A CIDADANIA E SUA
HISTRIA d3l25
Dalmo Dallari
A Cidadania na
Antigidade
A
palavra cidadania foi usada na Roma antiga para indicar a situao
poltica de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou
podia exercer. A sociedade romana fazia discriminaes e
separava as pessoas por classes sociais. Havia, em primeiro
lugar, os romanos e os estrangeiros, mas os romanos no eram
considerados todos iguais, existindo vrias categorias. Em
relao liberdade das pessoas era feita a diferenciao
entre livres e escravos, mas entre os que eram livres tambm
havia igualdade, fazendo-se distino entre os patrcios
membros das famlias mais importantes que tinham participado da
fundao de Roma e por isso considerados nobres e os
plebeus pessoas comuns que no tinham o direito de ocupar
todos os cargos polticos. Com o tempo foram sendo criadas
categorias intermedirias, para que alguns plebeus recebessem
um ttulo que os colocava mais prximos dos patrcios e lhes
permitia ter o aos cargos mais importantes.
Quanto
possibilidade de participar das atividades polticas e
istrativas haviam uma distino importante entre os
prprios romanos. Os romanos livres tinham cidadania: eram,
portanto, cidados, mas nem todos podiam ocupar os cargos
polticos, como ode senador ou de magistrado, nem os mais altos
cargos istrativos. Fazia-se uma distino entre cidadania e cidadania ativa. S os
cidados ativos tinham o direito de participar das atividades
polticas e de ocupar os mais altos postos da istrao
Pblica. Uma particularidade que deve ser ressantada que as
mulheres no tinham a cidadania ativa e por esse motivo nunca
houve mulheres na Senado nem nas magistraturas romanas.
As Revolues
Burguesas e Cidadania
Nos sculos
dezessete e dezoito, quando na Europa j estavam comeando os
tempos modernos, havia tambm a diviso da sociedade em
classes, lembrando muito a antiga diviso romana. Os nobres
gozavam de muitos privilgios, eram proprietrios de grandes
extenses de terras, no pagavam impostos e ocupavam os cargos
polticos mais importantes. Ao lado deles existiam as pessoas
chamadas comuns, mas entre estas havia grande diferena entre os que eram
ricos, que compunham a burguesia,
e os outros que, por no terem riqueza, viviam de seu trabalho,
no campo ou na cidade. Nessa fase da histria da humanidade
vamos encontrar os reis que governam sem nenhuma limitao,
com poderes absolutos, e por isso o perodo conhecido como
do absolutismo.
Houve um momento em
que os burgueses e os trabalhadores j no avam as
arbitrariedades e as injustias praticadas pelos reis
absolutistas e pela nobreza e por esse motivo, unindo-se todos
contra os nobres, fizeram uma srie de revolues, conhecidas
como revolues burguesas. Desse modo foi feita a revoluo
na Inglaterra, nos anos 1688 e 1689, quando o rei perdeu todos
os seus poderes e os burgueses aram a dominar o Parlamento,
ando os nobres, que eram chamados lordes, para segundo
plano. Nessa poca a Inglaterra tinha 13 colnias na Amrica
do Norte. Influenciadas pelo que acontecia na Inglaterra, as
pessoas mais ricas dessas colnias, inclundo os
proprietrios de terras e os grandes comerciantes, promoveram
uma revoluo no sculo seguinte. Desse modo proclamaram a
independncia das colnias, em 1776. Alguns anos mais tarde,
em 1787, resolveram unir-se e criaram um novo Estado, que
recebeu o nome de Estados Unidos da Amrica.
Dois
anos depois, em 1789, ocorreu na Frana um movimento
revolucionrio semelhante, que ou para a histria com o
nome de Revoluo
sa. Esse movimento foi muito importante porque influiu
para que grande parte do mundo adotasse o novo modelo de
sociedade, criado em conseqncia da Revoluo. Foi nesse
momento e nesse ambiente que nasceu a moderna concepo de
cidadania, que surgiu para afirmar a eliminao de
privilgios mas que, pouco depois, foi utilizada exatamente
para garantir a superioridade de novos privilegiados.
