Vicente
Barretto*
guisa de introduo
306e17
Uma falsa dicotomia
O que so os direitos humanos?
1i1u67
Por
uma teoria fundacional dos direitos humanos
61a6v
Bibliografia
guisa de introduo
306e17
Quando
falamos de uma teoria dos direitos humanos, podemos estar fazendo referncia
a dois tipos de anlise: em primeiro lugar, teoria jurdica dessa
categoria de direitos, que tem a ver com o conjunto de tratados, convenes
e legislaes cujo objeto a definio desses direitos, bem como a
regulao dos mecanismos, internacionais e nacionais, garantidores dos
direitos fundamentais da pessoa humana; por outro lado, a teoria dos
direitos humanos trata, tambm, da anlise dos chamados fundamentos
desses direitos, tema que ganha na atualidade papel de destaque na
filosofia social e poltica contempornea. A teoria dos direitos humanos
implica, assim, na complementaridade necessria entre a reflexo terica
e a prtica, pois no teria sentido a anlise terica, abstrata, que no
levasse em considerao os problemas reais que afetam quotidianamente a
pessoa humana neste final de sculo (discriminaes sociais, polticas
e religiosas, falta de liberdade, limpeza tnica, misria,
analfabetismo, etc.) e, nem tambm, aceitar como verdade ltima,
universal e acabada, as diversas situaes sociais do mundo contemporneo.
Tanto a teoria como a prtica dos direitos humanos tm por objetivo
superar essas situaes sociais em funo de valores e normas, que
assegurem a dignidade da pessoa humana.
Desde
a elaborao, por um grupo de filsofos, intelectuais, cientistas
sociais e juristas, do texto da Declarao dos Direitos do Homem das Naes
Unidas, em 1948, tinha-se como acordado que a questo dos direitos
humanos deveria ficar adstrita aos mecanismos garantidores desses
direitos, tendo em vista, como escrevia o filsofo francs Jacques
Maritain (1976), que no poderia haver uma concordncia a respeito dos
fundamentos dos direitos humanos entre concepes religiosas, culturais
e polticas diversas da natureza da pessoa humana e da sociedade. O
acordo entre culturas diferenciadas somente seria possvel em torno de um
conjunto de direitos mnimos e, principalmente, de mecanismos de controle
da observncia dos direitos proclamados pelos estados signatrios da
Declarao. Os autores da Declarao de 1948 rejeitavam, portanto, a
possibilidade de haver uma fundamentao universalmente aceita dos
direitos humanos. Na frase de Norberto Bobbio (1992: 25-26), a questo
dos direitos humanos na atualidade no reside na anlise dos seus
fundamentos, a serem justificados por diferentes argumentos, mas sim no
debate sobre a sua eficcia e a respeito dos mecanismos institucionais
necessrios para assegurar as garantias dos direitos fundamentais da
pessoa humana. Os fundamentos sendo necessariamente divergentes no podero
constituir-se em argumentos que unifiquem e justifiquem universalmente os
direitos humanos. Direitos humanos seriam, assim, princpios que
perariam diversas culturas e somente poderiam ser aceitos, como
direitos, na medida em que fossem aceitos por diferentes culturas e
sistemas jurdicos.
Essa
concepo, entretanto, ados 50 anos da Declarao das Naes
Unidas, durante os quais a declarao original foi enriquecida por
pactos polticos e sociais, que acrescentaram nmero significativo de
direitos polticos e sociais aos direitos proclamados em 1948, tornou-se
insuficiente face ineficcia do sistema protetor dos direitos humanos
nas ltimas dcadas. Por essa razo, o tema dos fundamentos dos
direitos humanos, at ento considerado como superado, ainda que no
resolvido, tornou-se obrigatrio na agenda do pensamento social, poltico
e jurdico contemporneo. Verificou-se que o debate sobre os fundamentos
comuns e, portanto, sobre a sua natureza e validade universal,
encontrava-se intimamente relacionado com a prpria eficcia dos
mecanismos garantidores do sistema dos direitos humanos. A questo da
legitimao universal dos direitos humanos deixou de ser, assim, terica
e abstrata, e ou a fazer parte do conjunto de fatores determinantes de
sua eficcia. As razes para que se elevasse o problema dos fundamentos
dos direitos humanos mesma importncia analtica da sua positividade
encontram-se, antes de tudo, na negao sistemtica desses direitos por
governos e movimentos sociais durante o sculo XX.
