Conferncia
Nacional dos Bispos do Brasil/CNBB 1983
5ono
Carta
dos
DIREITOS DA FAMLIA
INTRODUO
2z21b
A
Carta dos Direitos da Famlia origina-se do voto formulado
pelo Snodo dos Bispos, reunidos em Roma, em 1980, sobre o tema
O papel da famlia crist no mundo contemporneo
(Constituio Federal. Proposio n. 42). Sua Santidade, o
Papa Joo Paulo II, na exortao apostlica Famlias
Consortio (n. 46) aprovou o voto do Snodo e insistiu para que
a Santa S preparasse uma Carta dos Direitos da Famlia
destinada aos organismos e autoridades interessados.
importante entender exatamente a natureza e o estilo da Carta tal
como est apresentada. Esse documento no uma exposio da
teologia dogmtica ou moral sobre o matrimnio e a famlia,
ainda que reflita o pensamento da Igreja sobre o assunto; tambm
no um cdigo de conduta destinado s pessoas e instituies
interessadas. A Carta difere de uma simples declarao de princpios
tericos a respeito da famlia, ela tem por fim apresentar a
todos os contemporneos, cristos ou no, uma formulao
to completa e ordenada quanto possvel dos direitos
fundamentais inerentes a esta sociedade natural e universal que
a famlia.
Os
direitos enunciados na Carta esto gravados na conscincia do
ser humano e nos valores comuns a toda a humanidade. A viso
crist est presente como luz da revelao divina que ilumina
a realidade da famlia. Esses direitos tm origem em ltima anlise,
na lei inscrita pelo Criador no corao de todo ser humano. A
sociedade est chamada a defender esses direitos contra qualquer
violao, a respeit-los e promov-los na integridade de seu
contedo.
Os
direitos apresentados devem ser considerados conforme o carter
especfico de uma carta. Em alguns casos, lembram normas
vinculadas ao plano jurdico; em outros exprimem postulados e
princpios fundamentais para a elaborao da legislao e
desenvolvimento da poltica familiar. Mas, em todos os casos,
constituem um apelo proftico em favor da instituio familiar
que deve ser respeitada e defendida contra qualquer agresso.
Quase
todos esses direitos j esto expressos em outros documentos,
tanto da Igreja como da comunidade internacional. a presente Carta
tenta oferecer uma elaborao melhor, defini-los com mais
clareza e reuni-los numa apresentao orgnica, ordenada e
sistemtica. Em anexo, encontra-se a indicao das fontes de
referncia dos textos em que foram tomadas algumas formulaes.
A
Carta dos Direitos da Famlia , agora, apresentada pela Santa S,
organismo central e supremo do governo da Igreja Catlica. O
documento foi enriquecido por um conjunto de observaes e anlises
reunidas aps uma consulta s Conferncias Episcopais de toda a
Igreja, bem como de peritos especializados na matria e
representantes das diferentes culturas.
A
Carta est dirigida, em primeiro lugar, aos Governos. Ao
reafirmar, para o bem da sociedade, a conscincia comum dos
direitos essenciais da famlia, a Carta oferece a todos os que
participam da responsabilidade do bem comum um modelo e a referncia
para elaborar uma legislao e uma poltica familiar com uma
orientao para os programas de ao.
A
Santa S, ao mesmo tempo, prope com confiana este documento
ao estudo das Organizaes internacionais e intergovernamentais
que, pela competncia e ao na defesa dos direitos do homem, no
podem ignorar ou permitir violaes aos direitos fundamentais da
famlia.
A
Carta dirige-se, evidentemente, tambm s prprias famlias:
visa encorajar, no seio das famlias, a conscincia do papel e
do lugar insubstituvel da famlia; deseja estimular as famlias
a se unirem para a defesa e a promoo de seus direitos;
anima-as a cumprir seu dever de tal modo que o papel da famlia
seja mais claramente compreendido e reconhecido no mundo atual.
A
Carta , enfim, dirigida a todos, homens e mulheres, a fim de que
todos se empenhem no sentido de fazer com que os direitos da famlia
sejam protegidos e que a instituio familiar seja fortalecida
para o bem de toda a humanidade, hoje e no futuro.
A
Santa S, apresentando esta Carta desejada pelos representantes
do Episcopado mundial, dirige um apelo particular a todos os
membros e a todas as instituies da Igreja, para que eles, como
cristos, dem testemunho de sua firme convico de que a funo
da famlia insubstituvel e trabalhem para que as famlias e
os pais recebam o apoio e o estmulo necessrios ao cumprimento
da tarefa que Deus lhes confiou.
