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I Caravana de Direitos Humanos
Luta Anti-Manicomial

Braslia, 29 de junho de 2000 1y102z

APRESENTAO

A Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados elaborou o projeto das CARAVANAS NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS com o objetivo de superar esta marca to caracterstica da atividade poltica brasileira que a distncia que separa os governantes dos concernidos por suas decises. Estar presente nos locais onde as violaes mais comuns aos direitos humanos so praticadas um desafio permanente para aqueles que se dispe a mudar a realidade brasileira. As Caravanas tm essa pretenso. Sabemos dos limites inerentes a iniciativas dessa natureza. As visitas que realizamos na I Caravana foram marcadas pela premncia do tempo. Para que tivssemos uma opinio mais abalizada, seria necessrio ficar muito mais tempo em contato com os pacientes, tcnicos e corpo diretivo de cada uma das instituies visitadas. Este alerta importante para que as opinies aqui exaradas sejam tomadas exatamente como aquilo que so, impresses iniciais derivadas de uma observao crtica e orientadas pelo compromisso de afirmao dos Direitos Humanos que nos apaixona.

O que este relatrio oferece aos interessados uma amostra da realidade manicomial brasileira. Ele no abrange todos os estados, nem temos a certeza de que as clnicas visitadas so representativas dos maiores problemas enfrentados em cada um dos estados visitados. O relatrio, no obstante, apresenta uma situao que est a indicar a permanncia de um modelo anacrnico de ateno sade mental no Brasil e, portanto, indica a necessidade de mudanas urgentes.

Este relatrio , tambm, uma resultante de uma tomada de posio em favor daqueles seres humanos com os quais nos avistamos ao longo de 12 dias e que permanecem esquecidos e abandonados atrs dos muros e das grades dos manicmios brasileiros. Muitos de ns, que participaram dessa Caravana, no esqueceremos seus olhares, suas splicas, seus sorrisos, suas desarrazoadas esperanas, suas snteses surpreendentes. Em uma instituio visitada, perguntamos a um paciente a quanto tempo ele estava internado e sua resposta pronta foi " H 600 anos" . Talvez, do ponto de vista daqueles submetidos a um sofrimento infinito, a prpria idia de tempo se confunda com a eternidade. o que pretendemos contribuir para superar.

I - GOIS

Nossa primeira visita da Caravana deu-se na cidade de Goinia (GO). A Comisso de Direitos Humanos havia recebido denncia de que clnicas psiquitricas de Goinia estavam realizando neurocirurgias e que a psiquiatria praticada hegemonicamente na cidade seria tributria de uma concepo biologicista responsvel por violaes dos Direitos Humanos dos pacientes. Iniciaram a caravana os deputados Marcos Rolim e Paulo Delgado que foram acompanhados em Goinia pela representante do Conselho Regional de Psicologia e Frum Goiano de Sade Mental, Dra Deusdete; pela representante do Conselho Municipal de Sade e do Conselho Regional de Servio Social, Dra. Rbia; pela representante do Frum Goiano de Sade Mental, a terapeuta ocupacional Dra. Carlene e pelos representantes da Associao de Usurios dos Servios de Sade Mental de Gois, Srs. Saulo e Antnio Cassiano.

Bom Jesus: Clnica ou Presdio?

Chegamos primeiramente " Clnica de Repouso Bom Jesus Ltda", na Avenida T3 600, Setor Bueno, em Goinia. Logo em nossa chegada, enfrentamos dificuldades para ter o clnica. O encarregado afirmava que era o responsvel pela rea istrativa e que no possua autorizao para permitir visitas. Diante da demora em localizar algum da direo, afirmamos que entraramos de qualquer jeito, com ou sem autorizao. Finalmente, foi possvel localizar algum da direo e iniciar a visita. Trata-se de uma clnica privada com 296 leitos. Desse total, 240 so conveniados com o SUS e 74 so femininos. A Clnica dispe de 7 mdicos plantonistas, 10 mdicos assistentes e 2 clnicos gerais. Possui 7 enfermeiros, 4 psiclogos, 3 assistentes sociais, 1 terapeuta ocupacional, 1 farmacutico e 1 nutricionista. Possui, ainda, 54 auxiliares de enfermagens, 8 funcionrios na manuteno, 4 na lavanderia e 5 vigilantes. H pronturio nico com evoluo e prescrio diria. Perguntados sobre a existncia de Projeto Teraputico, os responsveis afirmaram que a clnica possui projeto escrito. No foi possvel, entretanto, obter uma cpia. A direo assumiu o compromisso de enviar cpia do projeto CDH, o que no ocorreu at a data da elaborao desse relatrio.

Como costuma ocorrer no modelo tradicional de isolamento proposto e efetivado pela lgica manicomial, o o s dependncias da Clnica Bom Jesus s possvel na companhia de algum com dezenas de chaves. A cada corredor, portas e mais portas, todas chaveadas. Cada novo espao, cada movimento e novas chaves. Encontramos, na verdade, a prevalncia de uma concepo bastante comum ainda segundo a qual os pacientes devem ser, sobretudo, vigiados. O que espera-se deles, antes de tudo, a sujeio. Que tomem seus remdios, que estejam calmos, que permaneam em seus leitos e nos espaos que lhes foram reservados. A instituio dispe de espaos abertos bastante significativos e que poderiam ser muito bem aproveitados como reas de lazer , recreao e convivncia. O o a eles, entretanto, bastante limitado. Visitamos um novo espao em fase de acabamento que ser destinado terapia ocupacional. Inclusive este espao est totalmente cercado por telas. Perguntado pelo Deputado Marcos Rolim sobre as razes de tantas grades e telas, um dos diretores afirmou que "na prtica a teoria outra" e que, se eles no tomassem essa precauo, logo os pacientes seriam flagrados "praticando sexo" . Diante dessa observao, o presidente da Comisso de Direitos Humanos inquiriu sobre os eventuais prejuzos da atividade sexual para o tratamento ponderando, tambm, sobre a legalidade dessa interdio no obtendo qualquer resposta coerente. Confirmamos na visita a existncia de casos de encaminhamento de pacientes para a prtica de neurocirurgia. No perodo de um ano, h 5 casos nessa clnica confirmados pela direo. Tivemos o a um paciente Odair Jos da Silva - trazido pela prefeitura de Formoso do Araguaia, que foi submetido a neurocirurgia e que estava em um quarto isolado e gradeado. Odair Jos da Silva chegou a receber alta mdica em 28 de janeiro de 2000,mas no foi buscado pelos familiares. Teve, ento, uma crise agressiva. Recebeu, ento, a indicao de cirurgia realizada no ltimo ms de maio. Este paciente quedava-se em seu leito sem qualquer expresso e parecia absolutamente alienado. Vez por outra, jogava-se no cho e ava a lamb-lo. Os atendentes entravam, ento, em sua "cela" para ergu-lo e reconduzi-lo ao leito. Nos entrevistamos, tambm, com outro paciente visivelmente sedado que dever ser submetido a neurocirurgia. Segundo os diretores da clnica, trata-se de um paciente agressivo que no responde medicao. O deputado Paulo Delgado entrevistou-se com um dos diretores a respeito do caso do jovem que havia sido submetido neurocirurgia descobrindo que este profissional, responsvel pela indicao da interveno cirrgica, no sabia sequer o estado civil do paciente.

