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Direitos Humanos de 4 Gerao
Francisco
Vieira Lima Neto
Professor
do Curso de Direito da UFES
Neste
ano comemoramos o 50 aniversrio da Declarao dos Direitos
Humanos da ONU, votada em 1948 logo aps os povos do mundo terem
tomado cincia dos horrores do regime nazista e de sua poltica
perversa de crimes contra a humanidade.
conhecida dos juristas e jusfilsofos a afirmao de Norberto
Bobbio (A era dos direitos, Editora Campus, 1992) de que,
no campo dos Direitos Humanos, aps termos conhecido a Primeira
Gerao - direitos e garantias individuais - a Segunda Gerao
- direitos sociais - e a Terceira - mescla das duas anteriores
que se configuraria, por exemplo, no direito a viver em um meio
ambiente saudvel e no direito do consumidor - assistiramos
ao advento da Quarta Gerao de Direitos Humanos. Essa somente
possvel porque as inovaes tecnolgicas criariam para a humanidade
problemas de ordem tal que o Direito, forosamente, sob pena
de alterao e deteriorao do genoma humano, se veria instado
a apresentar solues, propondo limites e regulamentos s pesquisas
e uso de dados com vistas preservao do patrimnio gentico
da espcie humana. Com isso, o Direito estaria protegendo no
s o homem enquanto indivduo, mas tambm, e principalmente,
como membro de uma espcie.
Dentre
os possveis direitos tpicos da Quarta Gerao de Direitos
Humanos, estaria o de no ter seu patrimnio gentico alterado,
operao que, se na dcada ada certamente estaria inserida
no domnio da fico cientfica, hoje, no limiar do terceiro
milnio, pode ser realizada em alguns pases de maior desenvolvimento
econmico e cientfico, tendo seus limites impostos menos pela
tica e pelas leis do que pela falta de conhecimento da localizao
e funo exatas de cada gene humano. Esses
direitos resultam dos novos conhecimentos e tecnologias resultantes
das pesquisas biolgicas contemporneas, conforme ensina
Vicente Barreto (Revista da Faculdade de Direito da UERJ, n
2, Editora Renovar, 1994).
Como
importante contribuio ao desempenho dessa misso, foi adotada
pela Assemblia Geral da UNESCO no final de 1997 a Declarao
dos Direitos do Homem e do Genoma Humano, com cada um dos
pases signatrios assumindo o compromisso de divulgar seu contedo
e pugnar pela busca de solues que conciliem desenvolvimento
tecnolgico e respeito aos direitos do homem.
A
Carta, documento que bem representa o estado atual da cincia
e o estgio da civilizao, possui, dentre outros relevantes
artigos, dispositivo que apresenta o genoma como o patrimnio
da humanidade: O genoma
humano sustenta a unidade fundamental de todos os membros da
famlia humana, assim como o reconhecimento de sua dignidade
intrnseca e de sua diversidade, garantindo sua incolumidade
por nele encontrar-se a essncia da prpria espcie humana:
Em um sentido simblico, ele o patrimnio da humanidade.
(art. 1 da Declarao).
Contendo a preocupao da UNESCO com algumas das teorias sociolgicas
e antropolgicas que vm tomando corpo a partir da anlise dos
dados gerados pelo Projeto Genoma Humano, e que procuram, em
termos resumidos, reduzir as virtudes e potencialidades humanas,
assim como seus vcios e defeitos, a um puro, preciso e inexorvel
determinismo gentico, provocando uma biologizao do social,
a Declarao do Genoma Humano reconhece e adverte que Cada
indivduo tem direito ao respeito de sua dignidade e de seus
direitos, quaisquer que sejam suas caractersticas genticas,
deixando claro que Essa dignidade impe no se reduzir
os indivduos s suas caractersticas genticas e respeitar
o carter nico de cada um e de suas individualidades.(art
2 da Declarao).
Sobre a clonagem de seres humanos, a Carta de Direitos contundente:
Prticas que so contrrias dignidade humana, tais como a
clonagem com fins de reproduo de seres humanos, no devem
ser permitidas, convidando aos pases e organizaes internacionais
mtua cooperao com a finalidade de identificar prticas
de clonagem humana, tomando medidas que forem necessrias para
sua proibio. (Art. 11 da Declarao)
Por outro lado, na linha das grandes declaraes do sculo
ado, a Carta da UNESCO pugna pela defesa das liberdades
individuais ao reconhecer que o Projeto Genoma Humano e as pesquisas
genticas so manifestaes da liberdade de pesquisa, fundamentais
para o progresso do conhecimento, a qual, procede, por sua vez,
da liberdade de pensamento. Todavia, considerando que a Declarao
documento produzido na contemporaneidade, poca na qual no
se ite que direitos e garantias individuais sejam um valor
e uma conquista disponibilizados para o seu titular apenas,
como se fossem uma manifestao diletante do esprito humano,
mas, ao contrrio, s lhes reconhece sentido se exercidos com
vistas satisfao de interesses coletivos, a liberdade de
pesquisa, e por conseguinte a de pensamento, deve ter por finalidade
a diminuio do sofrimento e a melhoria da sade do indivduo
e da humanidade (art. 12 da Declarao).
Parece-me, portanto,
que s portas do terceiro milnio, encontra-se a humanidade
mais uma vez diante do dilema que ope a cincia (o poder fazer)
e a tica (fazer ou no o que posso), fazendo aflorar a angstia
que persegue o homem desde a primeira exploso atmica. Assim,
ao o em que os cientistas engajados no Projeto Genoma Humano
- um esforo comum de laboratrios europeus, japoneses e norteamericanos
para mapear todos o conjunto de genes do corpo humano cujo resultado
final est previsto para 2005 -
coletam mais dados e, com isso, geram mais saber e
possibilidade de realizao da manipulao gentica e
da clonagem humana, aos juristas cabe debater e propor medidas
legais que, ao mesmo tempo em que no impeam o avano cientfico,
garantam a preservao do patrimnio gentico do indivduo,
e com isso a da prpria espcie.
Vitria, 20
de abril de 1998.
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