilateral ainda o melhor
mecanismo para resolver questes jurdicas
apresentadas constantemente no cenrio
internacional. preciso estimular o dilogo
baseado no respeito ao Direito Internacional,
resoluo pacfica de controvrsias e aos
princpios reconhecidos como bsicos no mbito
do Direitos Humanos.
A
relativizao da soberania a questo
central da temtica referente aplicao
atual de mecanismos de proteo dos Direitos
Humanos. sobejamente sabido que o primeiro
grande precedente que rompeu com a idia de um
domnio reservado dos Estados em Direitos
Humanos foi o "Grupo de Trabalho Especial
sobre a Situao dos Direitos Humanos no
Chile", do regime de Pinochet. Sucede,
contudo, que o "Tribunal" ad
hoc criado refletiu a fora poltica
momentnea em detrimento do fortalecimento dos
mecanismos do Direito Internacional Pblico.
Trata-se de evidente mecanismo que contribui
mais para resolver questes especficas, ao
sabor das circunstncias polticas e da fora
da opinio pblica, do que para instaurar
mecanismos permanentes e firmes de controle do
Direito.
B.1
- Marcos histricos dos Direitos Humanos
Na
prpria Bblia, est estatudo, no Gnesis,
que "Deus criou o homem sua
imagem", como querendo ensinar que o homem
assinala o ponto culminante da criao. Nesse
sentido, observa Hannah Arendt que "... a
prpria vida sagrada, mais sagrada que tudo
mais no mundo; e o homem o ser supremo sobre
a terra"(22). Assim, entende-se que todo
homem nico e quem suprime sua existncia
como se destrusse o mundo por completo.
Analisando
as idias apresentadas pelos grandes pensadores
da teoria poltica moderna, verifica-se que os
indivduos, at mesmo para Hobbes, tm o
direito inalienvel vida(23). Esses e outros
direitos fundamentais correspondem ao que
Jean-Marie Dupuy qualificou de "noyau dur"
dos direitos humanos. Eles remetem-nos s
obrigaes erga omnes da Corte
Internacional de Justia e referem-se ao princpio
de jus cogens evocado na conveno de
Viena sobre Tratados Internacionais (Lefebvre,
1997: 123).
Ademais,
pode-se dizer que h certa relao entre a
teoria de Locke - para quem o Estado e o Direito
so uma espcie de meio-termo entre a
liberdade vigente no "estado de
natureza" (onde tudo permitido) e as
exigncias da vida em sociedade e os princpios
que inspiraram a proteo dos direitos
fundamentais do ser humano. De fato,
importante aqui ressaltar que a agem do
Estado absolutista para o Estado de Direito (Rule
of Law) transita pela preocupao do
individualismo em estabelecer limites ao abuso
de poder do todo em relao ao indivduo.
Esses
limites encontrariam guarida na idia de diviso
dos poderes, que, preconizada por Montesquieu,
quedou estatuda no art. 16 da Declarao dos
Direitos do Homem e do Cidado: "Toute
socit dans laquelle la garantie des droits
nest pas assure, ni la sparation des
pouvoirs dtermine, na point de
Constitution".
Ainda
que se observe que os principais marcos histricos
da temtica esto na Revoluo Parlamentar
Inglesa, na Independncia dos EUA e na Revoluo
sa, com suas respectivas Declaraes, a
incluso da observncia dos Direitos Humanos
entre os princpios da Carta da ONU (1945) e a
proclamao da Declarao Universal dos
Direitos Humanos (1948) representaram mudana
qualitativa das relaes internacionais.
Com
efeito, a Carta de So Francisco, consoante
Pierre Dupuy, fez dos Direitos Humanos um dos
axiomas da organizao, conferindo-lhes uma
estatura constitucional no Direito das
Gentes.(24)
Certo
que o tema "Direitos Humanos"
constitui um dos itens mais importantes da
agenda internacional contempornea. Para analis-lo
de maneira mais sistemtica, convm agora
abordar trs pontos: a Conveno de Viena; o
quadro normativo existente no plano
internacional; e a poltica brasileira na matria.