O
cerne do debate travou-se durante os ltimos 50 anos em torno de duas
linhas de argumentao: a primeira, identificada com as origens
iluministas das primeiras declaraes, que afirmavam a existncia de
valores da pessoa humana, vlidos em todos os quadrantes do planeta, que
constituiriam o ncleo de resistncia aos absolutismos; a segunda,
negava essa pretenso fundamentao universal dos direitos humanos,
identificando-os como uma manifestao do estado nacional de direito,
instrumento nico para a sua positivao. A questo da fundamentao
dos direitos humanos, como categoria universal de direitos, encontra-se
vinculada necessidade de se encontrar argumentos racionais, vlidos
universalmente. Esse desafio, entretanto, choca-se com a clivagem no
pensamento social contemporneo entre universalistas e relativistas. A
construo de uma teoria justificadora dos direitos humanos, que possa
fundament-los e servir para que se defina quais os direitos que podem
ser considerados como humanos, supe a recuperao e a superao da
dicotomia universalismo e relativismo.
Uma falsa dicotomia
5c283r
O
argumento mais usualmente aceito contra a universalidade dos direitos
humanos o elaborado pelas correntes relativistas, que se socorrem de
uma leitura redutora do multiculturalismo encontrado na humanidade. A idia
central do relativismo consiste em afirmar que nada pode atender ao
bem-estar de todo ser humano, isto porque, os seres humanos, no
entendimento relativista, no so semelhantes em nenhuma aspecto que
comporte generalizaes. Esse argumento resulta de uma constatao
antropolgica, isto , a existncia na humanidade de diferentes
valores, hbitos e prticas sociais, que se expressam sob variadas
formas culturais. A constatao de que entre os grupos sociais existem
tradies culturais mltiplas representa para o relativismo a prova de
que impossvel o estabelecimento de normas universais de comportamento
social. A constatao emprica do ponto de vista antropolgico,
entretanto, pode ser lida de forma no-reducionista, quando diferenciamos
entre as necessidades que originam respostas diversas em culturas
diferenciadas, e aquelas que tm a mesma resposta em todos os grupos
humanos, ainda que essas respostas possam aparecer sob formas diferentes,
mas todas indicando a existncia de uma mesma natureza humana.
No
pensamento social e filosfico contemporneo encontramos trs tipos de
relativismos, referentes contestao da idia dos direitos
humanos como universais: o relativismo antropolgico, o relativismo
epistemolgico e o relativismo cultural. Este ltimo sustenta o
argumento aceitvel de que as particularidades culturais exercem um papel
determinante na forma sob a qual os valores assegurados pelos direitos
humanos iro formalizar-se. O segundo tipo afirma a impossibilidade de se
produzir um discurso tico, que seja transcultural. O primeiro dos
argumentos busca na evidncia emprica dados que, por sua vez, iro
demonstrar o que afirmado pelo relativismo epistemolgico.
O
argumento do relativismo antropolgico baseia-se na constatao de que
existe uma enorme variedade de formas de experincia nos grupos humanos,
identificando, entretanto, essa diversidade cultural com o pluralismo. No
entanto, a prpria observao antropolgica demonstra que algumas
necessidades humanas so universais, e no meramente locais, em seu carter,
podendo ser classificadas de necessidades comuns a todos os grupos sociais
ou humanas(Perry, 1998: 66). O sentimento de afeio, a
necessidade de cooperao encontrada em todas as culturas, a identificao
do lugar na comunidade e a ajuda para quem se encontra em necessidade so
exemplos de como existem caractersticas do ser humano que ultraam os
limites das fronteiras culturais.
O
argumento desenvolvido por Perry (ob.cit. pgs. 66 e segs.) procura
demonstrar como, da mesma forma que algumas necessidades so comuns a
todos os homens, existem, tambm, alguns valores que conduzem satisfao
de necessidades compartilhadas por todos os seres humanos. Em outras
palavras, alguns bens so universais e no estritamente locais. A
observao das culturas locais demonstra, por outro lado, que dentro
delas encontra-se uma enorme gama de interpretaes da prpria tradio
e das prticas culturais, podendo-se afirmar neste sentido que todas as
culturas so pluralistas. O pluralismo supe a existncia de posies
divergentes em relao interpretao oficial da tradio
religiosa ou cultural, expressando-se atravs do que alguns autores
chamam da crtica interna (Perry, 1998: 76) exercida no contexto de
culturas aparentemente monolticas. Esses valores, que se encontram
escondidos sob a manta de interpretaes e prticas hegemnicas da
tradio cultural, aparecem sob a forma de movimentos de protestos e de
heterodoxias, que vocalizam valores comuns a todos os homens, mas que se
encontram momentaneamente negados pelo poder poltico ou religioso. Os
movimentos de afirmao dos direitos humanos, para o qual convergem
indivduos e grupos sociais, excludos dentro do seu prprio grupo
social, evidenciam como em situaes socialmente injustas e excludentes
o recurso aos valores expressos pelos direitos humanos constituem um mnimo
moral e jurdico comum a todas as sociedades.
