As Geraes de Direitos Humanos 3j5i48

Segunda Gerao
OS
DIREITOS DE IGUALDADE (COLETIVOS)
A
primeira metade do sculo XIX foi marcada pela consolidao do Estado
liberal edificado sobre o ponto de vista dos direitos individuais
e pelo fenomenal desenvolvimento da economia industrial.
Para
o liberalismo, apegado lio iluminista de supervalorizao da
lei, o Estado tinha na Constituio a sua mais forte plataforma jurdica.
Note-se que a prpria Declarao sa de 1789, no seu artigo 16,
patenteou a obrigatoriedade de um texto constitucional composto
precipuamente da deciso dos poderes e da declarao de direitos, com
sua garantias. Alis, a mentalidade juspositivista do sculo XIX, o
sentido de Constituio era justamente este: era explcita a
legalidade e organiza as garantias. E o Estado Constitucional, oriundo
das teses liberais, no era apenas um Estado no-interveniente, criado
pelos interesses burgueses em contraposio ao absolutismo
intervencionista; esse Estado era uma sistemtica de explicitaes,
montada a partir da idia de que o poder existe com base no
consentimento das pessoas, e que deve garantir a elas uma srie de
liberdades. Destarte, o Estado constitucional no era apenas um Estado
com limitaes, mas sim intrinsecamente limitado. Ora, esse arcabouo
ideolgico levou, na prtica, 1a existncia de um Estado
impregnado de um formalismo que, ao no cogitar da distino entre
legalidade e legitimidade, afigurou-se excludente.
Assim
que a igualdade, solenemente estampada na Declarao de 1789, no
ou de expresso retrica. Ou melhor, se chegou a suprimir os
privilgios formais do ancien regime, no concretizou quanto
desigualdade econmica patrimonial. Na ordem poltica que se
instaurou, as pessoas aram a iguais perante a lei, erigida como padro
de igualdade entre todos os seres humanos, mas que no operou uma
modificao das condies materiais das classes populares, e a
liberdade, desvirtuada na prtica, ou a ser utilizada pelo homem
burgus como capacidade ilimitada de exercer a sua iniciativa, a sua
criatividade e os seus direitos individuais.
Com
a ascenso da burguesia posio de classe dominante, acelerou-se o
industrialismo e suas implicaes scio-econmicas e culturais,
abrindo caminho para um novo estgio de conscincia sobre as
necessidades bsicas do ser humano. Com efeito, o desenvolvimento do
capitalismo industrial, propiciando a urbanizao e concentrando mo-de-obra
assalariada, mormente nas fbricas, fez com que se formasse uma nova
classe social o proletariado, ou a moderna classe operria
urbano-industrial.
Justamente
com a Revoluo Industrial estruturou-se o Estado capitalista Liberal.
O Estado do Laissez-faire, de no-interveno, da liberdade de
iniciativa e de contrato; o Estado gendarme, que consistiu em
garantir a livre atuao das foras do mercado, fundado na premissa
de que, se todos defendessem os seus prprios interesses, o interesse
coletivo seria automaticamente defendido. Por fim, o Estado que
privilegiou o capital em detrimento do trabalho, em nome do direito de
cada indivduo contratar livremente com seu semelhante, sem a proteo
e a fiscalizao estatal o que unicamente significou a liberdade
dos assalariados se colocarem nas mos dos empregadores.
Evidente,
pois, a enorme contradio entre os princpios divulgados nas declaraes
de direitos e a realidade cotidiana de amplos setores da sociedade,
especialmente numa certa fase do capitalismo industrial. O proletariado
estava submetido a todo o tipo de explorao: jornada de trabalho
excessiva (de 14 a 16 h/dia), remunerao indigna, condies
insalubres e insegurana no trabalho, abusiva situao trabalhista de
mulheres e crianas, desemprego e misria crescentes, pssimas condies
de vida (moradia, sade, alimentao, educao), dentre outros
aspectos. Ante tais situaes cruis e desumanas, o proletariado
reagiu com greves, agitaes e rebelies por toda parte, como as
revolues de 1848, ocorridas na Frana e na Alemanha, ou a clebre
Comuna de Paris (1871), movimentos primordialmente operrios na
sua origem.
Esse
novo perfil que caracteriza a Europa do sculo XIX, com todas as suas
nuances, possibilitou o desenvolvimento da crtica social, do iderio
socialista de doutrinas alternativas, do sindicalismo e da organizao
poltica da classe operria e demais setores populares.