B.2
- A Conferncia de Viena e a consagrao dos
princpios da indivisibilidade, da interdependncia
e da universalidade.
Aps
um quarto de sculo da realizao da I
Conferncia Mundial de Direitos Humanos,
realizada em Teer, a II. Conferncia
(Viena, 1993) consagrou os Direitos Humanos como
tema global(25).
A
Conferncia de Viena conferiu abrangncia indita
aos Direitos Humanos ("DH"), ao
reafirmar sua universalidade, indivisibilidade e
interdependncia. Ademais, afastou a objeo
de que o tema estaria no mbito da competncia
exclusiva da soberania dos Estados.
Quanto
universalidade, foi uma das conquistas mais
difceis da Declarao de Viena. De fato, s
ao final se conseguiu consenso sobre o carter
universal dos DH e se compreendeu que a
diversidade cultural no pode ser invocada para
justificar sua violao. Assim, ainda que as
diversas particularidades histricas,
culturais, tnicas e religiosas devam ser
levadas em conta, dever dos Estados promover
e proteger os DH, independentemente dos
respectivos sistemas. A observncia dos DH no
pode ser questionada com base no relativismo
cultural. Entendeu-se que a universalidade ,
na verdade, enriquecida pela diversidade
cultural, que no pode ser invocada para
justificar a violao dos direitos humanos.
Cuida-se,
aqui, de um processo de amadurecimento das idias
relacionadas dignidade humana mnima e
universalidade do ser humano individualmente
considerado, acima de quaisquer particularismos.
Os Direitos Humanos am, ento, a ser
encarados como sinal de progresso moral(26).
O
que se superou foi a resistncia derivada do
suposto "conflito de civilizaes",
aceitando-se a unidade do gnero humano no
pluralismo mesmo das particularidades das naes
e de seus antecedentes culturais, religiosos e
histricos.
Tanto
sob o ponto de vista da diplomacia, como sob o
ponto de vista do Direito, o avano foi
extraordinrio. Contudo, no se pode afirmar
que, no campo operativo, o universalismo tenha
realmente suplantado o relativismo(27). Com
efeito, os instrumentos jurdicos sobre a matria
tm mais carter declaratrio do que
impositivo.
De
qualquer sorte, a Declarao de Viena tambm
estatuiu que a proteo dos DH no pode ser
questionada com base na soberania. Com efeito, o
reconhecimento da legitimidade da preocupao
internacional com a proteo dos DH foi outra
conquista conceitual da Declarao.
Confirmou-se a idia de que os DH extrapolam o
domnio reservado dos Estados, invalidando o
recurso abusivo ao conceito de soberania para
encobrir violaes. Os DH no so mais matria
de competncia exclusiva das jurisdies
nacionais. No se levanta mais a exceo do
"domnio reservado dos Estados", em
benefcio ltimo do ser humano.
importante sublinhar que a prpria Carta da ONU
consagra, em seu texto(28), o princpio da no-ingerncia
em assuntos de competncia interna dos Estados,
o que deu ensejo a diversas interpretaes no
que tange legitimidade de uma ao da ONU
nesse campo. Sucede que o chamado "direito
de ingerncia" um dos conceitos
abusivos que mais tm prejudicado o trabalho da
ONU em favor dos Direitos Humanos. No contexto
do direito humanitrio, "sua origem
remonta ao final dos anos 80, quando os "Mdecins
sans Frontires" encontraram obstculos
governamentais para fornecer auxlio mdico e
alimentar a populaes africanas e asiticas
em reas conflagradas"(29).
A
idia de "competncia nacional
exclusiva" encontra-se, agora, superada
pela atuao dos rgos de superviso
internacionais na proteo dos direitos
humanos. De fato, no h noo mais alheia
proteo internacional dos Direitos Humanos
que a da soberania"(30). Por isso mesmo
acredita-se que esse princpio deva ser
redefinido em funo das aspiraes dos
componentes do espao pblico internacional em
plena fase de consolidao.
