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Promotoras Legais Populares 643yq

Um projeto de cidadania com sexo, raa/etnia, orientao sexual e classe social

Apresentao

Apresentamos aqui nosso trabalho: Promotoras Legais Populares: Um Projeto de Cidadania com Sexo, Raa/Etnia, Orientao Sexual e Classe Social.

fruto de um esforo conjunto do Instituto Brasileiro de Advocacia Pblica - IBAP e da Unio de Mulheres de So Paulo para desenvolver a cidadania e a igualdade de direitos.

A neutralidade da justia algo abstrato, incompatvel com a realidade econmica, social e poltica. As relaes de poder refletem uma situao cuja hegemonia androcntrica, branca, adulta, heterossexual e de grande concentrao do capital. E tudo isso se encontra to acomodado no interior da justia que se confunde com sua prpria atuao.

O o cidadania e suas conseqncias prticas exigem a incorporao de novos conceitos de igualdade e respeito onde as mulheres tenham tanta importncia quanto os homens no seu valor humano, social, poltico e econmico.

O nome Promotoras Legais Populares, adotado em nosso projeto e usado em diferentes pases, significa mulheres que trabalham a favor dos segmentos populares com legitimidade e justia no combate dirio discriminao. So aquelas que podem orientar, dar um conselho e promoverem a funo instrumental do Direito na vida do dia a dia das mulheres.

A proposta motora deste projeto so os cursos. Outras aes fazem parte do trabalho: acompanhamento de casos e da atuao prtica das promotoras legais populares, seminrios, debates complementares e o fortalecimento da campanha contra a impunidade.

um projeto que traz no seu bojo traos dos ideais de justia, democracia e dignidade, a defesa dos direitos humanos e a construo de relaes igualitrias e justas. Tem possibilitado a criao de novos espaos de unio e articulao que abrem caminhos e rompem barreiras contra a discriminao e a opresso.

Dada sua importncia e a constante busca de informaes a seu respeito que decidimos compartilhar com todas e todos as experincias acumuladas nestes quatro anos de trabalho.

Como surgiu a idia do Projeto das Promotoras Legais Populares?

Em maio de 1992, a Unio de Mulheres de So Paulo participou de um seminrio sobre os direitos da mulher promovido pelo CLADEM - Comit Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher.

Foi nessa ocasio, que pela primeira vez ouvimos falar dos cursos de "capacitao legal" das mulheres. Estes cursos j vinham se desenvolvendo h pelo menos uma dcada em alguns pases da Amrica Latina, como Peru, Argentina e Chile.

Gostamos da proposta. Isto porque ns militantes do movimento de mulheres j tnhamos participado das lutas por conquistas de leis, particularmente no processo constituinte. Chegava, ento, o momento de promover o conhecimento das leis e dos mecanismos jurdicos possveis de ar e viabilizar. Ouvindo os relatos de advogadas e ativistas que istravam estes cursos, vimos ser possvel capacitar as mulheres para a defesa dos seus direitos a partir do seu cotidiano e da sua comunidade.

Conversamos, ento, com o Grupo THMIS (RS), que tambm participou do Seminrio, para concretizar essa idia no Brasil. Logo em seguida, as advogadas do THMIS comearam a implantao deste trabalho em Porto Alegre. Neste mesmo ano de 92, foi aprovada no 1o. Encontro Nacional de Entidades Populares Contra a Violncia, a campanha "A Impunidade Cmplice da Violncia". Levantamos a bandeira da impunidade por termos vrios casos de crimes contra as mulheres onde os criminosos esto impunes. Em vrias oportunidades, buscamos debater sobre os mecanismos jurdicos para entender como funciona a justia. E pudemos compreender o quanto ela est submetida a um esteretipo de vtima e ru (r) que corresponde a uma ideologia patriarcal, onde os crimes contra a mulher so banalizados e considerados menores. No prprio desenvolvimento da campanha, ns , as ativistas, sentimos necessidade de conhecer os mecanismos de funcionamento do judicirio e da segurana pblica e de como acionar a aplicabilidade das leis e do Direito.

