A
Realidade dos Povos Indgenas no Brasil 4u412f
421s13
53
- Atualmente, tm-se conhecimento da existncia de povos indgenas,
com suas respectivas terras tradicionais, demarcadas ou no,
vivendo em 24 unidades da federao. Estima-se que a populao
indgena total seja de 550.438
pessoas, pertencentes a 225 povos, falando cerca de 180 lnguas
diferentes. Desta
populao, cerca de 358.310
vivem em seus territrios, outros 191.228
migraram para centros urbanos e h uma estimativa de 900
ndios que so pertencentes a povos no ados.
54
- O significativo aumento da populao indgena, comparado a
dados da dcada de 70, se deve a trs fatores em especial: ao
crescimento real da populao de muitas aldeias; ao fato de
muitas comunidades terem voltado a revelar a identidade
cultural, antes ocultada, e atualizao dos dados do Censo
oficial, em 1999, considerando tambm os ndios que vivem nos
centros urbanos.
55
- H dois segmentos da populao indgena para os quais h
ausncia total de poltica de atendimento por parte do
governo: so os ndios que vivem nas cidades e os povos
considerados ressurgidos ou emergentes.
56
- As famlias indgenas que vivem em centros urbanos, em sua
grande maioria, foram foradas a migrar. Elas geralmente no
deixam suas terras por opo, mas para tentar encontrar condies
melhores de vida. Suas histrias so marcadas pela violncia,
fogem das ameaas constantes, da escassez intensa ou do
preconceito. A migrao no ocorre apenas em direo s
cidades. Em vrias regies encontram-se grupos familiares
dispersos, que nas migraes vo se afastando, tanto de suas
terras tradicionais quanto de outros membros de seu povo.
Podemos citar o exemplo do povo Atikum, que embora seu territrio
tradicional se localize na Regio Nordeste, no Estado de
Pernambuco, encontra-se hoje distribudo entre os Rstados do
Par, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Bahia.
57
- Outro segmento da populao indgena, desassistido pelo
governo brasileiro, so os povos ressurgidos.
So povos que foram forados a manter no anonimato as
suas identidades tnicas e culturais durante anos e at sculos,
em conseqncia de violentos processos de perseguio e de
discriminao. A conjuntura dos ltimos anos tem
possibilitado que estes povos reassumam suas identidades e
reivindiquem a
devoluo de seus territrios tradicionais, cabendo ao Estado
Brasileiro demarc-los, conforme determina a Constituio
Federal. Nos encontros, assemblias e momentos coletivos, os
povos indgenas tm alertado para a necessidade de se
assegurar aos ndios que vivem nas cidades e aos povos
ressurgidos os mesmos direitos consagrados na Constituio.
421s13
Muitas
faces da violncia
3fr26
58
- Achamos aqui assados vivos a homens racionais: crianas,
mulheres e vares. costume comum desses homicidas [os
paulistas] que quando vo embora apressados queimem os
enfermos, os velhos e os impedidos de caminhar. (Ruiz de
Montoya, missionrio jesuta, 1639, sobre as barbaridades
cometidas pelos paulistas reduo jesutica de SantAna,
no Paraguai).
59
- No h dvidas de que, a partir da chegada dos europeus, os
povos indgenas aram a conviver com os mais variados tipos
de violncia. Componente intrnseco ao regime imposto pela
colonizao portuguesa, a prtica da violncia acontecia,
sobretudo, no trato com os escravos. Era tambm a estratgia
mais comum na disputa pela terra e ampliao das fronteiras do
territrio colonial. ados quinhentos anos, a violncia
continua em pauta, na poltica indigenista atual. uma violncia
estrutural, estrategicamente incorporada aos processos genocidas
que se revelam hoje nas invases de terra, aliciamento, represso
cultural e religiosa, roubos,
fome, alcoolismo, prostituio, esterilizao de mulheres,
discriminao e etc.
60
- Desde a dcada de 80, o Cimi vem publicando relatrios da
violncia contra os povos indgenas. Estes constituem-se num
verdadeiro retrato sem retoques da dura situao
vivenciada pelos ndios no Brasil. Observando estes relatrios,
verifica-se, na segunda metade da dcada de 90, um aumento
considervel da violncia praticada contra os povos indgenas.
61
- Um dado assustador o
crescimento do nmero de assassinatos, associados, em grande
parte, luta pela terra. No perodo compreendido entre
1995-1998, foram 46 ndios assassinados.
Tambm
houve um acentuado aumento das violncias cometidas pelo Poder
Pblico (funcionrios pblicos civis e militares, Poder
Executivo das esferas municipal, estadual e federal). Em 1996
houve um aumento de cerca de 92% em relao a 1995. O
levantamento registrou 138.722 ocorrncias, com um total de
10.385 vtimas. O mais grave que, entre os praticantes de
delitos, encontram-se at funcionrios da Funai, rgo
destinado a defender os interesses indgenas.
62
- Uma das principais causas da violncia contra os ndios a
cobia de suas terras. Pode-se afirmar que 85% das terras indgenas
(incluindo-se as demarcadas) so objeto dos mais diversos tipos
de invaso, tais como a presena de posseiros, garimpeiros,
madeireiros, projetos de colonizao, abertura de estradas,
hidreltricas, linhas de transmisso, hidrovias, ferrovias,
gasodutos, oleodutos, minerodutos, criao de unidades de
conservao ambiental e etc.
63
- As reivindicaes dos povos indgenas so justas, pois se
fundamentam nos direitos que possuem, como pessoas, como cidados
e como povos diferenciados. Para a superao da violncia,
eles exigem a garantia da terra, da dignidade, da justia e de
um atendimento respeitoso e adequado. Nos caminhos traados em
suas lutas, os ndios questionam no apenas a poltica
indigenista, mas a
base de toda a poltica que coloca em segundo plano o bem estar
da pessoa humana. Suas lutas questionam a concentrao da
terra em grandes latifndios, a privatizao dos bens,
recursos e conhecimentos produzidos socialmente. Estas so tambm
as reivindicaes de todos aqueles que lutam para construir
uma sociedade mais humana e igualitria, de todos os que
cultivam a utopia da transformao ampla da sociedade.
64
- Neste sentido, fundamental
conhecermos e refletirmos sobre o significado da terra,
da convivncia, do meio ambiente, da sade, da educao para
os povos indgenas e quais os caminhos apontados por eles na
construo de um pas melhor. Compreendendo a realidade indgena
e os caminhos de luta construdos coletivamente por estes
povos, podemos vislumbrar, no apenas as formas possveis de
solidariedade com eles, mas as diversas maneiras de viver, de
lutar, de acreditar e de forjar o amanh, teis tambm para a
transformao de nossa prpria realidade.
A
Terra
e seu significado para os povos indgenas 314j4x
65
- Os povos indgenas mantm uma relao muito especial com a
terra. Para ocup-la, no distribuem ttulos ou lotes
particulares, ocupam-na de
forma coletiva. A terra posse de todo o povo. Uma das
mais expressivas vitrias na histria recente dos ndios no
Brasil foi a conquista de um captulo especial na Constituio
Brasileira. O artigo 231, referente aos direitos indgenas,
reconhece a posse coletiva das terras, o significado do territrio
para as culturas dos povos. Afirma serem elas inalienveis e
indisponveis, ou seja, no podem ser vendidas, no esto
a servio do mercado, mas sim do usufruto exclusivo dos ndios.