Ao
firmar um Tratado qualquer, os Estados abdicam
de uma parcela de sua soberania e se obrigam a
reconhecer como legtimo o direito da
comunidade internacional de observar sua ao
interna sobre o assunto de que cuida o
instrumento jurdico negociado e livremente
aceito. Ademais, o Professor Canado Trindade
(1999) atribui proteo internacional dos
direitos humanos um carter especial, haja
vista que estes prescrevem obrigaes visando
a garantir o interesse geral, independementement
dos interesses individuais das partes
contratantes. Sendo assim, os direitos humanos
consagrados em instrumentos internacionais no
devem ser limitados, salvo esteja explcito em
texto jurdico.
No
que tange indivisibilidade, est superada a
dicotomia entre "categorias de
direitos"(civis e polticos, de um lado;
econmicos, sociais e culturais, de outro).
Verificou-se que a teoria das "geraes
de direitos" historicamente incorreta e
juridicamente infundada, porque no h
hierarquia quanto a esses direitos e porque os
argumentos em favor dessa diviso so
ultraados. Com efeito, os direitos humanos
devem ser considerados de maneira eqitativa,
em p de igualdade e com a mesma nfase.
Dado
novo, desde o incio defendido pelo Brasil,
a interdependncia entre democracia,
desenvolvimento e DH. O reconhecimento do
direito ao desenvolvimento como direito humano
universal foi o maior xito para os pases em
desenvolvimento. A Declarao de Viena prope
medidas concretas para a realizao do direito
ao desenvolvimento, por meio da cooperao
internacional, tais como: alvio da dvida
externa e luta para acabar com a pobreza
absoluta.
Em
resumo, certo que o sistema internacional de
proteo do DH saiu fortalecido da Conferncia
de Viena, eis que quedaram estatudos princpios
fundamentais no caminho da "globalizao"
dos mecanismos concretos de proteo dos
Direitos Humanos.
|
B.3 - O
quadro normativo existente e a poltica brasileira de
Direitos Humanos.
Para
expor o arcabouo jurdico existente, convm ressaltar,
de incio, que a Declarao Universal dos Direitos
Humanos (1948), proclamada pela Assemblia Geral da ONU,
definiu, pela primeira vez, como "padro comum de
realizao para todos os povos e naes" os DH e
liberdades fundamentais.
Previu-se,
em seguida, a adoo de dois Pactos para a implementao
da Declarao. Sucede que, devido a controvrsias
Leste-Oeste e Norte-Sul, a elaborao levou 20 anos e
outros 10 foram necessrios para a entrada em vigor. Por
fim, foram adotados, em 1976, o Pacto de Direitos Econmicos,
Sociais e Culturais; e o Pacto de Direitos Civis e Polticos.(31)
Desde
a Declarao Universal de 48 at hoje, a ONU adotou
mais de 60 Declaraes e Convenes sobre DH. Convm
ressaltar que as Convenes constituem hoje importante
arcabouo jurdico das Naes Unidas. Formam o que se
denomina "the United Nations Human Rights System",
cujo poder de influncia na matria tem sido crescente.
O Brasil parte de todas as mais significativas:
a)
"Conveno Internacional para a Eliminao de
Todas as Formas de Discriminao Racial", adotada
em 1965, em vigor desde 1969 e ratificada pelo Brasil em
1968;
b)
"Conveno para a Eliminao de Discriminao
contra a Mulher", adotada em 1979, vigente em 1981 e
ratificada pelo Brasil em 1984. Reuniu o maior nmero de
reservas. O Brasil tambm expressou reservas devido ao Cdigo
Civil. Mas, com a Constituio de 1988, foram elas
revistas pelo Governo brasileiro, por no mais se
coadunarem ao tetxo constitucional;
c)
"Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos e
Punies Cruis, Desumanos e Degradantes", adotada
em 1984, vigente em 1987 e ratificada pelo Brasil em 1989.
Embora a Constituio de 1988 tenha qualificado a
tortura como crime inafianvel e insuscetvel de graa
ou anistia, o crime ainda no foi tipificado;
d)
"Conveno sobre os Direitos da Criana",
adotada em 1989, vigente em 1990 e ratificada pelo Brasil
em 1990. Tendo sido ratificada por 191 dos 193 pases-membros(32),
tida por "virtualmente universal".