Em 1994, articulamos com o Centro de Estudos da Procuradoria do Estado de So Paulo e o Grupo THMIS para viabilizar a primeira experincia que se deu por meio de um seminrio denominado "Introduo ao Curso de Promotoras Legais Populares" de 60 horas de durao. Nessa oportunidade, os(as) professores(as) vinculados quele Centro de Estudos puderam trabalhar com 35 lideranas populares de entidades feministas e sindicatos.

Durante o segundo semestre de 94, formulamos ainda junto com o Centro de Estudos da Procuradoria do Estado de SP, uma proposta para que fosse realizado o primeiro curso de capacitao de promotoras legais populares. Mas quando, em 1995, houve mudanas polticas, com a posse do novo governo, no foi mais possvel viabilizar o acordo com aquele Centro de Estudos.

Felizmente encontramos, de imediato, o pleno apoio do Instituo Brasileiro de Advocacia Pblica que por sua vez mobilizou o Movimento do Ministrio Pblico Democrtico e a Associao dos Juzes Para a Democracia. Pudemos, ento realizar trs cursos anuais e as demais atividades correlatas. Estamos, neste momento, promovendo o 4 curso.

Nos dois primeiros, 50 mulheres se formaram promotoras legais populares com aulas tericas aos sbados e estgios e visitas s instituies durante a semana.

EDUCAR, EDUCANDO E SENDO EDUCADA(O)

O trabalho educativo parte da idia de que o processo de desenvolvimento do curso deve consolidar e fortalecer os grupos de mulheres autnomas ou de sindicatos, forjar uma opinio pblica, traduzir em aes concretas os caminhos para que o movimento de mulheres seja o protagonista de suas aes e da histria.

Visa tambm efetivar os direitos das mulheres , muitos deles j transformados em lei mas que no foram implantados.

A capacitao no s deve transmitir conhecimentos tericos e prticos sobre as leis , o direito e o aparato da justia como tambm desenvolver uma conscincia crtica dos contedos reacionrios, classistas e patriarcais. Da a necessidade de que o processo educacional se desenvolva de modo a interferir nos conhecimentos e atitudes de todas e todos participantes, sejam alunas, professoras e professores. preciso tambm garantir a transmisso e a aquisio de conhecimentos incorporando nova concepo das desigualdades de gnero e do Direito.

Objetivos de nosso trabalho

Os objetivos de nosso trabalho so os seguintes:

1 - Criar nas mulheres uma conscincia a respeito de seus direitos como pessoas e como mulheres de modo a transform-las em sujeitos de direito.

2 - Desenvolver uma conscincia crtica a respeito da legislao existente e dos mecanismos disponveis para aplic-la de maneira a combater o sexismo e o elitismo.

3 - Promover um processo de democratizao do conhecimento jurdico e legal em particular o que pertinente condio feminina e s relaes de gnero.

4 - Capacitar para o reconhecimento de direitos juridicamente assegurados, situaes em que ocorram violaes e dos mecanismos jurdicos de reparao.

5 - Criar condies para que as participantes possam orientar outras mulheres em defesa de seus direitos.

6 - Estimular as participantes para que multipliquem os conhecimentos conjuntamente produzidos, nos movimentos em que atuem.

7 -Possibilitar aos(as) educadores(as) que reflitam o ensino do direito sob uma perspectiva de gnero e de uma educao popular transformadora.

8 - Capacitar as participantes para que atuem na promoo e defesa de seus direitos junto ao Executivo, propondo e fiscalizando polticas pblicas voltadas para equidade de gnero e de combate ao racismo.

O contedo abrange a organizao do Estado , da Justia, introduo ao estudo do Direito, o conhecimento das normas e polticas de direitos humanos, o sistema de proteo internacional, direitos constitucionais, direitos reprodutivos, aborto e sade, direito de famlia, trabalho, previdencirio, penal, discriminao racial ( lei 8.081/90 ). Oferece ainda conhecimentos sobre a Conveno de Belm do Par para prevenir , combater e erradicar a violncia contra a mulher e uma reflexo sobre a Declarao e Programa de Ao de Beijing e sua implementao via as polticas pblicas.