66
- A terra para o ndio seu cho cultural, habitada
por suas tradies, referncia bsica dos seus valores
vitais, prenhe de mitos, campo de sua histria O relacionamento dos ndios
com sua terra assemelha-se ao modo
como o povo hebreu concebia a terra prometida. Para eles,
a Palestina no era igual s outras terras, porque era a terra
da Promessa. Fora daquela terra era impossvel celebrar a
liturgia, as festas e at mesmo cantar um dos cnticos de Sio
(2 Rs 5, 17). Da mesma maneira, os povos indgenas tm seus
lugares sagrados, espaos de seus rituais, de manifestao de
suas crenas e da fora de seus ancestrais. A terra o cho
de sua histria, de sua cultura, de sua coeso, de sua
sobrevivncia.
67
- Trechos da carta escrita em 1855 pelo Cacique Seathe, do povo
Duwamish, ao presidente dos Estados Unidos, podem ajudar-nos a
compreender melhor esta questo. Esta carta foi escrita depois
que o governo americano props a compra do territrio daquele
povo:
Como
se pode comprar o cu, o calor da terra?
Tal
idia nos estranha. Ns no somos donos da pureza do ar ou
do resplendor da gua. Como podes ento compr-los de ns?...
Toda
esta terra sagrada para meu povo.
Cada
folha reluzente, todas as praias arenosas, cada vu de neblina
nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir
so sagrados nas tradies e na conscincia do meu povo.
Sabemos
que o homem branco no compreende o nosso modo de viver. Para
ele um torro de terra igual ao outro porque ele um
estranho que vem de noite e rouba da terra tudo aquilo quanto
necessita. A terra no sua irm, mas sim sua inimiga e,
depois de sug-la, ele vai embora...
Sua
ganncia empobrecer a terra e vai deixar atrs de si os
desertos.
Uma
coisa sabemos que o homem branco talvez venha um dia a
descobrir: o nosso Deus o mesmo Deus.
Julgas
talvez que O podes possuir da mesma maneira como desejas possuir
nossa terra. Mas no podes. Ele Deus da humanidade inteira.
E quer bem igualmente ao ndio como ao branco. A terra amada
por Ele. Causar dano terra demonstrar desprezo pelo seu
Criador...
Ns
amamos a terra como um recm-nascido ama o bater do corao
de sua me...O nosso Deus o mesmo Deus e esta terra
querida por Ele.
421s13
Conquistar a terra, garantir a vida
fr5k
Eu
sirvo at de adubo para minha terra,
mas
dela eu no saio.
(Samado,
lder Patax H-H-He, +09/09/1998)
68
- A luta dos povos indgenas para defender e garantir a posse
de seus territrios j dura cinco sculos. Mas ,
certamente, uma luta justa e abenoada, porque
tem a finalidade de assegurar uma vida digna e plena
destes povos to sofridos.
Eu
vi, eu vi a misria do meu povo que est no Egito. Ouvi seu
clamor por causa dos opressores, pois eu conheo suas angstias.
Por isso vim libert-lo(...) e faz-lo subir daquela terra
para uma terra
vasta e boa, terra onde jorra leite e mel (Exodo,3:7-8)
69
- Como o Povo de Deus buscando e acreditando na Terra Prometida,
os ndios seguem nestes cinco sculos, refazendo a utopia,
lutando de muitas maneiras para conquistar a terra sem
males.
70
- A invaso portuguesa, no sculo XVI,
o incio desta luta. No entanto, nos trinta primeiros
anos, os europeus dedicaram-se explorao das riquezas aqui
existentes e busca de metais preciosos. A luta pela posse do
territrio se intensificou na quarta dcada, quando a Coroa
Portuguesa implantou as capitanias hereditrias. As capitanias
foram a forma encontrada por Portugal para ocupar e explorar o
territrio, assim como para impedir a presena de outros povos
nele, ou, inclusive, expulsar os que nele estivessem.
71
- Entretanto, graas persistncia guerreira dos povos, que
no se curvaram ao domnio Portugus, protagonizando incontveis
guerras, os ndios conseguiram conquistas importantes, mesmo
dentro do ordenamento jurdico do Estado colonial portugus,
que era obrigado a fazer concesses. Foi assim que, j em
1680, a Coroa Portuguesa, atravs de um alvar rgio,
reconheceu aos indgenas o ttulo de primrios e naturais
senhores de suas terras, mesmo que incidentes em terras
concedidas atravs de regime de sesmarias.
Inicialmente direcionado s reas do Gro-Par e Maranho,
em 1758 este reconhecimento estendeu-se a todo o Pas.
72
- O reconhecimento formal do direitos dos povos indgenas sobre
suas terras no se constituiu, no entanto, em nenhuma medida de
proteo efetiva e as comunidades continuaram a perder suas
terras para invasores, refugiando-se em outras reas, sendo
empurrados para situaes
insustentveis de vida. A Lei de Terras, editada em 1850
determinava que as terras indgenas no eram veis de
colonizao, por j estarem destinadas aos seus ocupantes
tradicionais (indgenas). Apesar desta garantia, a conseqncia
mais evidente desta lei foi o confinamento dos ndios em
reservas, cercadas por grandes fazendas, muitas delas
implantadas dentro da prpria terra indgena. A situao
atual das terras indgenas no sul do Pas uma conseqncia
direta da aplicao da Lei de Terras.
73
- Na segunda metade do sculo XIX, os governadores das provncias,
principalmente das regies Nordeste e Sudeste, para atender a
interesses da elite rural, aram a declarar, por decreto, a
extino dos aldeamentos indgenas, para que pudessem os
respectivos terrenos ser revertidos ao patrimnio das mesmas
provncias e da s cmaras municipais e particulares.
Embora tivessem sido extintos seus aldeamentos, os ndios no
deixaram de existir e continuaram sendo um problema para o
Pas, pois faziam frente s fronteiras expansionistas,
resistindo, para permanecerem em seus territrios. O SPI foi
incumbido de fazer a integrao pacfica das populaes indgenas,
para desobstruir gradativamente os territrios.
Ser ndio era visto como uma condio transitria e
estas populaes seriam totalmente integradas sociedade
brasileira.
74
- A persistncia dos ndios em reivindicar seus direitos fez
com que a questo indgena emergisse pela primeira vez num
texto constitucional. A Constituio Federal de 1934
reconheceu o respeito posse territorial indgena e proibiu
sua alienao, como mecanismo de garantia contra a investida
de terceiros. Mas, novamente, a legislao no foi suficiente
para conter o avano das invases, que na dcada de quarenta,
estavam voltadas para os territrios dos povos indgenas no
Brasil Central. Integrantes do SPI, a exemplo de Darcy Ribeiro e
dos irmos Villas Boas, achavam que a nica forma de evitar o
extermnio dos povos indgenas era agrup-los em grandes
parques, onde estariam protegidos. A primeira experincia neste
sentido foi o Parque Indgena do Xingu, idealizado na dcada
de 50 e criado em 1961. Apesar de bastante elogiado como modelo
de proteo e garantia da sobrevivncia dos povos indgenas,
na verdade esses parques constituram-se em uma espcie de depsito
de ndios, para onde foram transferidos diversos povos,
atingidos pelo processo desenvolvimentista. Alm de serem
deslocados para terras desconhecidas, o que abalava
significativamente suas formas de viver e seus conhecimentos
sobre o meio ambiente, muitas vezes povos que mantinham relaes
histricas de colaborao, de troca de bens e at de
casamentos, foram separados e tiveram que reconstruir suas prprias
estruturas sociais.