O
exame do movimento dos direitos humanos nos pases islmicos, por
exemplo, demonstra precisamente o processo progressivo de conscientizao
por parte dos governos e dos movimentos religiosos, pressionados por esse
movimento de crtica interna da prpria sociedade. Tomemos, por exemplo,
o exame do caso da prtica cultural da mutilao genital feminina. A
primeira constatao a de que no podemos racionalmente supor que
essa prtica tenha sido, durante sculos, considerada, por todas as
mulheres, como necessariamente boa para as mulheres. razovel supor
que tenha havido algum grau de insatisfao diante da obrigao
imposta pela tradio; tanto isto verdade que ocorrem na atualidade,
fugas de jovens em pases africanos para escapar da mutilao. O
simples fato de existir esse nvel de rebeldia em pases de cultura
tradicional, e teoricamente uniforme, faz com que se ita a existncia
de grupos sociais, que se opem s prticas tradicionais. Essas
manifestaes de revolta resultam das chamadas crticas internas,
desenvolvidas durante sculos, do mesmo modo como os direitos humanos no
Ocidente resultaram de um processo de contestao a valores e prticas,
dentro de uma mesma cultura. Nesse contexto, a Declarao sobre a
Eliminao da Violncia contra as Mulheres (1993), a declarao da
Subcomisso das Naes Unidas para a Preveno da Discriminao e
Proteo das Minorias (1988), e a condenao da mutilao genital
feminina pela Conveno sobre os Direitos das Crianas das Naes
Unidas, adotam a posio de que a circunciso feminina viola os
direitos humanos das mulheres e crianas.
Vemos,
portanto, que a leitura antropolgica dos direitos humanos no consegue
provar a sua universalidade, pois existem pluralidades de manifestaes
culturais, mas essas manifestaes culturais expressam de forma
diferente um nmero mnimo de valores humanos. Verificamos, assim, que no
se encontra uma mesma resposta sobre a natureza dos direitos humanos,
quando ficamos prisioneiros da experincia cultural e particular de cada
povo. Trata-se de uma questo que dever ser solucionada no plano
propriamente da reflexo filosfica e no no terreno da pesquisa social
emprica, onde casos particulares per
se no confirmam, nem desmentem, a possibilidade ou no da
universalidade de valores e normas.
O que so os direitos humanos?
1i1u67
O
emprego da expresso direitos humanos reflete essa abrangncia e a
conseqente impreciso conceptual com que tem sido utilizada. A expresso
pode referir-se situaes sociais, polticas e culturais que se
diferenciam entre si, significando muitas vezes manifestaes emotivas
face violncia e injustia; na verdade, a multiplicidade dos usos
da expresso demonstra, antes de tudo, a falta de fundamentos comuns que
possam contribuir para universalizar o seu significado e, em conseqncia,
a sua prtica. Nmero significativo de autores tomaram a expresso
direitos humanos como sinnima de direitos naturais, sendo
que os primeiros seriam a verso moderna desses ltimos (Finnis:
1989:198; Rommen, 1955: 624 ; Maritain, 1947); ainda outros, empregaram a
expresso como o conjunto de direitos que assim se encontram definidos
nos textos internacionais e legais, nada impedindo que novos direitos
sejam consagrados no futuro (Mello, 1997:5). Alguns, tambm,
referiram-se idia dos direitos humanos como sendo normas gerais,
relativas prtica jurdica, que se expressariam atravs dos princpios
gerais do direito.
No
pensamento social contemporneo, encontramos a tentativa de identificar
os direitos humanos fundamentais como a norma mnima das instituies
polticas, aplicvel a todos os Estados que integram uma sociedade dos
povos politicamente justa (Rawls, 1997: 74-75). Esse conjunto de direitos
tem um estatuto especial no direito interno das naes, sendo exigncia
bsica para que um Estado possa integrar a comunidade internacional. Os
direitos humanos, para Rawls (1997:79), diferenciam-se, assim, das
garantias constitucionais ou dos direitos da cidadania democrtica, e
exercem trs papis relevantes: em primeiro lugar, a observncia dos
direitos humanos representa a condio necessria para que seja
legitimado um regime poltico e aceita a sua ordem jurdica; o respeito
aos direitos humanos, no Direito interno das naes, representa para
Rawls, condio suficiente para que se exclua a interveno em
assuntos internos de outras naes, por meio, por exemplo, de sanes
econmicas ou pelo uso da fora militar; por fim, Rawls sustenta que os
direitos humanos estabelecem um limite ltimo ao pluralismo entre os
povos.
Os
direitos humanos, no pensamento rawlsiano, expressam-se, portanto, atravs
de normas jurdicas e polticas, que se referem ao mundo das relaes
entre as naes, expressando compromissos nacionais com valores,
destinados a estabelecer uma ordem internacional politicamente justa.
Trata-se, em outras palavras, da remisso dos direitos humanos ao plano
das relaes entre os Estados que, para se legitimarem na comunidade
internacional, devem ter como fundamento dos respectivos direitos internos
o respeito norma mnima internacional. Rawls procura, em outras
palavras, estabelecer uma norma comum, um direito cosmopolita, que servir
como critrio universal para o reconhecimento dos sistemas polticos e
jurdicos nacionais. No debate sobre a interveno em outros pases, o
tema tradicional da guerra justa ser substitudo pela anlise da obedincia
dos estados a essa moralia minima internacional,
que dever estar expressa no texto e na prtica constitucional.