O processo educativo visa suscitar problemas onde educadoras e educadores no so aquelas(es) que apenas educam mas que, enquanto educam so educadas(os) por meio de dilogos e outras tcnicas que permitem o crescimento de alunas e professoras(es).

A este contedo so acrescentados outros temas conforme o interesse do grupo de alunas, como direitos do consumidor (a), direitos da criana e do adolescente, direito terra, direitos das(os) portadoras(es) do vrus HIV (AIDS).

A Metodologia

As aulas so ministradas por profissionais de direito e em alguns temas acompanhados das reas da sade, social, comunicao e dos movimentos feminista e popular.

Tm uma dinmica estimuladora para que todas as participantes e professoras(es) construam atividades que favoream a aquisio de conhecimentos das leis, do direito e das polticas e servios pblicos e possam mudar suas atitudes frente s situaes do cotidiano.

Para isso so usados recursos educacionais como oficinas , apostilas, vdeos e debates.

Aps o curso, as participantes devero ter um acompanhamento supervisionado pelos profissionais e atividades de reciclagem para serem informadas das possveis mudanas nas leis ou nos servios.

Avaliando e Incrementando

No primeiro curso, em 1995, o interesse dos profissionais foi to grande que a cada aula apareciam muitos deles para falar sobre o mesmo tema. Sem dvida, isto causou uma sobrecarga ao grupo. Mas teve tambm seu lado positivo. Trouxe polmica e criou um ambiente propcio para discusses acaloradas que favoreceram o amadurecimento do projeto. No fim da primeira etapa foi feito um encontro para avaliar publicamente a experincia onde participaram outras entidades especialmente, o Themis e o Cfemea. Foram feitas crticas que tiveram como resultado o aprimoramento do curso. Foram colocadas as dificuldades de funcionar em horrio integral nos sbados. As alunas sentiram falta de um tratamento dos assuntos de maneira prtica que favorecessem mais diretamente na sua lida cotidiana.

Nem todas e todos professoras(es) envolvidas (os) no processo possuam uma viso crtica do Direito e alguns no davam a nfase necessria s questes jurdicas relevantes dos direitos das mulheres.

Muitos destes problemas apresentados foram resolvidos no 2o. curso, neste ano de 96.

As principais modificaes foram as seguintes: introduzir como primeira atividade do curso, um seminrio sobre "Justia, Leis e Relaes de Gnero" para todos(as) participantes. A organizao de cada aula terica est constituda de quatro partes: reviso da matria anterior, exerccios de reflexo e problematizao, uma oficina ou uma exposio sobre o tema do dia e a avaliao.

Os estgios e visitas ocorrem de preferncia durante o curso terico para que as dvidas possam ser dirimidas com as coordenadoras no prprio desenvolvimento das atividades.

O que pensam os que participam ou participaram do projeto?

As alunas e os/as professores/as preencheram ao final de cada curso um questionrio de avaliao. Eis aqui uma sntese de suas respostas.

As alunas:

  • Gostei muito. Me deu segurana e novas informaes de como prosseguir na luta contra a impunidade. Recuperei minhas foras e minha confiana no movimento e na sociedade.
    • Bom porque ficamos informadas dos nossos direitos jurdicos e de como acion-los para defender nossa cidadania.
    • Formidvel porque pude conhecer a Constituio Federal e a importncia que ela tem sobre nossos direitos e garantias.
    • Me ajudou a entender e conhecer as leis, a criar uma nova conscincia sobre os direitos das mulheres e conhecer e lidar com pessoas da rea da justia.
    • Importante porque nos deu uma noo de como agir nos momentos em que nossos direitos esto sendo violados.
    • timo porque oferece conhecimentos bsicos da cidadania e dos lugares(rgos governamentais e no governamentais) certos para defender nossos direitos.
    • Estou usando os novos conhecimentos adquiridos no local do meu trabalho e na faculdade onde estudo.
    • Estou orientando as pessoas em reunies da comunidade, na creche onde trabalho e com as mes que moram no mesmo prdio onde moro, explicando sobre algumas leis e encaminhando para os servios.
    • Estou orientando mulheres da 3a. idade num centro de convivncia e colocando em prtica os conhecimentos adquiridos em todas as oportunidades.
    • Estou atendendo mulheres envolvidas em situao de violncia domstica
    • Estou orientando por telefone na entidade onde trabalho.
    • Tenho notado que as pessoas que eu oriento , comeam a ver com um olhar mais crtico sobre seus direitos.
    • Todos os temas estudados foram importantes porque foram apresentados de maneira ampla, diversificada e ao mesmo tempo foram apresentados de forma interligados.
    • Direito de Famlia foi o que mais me ajudou no meu trabalho prtico.
    • Direitos Humanos, Questo de Gnero e o Feminismo so os temas que mais despertaram o meu interesse.
    • Direitos Reprodutivos, a Histria dos Direitos das Mulheres so os assuntos que me mostraram o quanto a humanidade ainda precisa evoluir.
    • Direito terra porque pela minha vivncia j pude perceber que a maioria das pessoas tem problemas com a moradia ou com a documentao legal de posse.
    • As(os) professoras(es) se esforaram por ser simples e bem prximas (os) de ns.
    • Usaram uma linguagem vel , atuaram de forma crtica e se mostraram bastante interessadas (os).
    • Elas (e Eles) tambm aprenderam bastante conosco.
    • Achei muito importante , porque alguns direitos que achvamos j possuir, no sabamos como defend-los, como exigir que fossem cumpridos, e aprendemos muitos outros que sequer conhecamos; isso permite que no dia a dia possamos exercer nossa cidadania e ajudar outras pessoas a serem cidads.

    Os / as professores / as

  • A cada ano que participo tenho um ganho talvez maior do que eu consiga dar s alunas tanto ao tomar ou retomar conhecimento de uma situao, quanto pelo carinho com que sou tratado.
    • o curso me proporcionou uma troca muito interessante. Ao falar do Direito para leigos e tentar responder as suas perguntas, descobrimos ou melhor aprendemos muito a respeito de como o Direito, de fato, vivido e entendido. No curso deste ano, por exemplo, eu pude entender como os Juizados de Pequenas Causas Criminais podem se transformar num tapete para baixo do qual a Justia vai varrer os casos de violncia domstica
    • Poucas vezes desde o meu ingresso na carreira do Ministrio Pblico, pude sentir-me til como nas ocasies em que participei do curso. Poucas vezes aprendi tanto a respeito da face mais concreta do Direito

    DEPOIMENTOS

    Maria de Ftima Miranda, 40 anos, nascida em Gonzaga, no norte de Minas e moradora da Favela Boa Esperana, na regio de Campo Limpo, foi uma das 29 mulheres que concluiu o 1o. curso. Ela falou assim sobre o projeto: "O curso me esclareceu muito e me fez conhecer pessoas que antes eu achava que era um bicho de 7 cabeas com juzes, promotores, procuradores e advogados. O importante do curso aprender a ir ao lugar certo, seja na polcia ou no judicirio, falar com a pessoa certa. Conhecer o que devem fazer juzes, promotores, delegados. Saber requisitar o documento adequado para cada situao. "

    Maria Ceclia dos Santos, estagiria da Unio de Mulheres de So Paulo e estudante de doutorado no Departamento de Sociologia da Universidade da Califrnia em Berkeley, Estados Unidos fez uma breve avaliao: "Considero-o extremamente importante no s para a formao de "promotoras legais populares", como tambm para a formao de promotores , juzes e procuradores. A meu ver, o curso inovador por seu potencial de transformar a sociedade e o Estado ao mesmo tempo. Transforma lideranas comunitrias, facilita-lhes o o ao conhecimento do Direito e dos profissionais que operam o Direito. Transforma igualmente tais operadores do Direito ao coloc-los em contato direto com lideranas que os foram a conhecer a falta de o justia por parte das comunidades populares."