Clnica Isabela: um mundo de certezas

A segunda clnica visitada possui um padro de atendimento bastante semelhante a Bom Jesus. As instalaes fsicas, no obstante, diferem bastante. A Clnica Isabela no dispe de espaos abertos como aqueles encontrados na primeira instituio. Nesta clnica, h alguns meses, um paciente morreu queimado quando estava contido mecanicamente em seu leito. Fomos rapidamente recebidos e tivemos a impresso de que nossa visita estava sendo esperada. A Clnica dispe de 181 leitos conveniados com o SUS em um total de 197. Encontramos na clnica um paciente internado como medida de segurana por ordem judicial. Aps a inspeo das suas instalaes, mantivemos entrevista com o diretor da instituio. Esta oportunidade foi bastante importante pois nos permitiu ter uma idia mais clara sobre os mtodos de tratamento e as concepes tericas ali vigentes. O diretor um homem sem dvidas. A psiquiatria, para ele, configura uma cincia exata e apenas os especialistas nessa rea podem compreender, de fato, os procedimentos por ele empregados. Nos falou com desenvoltura sobre a necessidade de aplicao de eletroconvulsoterapia ( ECT) em muitos casos e sobre sua determinao em indicar o tratamento sempre que necessrio. Confirmou a prtica de realizao de neurocirurgias e discorreu longamente sobre a tcnica empregada a partir da introduo de uma fina esptula no crebro e sobre os resultados maravilhosos "largamente comprovados". Essa cirurgia denominada "estereotaxia". Segundo o diretor da clnica, a interveno cirrgica recomendada quando o paciente refratrio a medicamentos. As certezas pretensamente cientficas com as quais procura-se legitimar intervenes agressivas e irreversveis em pacientes portadores de sofrimento psquico emolduram um quadro de um saber psiquitrico to tradicional quanto reacionrio que, ao que tudo indica, hegemnico em Goinia. O que j seria inaceitvel em qualquer situao ao final desse sculo torna-se escandaloso quando sabemos que essas concepes sobrevivem s custas do financiamento pblico. Por essa razo entendemos como urgente a necessidade de intervir sobre o sistema de sade mental vigente na capital dos goianos destacando esse caso em nossas recomendaes finais ao Ministrio da Sade.

II - AMAZONAS

Em Manaus, estiveram os deputados Marcos Rolim, Paulo Delgado, Nilson Mouro (PT/AC) e Vanessa Graziotin (PCdoB/AM) . Integraram a caravana Joana DArc de Oliveira Guedes, representante do sindicato dos trabalhadores na Sade; Dr. Heldemar Ferreira Costa, presidente do sindicato dos mdicos e os deputados estaduais Wallace Souza (PSC) , Eron Bezerra (PcdoB), Marcos Rota (PSDC), Washington Rgis (PL) e o vereador dson Ramos (PcdoB).

Centro Psiquitrico Eduardo Ribeiro

nico Hospital Psiquitrico do estado do Amazonas, o Centro Psiquitrico Eduardo Ribeiro (av. Constantino Neri 2771, Chapada, Manaus) possui um total de 150 leitos; todos conveniados com o SUS. No momento da visita, a instituio abrigava 95 pacientes, entre homens e mulheres. Trata-se de um hospital pblico estadual funcionando em um prdio antigo e experimentando vrias limitaes. H, inicialmente, carncia de pessoal tcnico na instituio e necessidade de realizar rapidamente determinadas reformas na estrutura fsica. Segundo o que nos foi relatado pelo diretor, Laerte Maus, essas reformas j foram planejadas. A instituio dispe de projeto teraputico escrito que ficou de nos ser enviado. Realiza trabalho especfico com os familiares e permite que os internos tenham atividades externas, eios, etc. O que presenciamos aqui foi a presena de um significativo nmero de pacientes cronificados com perodos muito longos de internao. Na maioria desses casos de cronificao, percebe-se a existncia de um quadro social anterior de misria e abandono. O hospital lida, ento, com pacientes asilares que foram sendo "depositados" ali ao longo de dcadas. Flagramos trs casos de conteno mecnica de pacientes nos leitos. Dois deles absolutamente fora dos procedimentos tcnicos. Esses dois pacientes estavam, na verdade, amarrados pelos pulsos e pelos tornozelos procedimento que pode provocar leses e promove, certamente, sofrimento contornvel. Aqui, tambm, o exerccio da sexualidade dos pacientes interditado segundo o diretor por razes de "ordem moral" (sic) De qualquer forma, deve-se registrar que os pacientes convivem em liberdade; que no h grades, cercas ou outros constrangimentos ao trnsito dos internos; que a direo revelou uma postura transparente e aberta para o reconhecimento das limitaes vividas pela instituio. Ao final da visitao, mantivemos uma interessante e produtiva reunio com o corpo tcnico do Hospital. Nos pareceu evidente que uma parte das dificuldades enfrentadas pelo Hospital prende-se ao fato de que o prprio estado ressente-se de uma poltica de sade mental. Seria necessrio construir servios de ateno sade mental, de carter ambulatorial e comunitrio, nas principais regies do Amazonas e na capital. Pela experincia j realizada no Brasil, sabe-se que a abertura de servios dessa natureza -capazes de, efetivamente, tratar pessoas portadoras de sofrimento psquico - causa de diminuio da demanda por internaes psiquitricas. De outra parte, seria preciso garantir a abertura de leitos psiquitricos em Hospitais Gerais no estado de tal forma que quando a internao psiquitrica se fizesse necessria pudesse se evitar o estigma que recai sobre os doentes mentais sempre que internados em instituies de natureza manicomial.

Centro de Custdia e Tratamento Psiquitrico:

A segunda instituio visitada em Manaus foi o manicmio judicirio que, ao contrrio do que indica o seu nome, no oferece qualquer tipo de tratamento aos seus internos. Quando de nossa visita, havia 24 internos na instituio, um pequeno pavilho dentro da rea onde est localizada a Cadeia Pblica de Manaus. Neste pavilho h 5 celas; trs delas absolutamente inabitveis. Esses espaos violam flagrantemente as normas bsicas previstas pela prpria Lei de Execues Penais (LEP) e os princpios internacionais ratificados pelo Brasil. So celas escuras, sem ventilao, com dimenses inferiores aos 6 metros quadrados onde se empilham pessoas doentes. No h um corpo tcnico na instituio. O nico psiclogo o diretor. As trs celas referidas devem ser imediatamente interditadas e o estado deve providenciar na formao de um corpo tcnico capaz de, efetivamente, tratar os internos. Aproveitando que estvamos na rea da Cadeia Pblica, realizamos uma breve inspeo nesta casa prisional tambm. A situao que nos foi revelada ali gravssima. Centenas de presos provisrios esto amontoados na instituio, h meses, aguardando julgamento; alguns deles dormindo no cho, sem colches ou mantas. A situao da cadeia publica de Manaus, entretanto, no ser tratada neste relatrio da CDH.

III- PERNAMBUCO

Nossa terceira etapa da Caravana deu-se em Recife (PE) e na regio metropolitana. Visitamos 4 instituies psiquitricas, em Recife, em Itamarac, em Paulista e em Camaragibe. Participaram da caravana os deputados Marcos Rolim e Paulo Delgado, acompanhados pela Psicloga Esther De Oliveira Correia, pelos Promotores de Justia Marco Aurlio Farias da Silva, Jos Augusto Neto e Maria Ivana Vieira e pelo representante do Movimento da Luta Antimanicomial Marco Noronha.

HCTP de Itamarac - abandono e violncia

A primeira visita em Pernambuco deu-se no Hospital de Custdia e Tratamento Psiquitrico de Itamarac (HCTP), na regio metropolitana.(Engenheiro So Joo, s/n) Manicmio Judicirio do estado, a instituio possui 70 leitos (56 para homens e 14 para mulheres) . No dia de nossa visita abrigava 336 (trezentos e trinta e seis) internos. Seu quadro de pessoal o seguinte: 7 mdicos plantonistas, um mdico assistente, um clnico geral, um enfermeiro, dois psiclogos, dois assistentes sociais, um terapeuta ocupacional e um farmacutico. Dispe, ainda de 14 auxiliares de enfermagem. No dia em que l estivemos, a nica profissional de nvel superior presente na instituio era a mdica plantonista. Esta profissional estava trancada em sua sala, dormindo. A sala onde ficam os mdicos plantonistas gradeada. Perguntada a respeito, a profissional revelou que teme muito por sua segurana e que, com a grade, sente-se melhor.

Superlotado, o HCTP uma casa de abandono e violncia. Os pacientes no so tratados. Alis, no so sequer concebidos como pacientes. Esto trancafiados em celas imundas e ftidas. Alguns deles, isolados e completamente ns. Segundo a mdica plantonista, ficam ns por prescrio mdica (!) pois so pacientes com risco de suicdio. Neste caso, como no h outro recurso tcnico, nem pessoal para garantir que esses pacientes sejam observados, providencia-se no seu isolamento e se lhes retiram as roupas. (sic) Os pavilhes onde esto amontoados os internos so prdios inabitveis, lgubres e pestilentos. Em muitas celas, os internos convivem com seus prprios dejetos. A maioria obrigada a dormir no cho. Os banheiros so imundos e em alguns no h sequer gua. Quando de nossa visita, fazia um ms que o hospital estava sem qualquer medicao para fornecer aos internos. Tudo aqui no funciona. O HCTP uma instituio de recluso sem qualquer segurana que oferece aos internos a perspectiva de pena cruel e degradante. Em sntese, nem custodia, nem trata. Caso de interdio imediata e denncia pblica. Os deputados Marcos Rolim e Paulo Delgado, diante da gravidade do que foi constatado no HVTP, mantiveram no mesmo dia uma audincia com a Sub Procuradora do estado de Pernambuco, Dra Maria Helena Caula Reis. Solicitaram que o Ministrio Pblico tomasse providncias imediatas e sugeriram a interdio do HCTP.