A
doutrina de Rawls tem uma variante na qual se afirma que os direitos
humanos, proclamados nos tratados internacionais, quando, como o caso
da Constituio brasileira de 1988 (art. 5, 2 ), so
expressamente reconhecidos na carta magna, tm status de norma
constitucional. Logo, a questo dos fundamentos dos direitos humanos
remetida para a vontade do constituinte, que nada mais faz do que aceitar
o acordado entre os diversos pases signatrios dos tratados. Ocorre o
fenmeno de incorporao ao corpo do direito interno de um conjunto de
normas elaboradas no mbito das relaes de poder interestatais, sendo
que a sua validade aceita sem maiores justificativas quanto natureza
particular dessas normas, mas somente na medida em que so aceitas pela
sociedade dos povos politicamente justa, como argumenta Rawls.
Por
detrs do debate sobre os fundamentos dos direitos humanos, paira a
sombra dos direitos naturais como modelo justificador do direito positivo.
Desde o final do sculo XIX, tornou-se claro que se tornava necessrio
desenvolver um modelo terico, que pudesse estruturar logicamente, do
ponto de vista jurdico, uma matriz conceptual metajurdica, que seriam
os direitos humanos, com a ordem jurdica positiva. Esse desafio, que
evidenciava as aporias com que se defrontava a ordem jurdica liberal,
levou a imaginao doutrinria jurdica a procurar uma soluo que
prescindisse do modelo do jusnaturalismo moderno, mas que respondesse
questo da fundamentao do direito e, especificamente, dos direitos
humanos.
O
caminho encontrado por Georg Jellinek (1908: 90-91) consistiu em trazer
para a teoria do direito pblico uma nova categoria de direitos, os
direitos pblicos subjetivos. Com isto, Jellinek pretendeu, num primeiro
momento, romper o vnculo que identificava os direitos naturais com os
direitos humanos. Sustentava o jurista alemo que sob o a influncia das
declaraes de direito do sculo XVIII, formou-se a noo de direitos
pblicos subjetivos do indivduo no direito positivo dos estados
europeus. At ento, continua Jellineck, a literatura jurdico-poltica
conhecia somente os direitos dos chefes de estado, dos privilgios de
classe, dos particulares e de algumas corporaes, sendo que os direitos
gerais dos cidados manifestavam-se mais como deveres para com o Estado
do que ttulos jurdicos caracterizados. A Revoluo Norte-Americana
de 1776 e a Revoluo sa de 1789 introduziram na ordem
constitucional um novo tipo de direitos relativos pessoa humana, que no
encontrava a sua justificativa no corpo da teoria dos direitos subjetivos.
Essa nova categoria, chamada de direitos humanos, levou elaborao terica
da categoria dos direitos pblicos subjetivos. Graas Declarao
dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789 formou-se em toda a sua
amplitude no direito positivo, a noo, at ento somente conhecida no
direito natural, dos direitos subjetivos do membro do Estado frente ao
Estado como um todo (Jellineck, 1908: 91). Esses direitos, proclamados
face ao Estado, foram teoricamente sistematizados na teoria dos direitos pblicos
subjetivos, que deita seus fundamentos no entendimento de que sendo a exigncia
prestao jurdica de natureza pblica, assim tambm o direito
do indivduo fazer valer os seus direitos face istrao pblica
(Jellineck, 1970: 595).
A
nova categoria jurdica criada por Jellinek no se refletiu, entretanto,
na prtica jurdica e poltica de governos e sociedades, tendo em vista
as caractersticas peculiares assumidas pelos direitos humanos no final
do sculo XIX. No mbito da teoria do direito, o tema dos direitos
humanos serviu como tema central do clebre debate de Jellinek com Emile
Boutmy (1993: 437-443) sobre as origens das declaraes de direitos. O
jurista francs sustentava que os direitos humanos tinham uma carter
eminentemente francs, encontrando-se a sua origem no pensamento filosfico
francs do sculo XVIII, principalmente em Rousseau; ao que respondia
Jellineck (1908: 205): se esse argumento fosse correto, como explica-se o
fato de que somente ouviu-se falar de Declaraes de Direitos depois da
Revoluo Americana? Como explicar, continua Jellineck, que os ses
tenham esperado um quarto de sculo para assimilar essa doutrina e para
transform-la, ainda que fosse somente como teoria e no papel, numa lista
de diferentes direitos? Essa identificao do estado nacional como a
fonte dos direitos humanos, acabou por repercutir na reflexo terica e
na prtica. O texto clssico de Hannah Arendt, intitulado as
perplexidades dos direitos humanos(1962: 290 e segs.), mostra como o
processo de identificao dos direitos humanos com a nao, durante o
sculo XIX, fez com que os Estados nacionais, tendo em vista as circunstncias
histricas e as necessidades polticas das sociedades nacionais, em fase
de afirmao, fossem incapazes de estender para os no-cidados
aqueles direitos pblicos subjetivos, assegurados aos nacionais.