    Marcos Ribeiro de Barros, procurador do Estado de So Paulo e um dos professores do curso : "O curso, dirigido a mulheres que exercem o papel de lideranas comunitrias, teve como principal objetivo transmitir noes de direito em suas diversas reas(famlia, trabalho, crime, consumidor, tributos, sindicalismo, habitao etc.). Assim essas lideranas podem atuar com mais firmeza em defesa de direitos junto ao Poder Judicirio e servios pblicos correlatos. Outro objetivo do curso o de criar condies para que as participantes possam disseminar os conhecimentos em suas respectivas comunidades , orientando outras mulheres atravs de conversas informais ou de cursos em sociedades de amigos de bairro e associaes. Se do lado dos homens de gravata as leis e a linguagem jurdica so instrumentos de manuteno de poder, do lado de quem visto to s como jurisdicionado, assistido, contribuinte , consumidor, istrado e outros rtulos impessoais, as leis , complexas e quase ininteligveis, so bicho-papo, coisa de meter medo. Levar o direito ao cidado, tornando-o simples como deve ser, nada mais do que fazer com que o direito cumpra sua verdadeira funo: tornar a vida das pessoas mais justa."

    Zuleika Alambert a paraninfa do curso deste ano, destacou: "Gostaria, no entanto, de acrescentar que , nossa meta de feministas prev, de um lado, a curto prazo a defesa imediata da mulher em todos os momentos em que seus direitos forem infligidos, em que sua cidadania estiver em jogo, mas de outro lado, a longo prazo, sonhamos em chegar a uma "Declarao dos Direitos Humanos" a partir de uma perspectiva de gnero. Todas vocs sabem que, tanto os instrumentos jurdicos nacionais como internacionais, geralmente, conceituam o homem como paradigma da humanidade. E que quando falamos em direitos humanos temos como referncia a parte masculina da populao, acrescida dos seguintes adjetivos: ocidental, heterossexual e de situao econmica independente. Sabemos que o paradigma masculino envolve questes importantes como a hegemonia patriarcal na linguagem oral, nas idias, nos valores, costumes e hbitos. E isto significa para ns a invisibilidade nos documentos internacionais em companhia de outros segmentos ou grupos sociais: indgenas, negras e negros, meninas e meninos, homossexuais e lsbicas, as/os bissexuais, as/os deficientes, as velhas e os velhos e assim por diante. Ora considerando que lutamos para que um dia se chegue ao conceito de humanidade como sntese de toda a populao mundial e de todos os excludos, temos em nosso caso de levar luta pelos direitos humanos nossa experincia de vida, incluindo nossos direitos especficos que possumos pelo fato de sentir, pensar, lutar, viver e sobreviver como mulher. Apoiada nestes princpios , vocs na qualidade de promotoras legais populares, podero sentir melhor a profundidade da violao dos direitos da mulher no cotidiano. Ainda hoje, neste final de sculo e s portas do 3o. milnio, a guerra contra as mulheres continua. Quotidianamente, as mulheres so desrespeitadas em suas diferenas que, sendo fsicas, transformam-se por fora da discriminao em diferenas sociais e culturais. E neste ponto que vocs, minhas afilhadas, entram em ao: no apenas para denunciar uma arbitrariedade cometida mas, tambm, para conscientizar as mulheres sobre as leis que as beneficiam e encontrar os caminhos para defesa de seus direitos."

    DESDOBRAMENTOS

    O projeto tem tido a vitalidade de criar novas propostas a partir de seu prprio desenvolvimento. Uma delas a assessoria jurdica e acompanhamento das promotoras legais populares. Temos colhido, registrado e selecionado casos e situaes que merecem um estudo especial dos profissionais de direito. O Instituto Brasileiro de Advocacia Pblica e as demais entidades que atuam junto neste projeto, tm oferecido seus prstimos para tratar dessa assessoria. A atuao prtica das promotoras legais populares exige conhecimentos de leis , locais, pessoas e tambm determinados procedimentos que no so possveis de serem transmitidos apenas durante as atividades do curso. E a forma que encontramos de suprir essa falta recorrendo equipe de professoras(es) que felizmente se colocaram disposio.