75
- Com a extino do SPI, em 1967, os governos militares
aram a conceber a figura da reserva indgena pequenas
pores de terras destinadas aos grupos, no necessariamente
em seus territrios tradicionais. Foi a estratgia encontrada
para acomodar aqueles povos ao processo de ocupao das terras
no centro e norte do Pas. Na dcada de 70 emergem uma srie
de conflitos pela posse da terra, em decorrncia das estratgias
de ocupao do territrio brasileiro implantadas durante 470
anos. Nas regies Centro-Oeste e Norte encontrava-se o maior nmero
de povos e as mais variadas situaes de contato. Havia povos
que no eram mais considerados indgenas, tais como os
caboclos do Acre, incorporados ao trabalho nas frentes
seringalistas, e os caboclos de Roraima, integrados s
fazendas dos invasores. Havia tambm povos desconhecidos, sem
contato com a sociedade brasileira. Todos eles permaneciam em
seus territrios tradicionais, que precisavam ser demarcados e
protegidos das invases dos no-ndios, pois estavam ameaados
pela violncia e truculncia caractersticas do processo de
ocupao recente da regio amaznica. Os ndios das regies
Sul, Sudeste e Nordeste j apresentavam uma situao
totalmente diferenciada. Em funo de j existir ali uma
estrutura agrria mais consolidada, dada sua antiga ocupao,
as populaes indgenas viviam confinadas em pequenas
reservas, ou em comunidades dispersas, sem terra.
76
- Esses cenrios embasaram o surgimento de vrios grupos de
apoio s lutas dos ndios pela demarcao de suas terras.
Conjugaram-se, desta forma, duas vontades e duas conscincias:
a dos povos, com suas experincias de vrios sculos de
resistncia e a dos que apiam a causa indgena e so
aliados estratgicos dentro da sociedade brasileira. O apoio de
setores da sociedade trazia, no bojo, a crtica ao sistema agrrio
do Pas, atravs do qual se constituem e fortalecem os latifndios,
sob o peso da
expulso de populaes tradicionais.
77
- Este processo estimulou o esprito guerreiro dos povos indgenas,
recriando novas formas de luta, conscientes de que precisavam
agir de maneira mais organizada para defender seus territrios
e garantir a continuidade de suas vidas. E foi o protagonismo
indgena, nos anos 70, que possibilitou conquistas
significativas, tanto legislativas como na prtica concreta das
demarcaes e garantia dos territrios. Ao mesmo tempo, gerou
uma reao das elites no poder, que propam iniciativas que
significavam frontal agresso aos direitos indgenas. Foi o
caso da campanha da emancipao que, de forma obstinada,
o Ministro do Interior, Rangel Reis, levou adiante na segunda
metade da dcada de 70. O projeto s foi barrado a partir de
uma mobilizao ampla dos povos indgenas e de setores
aliados da sociedade brasileira e internacional. O verdadeiro
objetivo do projeto era a emancipao das terras indgenas.
Ou seja, liberar as terras para o avano do latifndio e da
colonizao e ocupao dos espaos pelo grande capital.
78
- Nesse contexto, os ndios foram desenvolvendo formas
diferenciadas de luta pela terra, desde as aes de reivindicao
junto aos rgos pblicos responsveis pela questo indgena,
at as iniciativas prprias de recuperao da terra
invadida. Assim, surgiram as retomadas, expresso usada
para designar a reconquista territorial, prtica comum nas regies
Leste, Nordeste, Sul e Sudeste. O ato de retomar implica sempre
o confronto direto dos ndios com o invasor, j que a posse
indgena depende da expulso daquele. H, portanto, muita
violncia praticada contra os povos indgenas nestas
iniciativas de luta para assegurar seus territrios.
79
- Na regio Norte h experincias de auto-demarcao,
onde os ndios, antecipando-se ao do Estado,
organizam-se e fazem a delimitao de suas terras
tradicionais, apoiando-se em assessoria tcnica especializada.
Em alguns casos, tem sido possvel estabelecer convnio com o
rgo indigenista federal Funai e cooperao
internacional, para o procedimento auto-demarcatrio, assim
como pleitear o reconhecimento das auto-demarcaes
j realizadas.
80
- Durante a dcada de 80, os povos indgenas de todas as regies
do Pas estiveram intensamente mobilizados para conquistar e
garantir seus territrios. Enquanto isso, o governo investia no
avano dos grandes projetos, colocando entraves e dificultando
os processos de reconhecimento e demarcao dos territrios
indgenas. Foram inmeras as mudanas no processo de
identificao e demarcao das terras indgenas, que
aram, em ltima instncia a depender da estrutura
militarizada do MEAF (Ministrio Extraordinrio de Assuntos
Fundirios).Na Amaznia, havia uma posio firmada, por
parte dos militares e setores do governo, de que no se deveria
demarcar terras indgenas numa extenso de 150 km da faixa de
fronteira. Com isso, quase um tero da populao indgena da
Amaznia teria que ser removida de seus territrios
tradicionais, para atender a esses critrios de segurana
nacional. O projeto Calha Norte, concebido no final da
ditadura militar, e implantado a partir de 1986, tinha a clara
inteno de evitar a demarcao de terras indgenas na
fronteira. Ao mesmo tempo em que previa toda uma ocupao
desse espao por populaes confiveis, atravs da
instalao de bases militares, de projetos de colonizao e
da construo de estradas para o desenvolvimento econmico
dessas reas. Para alguns analistas, tratava-se de um
verdadeiro plano genocida.
81
- Na esfera institucional, os povos indgenas tiveram duas
conquistas importantes na segunda metade do sculo XX: a
primeira, com base no artigo 198 da Emenda Constitucional n. 1
de 1969 a lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispe
sobre o Estatuto do ndio. A segunda,
muito mais abrangente, so os artigos 231 e 232 da
Constituio Federal de 1988. A lei magna rompe com quase
cinco sculos de viso etnocntrica, que apontava como nico
caminho possvel para os povos indgenas a sua incorporao
Sociedade Nacional envolvente. O texto constitucional ou
a reconhecer como originrios e imprescritveis
os direitos indgenas de posse permanente e usufruto
exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, rios
e lagos das suas terras de ocupao tradicional
determinando Unio Federal o dever de demarcar as
terras conforme os limites tradicionais, ou seja, de acordo com
seus usos, costumes e tradies (CF/88 art. 231).
Demarcar e proteger as
terras indgenas uma responsabilidade negligenciada pelo
Estado
5s384x
Quando as
populaes indgenas so privadas do seu territrio, perdem
um elemento vital da prpria existncia e correm o
risco de desaparecer enquanto povos ( Papa Joo Paulo II, 8
de dezembro de 1988).
82
A demarcao das terras indgenas um drama, que pode
ser contado em captulos, na longa histria de omisso do
governo federal. Em 1973 o Estatuto do ndio ( Lei 6001)
estabeleceu um prazo de cinco anos para que todas as terras indgenas
fossem demarcadas. A Constituio de 1988 reafirmou este
prazo. No entanto, quase 30 anos se aram e apenas 35% das
terras indgenas tm concludo o procedimento de demarcao.
83
A demarcao depende de decretos presidenciais, e um
presidente sempre desfaz o que o anterior props. Foi assim
que, em janeiro de 1996, o presidente Fernando Henrique revogou
o Decreto 22/91 do ex-presidente Collor, editando o Decreto
1.775/96 que colocou em reviso todas as terras indgenas que
j estavam demarcadas, gerando assim uma situao de muita
instabilidade. De acordo com o Decreto 1.775, apenas aquelas
terras registradas e reservadas/dominiais so consideradas
realmente demarcadas. Todas as outras ainda esto
sujeitas a reviso, podendo ser reduzidas ou no demarcadas,
dependendo do entendimento do governo.