Ressalte-se que o "Estatuto da Criana e do
Adolescente" do Brasil reflete suas disposies, as
quais foram adaptadas ao caso brasileiro.
Quanto
ao quadro normativo interamericano, o Brasil ratificou, em
1989, a "Conveno Interamericana para Prevenir e
Punir Tortura" e, em 1992, a "Conveno
Interamericana sobre Direitos Humanos" (Pacto de San
Jos).
No
que tange poltica brasileira de DH, o Brasil conheceu
quatro momentos de evoluo de sua atuao na Comisso
de Direitos Humanos da ONU. O primeiro vai de 1964 a 1977.
Esse perodo, caracterizado pelo auge do regime
ditatorial, pautava-se pela ausncia de dilogo da parte
do Brasil sobre a temtica. As manifestaes oficiais
eram espordicas e sempre marcadas por elevado grau de
confidencialidade.
O
segundo de 1977 (quando o Chanceler Azeredo da Silveira
abordou o tema, pela primeira vez, de maneira abrangente e
cautelosa) at 1984. Foi um perodo de posies
conservadoras e defensivas. De qualquer forma, o Brasil
decidiu abri o dilogo com a apresentao de
candidatura oficial Comisso de Direitos Humanos.
O
terceiro vai de 1985, com o comeo da redemocratizao
(quando o Presidente Sarney anuncia nossa adeso aos
Pactos de Direitos Civis e Polticos e de Direitos Econmicos,
Sociais e Culturais), at 1990. Foi um perodo de
reconhecimento relativamente tmido da legitimidade das
iniciativas multilaterais de controle das violaes de
DH. Registre-se que, em 1988, a Constituio Federal
estabeleceu, no art. 4, que a prevalncia dos DH um
dos princpios que regem as relaes internacionais do
Brasil.
O
quarto vai de 1991 at hoje, em que os mecanismos
internacionais no configuram atentado ao princpio de no-interveno.
H reconhecimento pleno da legitimidade dos mecanismos
internacionais de proteo. A poltica brasileira de DH
mudou, de fato, com a consolidao das instituies
democrticas.
Atualmente,
a poltica brasileira de DH se caracteriza pelos
seguintes fatores: a) atuao pautada pela transparncia
e disposio para o dilogo com rgos
internacionais, autoridades estrangeiras e ONGs(33); b)
adeso a todos os Pactos e Convenes relevantes na matria;
c) valorizao dos foros e mecanismos multilaterais; d)
valorizao da cooperao internacional; e) exigncia
de atuao internacional para as causas estruturais da
violncia social.
O
Brasil ite a existncia de problemas e manifesta o
desejo de resolv-los. Mas, ao expor comunidade
internacional a prpria situao interna, procura
ressaltar a dimenso socioeconmica da questo. No
esconde seus problemas (haja vista a cobrana de ONGs
quanto aos episdios de Candelria, Vigrio Geral,
Carandiru, ndios ianommi etc), mas procura mostrar a
vinculao com a questo do desenvolvimento. Em outras
palavras, procura mostrar a relao entre pobreza,
criminalidade, violncia e violao dos DH, o que
significa que h causas estruturais a serem consideradas
e que as violaes de DH no ocorrem com a conivncia
do Estado.
O
Brasil de hoje no se caracteriza mais pela
arbitrariedade de um regime autoritrio mas pelas
dificuldades de um pas democrtico em assegurar a proteo
dos DH, dentro do quadro constitucional e em consonncia
com seu nvel de desenvolvimento.
Deve
ser enfatizado que a poltica do Brasil de avaliar e
expor a prpria situao no para solicitar a
indulgncia internacional, mas para chamar ateno para
a difcil situao socioeconmica de uma pas em
busca de efetivo respeito dos DH e de reconhecimento de
seus esforos.
C
- Concluses
Poder-se-ia
elencar trs novas caractersticas do direito
internacional em construo (Weiss, apud.