Hospital Psiquitrico do Paulista - internaes abusivas

Visitamos no municpio de Paulista o Hospital Psiquitrico do Paulista S/A (rua da alegria 2566, bairro Nobre) instituio privada, conveniada com o SUS, com 125 leitos para homens e mulheres. Seu corpo tcnico composto por 7 mdicos plantonistas, 4 mdicos assistentes e um clnico geral; 7 enfermeiros, dois psiclogos, dois assistentes sociais, dois terapeutas ocupacionais, um farmacutico e um nutricionista. A clnica mantm, ainda, um professor de educao fsica e 35 auxiliares de enfermagem. Sua direo afirma que a casa possui projeto teraputico escrito - que dever ser enviado CDH - e que realizam reunies com familiares. Os internos no podem visitar os familiares durante o perodo de internao. Encontramos aqui, alguns pacientes internados de forma abusiva e desnecessria. Verifica-se na instituio, claramente, que problemas sociais como a misria e a violncia terminam por "empurrar" para as clnicas psiquitricas pacientes que, a rigor, no precisariam de internao, mas de algum tipo de apoio ou tratamento extra-hospitalar.

Hospital Ulysses Pernambucano - mais abandono

Um dos mais antigos hospitais do estado, o Ulysses Pernambucano localiza-se em um bairro nobre da capital. ( Tamarineira) Hospital estadual, estava quando de nossa visita com 208 pacientes, muitos dos quais crnicos. Fomos recebidos e conduzidos por um antigo funcionrio que nos acompanhou s imensas dependncias do Hospital. O problema maior aqui o estado de conservao de vrias alas - bastante precrio - e a absoluta falta de pessoal. Em uma sala, h um extraordinrio arquivo com grande parte da histria do Hospital, incluindo-se pronturios antigos, fotos, etc. Todo esse acervo encontra-se j largamente comprometido pela incria istrativa. O material, que poderia ser uma fonte de pesquisa importantssima para uma histria da loucura e da psiquiatria em Pernambuco se perder totalmente se no houver um projeto de restaurao e preservao dos documentos remanescentes. O corpo tcnico reduzidssimo e no foi possvel encontrar qualquer pessoa que nos apresentasse dados, ainda que aproximados, sobre o Hospital. Nos restou visit-lo e conversar com pacientes e alguns poucos funcionrios. H uma experincia de "lar abrigado" construdo na rea interna do prprio Hospital onde moram 4 mulheres. Ali, as instalaes so razoveis embora o prprio projeto enfrente limitaes evidentes. O Hospital possui, tambm, uma capela. Todas as instalaes restantes so bastante simples e pobres. Os internos perambulam pela instituio sem qualquer atividade notvel. A impresso geral de abandono. No se identifica aqui a concepo "prisional" , mas vive-se uma experincia de evidentes limitaes teraputicas. Parece mesmo incrvel que Pernambuco tolere limitaes dessa ordem ainda mais quando o estado dispe de uma lei de reforma psiquitrica em vigor. Ao que tudo indica, a Lei no vem sendo observada, nem desencadeou uma poltica pblica eficaz na rea.

Hospital Psiquitrico Alberto Maia - uma cidade para a loucura?

Nossa ltima visita em Pernambuco deu-se na cidade de Camaragibe onde conhecemos o Hospital Alberto Maia. A instituio privada possui 1.000 ( mil ) leitos; 400 femininos e 600 masculinos; 99% deles conveniados com o SUS. Cerca da metade desses pacientes composta por esquizofrnicos. Uma pequena parcela deles integrada por pacientes neurolgicos. Entre os pacientes psiquitricos, a grande maioria composta por crnicos. Possui 7 mdicos plantonistas, 27 mdicos assistentes, 10 clnicos gerais, 25 enfermeiros, 10 psiclogos, 10 assistentes sociais, 13 terapeutas ocupacionais, um farmacutico e trs nutricionistas. Conta, ainda, com dentista, professor de educao fsica, fonaudilogo, fisioterapeuta e 204 auxiliares de enfermagens. De todas as instituies visitadas, esta aquela que mantm o maior quadro de funcionrios. O Hospital mantm atividades externas com os pacientes, possui projeto teraputico - que ficou de nos enviar - mantm telefone para uso dos pacientes, permite a visita dos pacientes aos familiares. O que parece incrvel nesta instituio o nmero de internos. Camaragibe uma pequena cidade da regio metropolitana. Quando se entra no Hospital, h uma sala de recepo atravs da qual tem-se o a rea interna por uma porta. Quando os integrantes da caravana entraram por aquela porta puderam vislumbrar um mundo absolutamente "alternativo" do outro lado; algo assim como uma outra dimenso da vida reunindo pessoas com sofrimento psquico em uma convivncia natural nos marcos de uma rea que faz lembrar uma pequena vila. No momento em que chegamos ali, havia um intenso movimento dos pacientes por essa rea aberta. A decorao para as festas juninas ofereciam ao ambiente uma imagem ainda mais familiar de uma cidadezinha de interior. Uma cidade de loucos, essa foi a primeira impresso. A favor do hospital, podemos afirmar que os pacientes no esto abandonados. H aqui um acompanhamento efetivo. At que ponto ele resolutivo no podemos afirmar. Tambm aqui absolutamente evidente a mistura de misria, abandono familiar e doena mental.

IV - BAHIA

Estiveram na Bahia os Deputados Marcos Rolim e Paulo Delgado, acompanhados pela Dra. Gleide Gurgel, pres. Da Comisso de Direitos Humanos da OAB/BA; pela Dra. Ana Montenegro, representante do Frum Estadual de Direitos Humanos; pelo Deputado estadual Yulo Oiticica, presidente da Comisso de Direitos Humanos da Bahia; por Eduardo Alves de Arajo, coordenador do movimento de usurios de sade mental da Bahia; por Dbora Lopes Dourado, presidente em exerccio do Conselho Municipal de Sade; pela Dra. Clia Barqueiro, representante do ncleo de estudos pela superao dos manicmios; por Delmar Saft, representante do movimento de usurios em sade mental; por Luana Silveira, representante do Conselho Regional de Psicologia e por Ana Cristina Abreu, representante do Conselho Regional de Servio Social.

Colnia Lopes Rodrigues - pacientes distantes de tudo

Na Bahia, a primeira instituio visitada foi o Hospital Colnia Lopes Rodrigues em Feira de Santana. Trata-se de um imenso Hospital Psiquitrico capaz de abrigar mais de mil pacientes. O projeto arquitetnico dessa Colnia no deixa de ser bonito e interessante. Sua idia bsica a de uma estrutura de comunidades teraputicas em forma de clulas independentes em torno de um ncleo central de servios. Em cada uma dessas clulas encontram-se, atualmente, cerca de 100 pacientes. As cellas so ligadas ao ncleo por caminhos cobertos o que confere construo uma estrutura raiada. Alm das clulas, h pavilhes de internao cuja existnxcia no parece guardar qualquer relao de pertinncia com a concepo arquitetnica original. O mais provvel que tenham sido construdos em perodo mais recente para responder a demanda crescente por internao psiquitrica. Como chegamos ao Hospital em um Domingo, no encontramos qualquer pessoa da direo que pudesse nos oferecer informaes detalhadas ou dados estatsticos.