    Outra ao que surgiu em decorrncia deste trabalho a possibilidade de rever casos de impunidade aos assassinos de mulheres de maneira a garantir um canal de protesto contra a injustia. Escolhemos trs casos que esto minuciosamente estudados por uma comisso coordenada pela Procuradora do Estado Flvia Piovesan.

    Com as mudanas radicais que vem sofrendo o Estado brasileiro, que afetam diretamente as polticas e servios pblicos e que implicam em conseqncias na rea da Justia, torna-se necessrio um constante processo de reciclagem de conhecimentos.

    Com tantas reformas istrativas, legislativas e polticas anunciadas ou efetivadas por meio de mudanas da Constituio ou por medidas provisrias, impe-se aos profissionais de direito quanto s promotoras legais populares um estudo freqente capaz de reciclar informaes e procedimentos. Da a importncia de novos cursos, seminrios e debates sobre o direito e as polticas pblicas.

    Entidades de mulheres de Campinas/SP j implantaram implantar este projeto em suas cidades, contando com a coordenao tcnica do Instituto Brasileiro de Advocacia Pblica. Articulaes esto se desenvolvendo para a implantao do curso tambm em So Jos dos Campos/SP e Santos/SP.

    Algumas experincias recentes...

    1 - Visita ao Supremo Tribunal Federal (Braslia/DF).

    No dia 16 de outubro de 1996, 11 promotoras legais populares e mais duas mulheres de Braslia, Josira e Clara, fizeram uma visita ao Supremo Tribunal Federal e ao Cfemea ( Centro Feminista de Estudos e Assessoria). A idia de visitar o Tribunal foi sugerida por Marcos Ribeiro, procurador do Estado de So Paulo e um dos professores do curso.

    O Supremo Tribunal Federal um rgo do Poder Judicirio com sede na Capital Federal e jurisdio em todo o territrio nacional. Compe-se de onze ministros, "de notvel saber jurdico e reputao ilibada". (art.101 da Constituio Federal).

    Sua competncia, dentre outras, de processar e julgar a ao direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, o habeas corpus e mandado de segurana.

    Com essas informaes, as mulheres seguiram para Braslia a fim de visitar este rgo. Ao chegar a Capital Federal, tiveram uma recepo breve mais cheia de calor humano na casa de Maria Leda, amiga de Josira, irm de Maria Helena, uma das promotoras legais populares. L tomaram o banho e trocaram suas roupas. Almoaram e em seguida chegaram ao Supremo Tribunal Federal. E l tomaram conhecimento de que mulher no pode entrar l se tiver vestida com cala comprida. Metade do grupo estava de cala comprida. Com a ajuda de Clara , uma das anfitris, procuraram a direo istrativa que nada pde fazer uma vez que tal ordem vinha de um regimento interno.

    Falaram, ento, com o assessor do Presidente ( Ministro Seplveda Pertence) que ouviu os apelos e decidiu quebrar o protocolo. Foi pela primeira vez, num espao de 18 anos que mulheres trajando cala comprida entraram no plenrio de uma sesso daquele rgo.

    Ficaram por pouco tempo no plenrio devido ao impacto causado pelo uso das camisetas das promotoras legais populares. Os ministros se intimidaram com as camisetas j que os temas da pauta j sugeriam protestos: desapropriao de terras para fazer a reforma agrria e um mandado de segurana de iniciativa da UNE - Unio Nacional dos Estudantes - contra a exigncia do "provo" para aqueles que concluram determinados cursos.

    No caso das promotoras legais populares foi importante conhecer a fachada , o clima do plenrio, os ministros e at mesmo o absurdo da manuteno de proibies to extemporneas no regimento interno como a de no permitir a entrada de mulheres de cala comprida. Tal fato despertou ainda mais a conscincia crtica das mulheres que o viram como uma incapacidade daquele tribunal de reconhecer a realidade e portanto julgar luz das contradies sociais, econmicas e culturais de nossos dias, o que favorece a excluso de raa/etnia, de gnero e de classe social.