No
contexto das lutas operrias, levadas a efeito desde o sculo
anterior, surgiu o sindicalismo. Amadurecido no seio das associaes de auxlio mtuo
(sc. XV), o movimento operrio fortaleceu-se graas conquista de
liberdade de organizao classista, primeiramente na Inglaterra (atravs
de lei aprovada pelo Parlamento, em 1824), e mais tarde, de modo
gradual, no restante da Europa e nos Estados Unidos. Os sindicatos
guardaram pontos em comum com 0 socialismo e o anarquismo. Na
Inglaterra, registre-se, o sindicalismo assumiu, via de regra, em feio
reformista, da qual a Trade Union (fundada em 1833) foi tpico
exemplo as reivindicaes eram majoritariamente de ndole econmica,
sem cogitar as alteraes das estrutura poltico-institucional. Na
Frana e na Itlia, porm, a ao sindical adotou tendncia
predominantemente revolucionria buscou a emancipao proletria
por meio de mudanas radicais na sociedade.
Por
outro lado, do mesmo caldo cultural europeu nasceram o anarquismo e o socialismo. Ambos propugnavam o
fim da propriedade privada um dos principais valores protegidos
pelas declaraes dos direitos e o fim das diferenas de classe.
Buscavam, igualmente, a destruio do Estado, considerado um
instrumento de opresso dos trabalhadores a servio da burguesia.
Todavia, para os socialistas, de um modo geral, o Estado burgus
deveria ser substitudo pelo Estado proletrio, que aplainaria as
desigualdades sociais. J os anarquistas por seu turno, preconizavam a
substituio do Estado pela cooperao de grupos associados
(mecanismos de controle espontneo da sociedade). Dentre os mais notveis
anarquistas sobressaem os nomes de Pierre Joseph Proudhon (numa 1
fase), Michael Bakunin, Piotr Kropotkin e Leo Tolstoi. E, dos
socialistas mais importantes, destacam-se: Henry de Saint-Simon, Louis
Blanc, Augusto Blanqui e Charles Fourier denominados de utpicos e , Karl Marx e
Friedrich Engels fundadores do socialismo cientfico. Mais tarde,
os marxistas se dividiram em ortodoxos e revisionistas.
Em
fevereiro de 1848, auxiliado por Engels, Marx fez publicar o Manifesto Comunista,
ardente conclamao unio e luta proletrias e inequvocas
fonte irradiadora do futuro comunismo. Mas foi a partir do texto A Questo Judaica, quatro
anos antes, (1844), que Marx ou a denunciar a concepo
liberal-burguesa dos direitos humanos, expressa nas declaraes
americana (1776) e sa (1789), negando sua universalidade e
identificando-se com os interesses da classe social dominante. O
pensamento marxista se funda na sociedade ocidental de meados do sculo
XIX, extremamente individualista, injusta e desigual, e que converteu o
trabalho num instrumento de dominao. As contundentes investidas de
Marx contra a declarao sa, de 1789, apontavam, alis, para
uma contra fao do ideal de direitos humanos comuns a todos. O
detalhe, a, que o problema no era de fundo, e sim de forma, o que
perceptvel na anlise do jurista Fbio Konder COMPARATO: os
direitos humano do homem, distintos dos direitos do cidado, foram
apresentados como direitos do homem egosta, separado dos outros indivduos
e da comunidade, porque a burguesia do perodo da alta acumulao
capitalista ara a subordinar a liberdade e a igualdade
propriedade (A Estraneidade dos Direitos Humanos na Amrica
Latina. In: Revista LatinoAmericana de Derejos Humanos 2, Lima,
Red LA / MIIC, Fev/1989).
Tambm
a Igreja Catlica se mostrou sensvel aos problemas sociais do sculo
XIX, em que pese a reticncia inicial e a leitura imitada daquela
realidade. Assim, diante da gravidade do questo social (conflito
entre capital x trabalho), ao mesmo tempo em que buscava se contrapor
doutrina marxista e amenizar os efeitos do capitalismo, o Papa Leo
XIII denunciava com veemncia os abusos e as injustias praticados por
um pequeno grupo de ricos e opulentos (R.N., 6) e, contrariando a
posio liberal-capitalista de ento, defendia a tese do dever do
Estado de intervir no campo econmico-social, atravs de medidas em
prol dos interesses da classe operria incluindo o direito de
organizao sindical e da proteo dos direitos de todos os
cidados, especialmente dos fracos e dos indigentes (R. N.,
63-64, 49, 54).
