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OS DIREITOS HUMANOS E OS POVOS INDGENAS1 132m1w

Carlos Frederico Mars de Souza Filho 45jm

Procurador do estado do Paran, foi Secretrio de Cultura do Municpio de Curitiba (1983-8) e Procurador Geral do Paran (1991-4).

professor de Direito Agrrio e Ambiental da PUC-PR.

Membro da diretoria do Instituto Socioambiental-ISA (So Paulo), do Conselho Diretor da AJUP (Rio de Janeiro) e de ILSA (Bogot). Integra o Instituto dos Advogados Brasileiros.

O Estado contemporneo organizado por uma Constituio que contenha, necessariamente, a garantia dos direitos individuais. Esta afirmao por si s j excluiu a idia de garantia dos direitos dos povos, coletivos e diferenciados.

A cultura constitucional sempre pressups um Estado nico, com uma nica fonte de direito, emanada diretamente da Constituio, com leis organizadas em Cdigos, que encerrassem todas as possibilidades das relaes jurdicas, em sistema sem lacunas. Esta organizao social que no ite fissuras nem diferenas, ou a esquecer as relaes coletivas de povo e todas as pessoas, independentemente de qualquer origem tnica comporiam um mesmo povo sob a gide desse Estado. Isto tudo significa que para o sistema constitucional criado no sculo ado no existe povo, mas apenas cidados.

Este sistema jurdico no pode aceitar povos que prescindam do Estado e da propriedade privada para manterem vivas sua organizao social. Quer dizer, para este Estado, no existem povos, mas to somente um povo que a soma aritmtica de todas as pessoas em seu territrio vivem, a soma dos cidados.

Nesta idia, os ndios s podem ser entendidos como ageiros, provisrios, em situao de mudana, acreditando que no momento em que conhecessem os bens permanentes de uma sociedade pacfica e doce, e vivessem debaixo das justas e humanas leis que regem os povos2 mediatamente deixariam, felizes, de ser ndios para ser um cidado integrado na cultura constitucional.

Esta nova organizao Estatal, fundada no princpio da soberania e autodeterminao (do Estado e no dos povos que o habitam) erigiu um conjunto de regras mnimas de convivncia que ou a chamar de Declarao Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, e que agora completa 50 anos.

Depois de pouco mais de 150 anos, o mundo reconhecia que a primeira declarao, sa, no havia logrado a universalidade desejada. O Estado liberal, mesmo solenemente proclamando aqueles direitos, no conseguiu descobrir, criar, inventar um direito com efetividade suficiente para dar conta da misso de universalizar o conceito de direitos humanos, nem mesmo com guerras e bombas nucleares.

Esta nova declarao se faz num momento de mudana do Estado e do Direito. A fechada viso de direito encerrado em si mesmo, cuja eficcia era absorvida pela validade, e pela qual a Constituio no ava de fonte referencial para as normas infra-constitucionais, comeou a sofrer crtica e abalo. O Direito Pblico, especialmente o Constitucional ganha tericos como Konrad Hesse e Karl Loewenstein,3 que formulam a teoria de que cada Constituio um compromisso entre as foras sociais e grupos pluralistas que participam de sua conformao. Dizem que a norma constitucional e a realidade somente podem ser entendidas se analisadas em sua interdependncia.

Surge aqui uma diferena fundamental entre o Constituio liberal que adotava os princpios dos direitos humanos da revoluo sa, mas cuja fora normativa era nula e este novo Estado, cuja Constituio tem fora normativa. Os direitos humanos itidos pela Constituio liberal e os itidos por esta nova, so praticamente os mesmos, a diferena est 50 em sua aplicabilidade ou eficcia. No liberalismo os direitos humanos so uma declarao de vontade, enquanto no Estado do Bem Estar Social norma cogente a ser respeitada com punies de sua violao.

As mudanas operadas na Constituio e no prprio Estado acabaram por mudar as concepes jurdicas acerca dos povos indgenas. O velho conceito da assimilao cedeu lugar ao conceito da convivncia. Quer dizer, os ndios vm adquirindo o estranho direito de continuar a ser ndio, depois de quinhentos anos de integrao forada. Isto quer dizer, exatamente, que os as ndios puderam ser vistos como povos, mesmo quando as normas legais se neguem a assim cham-los.

Com a entrada em cena de direitos coletivos de povos, pode-se questionar se os direitos humanos contidos na declarao podem ser considerados universais ou, dito de outra forma, com o reconhecimento da existncia de povos, quais direitos humanos so comuns a todos para que se possam chamar de universais.

Bartolom de Las Casas, no sculo XVI defendia o direito dos povos da Amrica e pregava que Espanha e Portugal deveriam respeitar as organizaes sociais sem impor a elas o seu direito. Neste sentido, a universalidade consiste, exatamente, em cada povo construir seus prprios direitos humanos, segundo seus usos, costumes e tradies. Quer dizer no existem direitos humanos universais, mas existe um direito universal de cada povo elaborar seus direitos humanos com nica limitao de no violar os direitos humanos dos outros povos.