84
- O decreto abriu a possibilidade de que terceiros particulares
faam uso de ttulos de posse ou propriedade considerados
nulos pela Constituio Federal de 1988, para se oporem aos
limites propostos ou demarcados. Permite tambm que Estados e
Municpios se oponham s demarcaes. Em apenas nove meses
(janeiro a outubro de 1996), 155 reas ficaram sujeitas a
contestaes, possibilitando que o governo federal, a partir
dos pedidos encaminhados pelos interessados, procedesse ou no
reviso dos limites das demarcaes de terras. Ficaram
veis de reviso desde as terras que j tivessem laudo de
identificao publicado pela Funai, at aquelas j
homologadas pela Presidncia da Repblica. Apesar de a
Constituio de 1988 ter definido que todas as terras indgenas
deveriam ser demarcadas no prazo de 5 anos, atualmente apenas
32% (222 reas) das terras indgenas do Pas se encontram com
a demarcao concluda. Os outros 68% (519 reas) ainda
aguardam procedimentos istrativos.
85
- Diante da lentido do governo, os povos indgenas vo
encontrando suas prprias formas para apressar o processo de
demarcao. Vamos ler com ateno o relato dos professores
indgenas Xukuru, contando a experincia do seu povo:
Como as autoridades no terminam o processo de homologao e
desintruso de nossas terras, ns ndios que temos de
tomar providncias para que isso acontea e por isso que ns
fazemos as retomadas de nossas terras.
como disse o nosso cacique Xico: Para se fazer a retomada
tem que se fazer uma grande programao porque a terra estava
nas mos de um homem que se dizia muito poderoso, um vereador
daqui de Pesqueira (...). E a gente sem recurso nenhum, o
pessoal ando fome mesmo, em estado de misria e conseguimos
nos organizar junto s entidades, junto ao Cimi e pedir apoio a
vrias entidades internacionais. Conseguimos reconquistar e o
pessoal hoje j vive uma vida muito diferente.
A
primeira retomada foi a de Pedra Dgua no incio de
novembro de 1990, com 110 hectares que haviam sido arrendadas
ilegalmente a posseiros da regio, onde implementaram um
projeto agrcola subsidiado pela prefeitura local. A retomada
da Pedra Dgua foi um o decisivo na nossa luta porque l
abriga a mata onde se localiza a Pedra Sagrada do Reino do
Ororub. um lugar sagrado onde ganhamos fora para
continuarmos nossa luta.
Em
fevereiro de 1992, aps vrias queixas de parentes de que os
fazendeiros no estavam deixando os ndios botarem suas roas
e tirarem seu sustento, cerca de 1000 Xukuru retomaram a fazenda
Cape de Baixo, com 1.200 ha. At os meados de 1990, o
vereador arrendava aos ndios para plantio de meio ou
mesmo contratava-os como mo-de-obra barata. Atualmente, cerca
de 22 famlias esto morando na fazenda retomada e 180 ndios
esto trabalhando na terra, fazendo roados e mutiro para o
fabrico de telhas e tijolos para construo de casas.
Os
conflitos por causa das terras agravaram-se e em 1992 foi
assassinado o filho do paj (Jos Everaldo Rodrigues Bispo).
Revoltado, um grupo Xukuru incendiou a casa grande e ocupou a
Fazenda Queimadas, em Cana Brava.
Ainda em 1994, houve outra retomada na Aldeia P de
Serra, 3 hectares de terras improdutivas que a gua no
consegue cobrir quando est cheia, pois quando a barragem seca,
a quantidade de terra aumenta. Hoje, 8 famlias esto
trabalhando plantando verduras e legumes.
Em
maro de 1998 houve a retomada da Fazenda Tionante e Stio do
Meio, onde os ndios esto ocupando com o objetivo de produzir
o seu prprio sustento. A luta pela terra continua, sendo a
maior prioridade do povo Xukuru.
Nas
aldeias de Pedra Dgua e Cape, a situao econmica
melhorou em 90%, pois j esto cultivando terras e o ndice
de destruio das matas quase no existe. Nas demais reas
os ndios vivem o sonho da posse das terras.
Atualmente
a rea indgena Xukuru do Ororub, composta de 7.842
habitantes, e temos um nmero de aproximadamente 1.807 famlias,
distribudas em 23 (aldeias). Moram tambm aproximadamente 200
famlias nos bairros de Pesqueira.
A
terra Xukuru encontra-se com sua demarcao fsica concluda.
Aps a demarcao do territrio Xukuru da Serra do Ororub,
foi constatado que a rea abrange 27.555 ha de terras.
Esperamos apenas a homologao destas terras. Soubemos que o
processo encontra-se no gabinete do Ministro da Justia. Esta
homologao bastante esperada, com indenizao dos
posseiros, para que seja possvel a evaso dos mesmos das
nossas terras.
Fruto
da nossa luta com o Cacique Xico, conseguimos a identificao
e delimitao, faltando s a homologao e o
desintrusamento de nossas terras. O nosso cacique por conta
dessa luta sofreu muitas perseguies e por fim foi
assassinado no dia 20 de maio de 1998, na cidade de Pesqueira,
por um pistoleiro.
Retomar
a terra, recobrar a esperana
1p6o5b
Vai,
rene os ancios de Israel e dize-lhes: Jav, o Deus de
nossos pais viu o seu sofrimento e nos lavar a terra
prometida.( xodo, 3: 16-18)
86
- As retomadas de
terra so aes de grande significado na luta pela terra,
porque so iniciativas
das prprias comunidades indgenas. So geralmente motivadas
por um chamado dos ancestrais, dos encantados, dos espritos
de luz. Nas retomadas se articulam trs princpios: o princpio
da realidade, o princpio da ruptura e o princpio
da esperana. A luta pela terra assume um valor simblico
de xodo e de busca da terra sem males, a terra
representa o ncleo de um outro modelo de vida. O movimento indgena
e tudo o que acontece na aldeia tem um valor educativo. Se a
"retomada do sistema educacional" pelos povos indgenas
significa assumir a escola para construir uma sociedade que no
produz menores abandonados nem drogados, a retomada das terras
indgenas - alm de ser uma vitria contra o latifndio e a
reparao de uma injustia - um projeto pedaggico que
mostra como "produzir para viver" em vez de
"viver para produzir".
87
- O "lucro" est na conquista e retomada de espaos
de vida e no orgulho de pertencer a um povo indgena, na
auto-estima da comunidade, no na acumulao de bens ou no
negcio de alguns. Ao retomar as suas terras, as comunidades
esto reafirmando seu projeto histrico de bem viver, de
liberdade e de dignidade, como o fazem, tambm,
outros movimentos como o dos sem-terra, o movimento negro
e o movimento feminista. So movimentos que reagem negao
de um direito fundamental, a partir do qual se concretiza e se
assegura a vida em abundncia. Para ilustrar este movimento de
verdadeira resistncia e protagonismo, relatam-se alguns fatos:
88
- Expulsos de sua rea Caramuru-Catarina-Paraguassu/BA, que
desde 1937 foi progressivamente reduzida e atravs de "ttulos
arrendatrios", liberada para a invaso, os Patax H-H-He
viveram at 1982 como exilados em suas prprias terras.