Muitos dos pacientes aqui caminham ns no interior das clulas e nos enormes espaos de convivncia entre elas. comum que estes e outros pacientes realizem suas necessidades fisiolgicas nessas reas abertas. Em um dos pavilhes, encontramos um paciente contido mecanicamente em seu leito de forma absolutamente irregular. Ele estava amarrado pelos pulsos e pelos tornozelos. Reclamava dessa condio argumentando com desenvoltura e aparentando absoluta calma. O Deputado Marcos Rolim solicitou ao atendente de enfermagem que o liberasse argumentando que ele no estava em surto e que as amarras contrariavam as normas de conteno mecnica. O pedido foi aceito imediatamente e sem contestao pelo funcionrio. A caravana encontrou, ainda, uma paciente presa nas instalaes gradeadas de um banheiro no interior de uma das clulas. Esta mulher, aparentando 30 anos, negra, estava semi nua, sentada no cho do banheiro. Muda, ela no respondeu aos questionamentos que lhe foram feitos. As atendentes de servio nessa clula informaram aos integrantes da caravana que a paciente costumava ser agressiva e que jogava fezes nos demais internos. Por isso estaria "isolada". Na verdade, ela se encontrava enjaulada. O que pudemos perceber foi a realidade de abandono em que se encontram os internos e a enorme distncia oferecida queles pacientes frente s possibilidades de ressocializao.

Clnica So Paulo o calabouo de Salvador

No incio da noite de Domingo, estivemos no centro de Salvador em visita clnica psiquitrica So Paulo. Trata-se de uma instituio privada localizada em um prdio absolutamente inadequado. A construo possui vrios pisos, corredores, escadas e agens. Todas elas devidamente trancadas e isoladas umas das outras. Fomos recebido por um mdico que, ao ser perguntado pelo nmero de leitos da instituio, nos ofereceu como resposta que ali deveriam existir "algo entre 200 e 300 leitos." No foi possvel recolher qualquer informao detalhada pela ausncia de responsveis pela istrao.

A clnica So Paulo um verdadeiro depsito de doentes mentais. Suas instalaes so inaceitveis e conformam condio de sofrimento aos internos. Foi difcil para ns realizar o trabalho de inspeo pela prpria angstia dos pacientes que cercavam os integrantes da caravana implorando por sua liberdade. Na ala feminina, situada em um verdadeiro calabouo, encontramos pacientes despidas em estado de abandono. As condies de higiene so as piores possveis e o cheiro que emanava em toda a instalao era invel. H evidentemente, um "tratamento" massificado e a prtica de abuso medicamentoso.

V - RIO DE JANEIRO

Chegamos ao Rio de Janeiro ao final da manh da segunda feira, dia 19 de junho. Alm dos deputados Marcos Rolim (PT/RS) e Paulo Delgado (PT/MG), somaram-se caravana os deputados Fernando Gabeira (PV/RJ) e Dr. Rosinha (PT/PR), a assessora da CDH Janete Lemos; do

representante do Conselho Federal de Psicologia, Marcos Vincius de Oliveira; os membros da Secretaria Executiva Colegiada do Movimento de Luta Antimanicomial, Fernando Goulart e Alexandre Bellagama, usurios; Iracema Polidoro, familiar e Sandra Pacheco, terapeuta ocupacional; e, ainda, Agilberto Calaa e Rosa Domeni, mdicos e Jos de Paula, familiar.

Amendoeiras - a primeira boa surpresa

Do aeroporto, fomos diretamente Clnica das Amendoeiras no bairro de Jacarepagu. (Rua estrada do Rio Grande, 3995) Trata-se de uma instituio privada com 1 4 0 (cento e quarenta) leitos, todos conveniados com o SUS. O corpo tcnico e de apoio encontra-se dentro da previso da portaria ministerial. A Clnica das Amendoeiras trabalha, basicamente, com pacientes neurolgicos. Em regra, pessoas gravemente comprometidas e com total dependncia. 26 (vinte e seis) dos pacientes so menores de idade. O prdio onde funciona a clnica no adequado. Trata-se de uma construo com inmeras agens, escadas e corredores onde j funcionou uma escola. A estrutura fsica do prdio implica em vrias dificuldades para o deslocamento dos pacientes e dos tcnicos e motivo de constrangimento para uma melhor relao teraputica. Comoa clnica caracteriza-se por abrigar pacientes neurolgicos, o tipo de trabalho desenvolvido bastante diverso daquele que se espera encontrar em uma clnica psiquitrica. Reside neste ponto um primeiro problema a ser resolvido pelas autoridades na rea da sade: o perfil tcnico necessrio melhoria do atendimento prestado por esta instituio no deve ser aquele exigido para as clnicas que trabalham com portadores de sofrimento psquico. Assim, por exemplo, ao invs de se verem obrigados a contratar mdicos psiquiatras, os diretores da Clnica poderiam estar contratando mais fisioterapeutas, fonoadilogos ou musicoterapeutas.

Em que pese essas limitaes, ficamos positivamente impressionados com o trabalho desenvolvido pelos profissionais da Clnica Amendoeiras. Pelos critrios humanistas que orientam os trabalhos da CDH, devemos destacar a existncia de fortes e consolidados laos afetivos entre profissionais e internos. Percebe-se, nitidamente, a existncia de um trabalho srio marcado pela oferta de cuidados intensivos e permanentes. Os internos, mesmo os acometidos pelas mais graves neuropatias, reconhecem os profissionais e demonstram por eles seu carinho. Os tcnicos, da mesma forma, os nomeiam naturalmente demostrando conhecer detalhes da histria de cada paciente. No apenas de seu quadro clnico, mas de seus desejos, de suas relaes familiares, etc. Duas das pacientes, com comprometimentos menos drsticos, habitam um quarto prprio, decorado por elas mesmas. Conversamos com uma paciente em seu leito que, independentemente de sua deficincia mental, estava concluindo a obra de Dostoievsky "Crime e Castigo". Em situaes do tipo, como em outra, percebe-se a abertura das possibilidades de humanizao construda pelo projeto teraputico. Aqueles internos impossibilitados de caminhar, que permanecem em seus leitos a maior parte do tempo, esto assistidos efetivamente. Cada um possui uma estrutura prpria de apoio com almofadas no leito de tal forma que sua posio seja a mais adequada segundo a orientao mdica e fisioterpica. Em vrios lugares da clnica, h espelhos a disposio dos usurios; um recurso to simples quanto raro em hospitais e clnicas psiquitricas. H uma relao importante construda pelos profissionais com os familiares e programas de atividades externas.

A direo do estabelecimento e os tcnicos nos receberam com o mximo de boa vontade e fizeram questo de nos mostrar todas as dependncias, responder a todas as perguntas, etc. Em larga medida, percebemos o quanto se orgulham do seu esforo. Estamos a falar, bem entendido, de uma Clnica que trata de pessoas muito pobres; algumas, como comum, abandonadas por suas famlias. Mais do que isso, de uma instituio que enfrenta limitaes financeiras e que v-se na impossibilidade de realizar investimentos mais significativos em sua estrutura fsica. Um lugar, em sntese, que reuniria todas as condies para se transformar em um depsito de seres tratados como vestgios humanos. O que vimos, no obstante, foi a afirmao da tendncia oposta pela qual aqueles internos descobrem-se, pelo cuidado, reconhecidos em sua humanidade mesma. A primeira boa surpresa da Caravana chama-se Clnica Amendoeiras.

Dr. Eiras: O Maior Hospital Psiquitrico do Brasil:

A segunda visita realizada no Rio de Janeiro s ocorreu na manh de tera feira, dia 20 de junho. Durante toda a tarde de quarta, os deputados da CDH participaram de uma audincia pblica na Assemblia Legislativa sobre o tema "Violncia e Segurana Pblica". A instituio visitada localiza-se no municpio de Paracambi (Fazenda do Barreiro s/n), distante uma hora e meia de carro do Rio. Chama-se Casa de Sade Dr. Eiras, uma instituio privada, onde encontramos cerca de 1.500 (mil e quinhentos) internos. O hospital, construdo ao final dos anos 60, est localizado em uma rea rural e lembra uma grande fazenda. Pelas dimenses de sua rea (500 mil metros quadrados) o maior hospital psiquitrico do Brasil e um dos maiores do mundo. Conta com nove grande pavilhes, todos com estrutura bastante precria. Os internos, homens e mulheres, permanecem a maior parte do dia em convvio nas reas imensas disponveis. Nos primeiros 5 meses do ano 2000, as mdias de internao registradas foram as seguintes:

ate 5 meses - 203 pacientes

de 06 a 1 ano - 83 pacientes

de 01 a 05 anos- 474 pacientes

de 05 a 10 anos- 257 pacientes

mais de 10 anos- 485 pacientes

A mesma amostragem demonstra os seguintes indicadores:

mdia de doentes/ dia - 1.519,9

percentual de ocupao - 84,4%

mdia de permanncia de agudos - .91

mdia de permanncia de crnicos - 10.82

mdia de permanncia global - 368.1

intervalo de substituio - 2.18

ndice de mortalidade - .26

O quadro tcnico do Hospital dispe de 14 mdicos plantonistas; 13 mdicos assistentes em 20 h e 6 mdicos assistentes em 40 h; 12 clnicos gerais; 14 enfermeiros; 12 psiclogos; 12 assistentes sociais; 12 terapeutas ocupacionais; um farmacutico e 2 nutricionistas. A instituio conta, ainda, com outros profissionais de nvel superior em especialidades diversas, alm de um grande nmero de funcionrios de nvel mdio. (ao todo, cerca de 600 pessoas trabalham na instituio) A instituio dispe de projeto teraputico global, com especificaes para cada uma das suas unidades. Cpia do projeto nos foi oferecida prontamente, procedimento que no se revelou comum em toda a caravana. Alis, deve-se registrar que direo do estabelecimento oportunizou caravana o o a todos os documentos solicitados.