Verifica-se, assim, como o nacionalismo, idia-fora central na construo
e sedimentao dos estados nacionais da modernidade, representou o
primeiro grande obstculo para a objetivao dos direitos humanos, que
tinham como condio a sua necessria universalidade.
Em
virtude da conotao nacional dada aos direitos humanos, considerados
como garantias fundamentais asseguradas no quadro do Estado nacional de
Direito, o tema dos seus fundamentos foi progressivamente relegado ao
esquecimento ou ao debate poltico interno, mas sempre referido
s mutveis legislaes positivas. Durante o sculo XX, constatou-se
a proliferao de declaraes internacionais e de legislaes
nacionais asseguradoras dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que se
observava o insucesso dos diferentes sistemas jurdicos em estabelecer
garantias reais para a observncia desses dispositivos legais. O conflito
entre os valores e a prtica poltica e jurdica provocou, no campo da
teoria jurdica, um processo de reducionismo epistemolgico do tema
direitos humanos, que ficou sua dimenso positiva, tal
como encontrada no campo da legislao. A reflexo sobre os fundamentos
dos direitos humanos somente tornou-se relevante e inseriu-se no plano de
uma reflexo metajurdica, quando as violaes desses direitos na prtica
quotidiana trouxeram consigo um alto grau de relativismo na sua interpretao
e provocaram uma conseqente insegurana nas relaes entre os Estados
nacionais e no seio da prpria sociedade civil.
Nesse
contexto, que se torna imperativo distinguir na anlise dos direitos
humanos dois nveis epistemolgicos correlatos: no primeiro nvel,
examina-se a questo de sua fundamentao - questo esta, como fizemos
referncia acima, que foi relegada a segundo plano; no segundo nvel,
examinam-se os mecanismos da garantia e prtica dos direitos humanos,
tema que ocupa de forma crescente a ateno do pensamento jurdico e
social contemporneo. No que se refere questo da fundamentao, a
influncia positivista na teoria do direito aprisionou a temtica dos
direitos humanos dentro dos seus prprios parmetros conceituais e
metodolgicos, fazendo com que a anlise da sua fundamentao fosse
considerada uma questo metajurdica e, como tal, irrelevante para a prtica
jurdica.
Nmero
crescente de filsofos e juristas vm enfatizando, entretanto, a
necessidade da recuperao da temtica da fundamentao dos direitos
humanos, tendo em vista, precisamente, a experincia histrica que
evidenciou a fragilidade dessa categoria de direitos diante de governos
autoritrios. A necessidade de uma fundamentao no se esgota somente
na necessidade de dar-se uma resposta ao argumento autoritrio, mas
encontra-se, tambm, nas prprias sociedades democrticas contemporneas,
onde a aplicao do direito positivo ressente-se, muitas vezes, de uma
subordinao racional a um conjunto de princpios, expresso de
valores relacionados com a dignidade humana, que se explicitaram atravs
da intermediao dos direitos humanos. Em virtude do reducionismo
positivista, a prtica policial e judiciria nas sociedades democrticas
tem, em diversas ocasies, sido implementada no considerando os princpios
fundadores da ordem constitucional. A observao emprica demonstra
como a aplicao da ordem jurdica decantada de suas razes tem como
resultado a transformao do direito em antdoto do prprio direito,
explicando-se assim a preocupante baixa efetividade das leis na sociedade
contempornea. A ordem jurdica do estado democrtico de direito supe,
entretanto, para a sua implementao, a observncia desses princpios,
interpretados como expresso racional dos valores constitutivos da
dignidade humana.
Essa
leitura, teoricamente desenraizada dos direitos humanos, fez com que os
aspectos jurdicos e polticos da questo preponderassem no pensamento
social e jurdico do sculo XX, exercendo um papel hegemnico na teoria
dos direitos humanos. O problema dos fundamentos dos direitos humanos (o
aspecto filosfico da questo) foi considerado como resolvido, desde o
momento em que se chegou a um acordo, entre os diversos pases signatrios
da Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1948, a respeito de
quais seriam esses direitos e quais as suas garantias mnimas: Com
efeito, o problema que temos diante de ns no filosfico, mas jurdico
e, num sentido mais amplo, poltico. No se trata de saber quais e
quantos so esses direitos, qual sua natureza e seu fundamento, se so
direitos naturais ou histricos, absolutos ou relativos, mas sim qual
o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das declaraes
solenes, sejam continuamente violados... Com efeito, pode-se dizer que o
problema do fundamento dos direitos humanos teve sua soluo atual na
Declarao Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assemblia
Geral das Naes Unidas, em 10 de dezembro de 1948 (Bobbio, 1992:
25-26). Reduz-se, dessa forma, a questo da fundamentao dos direitos
e de sua aplicao s solues encontradas pelo direito positivo,
ignorando-se que a natureza desses direitos remete para a questo mais
abrangente e complexa da moralidade e da racionalidade.