Com a terra perderam, tambm a sua lngua e a possibilidade de
realizar os seus rituais. Muitos foram recolhidos ao Centro de
Recuperao Krenak/MG, uma espcie de Febem para os ndios,
ou se refugiaram na Fazenda Guarani, em Minas Gerais. Em abril
de 1982, os Patax H-H-He retomaram a rea da ento
denominada "Fazenda So Lucas", de 1079 hectares, e
reiniciaram a luta pelo seu territrio tradicional e por sua
memria. Hoje, o Povo Patax H-H-He, com cerca de 1.800
indgenas aldeados, est de posse de 3.269 hectares. Seu
territrio de 54.100 hectares, demarcado em 1926, ainda est
invadido por mais de 380 fazendas. A morosidade da justia e a
impunidade perpetuam todos os tipos de violncia: assassinatos
de lideranas, seqestros, torturas fsicas, esterilizao
criminosa de suas mulheres. Na recente histria patax se
encontra condensada a violncia de 500 anos contra os povos indgenas.
No final de 1988, o lder Joo Cravim, pai de trs filhos,
foi brutalmente assassinado numa emboscada
na estrada que liga a aldeia cidade de Pau Brasil/BA.
Nove anos depois, no dia 20 de abril de 1997, o irmo de Joo
Cravim, Galdino Jesus dos Santos, foi queimado vivo em Braslia,
enquanto dormia numa marquise de nibus. Ele estava com um
grupo de lideranas, cobrando da Justia providncias para
regularizao de suas terras. O crime que chocou o pas, at
hoje clama por justia. No entanto, a luta dos Patax H-H-He
pela recuperao de suas terras continua. Retomaram alguns dos
seus rituais, nos quais aconselham-se com os
"encantados", espritos ancestrais que vm terra
para amparar o povo. Embalados pelos sons dos maracs e os
cantos da comunidade, os Patax realizam a "Dana do Tor",
ritual ldico que marca os acontecimentos importantes no territrio
reconquistado.
89
- Em outro ponto do Pas, no dia 20 de dezembro de 1998, 58 famlias
da comunidade indgena de Cerro Marangatu do povo Guarani-Kaiov
retomou a fazenda "Fronteira", de onde havia sido
expulsa em 1959. At o dia 19 de dezembro,
a comunidade, com uma populao de 380 pessoas, vivia
comprimida em um pedao de terra de 8,5 hectares, localizado no
distrito de Campestre, no municpio de Antnio Joo (MS). Maral
de Souza, assassinado em 1983, residia, na poca da sua morte,
junto comunidade do Cerro Marangatu. Ele se ops ao processo
de encurralamento dos indgenas. Desde 1959, a comunidade
Guarani-Kaiov alimentava o sonho de retornar sua terra. Aps
dias de rezas e conversaes, optou pela retomada e libertao
de sua terra, descaracterizada pelo desmatamento e pelas
pastagens de gado.
90
- Na madrugada de 11 de maio de 2000, um grupo de duzentos
Kaingang das reas indgenas de Santa Catarina e Rio Grande do
Sul acompanhou os seus "parentes" sem-terra do Toldo
Imbu (SC), na retomada do territrio dessa comunidade.
51 anos antes, os Kaingang do Toldo Imbu haviam sido
expulsos de suas terras pelo prprio Servio de Proteo ao
ndio (SPI). Amarrados na carroceria de dois caminhes, foram
levados para a sede do posto da atual rea Indgena Xapec,
no vizinho municpio de Ipuau (SC). Virgnia Mendes, ndia
centenria que em 1949 foi uma das pessoas colocadas naqueles
caminhes, era uma das mais felizes no momento da reocupao
da terra. Aps meio sculo de exlio, voltou para ficar.
Lutar no foi em vo. Lamentavelmente, esta terra est hoje
invadida pela Escola Tcnica Municipal de Abelardo Luz. Um ms
mais tarde, na madrugada de 10 de julho de 2000, cerca de
duzentos Guarani, procedentes de reas indgenas de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, retomaram parte de suas terras de
Araa, vendidas pela Colonizadora Sul Brasil, a partir da dcada
de 1920. Com a invaso de suas terras, os Guarani foram morar
nas reas Indgenas de Nonoai, Votouro e Serrinha (RS),
basicamente terra dos Kaingang. Liderada pelo cacique Pedro
Barbosa e lideranas
da aldeia M'barac (AI Nonoai), a comunidade est acampada em
49 hectares localizados no municpio de Saudades, oeste de
Santa Catarina, em rea ocupada por uma serraria.
91
- Nesta vontade corajosa de reconquistar a terra, espao de memria,
de culto, de realizao plena da vida, os povos indgenas nos
ensinam diferentes caminhos de luta. Caminhos que no se constrem
somente com braos e mos, mas com coragem, com f, com
rituais, articulando ado, presente e futuro, contando com a
fora dos ancestrais. Apontam para as exigncias da justia e
para o mistrio da esperana. Tanto o movimento indgena
quanto o movimento Sem-Terra lutam para reconstruir uma
sociedade sem excluso e para libertar a terra da ditadura do
latifndio. E a reconstruo desta nova sociedade pe em
questo tambm os modelos de desenvolvimento que tm por base
a explorao e
exausto dos recursos ambientais. necessrio reconstruir
tambm as relaes com a natureza e com o meio ambiente e
neste campo, podemos aprender com os povos indgenas, bebendo
de sua sabedoria milenar que confirma: no foi o homem que
teceu a trama da vida; ele apenas um de seus fios. E se o
tecido adoece, toda a vida adoece com ele.
92
Nesta viso integrada da vida, como um tecido composto por
muitos fios, situa-se tambm a questo ambiental. Nos dias de
hoje esta uma temtica que est sempre em pauta. Todos os
pases, em especial aqueles do chamado primeiro mundo, dizem-se
preocupados com a qualidade de vida no planeta. Por este motivo
assistimos nos ltimos anos a vrias iniciativas de governos,
organismos internacionais, tais como a Eco 92, Agenda 21 etc.,
que pretendem propor mecanismos de proteo do meio ambiente.
Surgiram, em funo de toda esta mobilizao ambientalista,
alguns conceitos considerados ecologicamente corretos, que
tm como referncia o desenvolvimento sustentvel. Como o prprio
termo sugere, a preocupao primeira no com o meio
ambiente, mas com o desenvolvimento e, consequentemente, com as
possibilidades de explorao dos recursos naturais existentes,
exaurindo-lhes toda a capacidade de produzir capital. Desta
forma, a sustentabilidade almejada a do sistema econmico e
no dos seres humanos e toda a vida existente no planeta. A
verdadeira sustentabilidade planetria depende de mudanas
profundas na concepo de homem e de natureza, e de implementao
de um outro modelo de sociedade, onde o determinante no seja o
capital, o lucro, mas a vida dos homens e mulheres interagindo
com toda a natureza.
93
- Na lgica indgena, que considera a
vida na integralidade,
a utilizao dos recursos naturais no predatria.
No parte do sistema econmico a exausto dos recursos,
por isso no necessrio criar leis para evitar o corte de
rvores, ou proibir a pesca ou ainda determinar quantos metros
cbicos sero cortados, nem quantos quilos podero ser
pescados.
94
- Na sociedade capitalista, no entanto, as leis so um
instrumento indispensvel para frear a ganncia, o lucro
inconseqente, concentrado em mos de minorias privilegiadas.
Muitas vezes a prpria lei assegura e
legitima essa ordem social desigual. A questo ambiental
tambm no foge regra. Nos noticirios podemos ver
agricultores pobres sendo presos por pegar um tatu, derrubar uma
rvore, pescar em tempo de desova, mas no conhecemos casos em
que empresrios da madeira, minerao e outros, so punidos
pela explorao ilegal e destruio do meio ambiente.