    As mulheres foram tambm ao CFemea onde foram recebidas de maneira carinhosa por toda a equipe e de maneira especial por Guacira, Marlene e Iris. Para aquelas 13 mulheres foi uma visita inesquecvel. que reafirmou o seu engajamento no processo de reconhecer e defender espaos e direitos.

    2 - Centro Maria Miguel - um espao de reconstruo da identidade ferida

    Em meados de setembro do ano de 1996 foi criado o Centro Maria Miguel de Atendimento Mulher por iniciativa da Associao de Mulheres da Zona Leste e da Coordenao de Mulheres. Localizado na Vila Jacu, em So Miguel Paulista, o centro tem como objetivo atender as mulheres em situao de violncia e promover a cidadania.

    O centro recebeu este nome, Maria Miguel, para fazer uma homenagem a uma militante da regio de 78 anos de idade, negra, valente e combativa que sempre lutou para conseguir justia, esperana e "tudo de bom que o povo merece" como ela prpria afirma.

    Mas o que queremos resgatar aqui de como nasceu a idia de criar este centro. Nasceu durante a realizao do 1 e 2 cursos de promotoras legais populares. Enquanto discutiam com os profissionais de direito, elas tomaram conscincia de que era possvel elas prprias fazerem um atendimento s mulheres. Onoris e Carime, que tambm se tornaram promotoras legais populares, disseram que o curso deu o "impulso necessrio para desenvolver a idia de fazer algo concreto."

    A parceria com os profissionais da rea da justia e do direito tornou-se vivel quando, durante o curso, foram apresentados os instrumentos jurdicos para defender a cidadania das mulheres.

    Essa iniciativa torna-se ainda mais valiosa pelo fato de ser na zona leste. uma regio grande com mulheres muito pobres ou de baixo poder aquisitivo. tambm uma regio carente de servios que atendam populao. So dois milhes e meio de habitantes que vivem em So Miguel Paulista, Itaim , Ermelino Matarazzo e Guaianazes. No Itaim Paulista , por exemplo, no existe sequer um Frum. A PAJ - Procuradoria de Assistncia Judiciria, de So Miguel s atende as pessoas que j foram triadas na Liberdade (bairro localizado no centro de So Paulo e est a uma distncia de mais ou menos 30 km). Essa situao constrangedora. Pior ainda para as mulheres. Os agressores, via de regra, continuam morando sob o mesmo teto. E mesmo quando as famlias so chefiadas pelas mulheres, o que no caso da Zona Leste, representa 30% das famlias, a violncia sexual e domstica praticada por homens, na grande maioria das vezes.

    A atuao das promotoras legais populares tem sido de triar e orientar as mulheres para defender sua cidadania. Elas incentivam as mulheres em situao de violncia a ir a luta em busca dos direitos e propiciam condies para que elas recuperem sua estrutura socio-emocional sob a tica de gnero.

    Este trabalho est sendo possvel graas a um convnio da Procuradoria Geral do Estado de So Paulo com a Associao de Mulheres da Zona Leste que efetiva o ree de uma verba mensal.

    POR QUE INSISTIR NA QUESTO DE GNERO?

    Quando falamos de gnero, queremos dizer que os homens e as mulheres tm sido impostos papis culturais e econmicos que os colocam em desigualdade nas relaes entre ambos e na participao social e poltica.

    Um conjunto de prticas, normas e valores morais e ideolgicos, historicamente elaborados, destinados a moldar os comportamentos masculino e feminino tm tido como resultado a discriminao das mulheres. Enquanto aos homens, so oferecidas condies para desenvolver tarefas de prestigio, criatividade e revestidas de poder, s mulheres so conferidas tarefas pouco reconhecidas socialmente como as de donas de casa, me, esposa. E mesmo nas atividades extra-domsticas, acabam exercendo, na maioria das vezes, profisses que nada mais so do que a extenso de suas atividades domsticas: professora, enfermeira, secretria, etc.