PREMBULO
Considerando
que:
a)Os direitos da pessoa, ainda que expressos como direitos do
indivduo, tm uma dimenso fundamentalmente social que, na famlia
encontra sua expresso inata e vital;
b)A famlia est alicerada sobre o matrimnio, essa unio
ntima e complementar do homem e da mulher que se estabelece pelo
lao indissolvel do matrimnio, livremente contrado e
publicamente afirmado, e que se abre transmisso da vida;
c)
O matrimnio instituio natural qual est
confiada exclusivamente a misso de transmitir a vida;
d)A famlia, sociedade natural, existe anteriormente ao
Estado e a qualquer outra coletividade e possui os direitos prprios
que so inalienveis;
e)A famlia, muito mais do que uma unidade jurdica, sociolgica
ou econmica, constitui uma comunidade de amor e de
solidariedade, insubstituvel para o ensino e transmisso dos
valores culturais, ticos, sociais, espirituais e religiosos,
essenciais para o desenvolvimento e bem-estar de seus prprios
membros e da sociedade;
f)
A famlia o lugar onde vrias geraes esto
reunidas e se ajudam
mutuamente para crescer em sabedoria humana e harmonizar os
direitos dos indivduos com as outras exigncias da vida social;
g)A famlia e a sociedade, unidas entre si por laos orgnicos
e vitais, assumem papis complementares para defender e promover
o bem de toda a humanidade e de cada pessoa;
h)
A experincia de diferentes culturas, ao longo da histria,
mostra para a sociedade a necessidade de reconhecer e defender a
instituio da famlia;
i)
A sociedade e, de modo particular, o Estado e as organizaes
internacionais devem proteger a famlia atravs de medidas polticas,
econmicas, sociais e jurdicas, tm por fim fortalecer a
unidade e a estabilidade da famlia para que ela possa exercer
sua funo especfica;
j)
Os direitos, as necessidades fundamentais, o bem-estar e os
valores da famlia, ainda que estejam, em alguns casos,
progressivamente melhor salvaguardados, so, muitas vezes,
desconhecidos e at mesmo ameaados pelas leis, instituies e
programas scio-econmicos;
k)
Muitas famlias so obrigadas a viver em situao de
pobreza que as impede de exercerem dignamente seu papel;
l)
A Igreja Catlica, sabendo que o bem da pessoa, da
sociedade e da prpria Igreja a pela famlia, sempre
considerou que prprio de sua misso proclamar a todos os
homens o desgnio de Deus, inerente natureza humana sobre o
matrimnio e sobre a famlia; promover estas duas instituies
e defend-las contra tudo o que as prejudique;
m)
O Snodo dos Bispos, reunidos em 1980, explicitamente
recomendou que seja redigida uma Carta dos Direitos da Famlia e
enviada a todos os interessados;
A
Santa S, depois de consultar as Conferncias Episcopais,
apresenta, agora, esta
CARTA
DOS DIREITOS DA FAMLIA
E convida insistentemente todos os
Estados, Organizaes internacionais, instituies e pessoas
interessadas para que promovam o respeito destes direitos e
assegurem seu reconhecimento efetivo e sua aplicao.
ARTIGO
1
Todas
as pessoas tm o direito de escolher livremente o estado de vida
e, portanto, casar-se e constituir uma famlia ou permanecer
solteiras.
a)Todo homem e toda mulher, atingindo a idade de contrair
matrimnio e tendo a capacidade necessria, tem direito de
casar-se e constituir uma famlia sem discriminao de nenhum
tipo; as restries legais para exercer este direito, de
natureza permanente ou temporria, no podem ser introduzidas, a
no ser que sejam requeridas por exigncias graves e objetivas
da prpria instituio do matrimnio ou de sua significao
pblica e social. Em qualquer caso, devem respeitar-se a
dignidade e os direitos fundamentais da pessoa;
b)Os que desejam casar-se e constituir uma famlia tm o
direito de esperar da sociedade as condies morais, educativas,
sociais e econmicas que lhes permitam o exerccio do direito de
casar-se com maturidade e responsabilidade;
c)
O valor institucional do matrimnio deve ser reconhecido
pelas autoridades pblicas; a situao dos que vivem juntos sem
estarem casados pode ser colocada no mesmo nvel dos que contraram
devidamente o matrimnio.
ARTIGO
2
Para
se realizar o matrimnio exige-se o livre consentimento dos
esposos devidamente expressos.
a)Sem desconhecer, em algumas culturas, o papel tradicional
que as famlias desempenham para orientar a deciso de seus
filhos, deve ser evitada qualquer dificuldade que possa impedir
uma pessoa de escolher o seu cnjuge;
b)Os futuros esposos tm direito liberdade religiosa,
consequentemente, impor como condio prvia ao casamento a
negao da f contrria conscincia constitui violao
deste direito;
c)
Os esposos, na complementaridade natural do homem e da
mulher, tm a mesma dignidade e direitos iguais frente ao
casamento.