95
- Os ndios so tambm vtimas da aplicao injusta das
leis ambientais. Mais grave ainda, eles vm sendo acusados
injustamente por vrios setores do movimento ambientalista
brasileiro, de estarem depredando as reas destinadas
preservao ambiental. A acusao est sendo justificada
com base na falaciosa argumentao de conflitos gerados pela
sobreposio de unidades de conservao em terras indgenas.
Chamamos aqui a ateno para o perigo ideolgico desta falsa
questo, na medida em que ela promove a inverso dos papis
historicamente desempenhados pelos respectivos atores sociais.
No caso dos povos indgenas, no se faz necessrio recorrer a
registros documentais para comprovar o lugar sociolgico sempre
ocupado por eles. A incidncia das unidades de conservao em
seus territrios tradicionais constitui prova inconteste de
que, em suas relaes com a natureza, os povos indgenas so
seus protetores e defensores.
96
- Mesmo assim, os povos indgenas so vtimas das presses
exercidas por empresas madeireiras, mineradoras, hidreltricas,
hidrovias, gasoduto, etc. que, em suas prticas de aliciamento,
se utilizam, inclusive de instncias representativas dos
poderes do Estado brasileiro. Por esse motivo, acontecem casos
em que lideranas e at comunidades indgenas inteiras so
cooptadas e envolvidas em empreendimentos predatrios. Neste
contexto, os povos indgenas, os pequenos agricultores, os
ribeirinhos, e tantos outros tornam-se refns do modelo
de desenvolvimento a que o pas est submetido. So forados
a situaes que somente interessam queles que detm o poder
econmico: os latifundirios e os empresrios interessados
nas reas indgenas.
97
- A bandeira ambiental utilizada muito mais como uma
justificativa diante da opinio pblica, do que, propriamente,
como uma poltica efetiva de preservao. Como exemplo disso,
podemos destacar a implantao recente do plano de
desenvolvimento Avana Brasil, do Governo Federal.
Conforme prev um estudo realizado por cientistas brasileiros e
norte-americanos, este plano provocar a destruio de 42% da
Amaznia brasileira, nos prximos 20 anos. Segundo o mesmo
estudo, em 2020, apenas 4,7 % da floresta permanecer intacta.
(Jornal Folha de SP 12/11/2000).
421s13
Conquistar
o direito a uma assistncia adequada
de
sade
514e1j
98 -
Para todos os povos indgenas, como tambm para ns,
sade uma condio para a vida plena. Aprendemos da
viso indgena que ter sade muito mais do que estar sem
doena ter alegria, poder trabalhar, fazer festa, estar
protegido pela fora dos pajs e rezadores e viver de acordo
com a prpria cultura. Portanto, no possvel assegurar a
sade limitando esta dimenso da vida humana apenas ao
tratamento pela medicina ocidental e, pior ainda, investindo
apenas na medicina curativa. preciso garantir, antes de tudo,
a qualidade de vida, que se conquista com a terra demarcada e
garantida, com um meio ambiente protegido, que assegure a abundncia
e a fartura, e a possibilidade de viver plenamente suas culturas
e crenas, sem imposies, preconceitos e discriminaes.
99
- Desde os primeiros anos da invaso e colonizao europia,
os povos indgenas do Brasil sofrem em funo do descaso, da
omisso e da sistemtica violao de seus direitos
fundamentais.
100
- No incio do sculo XX, com a abertura das frentes de expanso
econmica - estradas, ferrovias, linhas telegrficas -
numerosos massacres foram cometidos, sendo que os maiores ndices
de mortalidade ocorreram em funo das doenas transmissveis.
Povos inteiros foram dizimados e muitos outros tiveram uma drstica
reduo populacional, com risco de extino, como os Myky,
Juma, Deni, Assurini, Tapirap, Arara, Gavio, Waimiri-Atroari,
Yanomami e Av-Canoeiro.
101-
Uma das formas mais perversas de dizimao fsica, cultural e
tnica dos inmeros povos indgenas foi o alastramento de
epidemias infecciosas, cujo impacto era favorecido pelas mudanas
no seu modo de vida ou pelas fugas constantes que os empurravam
para ambientes pouco conhecidos. A colonizao e impostas aos
habitantes destas terras trouxeram a escravido, trabalho forado,
maus tratos, confinamento e a sedentarizao compulsria em
aldeamentos e internatos.
102
- Esperava-se que, a partir da criao do SPI, o governo
estabelecesse aes constantes de combate causas de doenas
e de mortalidade nas aldeias. Mas o SPI implementou apenas
algumas aes, de forma muito desarticulada, para tentar
combater os grandes surtos de sarampo, malria, tuberculose e
outras doenas transmissveis. Essas aes emergenciais, que
marcam at hoje a ao do Estado, controlam apenas
momentaneamente o alastramento das doenas.
So medidas paliativas, que no atacam as verdadeiras
causas do problema.
103
- A FUNAI, criada em 1967 aps a extino do SPI, ou a
realizar servios espordicos de sade e superviso em
algumas comunidades indgenas, atravs de Equipes Volantes de
Sade. Sem contar com uma estrutura istrativa, financeira
e de recursos humanos capacitados para atender s demandas
existentes na rea de sade, a FUNAI acabou por legitimar a
omisso e a violncia. Mesmo com as mudanas na Constituio
Federal, a poltica oficial de atendimento sade indgena
continuou caracterizada apenas por aes fragmentadas e
emergenciais, especialmente quando estes casos ganham repercusso
nacional.
104
- Diz a Constituio Federal que a sade um direito de
cidadania, e portanto, deve ser assegurada a todos, sem exceo.
No entanto, as condies de sade no Brasil so precrias.
As polticas oficiais so ainda insuficientes, submetendo,
freqentemente, as populaes das cidades e do interior, das
aldeias e povoados a situaes degradantes de atendimento, que
desrespeitam a dignidade humana e pem em risco a prpria
vida. Para os povos indgenas, esse atendimento deveria, alm
de ser adequado, ter
um carter de integralidade, respeitando as diferentes maneiras
indgenas de compreender e tratar os processos de sade e doena.
105
- Buscando alternativas para essa situao de omisso e
descaso do Estado, muitas comunidades indgenas aram a
participar de encontros e momentos de discusso sobre a sade.
Nesse processo, foram organizadas e realizadas trs Conferncias
Nacionais de Sade Indgena, em 1986, em 1993 e em 2.000, com
o objetivo de repensar o modelo de assistncia sade indgena,
com a participao de representantes indgenas e de amplos
setores da sociedade civil. Estas Conferncias propam
a estruturao de um modelo de ateno integral e
diferenciada, para as comunidades indgenas e o o
universal s aes e servios pblicos de sade. O
atendimento dever realizar-se nas aldeias, contemplando a
formao e qualificao de agentes de sade escolhidos
pelas comunidades, assistncia, saneamento bsico, nutrio,
habitao, meio ambiente, demarcao de terras, educao
sanitria, numa viso abrangente e integral da sade.
106
- Uma lei aprovada pelo Congresso Nacional em 1999, conhecida
como Lei Arouca, incumbe o governo por criar as condies
para um atendimento prprio para as populaes indgenas,
com a criao de um subsistema de ateno diferenciada. A
terceirizao s vlida se respeitar esses princpios.
107
- Refletir sobre as reivindicaes indgenas para a sade,
como para a educao, importante numa anlise da questo
indgena na sua integralidade. Vida, autonomia e
liberdade no se conquistam sem que haja condies
adequadas para manter a sade, para educar conforme as tradies
e para celebrar tudo isso de acordo com as crenas e a
religiosidade.