A grande maioria dos internos composta por pacientes cronificados em longos perodos de internao. Em que pese todos os esforos que possam estar sendo realizados pela instituio, nos restou a impresso bastante forte de um tratamento largamente massificado dos internos. H procedimentos que parecem evidenciar esta limitao como, por exemplo, o "banho coletivo" nas unidades. Durante nossa visita, constatamos um grupo de cerca de 8 0 ( oitenta) internos no banho. Enquanto alguns ocupavam os chuveiros, outros aguardavam ns sua vez enquanto outros aguardavam molhados o momento em que receberiam uma toalha ou seriam secados. A cena toda nos pareceu bastante trivial nos marcos da instituio.

Em uma unidade que agrupa pacientes neurolgicos em situao de grave dependncia, foi possvel perceber a carncia de pessoal tcnico e a inadequao das instalaes. A maioria daqueles pacientes estava, simplesmente, depositada no cho do ptio interno enquanto 3 ou 4 tcnicos se esforavam por auxili-los, vesti-los, limp-los, etc. Deprimente. Neste mesma unidade, os deputados Rolim e Gabeira encontram dois internos com sdrome de down e um outro portador de surdez. Ao que tudo indica, nenhum deles deveria estar naquele hospital e naquela unidade. A presena deles ali vinculava-se, pelo que se pode apurar, a uma situao social de abandono e/ou misria. Um dos meninos com a sndrome de down estava com o brao engessado e com indicao para cirurgia. A instituio, entretanto, relatou estar enfrentando inmeras dificuldades nos casos de encaminhamento de pacientes para os hospitais gerais da regio. Estes hospitais estariam se negando a receber membros da clientela da Casa de Sade Dr. Eiras.

H programas com a participao de familiares e a instituio mantm atividades externas com os pacientes. Deve-se destacar, positivamente, o fato de a instituio no reproduzir a lgica prisional ainda hoje to comum. Deve-se registrar, tambm, a reclamao de vrios pacientes quanto qualidade da comida que estaria sendo servida.

No contato bastante cordial que mantivemos com a direo e corpo tcnico um novo problema foi identificado: trata-se do emprego da eletroconvulsoterapia (ECT), procedimento mais conhecido como "eletrochoque". Perguntados sobre o emprego de ECT, a direo afirmou que, em determinadas situaes, mediante prescrio mdica, faz-se o uso de ECT. Os procedimentos recomendados para essa aplicao, de qualquer forma, excluem a necessidade de emprego de anestsicos, o que nos pareceu surpreendente. Perguntado a respeito, o diretor da instituio afirmou que o uso de anestsicos pode ser contraproducente diante dos efeitos teraputicos pretendidos. Esta posio est sustentada em documento prprio intitulado "Normas Para o Uso da Eletroconvulsoterapia (ECT) na Casa de Sade Dr. Eiras- Pacambi", ao qual tivemos o.

A instituio trata, tambm, de alcoolistas e drogatitos. H uma unidade autnoma para tratamento de dependentes qumicos, internados voluntariamente, cuja concepo geral baseia-se no isolamento e na metodologia dos grupos de Alcolatras Annimos (AA).

Maiores informaes sobre a Casa de Sade Dr. Eiras podem ser encontradas no anexo desse relatrio. (Cpia do projeto teraputico e do documento citado sobre ECT)

Clnica da Gvea S.A -

Nossa ltima visita no Rio de Janeiro deu-se na Clnica da Gvea, uma instituio privada com caractersticas manicomiais bastante visveis e com capacidade para 360 (trezentos e sessenta) leitos. No dia de nossa visita, a casa contava com 318 (trezentos e dezoito) internos. O tempo mdio de internao na Clnica de 46 dias. O corpo tcnico formado por 22 mdicos psiquiatras, 3 clnicos, 8 enfermeiros, 50 auxiliares de enfermagem, 04 terapeutas ocupacionais, 05 assistentes sociais, 04 psiclogos, 01 fisioterapeuta; 01 dentista; 01 farmacutico e 02 nutricionistas. Quase todos os leitos so conveniados com o SUS.

O que primeiro ressalta na visita a inadequao absoluta do prdio onde funciona a Clnica da Gvea. Trata-se de uma construo "morro acima" que se impe como um labirinto. No h espao adequado para o deslocamento dos internos e boa parte dos "ambientes" so isolados por portas, cadeados e grades. H uma sala de "triagem" ou coisa parecida onde os recm ingressos ficam isolados, sem o s reas externas, por vrios dias, espera de um laudo. Entre os pacientes, as queixas so generalizadas. Reclamam da qualidade da comida, reclamam de maus tratos e alguns deles apontaram um funcionrio (Wilton Rodrigues Chaves) como responsvel por agresses fsicas; reclamam que, em determinadas ocasies, so retirados de seus leitos durante a madrugada e submetidos a banhos frios; reclamam que no possuem o direito de opinar, etc. Questionada sobre estes tens, a direo nega a procedncia das reclamaes e declara sequer ter conhecimento delas. Seria, de fato, necessria uma investigao criteriosa para se saber o que h de verdadeiro nas reclamaes feitas pelos internos. De qualquer maneira, parece evidente que reclamos dessa gravidade, recolhidos em conversas feitas separadamente com vrios pacientes so sempre, no mnimo, um "sintoma" institucional significativo. No se trata, ento - conforme o sustenta determinada razo psiquitrica, de atribuir aos internos uma eterna vocao ao delrio, mas de reconhecer em suas queixas mais sentidas um claro sinal de problemas produzidos e/ou agravados pela internao que devem ser enfrentados como desafios teraputicos.

Pelo menos trs internos relataram ao deputado Marcos Rolim terem ado por sesses de ECT naquela instituio. Perguntada sobre o tema, a direo afirmou que a prtica de ECT est em desuso na instituio. bem verdade que mesmo nessa negativa algumas contradies foram percebidas: um dos diretores afirmou que "s em ltimo caso" a Clnica emprega o ECT; outro disse que "h trs anos no h uma aplicao sequer"; um dos diretores afirmou que a instituio "no possui sequer a mquina", outro disse que "a mquina est guardada". Ficamos com a dvida: a clnica aplica ou no aplica a eletroconvulsoterapia?

A clnica no realiza atividades externas com os pacientes, pelo menos no regularmente. O banheiro disponvel para uma parte dos homens internos no contava com papel higinico quando da visita. Perguntada sobre isso, uma das diretoras afirmou que os internos, quando necessitados, "devem pedir o papel higinico". Os pronturios no possuem registro prprio do trabalho de assistncia social. O deputado Marcos Rolim identificou, examinando alguns pronturios, um paciente com alta h cinco dias que permanecia internado. A impresso geral que ficou foi a de uma clnica sem projeto teraputico, com extraordinrias limitaes de infra-estrutura e dirigida por uma concepo que dificulta e/ou impede o desenvolvimento e a consolidao e vnculos afetivos com os internos. Um manicmio tpico, em sntese.