No
dia 14 de julho de 1789 o povo invadiu a priso da Bastilha, na
cidade de Paris, onde se achavam presos os acusados de serem
inimigos do regime poltico absolutista. Esse fato marcou o
incio de uma srie de modificaes importantes na
organizao social da Frana e no seu sistema de governo,
estando entre essas modificaes a eliminao dos
privilgios da nobreza. Por esse motivo a tomada da Bastilha
ou a ser comemorada como o dia da Revoluo sa, mas
a revoluo se caracteriza por um conjunto de fatos que tem
incio bem antes daquela data.
Uma
das inovaes importantes, ocorrida algumas dcadas antes,
foi justamente o uso das palavras cidado e cidad, para simbolizar a igualdade de todos. Vrios escritores
polticos vinham defendendo a idia de que todos os seres
vivos nascem livres e so iguais, devendo ter os mesmos
direitos. Isso foi defendido pelos burgueses, que desejavam Ter
o direito de participar do governo, para no ficarem mais
sujeitos a regras que s convinham ao rei e aos nobres. O povo
que trabalhava, que vivia de salrios e que dependia dos mais
ricos tambm queria reconhecimento da igualdade, achando que se
todos fossem iguais as pessoas mais humildes tambm poderiam
participar do governo e desse modo as leis seriam mais justas.
Cabe
lembrar que as mulheres tiveram importante participao nos
movimentos polticos e sociais da Revoluo sa. Quando
se falava no direito da cidadania a inteno era dizer que
todos deveriam Ter os mesmo direito de participar do governo,
no havendo mais diferena entre nobres e no-nobres nem
entre ricos e pobres ou entre homens e mulheres.
Injustia
Legalizada: Discriminao pela Cidadania
No ano de 1791 os
lderes da Revoluo sa, reunidos numa assemblia,
aprovaram a primeira Constituio sa e a j
estabeleceram regras que deformavam completamente a idia de
cidadania. Recuperando a antiga diferenciao romana entre
cidadania e cidadania ativa, os membros da assemblia e os
legisladores que vieram depois estabeleceram que para tter
participao na vida poltica, votando e recebendo mandato e
ocupando cargos elevados na istraso pblica, no
bastava ser cidado. E dispam que pata tter a cidadania
ativa eram necessrios certos requisitos que logo mais sero
especificados, no bastando ser pessoa.
A
partir da a cidadania continuou a indicar o conjunto de
pessoas com direito de participao poltica, falando-se nos
direitos da cidadania para indicar os direitos que
permitem participar do governo ou influir sobre ele, o direito
de votar e ser votado, bem como o direito de ocupar os cargos
pblicos considerados mais importantes. Mas a cidadania deixou
de ser um smbolo de igualdade de todos e a derrubada dos
privilgios da nobreza deu lugar ao aparecimento de uma nova
classe de privilegiados.
A
Constituio sa de 1791, feita pouco depois da
Declarao de Direitos de 1789, manteve a monarquia, o que j
significava um privilgio para uma famlia. Alm disso,
contrariando a afirmao de igualdade de todos, estabeleceu
que somente os cidados ativos poderiam ser eleitos para a
Assemblia Nacional. Ficou sendo tambm um privilgio dos
cidados ativos o direito de votar para escolher os membros da
Assemblia. E para ser cidado ativo era preciso ser francs,
do sexo masculino, ser proprietrio de bens imveis e tter um
renda mnima anual elevada.
As
mulheres, os trabalhadores, as camadas mais pobres da sociedade,
todos esses grupos sociais foram excludos da cidadania ativa e
tiveram que iniciar uma nova luta, desde o comeo de sculo
dezenove, para obterem os direitos da cidadania. Foram, at
agora, duzentos anos de lutas, que j proporcionaram muitas
vitrias, mas ainda falta caminhar bastante para que a
cidadania seja, realmente, expresso dos direitos de todos e
no privilgio dos setores mais favorecidos da sociedade. |