Recriar escolas que respeitem o jeito de ser indgena
1m2h5m
108
- A educao numa comunidade indgena no uma tarefa
realizada apenas pelos pais ou parentes de uma criana. A educao
e a insero desta criana na vida da aldeia uma tarefa
coletiva. Toda a comunidade est envolvida e empenhada em
tornar cada criana um membro integral de sua cultura,
participando de toda a vida, gozando de todos os benefcios
gerados no trabalho coletivo.
109
- Pela educao se transmite e se reconstri a cultura, se
atualizam as tradies e se vivenciam concretamente os valores
da f, da reciprocidade, que uma forma ampla do exerccio
da solidariedade, no dia-a-dia. Neste processo integral da educao
indgena, a escola tambm a a ter seu lugar. Ela vista
pelos povos indgenas como uma necessidade, um lugar em que se
pode conhecer e construir idias, para entender melhor a
realidade que os cerca, e, sobretudo, para lutar melhor pelos
direitos coletivos.
110
- Mas a escola teve, e ainda tem em muitas aldeias, um papel
histrico na dominao e
na submisso dos povos indgenas. Trazendo na bagagem a
idia de que a cultura, a cincia, a sabedoria, a arte e a
religio verdadeiras so as da sociedade ocidental, a escola
serviu para desvalorizar muitos fundamentos da vida indgena.
111
- Maral Tup-i Guarani avaliou com sabedoria que: o
ensino aplicado at hoje tem matado o que h de mais sagrado
para ns, que a nossa cultura. Se conservarmos o que
sagrado para ns seremos um povo que vai caminhando na libertao
112
- A escola foi imposta a muitas comunidades indgenas, desde os
tempos da colonizao, com interesses integracionistas, ou
seja, para abrir a estrada tortuosa que leva os ndios a viver
como excludos, numa sociedade que cultua a
acumulao de bens,
a competio
e o individualismo.
113
- A partir da dcada de 70, quando muitas comunidades aram
a lutar no campo das leis, das idias, dos discursos, a escola
ou a ter uma utilidade concreta: vista como um dos meios de
conscientizao na conquista dos direitos. A escola pode ser
um lugar onde se aprende a ler letras, leis e realidades,
a escrever cartas, denncias, relatos de violncia
e a conhecer melhor o funcionamento da sociedade no-ndia.
Essas possibilidades novas para a escola fazem germinar a
vontade de transform-la, de construir uma educao escolar
especfica e diferenciada, que respeite as formas prprias de
pensar dos povos indgenas, suas sabedorias, suas vises de
mundo e que coloque tambm sua disposio as conquistas da
cincia, necessrias vida cotidiana, ao desenvolvimento e
aos embates polticos.
114
- A vontade de transformar a escola tem como raiz uma busca
muito mais ampla, que a vontade de conquistar, pelas prprias mos,
o respeito negado historicamente, a liberdade tantas vezes ameaada
e a possibilidade de planejar e construir seu prprio futuro.
Desta disposio coletiva em construir outros modelos de
escola, nascem os movimentos de professores indgenas, que
promovem encontros, reflexes, reivindicaes e um avano importante na
conceituao de
escola indgena , a partir da discusso em muitas
aldeias da escola que queremos ter. Assim, vo
definindo princpios para as suas escolas, compartilhando
experincias e buscando maneiras de organizar o trabalho, que
respeitem as tradies, as lnguas, as crenas e, sobretudo,
a vontade de cada comunidade.
Assegurar
a proteo dos territrios dos Povos Livres
s19o
115 - Nos meios
indigenistas, os povos livres so mais comumente designados
como ndios, grupos ou povos isolados, arredios ou
sem contato. Mas todas essas designaes partem de um
referencial que tem como pressuposto o fato de que seria inevitvel
e at mesmo desejvel, o estabelecimento de relao
progressiva e contnua entre esses povos e a sociedade
brasileira.
116 - O termo
livres uma designao que parece ser mais apropriada
para identificar esses grupos, porque descarta a perspectiva da
necessidade absoluta da pacificao daqueles povos indgenas
que sempre fizeram questo de guardar distncia da sociedade
brasileira. So povos livres, portanto, todos os
que, ao longo dos ltimos cinco sculos, optaram por se manter
independentes da civilizao, que foi imposta nas terras
brasileiras quase totalidade dos povos nativos. At os dias
de hoje, os povos livres procuram viver de forma autnoma,
preservando condies de vida relativamente originais, vivendo
da caa, da pesca, da coleta e da agricultura de subsistncia.
Evitam o estabelecimento de relaes, at mesmo com outros
povos indgenas que habitam as proximidades de seus territrios.
Resistem invaso de seus domnios territoriais e, quando no
podem mais enfrentar os invasores, acabam recuando ao seu avano,
procurando locais mais inveis aos agressores. Foram essas
as formas encontradas pelos povos livres, para continuarem
independentes ao longo de sucessivos processos de expanso e
ocupao territorial e econmica no Pas.
117 - A realidade
vivenciada pelos povos livres, nos cenrios que compam os
ltimos 500 anos, extremamente grave. E a sua trajetria
contempornea revela e denuncia a vergonhosa continuidade de um
processo de extermnio de povos indgenas inteiros, agora
praticado com outros meios e em outros contextos. Resistindo
para garantir a liberdade, no raras vezes, os povos livres vm
pagando um preo bastante alto. No decorrer do sculo XIX, as
frentes de expanso territorial e de ocupao econmica
aram a avanar ainda mais ferozmente sobre os seus territrios,
promovendo a perseguio violenta e a eliminao fsica
daqueles que ofereciam resistncia. A partir de meados do sculo
XX, a implantao de projetos governamentais de cunho
desenvolvimentista, conjugados ao exerccio de uma poltica
indigenista orientada pela perspectiva de integrao dos povos
indgenas comunho nacional, foram tambm responsveis
pelo quase desaparecimento de muitos povos.
118 - Em todos
esses casos, a interveno do rgo indigenista seja o
SPI, seja a FUNAI foi conduzida segundo os interesses de polticas
desenvolvimentistas e integracionistas. Responsvel pelo
contato, o rgo indigenista atuava como agente
pacificador dos povos livres, forando-lhes o contato,
com a finalidade de, ora possibilitar a construo de um
empreendimento, ora para evitar ataques e assaltos dos que
resistiam instalao de outros brasileiros em seus territrios.
E o resultado desses contatos compulsrios,
significou drstica reduo de populao indgena,
vtima das armas de fogo dos invasores, ou de epidemias.
119 - Nas dcadas
de 70 e 80, devido atuao do Cimi, da Operao Amaznia
Nativa (Opan) e de uma srie de outras entidades que atuam com
o mesmo objetivo, os povos livres conseguiram conquistar
solidariedade e apoios significativos na sociedade brasileira, a
fim de que a sua vontade fosse respeitada e, assim, tambm
impedir a continuidade de massacres. Foi ento que o Cimi, a
Opan e a Misso Anchieta comearam, por meio de experincias
concretas com povos livres em situao de risco, no Mato
Grosso e no Amazonas, a demonstrar que possvel estabelecer
com eles uma relao respeitosa e promissora, que no resulte
em depopulao e dependncia. Essas experincias,
especificamente junto aos povos Mnk, Enauen-Nau e Suruah,
partiram da premissa bsica de reconhecer e de afirmar os
direitos histricos desses povos aos seus territrios
tradicionais e sustentabilidade de seus projetos de vida. Foi
somente na dcada de 90, que a FUNAI, finalmente, adotou uma
nova perspectiva de atuao junto aos povos livres,
reconhecendo que a melhor poltica a de respeitar a sua
vontade e, consequentemente, de no mais proceder a contatos
forados.