VI - MINAS GERAIS

Estiveram em Minas Gerais os Deputados Marcos Rolim, Paulo Delgado, Fernando Gabeira , Dr. Rosinha e a assessora da CDH, Janete lemos. A caravana fez-se acompanhar pelo Dr. Mark Napoli Costa, Psiquiatra coordenador de Sade Mental de Betim, pelo Dr. Fernando Galvo, Promotor de Justia em Belo Horizonte, pela Dra. Larissa Souto Maior Promotora de Justia em Vespasiano, pela Dra. Mirian Abu-yd, psicloga e psiquiatra representante do Frum Mineiro de Sade Mental; pela Dra. Ana Marta Lobosque, psiquiatra tambm representando o Frum Mineiro de Sade Mental e por Maria Emlia Silva, advogada, representando o Conselho Estadual de Direitos Humanos. Para um melhor aproveitamento do pouco tempo disponvel e para que um nmero maior de instituies fossem visitadas, Os deputados Marcos Rolim e Fernando Gabeira dirigiram-se a Barbacena, enquanto os deputados Paulo Delgado e Dr. Rosinha ficaram em Belo Horizonte e regio metropolitana.

Clnica Pinel: aqui do gravata toa, toa

Trata-se de clnica privada situada na Pampulha em Belo Horizonte (Alameda do Ip Branco, 165) com 240 leitos, 220 deles conveniados com o SUS. A Clnica dispe de 7 mdicos plantonistas, 8 mdicos assistentes, dois clnicos gerais, 9 enfermeiros, 4 psiclogos, 4 assistentes sociais, 4 terapeutas ocupacionais, um farmacutico e um nutricionista. Conta, ainda, com 54 auxiliares de enfermagem e 12 atendentes de enfermagem. Os pacientes tm o a um telefone pblico. Cerca de 10% deles recebem correspondncia. Do total de pacientes internados, 64 esto l h mais de um ano. A caravana enfrentou dificuldades para sua entrada na instituio o que s se viabilizou aps consulta feita pela direo a seu advogado. A clnica responde em processo judicial pela acusao de crcere privado. A situao que encontramos est marcada pela inadequao do prdio e pelas queixas que nos foram feitas pelos pacientes. Vrios deles se queixaram da qualidade da comida servida e de maus tratos por parte dos funcionrios. Ao que tudo indica, h um estranhamento bastante desenvolvido entre os profissionais e os internos o que parece estar traduzido em uma determinada indiferena nas relaes cotidianas e em posturas agressivas repetidas como procedimentos de praxe. Isto pode ser demonstrado, por exemplo, pelo fato de que, com raras excees, os pacientes sejam reconhecidos e nomeados. Um dos internos sintetizou esta reclamao afirmando: "Aqui eles do gravata toa, toa" .

Clnica Serra Verde - entrar, s com a polcia

A caravana esteve no municpio de Vespasiano para visitar a Clnica Serra Verde. Logo de incio, enfrentamos a primeira grande dificuldade: a direo da clnica no permitiu a entrada dos deputados Paulo Delgado e Dr. Rosinha. Em que pese todos os esforos realizados e os argumentos empregados, a deciso de impedir a entrada da Caravana havia sido tomada. Foi preciso que os Promotores requisitassem a presena da fora pblica (policiais militares) e que houvesse a ameaa de priso dos diretores para que, finalmente, fosse permitida a visita da comitiva. A instituio funciona provisoriamente enquanto aguarda a realizao de vistoria das autoridades da rea. Seu prdio totalmente inadequado. A Clnica no recebe pacientes novos h 4 anos e conta com 340 pacientes em leitos conveniados com o SUS. Dispe do seguinte quadro: 7 mdicos plantonistas, 11 mdicos assistentes, 5 clnicos gerais, 101 enfermeiros, 7 assistentes sociais, 7 psiclogos, 7 terapeutas ocupacionais, um farmacutico e um nutricionista. Conta, ainda, com 56 auxiliares de enfermagem e 82 atendentes de enfermagem. Chamou a ateno dos integrantes da caravana a ausncia de registro nos pronturios de qualquer ateno dispensada aos familiares. Foi difcil apurar informaes precisas, primeiro pela existncia de informaes contraditrias prestadas por alguns profissionais que l trabalham; segundo, pelo evidente temor desses funcionrios em responder aos questionamentos dos parlamentares. Tivemos a impresso de que as relaes de chefia e direo vigentes na Clnica so especialmente autoritrias. O diretor, Dr. Brandt, verbalizou enfaticamente sua contrariedade e insatisfao diante da prpria realizao da visita.

Clnica da Mantiqueira:

A primeira instituio que visitamos em Barbacena foi a Clnica da Mantiqueira, um Hospital Pblico com 229 leitos, 218 deles conveniados com o SUS. No dia de nossa visita havia 221 pacientes internados , sendo 202 pelo SUS. A instituio dispe de 7 mdicos plantonistas, 6 mdicos psiquiatras, 3 mdicos assistentes, 4 enfermeiros, 4 psiclogos, 4 assistentes sociais, 4 terapeutas ocupacionais, um nutricionista, um farmacutico e um dentista. O prdio antigo e em razovel estado de conservao. Quando de nossa visita, no havia a presena do mdico plantonista. Entre os internos, h uma visvel combinao de doena mental e abandono social. A instituio oferece aos pacientes o a telefone. Os pronturios encontram-se em ordem. H atividades externas com os internos e programas especficos com os familiares. Vrias atividades so desenvolvidas com os internos no apenas na sala de TO, mas, tambm, em reas abertas do prprio hospital como, por exemplo, em uma horta. H um projeto em andamento de transferncia de alguns pacientes asilares para lares abrigados. Em que pese as limitaes estruturais observadas, nossa visita pode constatar o desenvolvimento de um projeto teraputico de carter ressocializador.

Clnica Xavier:

Outra instituio visitada em Barbacena foi a Clnica Xavier. Trata-se de uma instituio privada com 120 leitos. Aqui, enfrentamos tambm dificuldades para obter autorizao de entrada na instituio. Aps cerca de 30 minutos de espera e somente aps a chegada dos diretores foi possvel entrar na Clnica e realizar a visita. O prdio onde funciona a Clnica Xavier totalmente inadequado. Trata-se de um verdadeiro labirinto com uma infinidade de escadas, agens e corredores. H uma rgida separao entre as alas masculina e feminina e uma concepo disciplinar bastante tradicional. Vrios pacientes se queixaram da qualidade da comida, de abusos medicamentosos e de sua situao de abandono. A Clnica possui a caracterstica de ser istrada por uma famlia. Nos pronturios que pudemos examinar, foi possvel identificar casos de pacientes com alta mdica que permaneciam internados. H vrios pacientes cronificados pelo longo perodo de internao. As condies de higiene so razoveis. A impresso que ficamos foi a de uma instituio tradicional com fortes traos manicomiais. Seguramente, muitos dos pacientes ali internados poderiam estar sendo tratados em servios alternativos. Esta, alis, parece ser uma das regras vigentes nessas instituies: as internaes abusivas.

VII SO PAULO

A caravana, em So Paulo, contou com a presena dos Deputados Marcos Rolim, Dr. Rosinha e Fernando Gabeira acompanhados por Geraldo Peixoto, familiar, representando a associao Franco Basglia; por Rubens Nascimento Bezerra, da comisso de reforma em Sade mental de SP; por Sueli Pereira Pinto, do Conselho Regional de Psicologia; por Vera Lcia Marques; por Anna Oliveira da ONG SOS sade mental e por Carmen Silvia de Moraes Barros, Procuradora do Estado de SP.

JUQUERI, a realidade do abandono

A primeira instituio que visitamos em So Paulo foi o Hospital Psiquitrico do complexo do Juqueri em Franco da Rocha. Hoje, cerca de 1.500 (um mil e quinhentos) pacientes esto internados em seus pavilhes. A maioria deles, cronificados pelo longo perodo de internao. Em nossa visita, contamos com o acompanhamento de um funcionrio que, em que pese a sua boa vontade, no dispunha de informaes mais detalhadas ou de dados estatsticos. Como estivemos no Juqueri durante o feriado de Corpus Cristi, no foi possvel contatar com algum da direo e levantar as informaes necessrias. O que relatamos, ento, expressa as principais impresses colhidas a partir da visitao s unidades e dos contatos feitos com os pacientes.