    Essa discriminao construda ao longo de sculos repercute em todas as reas da vida humana: nas cincias, nas artes, no trabalho, na famlia, nas instituies do Estado sejam o legislativo, o executivo e o judicirio.

    Tem sido reforada pelos preconceitos e esteretipos contra as mulheres que se culpabilizam sempre, mesmo quando no esto formalmente sendo julgadas.

    O direito e a justia, no caso das mulheres, via de regra, so freqentemente violados. quando os assassinos de mulheres so julgados comum ouvir-se comentrios a respeito do comportamento sexual da vtima. Ainda existe uma forte idia de que a honra de um homem estar gravemente ferida e ameaada por um suposto adultrio feminino.

    No Relatrio da America's Watch, "A Injustia Criminal x A violncia Contra a Mulher no Brasil", pgina 21, um advogado criminal, entrevistado em abril de 1991, diz que "se a lei aceita a legtima defesa da integridade fsica, pode-se entender tambm que o homem tem o direito de defender sua vida interior, embora isso no esteja legalmente previsto... Mesmo assim, se algum rouba a sua razo de viver (honra), isso vale mais do que a prpria vida." uma maneira de pensar que vem sendo construda h sculos e que se manifesta ainda na justia durante o julgamento de agressores e assassinos de mulheres.

    No Brasil, a lei colonial, em 1822, autorizava o marido a matar a mulher acusada de adultrio. O mesmo no era permitido para a mulher trada. Ainda hoje o adultrio considerado crime no Cdigo Penal. E, nos dias atuais, milhares de mulheres so assassinadas anualmente sob a acusao de adultrio.

    As mulheres eram consideradas incapazes no primeiro Cdigo Civil, em 1914. Em 1932, conseguiram o direito de voto. Em 1962, conquistaram o direito de trabalhar fora sem permisso do marido. A Constituio Federal de 1988 consagrou, finalmente, a igualdade de direitos, embora ainda no tenham sido reformados os Cdigos Civil e Penal.

    Implementar polticas pblicas que viabilizem a igualdade de direitos um assunto urgente. Impe-se mobilizar os diferentes setores do Estado e da sociedade para combater as desigualdades de gnero.

    Se, por um lado, temos criado um espao para que as mulheres em a conhecer o direito, as leis e a justia - ainda que muitos considerem estes assuntos de alcance apenas para especialistas - por outro lado, buscamos um dilogo com os profissionais de direito.

    Com isso queremos que as mulheres possam ser ouvidas em suas queixas onde a violncia, a impunidade e o autoritarismo marcam seu cotidiano.

    A proposta transformar essa situao em relaes de dignidade, justia e igualdade.

    Entidades que participam do Projeto Promotoras Legais Populares

    Coordenao Geral:

  • Instituto Brasileiro de Advocacia Pblica
  • Unio de Mulheres de So Paulo
  • Apoio:

      • AMZOL Associao de Mulheres da Zona Leste
      • Associao de Moradores do Jardim Boa Esperana
      • Associao Juizes para a Democracia
      • Associao de Moradores do Parque Veredas
      • Associao Piracema
      • Casa de Cultura da Mulher Negra
      • CECF/SP Conselho Estadual da Condio Feminina
      • CFEMEA
      • CLADEM Comit Latino-Americano dos Direitos da Mulher
      • Central de Movimentos Populares
      • Geleds Instituto da Mulher Negra
      • Movimento de Moradia
      • Movimento do Ministrio Pblico Democrtico
      • Movimento Nacional dos Direitos Humanos
      • Povo em Ao
      • Rede Nacional Feminista Contra a Violncia Sexual Domstica e Racial
      • Servio Mulher Marginalizada
      • SINDSEP - Sindicato dos Servidores Pblicos do Municpio de So Paulo
      • Sindicato dos Metrovirios de So Paulo
      • Sindicato dos Qumicos de So Paulo
      • SOF Sempre Viva Organizao Feminista
      • SOS Ao Mulher de Campinas
      • SOS Mulher de So Jos dos Campos
      • Themis.
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