ARTIGO
3
Os
esposos tm o direito alienvel de constituir uma famlia e
determinar o intervalo entre os nascimentos e o nmero de filhos
que desejam, levando em considerao os deveres para consigo
mesmos, com os filhos que j tm, com a famlia e a sociedade,
numa justa hierarquia de valores e de acordo com a ordem moral
objetiva que exclui o recurso contracepo, esterilizao
e ao aborto.
a)Os atos dos poderes pblicos ou das organizaes
particulares, que tendem a limitar, de qualquer modo, a liberdade
dos esposos nas suas decises relativas aos filhos, constituem
uma grave ofensa dignidade humana e justia;
b)Nas relaes internacionais, a ajuda econmica concedida
para o desenvolvimento dos povos no deve ser condicionada pela
aceitao de programas de contracepo, esterilizao ou
aborto;
c)
A famlia tem direito ajuda da sociedade no que se
refere ao nascimento ou educao dos filhos. Os casais que tm
uma famlia numerosa tm direito a uma ajuda adequada e no
devem sofrer discriminaes.
ARTIGO
4
A
vida humana deve ser absolutamente respeitada e protegida desde o
momento de sua concepo.
a)O aborto uma violao do direito fundamental vida
do ser humano;
b)O respeito pela dignidade do ser humano exclui qualquer
manipulao experimental ou explorao do embrio humano;
c)
Qualquer interveno sobre o patrimnio gentico da
pessoa humana que no vise correo de anomalias constitui
uma violao do direito integridade fsica e est em
contradio com o bem da famlia;
d)Tanto antes, como depois nascimento, os filhos tm direito
a uma proteo e assistncia especial, bem como a me durante
a gestao e um perodo razovel depois do parto;
e)Todas as crianas nascidas dentro ou fora do matrimnio
gozam do mesmo direito proteo social, em vista do
desenvolvimento integral de sua pessoa;
f)
Os rfos e as crianas abandonadas sem a assistncia
dos pais ou tutores devem gozar de proteo especial por parte
da sociedade. No que concerne s crianas que devem ser
confiadas a uma famlia ou devem ser adotadas, o Estado deve
instaurar uma legislao que facilite s famlias idneas
acolher as crianas que precisam ser amparadas de modo temporrio
ou permanente e que, ao mesmo tempo, respeite os direitos naturais
dos pais;
g)As crianas excepcionais tm o direito de encontrar no
lar ou na escola um ambiente conveniente ao seu desenvolvimento
humano.
ARTIGO
5
Os
pais devem, por terem dado a vida aos filhos, tm o direito
primeiro e inalienvel de educ-los; por isto devem ser
reconhecidos como os primeiros e principais educadores de seus
filhos.
a)Os pais tm o direito de educar seus filhos de acordo com
suas convices morais e religiosas, levando em considerao
as tradies culturais da famlia que favorecem o bem e a
dignidade da criana, e devem tambm receber da sociedade a
ajuda e a assistncia necessrias para cumprir seu papel de
educadores de modo condigno;
b)Os pais tm o direito de escolher livremente as escolas ou
outros meios necessrios para educar seus filhos, em conformidade
com suas convices. Os poderes pblicos, ao repartirem os subsdios
pblicos, devem fazer de tal forma que os pais fiquem
verdadeiramente livres de exercer este direito sem terem que se
sujeitar a nus injustos. Os pais no devem, direta ou
indiretamente, sofrer nus suplementares que impeam ou limitem
o exerccio desta liberdade;
c)
Os pais tm o direito de obter que seus filhos no sejam
obrigados a receber ensinamentos que no estejam de acordo com
suas convices morais e religiosas particularmente educao
sexual que um direito fundamental dos pais, deve sempre ser
proporcionada sob sua atenta orientao no lar ou nos centros
educativos, escolhidos e controlados por eles mesmos;
d)Os direitos dos pais so violados, quando o Estado impe
um sistema de educao obrigatrio, no qual se exclui a educao
religiosa;
e)O direito primeiro dos pais de educarem seus filhos deve
ser garantido em todas as formas de colaborao entre pais,
professores e responsveis das escolas e, em particular, nas
formas de participao destinadas a conceder aos cidados um
papel no funcionamento das escolas e na formulao de aplicao
das polticas de educao;
f)
A famlia tem o direito de esperar dos meios de comunicao
social que sejam instrumentos positivos para a construo da
sociedade e defendam os valores fundamentais da famlia. Ao mesmo
tempo, a famlia tem o direito de ser protegida de modo adequado,
em particular em relao a seus membros mais jovens, dos efeitos
negativos ou dos ataques provindos dos mass-media.