A universalidade, assim formulada, est muito longe daquela proposta pela Declarao de 1948 e traduzida juridicamente nas nossas Constituies atuais, porque estas so na verdade princpios civilizatrios impostos para todas as culturas. Se fizermos esta mesma anlise em relao aos direitos humanos de ltima gerao, os direitos econmicos e sociais, sua parcialidade surge com mais clareza: os direitos econmicos no so mais que o direito a gozar o desenvolvimento segundo padres capitalistas, isto , sob a concepo da cultura dominante, o que uma forma de colonialismo. Os direitos universais econmicos acabam por ser o direito de ser consumidor, mesmo para as sociedades que no se estruturam para consumir.

Cada povo h de ter um conceito de desenvolvimento social vazado segundo sua cultura, crena e sonho coletivo, e alcanar este desenvolvimento seu direito.

Poderiam existir, ento, princpios universais? O nico principio universal pensvel a liberdade que possibilita cada povo viver segundo seus usos e costumes e transform-los, quando desejvel e necessrio, em Constituies rgidas, aps inventar sua prpria forma estatal de organizao.

As Constituies da atual Amrica Latina e, em consequncia os Estados que elas organizam, comeam a reconhecer a existncia da diversidade social. Parece que a conscincia da sociodiversidade um fenmeno mundial, basta olhar para o leste europeu e dar-se conta de que as diferenas tnicas no so apagadas to facilmente, resolver as questes materiais, de sobrevivncia fsica dos povos no torna todas as gentes iguais. Uma ada rpida de olhos pela histria da conquista da Amrica e isto fica comprovado: quinhentos anos depois de toda classe de opresso, misria e infelicidade no foram suficientes para retirar-lhes as crenas, cosmoviso e nem mesmo a lngua.

Assim, impem-se o reconhecimento da sociodiversidade. Mas isto tem consequncias que no so facilmente aceitas pelo Estado que continua nico e onipotente.

Vejamos, os direitos humanos, enquanto garantias individuais de liberdade contra a opresso, de vida, de dignidade e integridade pessoais podem ser reconhecidas pelas Constituies, na medida em que estas ganham carter normativo e impositivo, so valores que podem ser realizados dentro do sistema jurdico concebido pelo Estado moderno, tornando-se assim, uma universalidade.

Entretanto, quando pensamos em sociedades inteiras que esto fora dos sistemas jurdicos nacionais, que se regem por suas prprias leis, temos que reconhecer que aquela universalidade criada pela Constituio impositiva parcial, porque no alcana toda a populao, mas somente a que est integrada, ainda que de forma relativa, ao sistema. E o que fazer com esta outra ou outras sociedades que vivem margem do Estado e da Constituio, representadas especialmente pelos povos indgenas?

Alguns Estados latino-americanos incluram em suas Constituies o reconhecimento de uma sociedade plrima tnica e socialmente (Paraguai, Colmbia e at certo ponto, Brasil), mas isto no suficiente.

O simples fato de adotar para estes povos o sistema jurdico ocidental, imaginado como um conjunto de valores universais, no garante uma convivncia pacifica e harmnica, mas to somente um retorno ao surrado conceito de integrao.

Os princpios universais de reconhecimento integral dos valores de cada povo somente podem ser formulados como liberdade de ao segundo suas prprias leis, o que significa, ter reconhecido o seu direito e sua jurisdio. Poderamos chamar isto de jusdiversidade.

Finalmente, claro que os povos indgenas so, na Amrica, o exemplo mais evidente da parcialidade dos direitos humanos universais, mas outros povos, que se conformaram a margem e muitas vezes contra o processo civilizatrio, como as comunidades negras da Amrica, sofrem da mesma opresso. Por outro lado no difcil reconhecer que de uma forma geral os excludos da sociedade, de forma consciente ou no, global ou parcialmente, so tambm ncleos de povos diferenciados, que no logram integrar-se nem mesmo nas Constituies impositivas, compondo uma sociedade plural, que injusta na mesma medida em que o Estado quer transform-la em singular.

Esta sociedade organizada por um Estado e um Direito que se considera universal, sob o signo da igualdade formal, na verdade omite, esconde ou reprime a profunda diversidade existente. Os povos e as gentes que vivem omitidos, escondidos ou suprimidos contam uma histria de intolerncia e certamente no consideram to humano o universalismo redutor. Em seus sonhos imaginam um mundo plural e, por isso mesmo, livre.

NOTAS

1 Sobre este tema o autor publicou um longo artigo intitulado La universalidad parcial de los derechos humanos na srie documentos de ILSA, Bogot. O tema tambm est inserido em seu livro: O renascer dos povos indgenas para o direito, Curitiba : Juru, 1998.

2 A Carta Rgia de 13 de maio de 1808 assim o dizia textualmente. Legislao Brazileira desde 1808 at 1834 colegiada pelo Conselheiro Jos Paulo de Figueroa Nabuco Arajo. Tomo Primeiro, Rio de Janeiro. Typ. Villeneuve, 1836. p. 20

3 Konrad Hesse escreveu a Fora Normativa da Constituio em 1 956 e Karl Loewenstein a Teoria da Constituio em 1959.

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