As
convices compartilhadas entre os diferentes pases que am a
Declarao das Naes Unidas de 1948 no tiveram, porm, conseqncias
prticas relevantes, pois a reiterada violao dos direitos humanos por
pases signatrios desta Declarao e dos demais documentos
internacionais, que a seguiram, bem como dos prprios textos
constitucionais nacionais consagradores dos valores da pessoa humana,
mostra a necessidade permanente de defesa racional dos fundamentos dos
direitos humanos. No se trata, portanto, de uma questo resolvida e
superada, mas viva e presente, tendo em vista, precisamente, a violao
constante desses direitos em diferentes locais do planeta. Bobbio, como
vimos acima, argumenta que o problema bsico dos direitos humanos reside
em determinar-se quais os meios a serem empregados para que eles possam
ser garantidos. Essa afirmativa que , por um lado, bastante verdadeira,
pois direitos sem garantias para a sua observncia tornam-se um flatus
vocis, vazios de contedo e de sentido social, no esgota o
problema. Isto porque o que se questiona na violao dos direitos
humanos a prpria necessidade da existncia de uma categoria de
direitos universais, que perem a ordem jurdica nacional e coloque
limites ao exerccio do poder. A experincia histrica recente mostra
como tem sido deficiente o exerccio desses controle, sendo que essa
baixa eficcia do sistema jurdico em garantir direitos fundamentais foi
provocada, em muitos casos, pela interpretao estritamente positivista
da norma jurdica.
A
reconstruo dos direitos humanos (Lafer, 1991) - considerados
como conjunto de direitos que expressam valores da pessoa humana e que se
encontram em contnua gestao - exige, assim, uma investigao que
se destine, sobretudo, a recuperar a dimenso fundacional dessa categoria
de direitos. Os fundamentos dos direitos humanos voltaram a representar um
tema plenamente considerado pelo pensamento jurdico contemporneo, na
medida em que se ou a considerar as questes relativas ao
estabelecimento de um patamar metajurdico na anlise do direito.
Trata-se de construir uma matriz conceptual, que possa estabelecer uma
conceituao abrangente para esse tipo de direitos. Essa metodologia
justifica-se tanto por alimentar a argumentao em favor dos direitos
humanos, ameaados e violados por regimes autoritrios, como tambm por
limitar e definir quais so e quais no so os direitos humanos
(Fernandez, 1991: 83-84). O desafio da reflexo sobre os fundamentos dos
direitos humanos reside, em ltima anlise, na busca de uma fundamentao
racional, portanto universal, dos direitos humanos, e que sirva,
inclusive, para justificar ou legitimar os prprios princpios gerais do
direito (Delmas-Marty, 1994: 172 e segs.).
Esse
processo legitimador, entretanto, deve ser contextualizado dentro do
quadro mais amplo da democratizao crescente que ocorre em todos os
continentes. Os direitos humanos tm um estatuto excepcional no sistema
jurdico democrtico, que se expressa pela peculiar validade com
que so dotados. A dificuldade maior para a mentalidade positivista, ao
lidar com o problema da fundamentao desses direitos, reside no fato de
que no considerada a validade dessa categoria especialssima
de direitos em sua dupla dimenso. A validade dos direitos humanos
para o pensamento jurdico e social contemporneo tem um duplo sentido (Habermas,
1996:87-88): em primeiro lugar, porque eles tm a pretenso de serem vlidos
factualmente, sendo a sua validade assegurada pela sano pblica; mas
tambm pretendem ter uma legitimidade prpria atravs de uma justificao
racional de sua positividade. Os direitos humanos, como tais, fazem parte
da ordem jurdica positiva, mas como apresentam a dupla dimenso acima
referida, eles definem o quadro dentro do qual a legislao
infraconstitucional dever atuar. A marca caracterstica dos direitos
humanos residir, portanto, no seu contedo, isto , normas gerais que
se destinam a todas as pessoas como seres humanos e no smente como
cidados nacionais, sendo vlidas, tanto nacionalmente, como para todas
as pessoas, nacionais ou no. Nesse sentido, que Habermas (1996: 89)
escreve que os direitos humanos produzem efeitos no quadro da legislao
nacional, relativos no somente aos cidados nacionais, mas a todas as
pessoas. O problema da fundamentao tica dos direitos humanos tem a
ver, assim, com a busca de argumentos racionais e morais, que justifiquem
a sua pretenso a uma validade universal.