ARTIGO
6
A
famlia tem o direito de existir e progredir como famlia.
a)Os poderes pblicos devem respeitar e promover a dignidade
prpria de cada famlia; sua legtima independncia,
intimidade, integridade e estabilidade;
b)O divrcio fere a prpria instituio do casamento e da
famlia;
c)
O sistema da famlia grande, onde existe, deve ser
estimado e ajudado para melhor perceber seu papel tradicional de
solidariedade e assistncia mtua, respeitando, ao mesmo tempo,
os direitos da famlia nuclear e a dignidade de cada um de seus
membros como pessoa.
ARTIGO
7
Cada
famlia tem o direito de viver livremente a vida religiosa em seu
lar, sob a proteo dos pais, bem como o direito de professar
publicamente e propagar sua f, de participar nos atos de culto
em pblico e nos programas de instruo religiosa, livremente
escolhidos, sem qualquer discriminao.
ARTIGO
8
A
famlia tem o direito de exercer sua funo social e poltica
na construo da
sociedade.
a)As famlias tm o direito de criar associaes com
outras famlias e instituies para exercer o papel prprio da
famlia de maneira adequada e eficiente, e para proteger os
direitos, promover o bem e representar os interesses da famlia;
b)No plano econmico, social, jurdico e cultural, o papel
legtimo das famlias e das associaes familiares deve ser
reconhecido na colaborao e no desenvolvimento dos programas
que tm repercusso na vida familiar.
ATIGO
9
As
famlias tm o direito de poder contar com uma poltica
familiar adequada por parte dos poderes pblicos nos domnios
jurdico, econmico, social e fiscal sem qualquer discriminao.
a)As famlias tm o direito de se beneficiar de condies
econmicas que lhes assegurem um nvel de vida conforme sua
dignidade e seu pleno desenvolvimento. No devem ser impedidas de
adquirir e possuir bens prprios que possam favorecer uma vida de
famlia estvel; as leis de sucesso e de transmisso de
propriedade devem respeitar as necessidades e os direitos dos
membros da famlia;
b)As famlias tm o direito de se beneficiar com medidas no
plano social que levem em considerao suas necessidades, em
particular no caso de falecimento prematuro de um dos pais, no
caso de abandono de um dos cnjuges, no caso de acidente, de doena
ou de invalidez, ou desemprego ou ainda, quando a famlia deve
arcar para seus membros com encargos suplementares relacionados
com a velhice, com as condies fsicas ou psquicas ou com
educao dos filhos;
c)
As pessoas idosas tm o direito de encontrar no seio de
sua prpria famlia, ou se isso no for possvel, nas instituies
adaptadas, a situao na qual elas possam viver sua velhice na
serenidade, exercendo atividades compatveis com sua idade e que
lhes permitam participar na vida social;
d)Os direitos e as necessidades da famlia e, em particular,
o valor da unidade familiar devem ser levados em considerao na
poltica e na legislao penal, de tal modo que um preso possa
ficar em contato com sua famlia e que esta receba um auxlio
conveniente durante o perodo de recluso.
ARTIGO
10
As
famlias tm direito uma ordem social e econmica na qual a
organizao do trabalho seja tal que torne possvel a seus
membros viverem juntos, e no coloquem obstculos unidade, ao
bem-estar, sade, e estabilidade da famlia, oferecendo
tambm a possibilidade de lazeres sadios.
a)A remunerao do trabalho deve ser suficiente para formar
e fazer viver dignamente uma famlia, seja atravs de um salrio
adaptado, chamado salrio-famlia, seja atravs de outras
medidas sociais como os abonos familiares ou a remunerao
do trabalho de um dos pais na prpria casa, essa deve ser tal que
a me de famlia no seja obrigada a trabalhar fora de casa,
com prejuzo da vida familiar e, em particular, da educao dos
filhos;
b)O trabalho da me, em casa, deve ser reconhecido e
respeitado pelo seu valor, pela famlia e pela sociedade.
ARTIGO
11
A
famlia tem direito a uma casa decente, adaptada vida familiar
e condizente com o nmero de seus membros, de tal maneira que
sejam assegurados os servios bsicos necessrios vida da
famlia e da coletividade.
ARTIGO
12
As
famlias dos imigrantes tm direito mesma proteo social
que a outorgada s outras famlias.
a)As famlias dos imigrantes tm direito ao respeito de sua
prpria cultura e ao apoio e assistncia necessria para sua
integrao na comunidade qual trazem sua contribuio;
b)Os trabalhadores emigrantes tm direito de poder estar com
sua famlia logo que lhes seja possvel;
c)
Os refugiados tm direito assistncia dos poderes pblicos
e das organizaes internacionais para facilitar o reagrupamento
de sua famlia.
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