Aubertin e Vivien, 1998:2-15). A primeira, decorrente das
lacunas entre as relaes de Estados e de outros atores,
a interseco das esferas do direito pblico e do
privado, tanto no mbito nacional como no internacional.
Segundo exemplo da Professora Ndia Arajo(34), tudo o
que for codificado no mbito da Organizao Mundial do
Comrcio (OMC) ter conseqncias importantes para
contratos privados.
A
segunda caracterstica a crescente utilizao de
instrumentos legais no-cogentes ou voluntrios, sob a
forma de declaraes de intenes ou de atos
unilaterais. Como se a comunidade internacional pudesse de
facto julgar a ao poltica dos Estados que se
comportam mal. Na Cpula da Francofonia de 1999 no Canad,
por exemplo, este pas props sanes aos Chefes de
governo que violassem os direitos humanos, mas essa
"comunidade internacional" restrita se contentou
em adotar a proposta do Presidente francs Jacques Chirac
de criar um "Observatrio dos Direitos
Humanos", sem nenhum efeito cogente.
Cabe
ressaltar que a sociedade internacional ainda
descentralizada e assim ser muito provavelmente por
longo tempo. Ademais, no h, no sistema internacional,
nem autoridade superior, supranacional, nem mesmo milcia
permanente, que possa tornar obrigatrio, sob via de fora,
o cumprimento das normas. Decorre, portanto, que os
Estados sofrem presses difusas e confusas, mas ainda so
os principais responsveis pela construo do direito
internacional e dos direitos humanos, em particular.
Sucede,
contudo, que o direito internacional nunca foi to
solicitado no mundo e to ampliado a questes diversas (Lefebvre,
1997). Nesse sentindo, os primeiros os do Tribunal
Internacional Penal confirmam a retomada do ideal de justia
internacional: para Canado Trindade (1999), o
monitoramento mundial do respeito aos direitos humanos e a
incluso dessa dimenso nos programas das Naes
Unidas so etapas importantes para a realizao desse
ideal.
A
terceira a integrao do direito nacional e do
direito internacional medida que os textos
internacionais exigem uma harmonizao de outras legislaes
domsticas. Considerando que os instrumentos
internacionais ratificados pelos governos de cada
Estado-parte prevalecem sobre as legislaes nacionais (ou,
ao menos, a ela se equivalem, em igualdade hierrquica),
essa evoluo parece bvia. Contudo, a questo do
status normativo das fontes internacionais frente s
nacionais no ser desenvolvida.
Constata-se,
em suma, que o processo cunhado de "globalizao"
tem surtido efeitos impressionantes na esfera jurdica,
haja vista a necessidade de regulao internacional mais
consentnea com as demandas atuais da comunidade
internacional. Apesar da natural diversidade de interesses
dos Estados, a idia de "constitucionalizao"
das regras de conduta dessa comunidade no que se refere
proteo dos direitos humanos cada vez mais premente,
o que implica reforar a relatividade do conceito de
soberania.
D
-NOTAS
1.
Para uma definio detalhada de "globalizao
multidimensional", ver Viola (1996).
2.
O Estado tem direito soberano de controlar mensagens que
entram no seu territrio, segundo a Resoluo 37-92 da
ONU datada de 10.12.1982.
3.
O nmero de transnacionais em 1970 situava-se em torno de
7.000; j em 1992, estimava-se em 37.000.
4.
Para uma verso onusiana do tema, ver a entrevista de K.
Annan, The Economist, 18.09.1999.
5.
Debate realizado entre o Ministro francs das Relaes
Exteriores, Hubert Vdrine, e 80 estudantes no Quai d'Orsay,
Paris, junho de 2000. Foi um exemplo chocante de como a
juventude sa exigiu de seu ministro polticas
severas contra todos que violam os direitos humanos
(denunciados pela imprensa), principalmente Beijing e
Moscou.
6.
Cada caso merecedor de ateno especial. Na Chechnia,
por exemplo, a guerra ainda no acabou, e a comunidade
internacional fez presso diplomtica, sem influenciar a
poltica de "extermnio de terroristas" de
Vladimir Poutine.