claro que o contexto oitocentista de crise, desigualdade social e
concentrao da riqueza, tornara insuficientes as interpretaes do
liberalismo acerca dos direitos fundamentais, entendidos como inerentes
natureza humana, independentemente de sua condio social ou da sua
classe de origem. Assim, os movimentos de base aram a questionar o
fosso que se alargara entre os postulados de igualdade e liberdade para
todos e a trgica situao vivida pelos trabalhadores, reivindicando
a real efetivao de tais direitos declarados; os sindicatos e os
partidos operrios foram levados a clamar por mudanas profundas e
pela atuao do Estado no plano coletivo, mormente quanto s relaes
de trabalho. E algumas melhorias apareceram, ps-1870: direito de
greve, regulamentao da jornada diria, seguros contra acidentes e
contra invalidez, inquritos para responsabilizao patronal.
Nessa
altura, o prprio capitalismo encontra-se em transformao. O espocar
de revolues nacionalistas (Itlia, Alemanha, Amrica Latina) foi
coetneo como surgimento das grandes empresas, dos trustes e dos
cartis; e o capitalismo em expanso superou as fronteiras
regionais, fazendo renascer a corrida colonialista. Em conseqncia, o
mundo desistiu, na antevspera do novo sculo, a partilha da frica e
da sia, bem como a poltica de alianas entre as potncias dessa
quadra era o Imperialismo europeu, procura de novas fontes
de matria prima, outros mercados consumidores e mais bases geo-polticas.
Por
fora das presses da sociedade, cada vez maiores no final do sculo
XIX, acabou se dando a transio do modelo liberal clssico para o
Estado Social, perceptivo pelo paulatino abandono da atitude
abstencionista por uma posio intervencionista propiciadora de meios
de o aos bens sociais. A questo do contedo dos direitos
humanos, portanto, foi transferida ao sculo XX.
Nas
primeiras dcadas deste sculo, a Revoluo Mexicana de 1910
(com sua Constituio socialista), a Constituio de Weimar na
Alemanha de 1919 (ressaltando os direitos sociais), e a criao da
Organizao Internacional do Trabalho/OIT tambm de 1919 (parte
XIII do Tratado de Versalhes), ampliaam na realidade scio-poltica a
dimenso dos direitos humanos, que deixaram de ser entendidos apenas
como direitos individuais e aram a abarcar ainda que
restritamente, em muitos lugares os direitos coletivos de natureza
social. Surgiu, ento, a crena de que os indivduos que no tm
direitos a conservar so os que mas precisam do Estado.
Finalmente,
com o findar da II Guerra Mundial o problema dos direitos bsicos da
pessoa humana foi posto mais uma vez na ordem do dia. Com a Carta das Naes
Unidas, assinada em 26 de junho de 1945, criou-se uma organizao
internacional (a ONU), voltada permanente ao conjunta dos Estados
na defesa da paz mundial, includa a a promoo dos direitos
humanos e das liberdades pblicas (art. 1). Com tais propsitos, ao
menos em tese a noo dos Direitos Humanos deixou de ser um
compromisso de cada pas, individualmente, para ar ao status
de princpio internacional a inspirar as aes dos membros
fundadores ou futuros da organizao. Mas como a experincia j
havia deixado claro que no pode haver paz sem justia social,
decidiu-se por uma Resoluo especfica sobre tais direitos,
vagamente referidos na Carta. Assim que, na terceira sesso ordinria
da Assemblia Geral da ONU, verificada em Paris, a 10 de dezembro de
1948, foi aprovada a Declarao
Universal dos Direitos Humanos, seguramente o documento de maior
ressonncia no presente sculo nesse particular.
A
declarao, contendo 30 artigos, proclamou os direitos e liberdades
fundamentais como o ideal comum a ser atingido por todos, e tratou
de exaustivamente enumer-los com a finalidade de permitir-lhes melhor
proteo jurdica, partindo do postulado geral de que todos os
homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (...) e devem agir
em relao uns aos outros com esprito de fraternidade(art. 1).
deveras significativo que a Assemblia Geral preliminarmente, tenha
dado nfase ao verbo proclamar, pois patenteia assim que no houve
concesso ou mero reconhecimento de direitos, e com isso os remete
prpria natureza humana, razo pela qual a ningum (nem mesmo a ONU)
cabe legitimidade para retir-los de qualquer indivduo.