Por uma teoria fundacional dos direitos
humanos
201452
A
necessidade de uma teoria fundacional dos direitos humanos deita suas razes
no pensamento iluminista e teve a sua primeira formulao no conhecido
texto de Kant (1970: 107-108) : os povos da terra participam em vrios
graus de uma comunidade universal, que se desenvolveu ao ponto de que a
violao do direito, cometida em um lugar do mundo, repercute em todos
os demais. A idia de um direito cosmopolita no , portanto, fantstica
ou exagerada; um complemento necessrio ao cdigo no escrito do
Direito poltico e internacional, transformando-o num direito universal
da humanidade. Somente nessas condies podemos congratular-nos de estar
continuamente avanando em direo a uma paz perptua. Na Doutrina
do Direito, 62, Kant argumenta que essa comunidade pacfica no
um princpio filantrpico (tico), mas um princpio jurdico,
que se materializa no chamado direito cosmopolita. Esse tipo de direito
tende, ao ver de Kant, a permitir uma unio possvel de todos os povos,
em vista de certas leis universais do comrcio possvel. Kant, porm,
estabeleceu uma relao entre o ius
cosmopoliticum e o desenvolvimento do comrcio, refletindo, alis, a
idia comum na poca de que o comrcio seria o fator decisivo na
humanizao das relaes entre os povos.
Esse
mito a respeito do progresso das relaes entre as naes, como fruto
do comrcio entre elas, foi desmentido pela histria dos dois ltimos sculos.
O atual estgio do processo de internacionalizao da economia mostrou
como alguns efeitos perversos da chamada globalizao ignoram os
direitos bsicos da pessoa humana. Ao contrrio do que sustentavam os
idelogos do liberalismo clssico, a internacionalizao da economia
aumentou a corrupo poltica, o trfico de orgos entre pases
ricos e pases pobres, a explorao do trabalho infantil, a escravido
branca, o crime organizado etc. Todos esses resultados dos novos tipos de
relaes econmicas e sociais evidenciam um quadro de distores e
violaes da dignidade da pessoa humana, que somente poder ser
corrigido - e esta a contribuio central de Kant para a reflexo
contempornea - por um direito tambm global, cosmopolita, e que afirme
e garanta os valores constitutivos da dignidade humana (Delmas-Marty,
1997).
A
histria mostrou que os direitos humanos no nasceram do progresso das
relaes comerciais entre os povos, mas da identificao de valores
comuns s diversas sociedades e grupos de uma mesma sociedade, que sirvam
como uma dimenso do direito suscetvel de representar um
universal (Renaut et Sossoe, 1986: 32). Trata-se, portanto, de reler a
tradio kantiana, no contexto da qual as leis morais so fruto da razo
do homem, sendo universais, no dependendo da vontade circunstancial do
legislador. Essa releitura processa-se atravs da identificao dos
argumentos racionais, que possibilitem a construo da fundamentao
dos direitos humanos em torno, tambm, de princpios universais, frutos
da razo humana.
A
necessidade da determinao de normas de carter universal, que
fundamentassem a ordem jurdica, fez com que se recorresse, na primeira
etapa dessa investigao, aos princpios gerais do direito a serem
legitimados pelo consenso da humanidade dita civilizada - mais ou menos o
modelo proposto por Rawls. Mas a relatividade das experincias jurdicas,
afastaram a possibilidade de dotar-se os princpios gerais do direito de
um contedo comum. Tornou-se evidente que os desafios colocados pelo
processo histrico ordem jurdica, obrigavam recuperao terica
da questo dos fundamentos dos direitos humanos, como condio para se
obter uma explicao funcional e no uma fundamentao normativa do
direito. Por essa razo, a construo dessa matriz conceptual no
poder consistir na deduo de um dever-ser a partir de um ser, de
um sollen a partir de um
sein, mas na estruturao dessas normas a partir de uma viso do
real indissocivel de um realce, portanto, de uma valorizao, seja de
certos seres, seja de certos aspectos do ser (Perelman, 1996: 395).
Essa
fundamentao crtica ou moral poder ser construda a partir da
constatao de que os direitos humanos remetem exigncias imprescindveis
para a vida da pessoa humana, que podem ser resumidas na idia de
dignidade humana. A manuteno da dignidade humana constitui, assim, o
cerne dos direitos humanos, pois por meio deles que sero asseguradas
as mltiplas dimenses da vida humana, todas asseguradoras da realizao
integral da pessoa. A perspectiva crtica parte do pressuposto de que
essas diferentes dimenses fazem com que os direitos da decorrentes
somente se materializem no quadro da sociedade quando se supera a idia,
peculiar ao liberalismo individualista, de que esses direitos dizem
respeito nica e exclusivamente aos direitos individuais. A concepo
individualista do ser humano cede lugar, ento, concepo moral do
homem como ser social, que como tal tem direitos concretos a serem
assegurados pela sociedade. Introduz-se, assim, na temtica sobre os
direitos humanos a questo do papel do Estado.