J se afirmou, para enfatizar a importncia daquilo que primeiramente possa parecer negligencivel, que "Deus habita os detalhes." Nas chamadas instituies totais, mais do que em qualquer outro espao, nosso olhar deve estar atento para determinados signos que traduzem uma realidade de sujeio dificilmente revelada pelo discurso dos seus proponentes. Logo na sala de recepo do setor de emergncia psiquitrica do Juqueri, porta de entrada do sistema, h uma placa sobre a porta onde se l: "O silncio contribui para o bom andamento do servio." Ora, os pacientes psiquitricos j so normalmente confinados pelo que h de inapelvel no silncio manicomial. comum que no lhes dirijam a palavra, que no respondam suas perguntas, etc. Pelo silncio se afirma uma outra razo excludente pela qual os internos descobrem-se progressivamente expulsos do mundo da linguagem. Sua palavra, recebida sempre como um sintoma, deve ento se ausentar do mundo vivido nos limites daquele espao. Espanta, por isso mesmo, que a "ordem de servio" no seja exatamente a oposta; algo assim que procurasse restringir o silncio aos momentos imprescindveis. Mas h outra advertncia bastante significativa: junto ao balco, afixada de tal modo que a clientela possa logo perceber, h uma outra placa onde se l: "DESACATO - art. 331 - desacatar funcionrio pblico no exerccio da funo ou em razo dela: pena 6 meses a 2 anos e multa. Cdigo Penal." Muito bem. Estamos na sala de recepo de uma emergncia psiquitrica. Para este lugar sero trazidos, normalmente contra a sua vontade, pessoas portadoras de sofrimento psquico em momentos de manifestao aguda de sua doena, entenda-se: em surto psiquitrico. Ensurtados, os pacientes podem desenvolver condutas agressivas e no se pode esperar deles que tenham em mente a conduta tipificada pelo artigo 331 do Cdigo Penal. Seus familiares, no momento em que conduzem o paciente, muito provavelmente estaro angustiados, temerosos e/ou estressados. Seguramente, tero demandas a fazer diante dos profissionais e as expressaro de maneiras nem sempre convenientes. Se este o quadro, no seria de se esperar que os responsveis pela recepo e pelo primeiro atendimento estivessem suficientemente bem preparados para lidar com uma circunstncia que , por definio, tensa? A opo realizada, no obstante, foi claramente aquela de sentido intimidatrio.

Visitamos vrios pavilhes. Em todos eles o mesmo quadro: pacientes detidos nos espaos internos das suas respectivas unidades; portas, grades e telas por todos os lugares; um nmero insignificante de atendentes - em mdia 3 ou 4 para cada grupo de 150 internos e um nmero ainda mais rarefeito de tcnicos com formao de nvel superior. O resultado uma realidade de abandono revoltante. Em alguns pavilhes, com centenas de internos, observamos claramente a praxe de abusos medicamentosos. Os pacientes recebem a medicao diluda - o que alm de facilitar o controle, impede qualquer artifcio de recusa. Ela distribuda em intervalos de tal forma que os internos am a maior parte do dia adormecidos ou sonolentos. A expresso: "Esto calmos" parece ser a senha pela qual os funcionrios se desencumbem de suas tarefas de interao. Entre os atendentes e os pacientes h uma relao de estranhamento radical o que traduzido por uma distncia afetiva notvel. Os internos no recebem uma ateno individualizada e no dispem de recursos teraputicos elementares. Esto ss e esquecidos. Para todos os efeitos, existem por analogia. Como lembrana de humanidade. Alguns deles transitam nus por corredores gradeados; outros esto cobertos com panos ou tnicas oferecidas pela prpria instituio. A loucura arrasta-se pelo Juqueri como um lamento. A instituio o labirinto onde este lamento ecoa e se perde.

O complexo do Juqueri dispe de uma rea imensa. Os espaos abertos evocam beleza e paz. Os pacientes psiquitricos esto confinados aos seus pavilhes e aos ptios internos. Ora, o desafio primeiro parece ser o de elaborar um projeto para todo o complexo que permita uma integrao entre a comunidade e os pacientes. preciso derrubar os muros do Juqueri em um duplo sentido: para que os internos possam usufruir das suas melhores possibilidades e para que a populao da regio possa encontrar ali um espao de lazer e cultura.

Hospital de Custdia e Tratamento Psiquitrico Prof. Andr Teixeira Lima

Aps o Juqueri, aproveitamos a proximidade para conhecer o manicmio judicirio de Franco da Rocha. Fomos muito gentilmente recebidos pela sua diretora que nos acompanhou na visita. Nessa instituio estavam alojados 621 homens e mulheres para uma lotao de 400 vagas, segundo as estimativas oficiais. A superlotao aqui um problema srio e a lotao mxima cairia abruptamente se fssemos calcul-la de acordo com os requisitos para um razovel tratamento de sade. Os alojamentos coletivos dispem de leitos que esto "colados" uns aos outros. Ao que tudo indica, os internos so medicados "coletivamente"; vale dizer: sem a necessria ateno individualizada. O exerccio da sexualidade, como em todas as instituies manicomiais, est interditada aos internos. A situao s no ainda mais grave por conta dos esforos da atual direo que desenvolveu uma unidade paralela destinada a preparao da "alta progressiva" dos internos.

Casa de Custdia e Tratamento Arnaldo Amado Ferreira

Em nosso segundo dia de visitas em So Paulo fomos a Taubat para conhecer outro manicmio judicirio. Fomos recebidos pelo diretor, Dr. Pedrosa, que nos acompanhou. A Casa de Custdia estava com 244 internos, todos pacientes psiquitrico com medidas de segurana. No mesmo conjunto de prdios e pavilhes funciona um "anexo" onde estavam recolhidos mais 160 pessoas. O perfil desses internos, no obstante, totalmente diverso: trata-se de um conjunto de presos comuns "inadaptados" ao sistema penitencirio, ameaados de morte ou com histrico de indisciplina e delitos graves cometidos nas prises paulistas. Tanto os presos do anexo, como os pacientes psiquitricos esto confinados em celas individuais. Apenas em uma galeria h pacientes agrupados dois a dois nas celas. As celas so espaos minsculos -verdadeiros cubculos- onde os internos dispem de um colcho e de um sanitrio sem vaso. (tambm conhecido por "Boi") Em algumas galerias, o controle da descarga encontra-se no corredor de tal forma que so os agentes e monitores que as acionam. O o s celas no gradeado. Suas portas so compactos em ferro e madeira onde se fez constar uma abertura retangular - do tamanho suficiente para que um prato de comida possa ser oferecido aos internos em suas celas. Esse espao fechado ou aberto por fora, com o manuseio de uma tranca. Os internos, assim, no esto apenas isolados. Esto, tambm, invisveis.

Para uma populao geral de 404 internos, a instituio conta com 6 mdicos, sendo 4 psiquiatras e 2 clnicos. Dispe ainda de: 04 psiclogos; 04 assistentes sociais e um dentista. No h terapeutas ocupacionais, no h nutricionistas ou outros profissionais habilitados de nvel superior. Dentro da instituio h inmeros espaos e ptios internos. Com exceo de uma pequena horta cultivada, todos os demais ptios so desertos. O diretor nos informou que aqueles espaos permanecero desertos por "motivo de segurana." O argumento sustenta que os internos poderiam esconder estiletes entre as plantas. A instituio conta com uma pequena sala de terapia ocupacional onde alguns internos pintam e produzem artesanato. A maioria dos internos trabalha, de alguma forma, na instituio. H duas unidades produtivas na Casa de Custdia. Uma delas trabalha com acabamento de peas plsticas para automveis e a outra monta cartelas com botes. Os demais presos trabalham na capina, varrem o prdio e se envolvem em outras tarefas de manuteno. H um gabinete dentrio e um servio prprio de prteses dentrias. No foi possvel apurar quantos internos j foram beneficiados por prteses. De qualquer forma, parece importante registrar que este foi o nico servio do tipo encontrado pela Caravana. Tendo em conta que os pacientes internados nas instituies psiquitricas brasileiras so, em regra, muito pobres e que possuem dentes em pssimo estado (quando os possuem), um servio de prtese dentria deveria ser considerado um recurso bsico e obrigatrio. Um recurso tcnico que seria funcional promoo da auto-estima dos pacientes e que lhes asseguraria uma vida melhor.