Nesse
ponto, a Declarao Universal avanou a concepo de direitos
humanos, quer depreendendo-os tambm do relacionamento do homem com o
meio social, quer enxergando-os muito alm das relaes entre os
indivduos e o Estado ou da mera preocupao com a conservao de
direitos. Uma prova disso o artigo 22 do texto, que faz ecoar
categoricamente o direito de todo ser humano segurana social e
realizao dos direitos econmicos, sociais e culturais indispensveis
sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.
Resumidamente, o exame dos artigos da Declarao revela trs
primaciais caractersticas: a certeza dos direitos (com a prvia e
cristalina fixao de direitos e deveres), a segurana dos direitos
(impondo normas para sua respeitabilidade) e a possibilidade dos
direitos (exigindo os meios para todos terem o ao gozo dos
direitos).
A
Declarao de 1948, ainda, se fez meritrio no s por atualizar o
rol dos direitos, em face das caractersticas da sociedade industrial,
mas sobretudo por preceituar como compromissos de todos Estados e
indivduos, governantes e governados a tarefa permanente da construo
de um mundo onde todos os homens possam usufruir de uma vida digna, com
pleno atendimento de suas necessidades primrias, materiais e
espirituais.
Entretanto
a Declarao Universal dos Direitos Humanos no possui, tecnicamente,
qualquer valor de obrigatoriedade para os Estados. Ela no um
tratado, mas sim um conjunto de recomendaes, conquanto na forma
qualificada de proclamao. Consequentemente, o seu valor
meramente moral, indicando diretrizes a serem seguidas nesse assunto
pelos Estados. Mesmo assim, deve-se frisar que os direitos e liberdades
nela exaltados j so princpios gerais de direito ou direito
costumeiro.
Tais
ponderaes remetem a uma dupla concluso: a da ampliao do
conceito de direitos humanos e da tibieza daquela Declarao no que
concerne a sua eficcia, notadamente quanto aos direitos coletivos.
Verifica-se, pois, que os problemas relativos institucionalizao
dos direitos humanos no se encontram no plano de sua realizao
concreta e no plano de sua exigibilidade.
Essa
preocupao, certamente, esteve presente no cerne dos debates travados
na ONU aps 1948, levando a uma paciente elaborao do Pacto Internacional de Direitos
Econmicos, Sociais e Culturais aprovado pela assemblia Geral,
em 16 de dezembro de 1966, e que consagraram a Segunda gerao dos
direitos humanos, pertinentes ao princpio da igualdade. Ou seja, da fase de reclamar direitos ou de os proteger
frente ao Estado, que toda pessoa possui por sua qualidade como tal,
ou-se a outra, de reivindicar os meios para que os direitos se
tornem efetivos. E, via de conseqncia, entendeu-se um dever do
Estado possibilitar amplamente os recursos devidos satisfao dos
direitos econmicos, sociais e culturais. Com o Pacto, alis, esses
direitos se projetaram acima do patamar de pretenses individuais e
coletivas perante o Estado, cabendo a este o papel de agente promotor
das garantias e direitos chamados sociais (art. 2).
O
referido Pacto Internacional, que os especialistas consideram se de
aplicao progressiva, entrou em vigor em 1976. Dentre os
direitos por ele consagrados, importa destacar: a) direito ao trabalho;
b) direito a uma remunerao eqitativa e que proporcione ao
trabalhador e sua famlia condies dignas de existncia; c)
direito previdncia social; d) direito s condies de segurana
e higiene no trabalho; e) direito organizao sindical (fundar e
se filiar a sindicatos); f) direito de greve; g) direito cultura e
ao lazer; h) proteo e assistncia famlia; i) cuidados
especiais gestante e infncia; j) direito de toda pessoa a um nvel
de vida adequado para si e sua famlia, inclusive alimentao, vesturio
e moradia adequados e uma melhora contnua das condies de existncia;
l) direito de toda pessoa estar protegida contra a fome; m) direito de
toda pessoa ao mais alto nvel possvel de sade fsica e
mental; n) direito educao, devendo o ensino primrio (1
Grau, no nosso caso) ser obrigatrio e gratuito, e o ensino secundrio
(II Grau) generalizado e fazendo-se vel a todos.
J
a dicotomia entre os direitos proclamados ( na Declarao Universal e
no Pacto de 1966) e a corriqueira realidade internacional, d origem,
nestas ltimas dcadas do sculo XX, a uma nova etapa no alargamento
da noo de direitos humanos, como resultado direto da preocupante
diviso do mundo entre pases ricos e pases pobres.
Wagner
D'Angelis
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