O
problema reside, portanto, na possibilidade de se estabelecer uma ponte
entre os valores morais e a ordem jurdica, recusando-se, desde j, a
soluo moralista para o problema, qual seja a de transformar o Direito
em instrumento das opes morais dos indivduos. A investigao nesse
sentido levou introduo, no campo da filosofia do Direito, da
categoria do imperativo categrico jurdico (Hffe, 1993: 91 e segs.).
Hffe sustenta que o imperativo jurdico, ainda que no se encontre
explicitado na obra de Kant, encontra-se sugerido na filosofia prtica do
pensador alemo. Essa nova categoria do imperativo aparece no pensamento
kantiano, ao ver de Hffe, sob trs formas: como conceito universal do
Direito (Kant, Doutrina do Direito,
B); como princpio universal do Direito (Kant, ob.cit. C e concluso
da IIa. Parte); e como lei jurdica universal (Kant, ob.cit. C).
O
imperativo jurdico categrico o instrumento hermenutico utilizado
para que se possa estabelecer os contedos dos princpios morais, que
sero os argumentos racionais necessrios para a soluo da tautologia
de que os direitos humanos so os direitos do ser humano. Para isto,
torna-se necessrio determinar como o imperativo jurdico categrico
expressa-se atravs de princpios morais, que so imperativos, e como
deles so derivados os direitos humanos. A principal caracterstica dos
direitos humanos a de que se referem a bens que so de importncia
essencial para a pessoa humana. Restringe-se, assim, a definio dos
direitos humanos, retirando-se do seu mbito aqueles direitos morais que
no se referem especificamente realizao da pessoa humana. Os princpios
que fundamentam os direitos humanos, por sua vez, dizem-se categricos
porque no condicionam a titularidade de tais direitos s condies
externas ao prprio ser humano ou construdas social e artificialmente
por uma coletividade de seres humanos, tais como nacionalidade, riqueza,
religio, gnero e assim por diante (Nino, 1989: 45). Os direitos
humanos existem, sob essa perspectiva, por si mesmos pautando a regulao
das particularidades sociais e culturais da pessoa.
Esses
princpios, que formalizam o imperativo categrico, que, combinados
no espao de uma sociedade democrtica, portanto ordenadora de relaes
intersubjetivas, iro fundamentar os direitos humanos. Nino prope trs
princpios fundadores: o princpio
da inviolabilidade da pessoa, que probe impor sacrifcios a uma
pessoa baseando-se na nica razo de que o seu sacrifcio poder
beneficiar os outros indivduos; o princpio da autonomia da pessoa, onde se consagra a imperatividade
de ser assegurado um valor intrnseco aos ideais de excelncia da pessoa
humana; o princpio da dignidade da
pessoa, atravs do qual se consagra o o ao direito, independente
de circunstncias, como raa, religio, sexo, grupo social ou filiao
poltica.
Os
direitos humanos seriam, assim, a positivao dos princpios
fundadores, que por sua natureza moral asseguram o carter de
universalidade dessa categoria de direitos. Nesse sentido, que se pode
dizer, com Habermas, que o pensamento kantiano representa uma intuio
diretora (1996: 80) no projeto de estabelecer os fundamentos dos
direitos humanos na poca contempornea. Uma intuio diretora mas que
necessita de ser racionalizada no espao pblico da sociedade democrtica
e que ser ordenada atravs de normas que expressem uma vontade poltica
especfica, conseqncia de um processo de argumentao racional e
estabelecida entre seres livres. Nesse sentido, que se pode estabelecer
a natureza moral dos direitos humanos, como fundamento da ordem jurdica
democrtica e que expressa as relaes de complementaridade entre a
moral e o direito (Habermas, 1997: 122). O direito no somente um
sistema simblico, mas um sistema de ao, dentro do qual as normas de
ao simplesmente ramificam-se em
regras morais e em regras jurdicas. (Habermas, 1997: 123)
A
peculiaridade da matriz conceptual dos direitos humanos no quadro do
estado democrtico de direito torna-se clara quando se consideram as exigncias,
tanto de Kant, no Primeiro Artigo Definitivo da Paz Perptua, como de
Rawls (1997), para que seja possvel a existncia de uma ordem poltica
e jurdica respeitadora dos direitos da pessoa humana. Com expresses
diferentes - em Kant, a constituio poltica de todos os Estados
deve ser republicana e, em Rawls, a sociedade politicamente
justa-, ambos os autores buscam um mesmo tipo de organizao poltico-institucional:
um modelo de Estado e de Direito, fundado em valores morais, portanto
universais, criadores e unificadores da sociedade. Nesse sentido, que
se pode entender como o princpio do direito, normatiza valores fundantes
do Estado e da sociedade, tornando-se o intermedirio entre o princpio
da moral, que se expressa na liberdade de autonomia do indivduo, e o
princpio democrtico, garantidor da dimenso necessariamente social do
ser humano. Os direitos humanos expressam, assim, o ncleo do princpio
do direito, que se materializa atravs da ordem jurdica, garantidora
das duas dimenses da pessoa humana.
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