O escndalo da Casa de Custdia encontra-se precisamente no fato de os pacientes psiquitricos estarem presos e isolados em celas. Com essa estrutura e com a toda a praxe de sujeio que lhe acompanha os pacientes no podem encontrar o tratamento que precisam. Pelo contrrio, a circunstncia de isolamento celular s pode trazer complicadores para a sade mental dos internos. Aqui, como em todos as outras instituies, as chamadas "visitas ntimas" so vedadas. Assim, por uma deciso istrativa, o direito ao exerccio da sexualidade arbitrariamente suprimido. Trata-se de uma nova condenao, no prevista por qualquer lei e que contraria frontalmente os direitos e garantias individuais assegurados pela Constituio. Quando nos deslocvamos da Casa de Custdia e atravessvamos o ltimo corredor em direo sada, um dos internos ou a bater em sua cela enquanto gritava sem parar: -"Fim da tortura humana, fim da tortura humana, fim da tortura humana..." Seu protesto desesperado, possivelmente enlouquecido, encerrava nossa visita e a prpria caravana como uma sntese no interior da qual possvel identificar uma redundncia; a tortura, afinal, uma prtica s construda pelos humanos.

RECOMENDAES

Apresentamos, a seguir, algumas sugestes ao Ministrio da Sade e s autoridades locais nos estados que , nos parecem, podem contribuir para a superao de parte das dificuldades que encontramos. Sabemos que os problemas referentes reforma psiquitrica no Brasil so complexos e demandam um perodo de transio capaz de permitir que o antigo modelo hospitalocntrico e asilar seja superado por um novo modelo capaz de oferecer aos portadores de sofrimento psquico condies efetivas de tratamento e integrao social. As recomendaes que fazemos, ento, possuem o evidente sentido de caracterizarem medidas possveis e preliminares que permitam avanar na construo desse novo modelo. Em torno delas e de outras sugestes possveis, consideramos que seja possvel a conjugao de esforos entre a Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados e o Ministrio da Sade, tanto quanto uma ao supra-partidria envolvendo deputados da situao e da oposio. A plataforma de humanizao na ateno psiquitrica brasileira, afinal, tanto quanto o prprio ideal dos Direitos Humanos, transcendem felizmente toda e qualquer limitao poltico-ideolgica. Com essa disposio, sugerimos:

I - Que o Ministrio da Sade se posicione publicamente em favor da reforma psiquitrica brasileira emprestando seu apoio a todas as tratativas polticas necessrias para a aprovao da LEI DA REFORMA PSIQUITRICA ainda este ano.

II - Que o ministrio da Sade convoque imediatamente a III Conferncia Nacional de Sade Mental.

III - Que o Ministrio da Sade realize uma auditoria nacional nas clnicas e hospitais psiquitricos brasileiros;

IV - Que o Ministrio da Sade desenvolva uma poltica especfica que desestimule as internaes psiquitricas abusivas e desnecessrias remunerando servios de ateno em sade mental, inclusive aqueles eventualmente mantidos por clnicas e hospitais, de natureza ambulatorial e comunitria.

V - Que o Ministrio da Sade elabore uma poltica especfica de ateno e auxlio aos familiares de doentes mentais comprovadamente carentes remunerando seus cuidados em um valor de aproximadamente 50% da diria hoje reada aos hospitais. Com essa medida, entendemos que milhares de pacientes poderiam ser efetivamente cuidados no mbito de suas relaes familiares sem que isso signifique um transtorno. Por bvio, uma medida dessa natureza deveria se fazer acompanhar por um intenso trabalho de preparao e esclarecimento das famlias. Entendemos que uma soluo do tipo cumpriria, ainda, um relevante papel social amparando famlias em situao de misria.

VI - Que o Ministrio da Sade fortalea todos os servios alternativos internao psiquitrica, notadamente os NAPS e CAPS, generalizando experincias do tipo para todas as regies.

VII - Que o Ministrio da Sade realize um levantamento minucioso a respeito do consumo de medicamentos nas clnicas e hospitais psiquitricos brasileiros;

VIII - Que o Ministrio da Sade elabore uma portaria especfica regulamentando o emprego de eletroconvulsoterapia (ECT) no Brasil no sentido de restringi-la ao mximo. Que este normativa estabelea claramente a indicao mdica exclusiva para casos de depresso gravssima; que exija o parecer prvio de uma junta interdiciplinar independente; que disponha sobre os procedimentos de consentimento informado aos familiares; que determine a obrigatoriedade do uso de anestesia, etc.

XIX - Que o Ministrio da Sade e o Governo Federal elaborem uma campanha nacional de combate ao preconceito contra os doentes mentais combatendo os mitos da periculosidade e da incapacidade civil dos pacientes acometidos de sofrimento psquico;

X - Que o Ministrio da Sade elabore poltica especfica para generalizar a experincia de lares abrigados para pacientes que perderam seus vnculos familiares;

XI - Que o Ministrio da Sade estabelea um prazo para que os pacientes dependentes qumicos (alcoolismo e drogaditos) sejam todos transferidos para instituies ou centros de tratamento de natureza no psiquitrica;

XII - Que o Ministrio da Sade elabore uma portaria especfica proibindo a realizao de neurocirurgias em pacientes psiquitricos;

XIII - Que o Ministrio da Sade, aps vistoria criteriosa, estabelea termo de ajustamento com as clnicas e hospitais onde se verificar a vigncia de uma concepo prisional e asilar no trato com os doentes mentais sob pena de descredenciamento.

XIV - Que as Clnicas Psiquitricas visitadas pela Caravana em Goinia sejam as primeiras a serem vistoriadas e que se avalie a possibilidade de descredenci-las da Psiquiatria IV (o mais alto nvel de credenciamento do Ministrio) para outro inferior enquanto no se adequarem.

XV - Que a Clnica So Paulo, visitada pela Caravana em Salvador (BA) seja imediatamente interditada.

XVI - Que o Ministrio da Sade, em ao conjunta com os Estados, elabore um diagnstico preciso sobre a realidade dos manicmios judicirios brasileiros.

XVII - Que os deputados que subscrevem esse relatrio obtenham por parte do Ministrio da Sade autorizao para livre o a todas as instituies, pblicas e privadas, de prestao de servios na rea de sade mental.

XVIII - Que comisses estaduais indicadas pela prxima Conferncia Nacional de Sade Mental possam obter essa mesma autorizao do Ministrio para realizarem inspees independentes e peridicas em clnicas e hospitais psiquitricos brasileiros.

Alm dessas recomendaes ao Ministrio da Sade, a Comisso de Direitos Humanos da Cmara Federal estar oficiando as autoridades estaduais, governos locais, Assemblias Legislativas e Ministrio Pblico, para que outras medidas ao alcance dessas instituies possam ser tomadas no prazo mais curto de tempo.

Atenciosamente,

Deputado Marcos Rolim (PT/RS)

Presidente da Comisso de Direitos Humanos

Deputado Fernando Gabeira (PV/RJ)

Membro da Comisso de Direitos Humanos

Deputado Paulo Delgado (PT/ MG)

Autor do projeto original da Lei da Reforma Psiquitrica

Deputado Dr. Rosinha (PT/PR)

Autor da Lei Paranaense de Reforma Psiquitrica

Agradecimentos

Para que a I Caravana Nacional de Direitos Humanos se tornasse possvel, foi necessria a ajuda de muitas pessoas e entidades. Seria impossvel mencion-las todas. Alguns agradecimentos, no obstante, devem ser registrados como forma de reconhecimento da Comisso de Direitos Humanos da Cmara.

1 Deputado Michel Temer, presidente da Cmara dos Deputados

2 - Ivone Magalhes Duarte , assessora da CCDH

3 - Movimento da Luta Antimanicomial, em especial ao Marcos Vincius

4 - Assemblia Legislativa do Amazonas

5 Assemblia Legislativa de Gois

6 - Comisso de Direitos Humanos da Assemblia Legislativa da Bahia

7 - Comisso de Direitos Humanos da Assemblia Legislativa do Rio de Janeiro

8- - Ministrio Pblico de Pernambuco

9 - Ministrio Pblico de So Paulo

10 - Ministrio Pblico de Minas Gerais

11 - Dra. Esther Correia

12 - Cristina de Ftima Nunes Queiroz Chefe de Gabinete da Presidncia da Cmara

13 - Juclio Roberto dos Santos Apoio istrativo da Diretoria Geral da Cmara dos Deputados

14 - Jos Messias Castro Silva - servidor do Servio de istrao do Departamento de Comisses da Cmara dos Deputados

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