7.
Esta ONG denunciou, em relatrio publicado dia 29 de maro
de 2000, no s as violaes aos direitos humanos no
Reino da Arbia Saudita, como sendo o "pior sistema
judicirio do mundo", mas tambm a indiferena da
comunidade internacional. Jornal Libration,
30.03.2000, p.14.
8.
Termo utilizado pelo Presidente J. Chirac para descrever
esse fenmeno de disparidades mltiplas dentro da
sociedade sa.
9.
Segundo dados comparativos dos relatrios do PNUD dos ltimos
30 anos.
10.
Sobre a desigualdade de poder no cenrio internacional,
ver Hurrel, A. e Woods, N. Inequality, Globalization
and World Politics, 1999.
11.
Ver nota 5.
12.
Chartouni-Dubarry e al Rachid, "Droit et
mondialisation", 1999.
13.
O conceito de poder objeto de querelas interminveis
na teoria de relaes internacionais. Ele traduz aqui a
capacidade de agir na cena internacional (Gounelle, 1998;
Lefebvre, 1997), de atores coletivos como G-8 e OTAN, UE
ou individuais, como os EUA.
14.
Chartouni-Dubarry e al Rachid, op. cit.
15.
Entrevista realizada dia 23 de maio de 2000. Ver Boucault
e Araujo (1999).
16.
Professor de Relaes Internacionais no Instituto de
Estudos Polticos de Paris. Entrevista realizada dia
09.03.2000, em Paris.
17.
Ver Krasner, S. Sovereignity: Organized Hipocrisy,
1999. Ver tambm Badie, B. La fin des souverainets, 1999.
18.
Smouts, M.-C. "Du bon usage de la gouvernance en
relations internationales", Revue Internationale
des Sciences Sociales, n 155, mars 1998, p. 85-94.
19.
Cf. Drinan, R. Cry of the oppressed: the human rights
revolution. So Francisco: Row Pub,1987.
20.
Nota-se a aproximao do ideal de jurisdio planetria
com a criao de tribunais internacionais, como o
Tribunal Penal Internacional.
21.
Cf. Lafer, Comrcio, Desarmamento e Direitos Humanos.
Paz e Terra, 1999, p.141.
22.
Arendt, Hannah. Entre o ado e o Futuro. So
Paulo, Perspectiva, 1972, p.83.
23.
Hobbes, T. Leviathan. Harmondsworth, Penguin Books,
1979, pp.189-201.
24.
Dupuy, P. La protection internationale des droits de
lhomme, p.404, 1980.
25.
Ressalte-se que ao Brasil coube, por indicao, presidir
o Comit de Redao.
26.
Bobbio, L et dei diritti, Torino: Einaudi,
1990, pp.143-155
27.
Cf. exemplos in: Lindgren Alves, J. Os Direitos Humanos
Como Tema Global, 1994, p.140.
28.
Art. 2, # 7.
29.
Lindgren Alves, J . op. cit., p. 38.
30.
Trindade (Cf. apresentao ao livro de Lindgren Alves,
J. Os Direitos Humanos como Tema Global, 1994)
31.
Desde 1992, o Brasil parte dos dois intrumentos.
32.
Com as excees dos Estados Unidos da Amrica e da Somlia.
33.
Ressalte-se a crescente aproximao do Governo com as
organizaes no-governamentais, como expresso legtima
de organizao da sociedade civil.
34.
Entrevista realizada dia 23 de maio de 2000.
E
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Ancelmo
Csar Lins de Gis
bacharel
em Direito e em Relaes Exteriores pela Universidade de
Braslia (UnB),
diplomata de carreira,
professor de Cincia Poltica na Faculdade de Direito do
UniCEUB
Ana Flvia
Barros-Platiau
consultora internacional e bolsista da CAPES,
bacharel em Relaes Internacionais pela Universidade de
Braslia,
DEA em Relaes Internacionais na Universidade Sorbonne
Panthon (Paris 1),
doutoranda em Direito na mesma universidade
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