Reafirmar
e fortalecer a identidade a luta dos Povos Ressurgidos 6p6y1i
120
- Em funo da poltica adotada pelos governos, desde o tempo
da colnia, muitos povos indgenas foram sendo extintos, seja
atravs dos sucessivos massacres (genocdio), seja atravs de
represso cultural e religiosa e muitos foram considerados
extintos por decreto. O governo imperial editava um decreto
dizendo: a partir desta data deixam de existir os aldeamentos
indgenas da Provncia do Cear, Bahia....Assim, durante dcadas
e at sculos, muitos povos aram a ser considerados
extintos. Na maioria dos casos, as pessoas sobreviventes viviam
dispersas por vrias regies do Brasil. Grande nmero deles
serviu, durante vrios anos, como mo-de-obra barata para
fazendeiros invasores de suas terras. Viveram, portanto, como
escravos dentro de seus territrios tradicionais. ados
muitos anos, eles voltaram a aparecer e reivindicam seus
direitos. So os chamados povos ressurgidos.
121
- difcil compreender como, aps tantos anos de disperso,
impedidos de vivenciar suas prticas culturais, sem realizar
seus rituais, festas, sem falar sua lngua, sem ter mais uma
organizao social prpria, as pessoas conseguem
reencontrar-se, reorganizar-se enquanto grupo social distinto
dentro da sociedade dita nacional e reivindicar o direito de
serem reconhecidas e respeitadas como tal. Mais ainda, assumir
uma identidade tnica vinculada s populaes denominadas
autctones, os ndios aqui encontrados pelos portugueses em
1500.
122
- Para os no ndios est posto o desafio de compreender,
respeitar e apoiar esta iniciativa. Isto demanda um longo
processo de conscientizao pois, durante dcadas, foi
construdo pela sociedade um conceito estereotipado de ndio,
determinado por caractersticas fsicas, onde sua identidade
era definida a partir do exterior. Era sempre o de fora, o
estudioso, o poltico, o indigenista quem definia se algum
era ou no ndio, a partir de seus conceitos teoricamente
formulados.
123 - Foi
com base nesses conceitos que, ao final do sculo XIX, j no
se falava mais em povos indgenas no Nordeste. quela poca,
eles j haviam sofrido um processo de total expropriao de
seus territrios. No eram mais reconhecidos enquanto
coletividades e seus membros eram chamados de
remanescentes ou descendentes de ndios, de forma
genrica, como indica a expresso. No comeo do sculo XX,
esses remanescentes aram a se mobilizar, exigindo a
demarcao de, suas terras tradicionais. Assim, o governo
brasileiro foi obrigado a reconhec-los enquanto povos
distintos. por este motivo que na classificao das reas
culturais indgenas apresentada por Darcy Ribeiro,
so identificados 13 povos na regio Nordeste, nos anos 60,
chegando hoje a 37. Isto foi possvel graas intensificao
da movimentao indgena a partir dos anos 70, mas tambm ao
apoio de vrias entidades indigenistas. A realizao das
assemblias de chefes indgenas, incentivadas pelo Cimi, no incio
dos anos 70, estimulou vrios povos a assumir publicamente suas
identidades. Desta forma, muitos que se escondiam, com medo de
represso, foram encorajados e voltaram a identificar-se como
ndios.
124
- S possvel entender este processo de ressurgimento tnico
dentro das lutas de resistncia dos 500 anos. Ele representa
uma rejeio ao projeto colonizador implantado no pas e
constitui-se numa oposio a modelos que negam as identidades
especficas, sejam elas locais, regionais ou nacionais. No
por acaso que, em vrios pases, nas mais variadas partes do
mundo, esto ocorrendo conflitos tnicos.
125
- Os povos ressurgidos tm conseguido recuperar suas
identidades historicamente negadas a partir da reconstruo ou
elaborao de novas utopias, gestadas pela fertilidade da memria
da resistncia. Compem essas utopias valores culturais,
religiosos, morais e polticos, que do etnicidade uma
dimenso ritual, religiosa e poltica, to importantes quanto
a territorial. A luta pela demarcao das terras
tradicionalmente ocupadas por eles confunde-se com a prpria
luta pela recuperao da identidade tnica, posto que a terra
o lugar sagrado, espao vital, indispensvel para a
continuidade daquelas culturas. As utopias so, portanto,
consideradas novas porque so atualizadas conjunturalmente,
mantendo-se ligadas pelo fio da histria de cada povo, atravs
da reinterpretao dos mitos, traduzindo-os e reinserindo-os
no atual momento histrico. Foi assim que os Kambeba (Omgua),
povo que vive s margens dos rios Solimes e Negro, no
Amazonas, puderam (re)aparecer aps 60 anos de silncio. Da
mesma forma os Xet, no Paran, ocupam espao na mdia
regional, depois de terem sido considerados extintos na dcada
de 60, e os Pipipan ressurgem, em Pernambuco, mais de um sculo
aps ser decretada sua extino.
Indgenas assassinados
nos anos de 1995 a 1998:
1995
- Jos Edilson Maranduba Xukuru-Kariri/ AL; Alberto Roroti
Krah/ GO; Manoel Mendes Guajajara/ MA; Davi Pompeu
Guajajara/ MA; Ademar de Souza Guajajara/ MA; Sebastio
Kutaria Karaj/ MT; Hilda Maria de Jesus Atikum / PE; Adel
Rodrigues da Silva, Xukuru/ PE; Jos Erivaldo Frazo,
Xukuru/ PE; Pedro Gomes da Silva Fulni-/ PE; Manoel Jos
Torres, Pankararu/ PE; ngelo Miguel Kaingang/ RS; Julio
Yanomami/ RR; Felipe Rodrigues da Silva Wapixana/ RR;
Severino Kataflo Jarawara/ AM; Cndido Apurin / AM; Estevo
de Souza Guarani/ MS; Antnio
Mariano Kiriri / BA; Joo dos Santos Kiriri/ BA; Cristiano
Santos Patax/BA
1996
- Raimundo Silvino, Shanenawa/ AC; Braiano Paulino/ RR;
Carlos Alencar Tapeba/ CE; Eronilde Lopes da Silva, Xukuru/
PE; Francisco Apurin/ AM; Ivo Jacinto Kaingang/RS; Jesus
Thom Apurin/AM; Maria do Carmo de Alencar Tapeba/ CE;
Alencar de Alencar Gomes Tapeba/ CE; Pedro Yanomami e mais
dois Yanomami / RR.
1997
- Natal Apurin/ AM; Marcelo Kanela / PA; Galdino Jesus dos
Santos, Patax H-H-He/ BA; Donato Jorge de Oliveira,
Guarani-Kaiow/ MS; Marcos da Silva Machado, Guarani-Kaiow/
MS; Lucas Jnior Paiva, Guarani-Kaiow/ MS; Alfredo
Guajajara/ MA; Avelino Guajajara/ MA; Edison Guajajara/ MA;
Alvino Guajajara/ MA.
1998
- Francisco de Assis Arajo, Xukuru/ PE; Miho
Kulina, Kulina/ AM; Davi Caiap, Caiap/ PA; Manoel
Alfredo, Kaingang/ PR
SUESS, Paulo. Porantim n. 16, maro de
1980, p. 8.
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