FILOSOFIA
PRAGMTICA, PRAGMTICA SOCIOLGICA E DIREITOS
HUMANOS 6d4s3j
Ubiracy de Souza Braga* 193t4e
1 Pragmatismo e Verdade
Os
americanos ainda no criaram uma civilizao,
no sentido profundo e completo que atribumos
palavra civilizao. O que eles criaram uma
metrpole de fora (Discurso pronunciado em 17 de
janeiro de 2002, 11 ano ps-guerra do Golfo Prsico
iniciada por George Bush).
Saddam Hussein
Algumas circunstncias
levaram-me a redigir um texto sobre pragmatismo.
A primeira, vale lembrar, que no escrevo para
especialistas. Com os anos andos,
cada vez mais, com a institucionalizao da cincia, da filosofia, da sociologia etc., estes
falam do lugar que sua especialidade lhe valeu,
com jogos tticos de linguagem entre porta-vozes
e autoridades simblicas numa economia produtivista.
Conhecimento , para o pragmtico, como verdade,
simplesmente um elogio feito s crenas que pensam
estar bem justificadas. Ou seja, para o pragmatismo,
uma corrente filosfica que surgiu na segunda
metade do sculo 19, o conhecimento tem um carter
essencialmente prtico. O conhecer, nas suas mltiplas
formas, no tem a finalidade de chegar ao conhecimento
das verdades tericas, mas um processo de adaptao
ao ambiente, visando assegurar a sobrevivncia
do homem.
A segunda que o pragmatismo atravs do
relativo sucesso de Richard Rorty nos meios acadmicos
e a variedade dos assuntos que aborda, pode ser
visto como mais um terico da moda. Kant tem toda razo quando acha
melhor sermos tolos da moda do que ser contra
a moda mesmo que certamente continue sendo
uma tolice levar demasiado a srio as coisas
da moda. Para Lipovetsky (1989) nos ltimos cem
anos tudo se a como se o enigma da moda estivesse
grosso modo resolvido. Esse consenso de fundo
d lugar, conforme seus analistas, a nuanas interpretativas,
a leves desvios, mas, com poucas variantes, a
lgica inconstante da moda, assim como suas diversas
manifestaes, so invariavelmente explicadas
a partir da noo de estratificao social e das
estratgias mundanas de distino honorfica.
O que importa que para o autor,
A moda tornou-se um problema esvaziado
de paixes e de desafios tericos, um pseudoproblema
cujas respostas e razes so conhecidas previamente;
o reino caprichoso da fantasia s conseguiu provocar
a pobreza e a monotonia do conceito (Lipovetsky,
1989: 10).
Mais
do que isso, recolocada na imensa durao das
manifestaes de vida, para lembramos de Simmel
(para quem o conhecimento, entendido como resultado
sempre parcial de uma atividade interpretativa
do sujeito que conhece), preciso redinamizar,
inquietar novamente a pesquisa da moda, objeto
ftil, fugidio, o que poderia estimular ainda
mais a razo terica. Da que, a moda uma realidade
historicamente condicionada e caracterstica do
Ocidente e da prpria concepo de modernidade.
Nesse sentido,
a moda menos signo das ambies de classes
do que sada do mundo da tradio, um desses
espelhos onde se torna visvel aquilo que faz
nosso destino histrico mais singular: a negao
do poder imemorial do ado tradicional, a febre
moderna das novidades, a celebrao do presente
social (Id., ib.).
Alm disso,
moda esta inteno filosfica, porque abraa
temas que vo desde questes essenciais de filosofia
analtica, amadurecidos com exemplaridade em seu
A filosofia e o espelho da natureza (Philosophy and the Mirror of Nature, 1979)
defesa das democracias ocidentais, inclusive
com o homem diante da guerra e da morte. Tende
a ser avaliado pelos prprios especialistas como
um diletante que fala muito do que conhece pouco.
Como no registrar o desconforto das posies
assumidas por Rorty diante da chamada guerra
fria (economia de guerra) sem levar em conta
a destruio e morte que ela acarretou no Vietn,
na Amrica Latina, e ainda, posteriormente com
relao Bsnia e ao apoiar a invaso de Kosovo
pelas tropas americanas e seus aliados na Europa?
Da os mal-entendidos, mas que fazem parte dos
riscos assumidos por Rorty na defesa de sua concepo
da tarefa de filsofo.
Desnecessrio
dizer que Rorty tornou-se um dos mais estimulantes
pensadores da atualidade porque conseguiu imprimir
sua escrita a questo etnobiogrfica. Se verdade que para
os historiadores a histria
de vida tem seu fundamento no quadro da histria
oral, tambm verdade que alguns autores
apreendem outras denominaes para a histria
de vida como etnobiografia, porque do ponto de vista
da pesquisa, o contedo do material recolhido
reflete o tempo e o ambiente poltico e social do narrador. Isto importante
porque Rorty vincula seu neopragmatismo sociedade
e cultura americana. Para Lipset (1966, 1970),
a classe intelectual limitada a escritores e artistas
criadores, professores universitrios, funcionrios
pblicos da alta categoria e a advocacia que tem
sido a ocupao mais importante para aqueles que
possuem educao superior, colocam-se em antagonismo
poltico aos titulares do poder
e pode resultar tambm de algum senso de
frustrao por no haver lugar para eles na velha
sociedade. Ipso facto,
Seus novos valores no coincidem
com aqueles que os colocariam em posies destacadas
nas velhas hierarquias locais. Estes valores esto
contidos numa ideologia, e a ideologia que os
intelectuais perfilham a do populismo (...) A conseqente tenso entre os intelectuais
e as foras dominantes da nova nao pode representar
um esforo formulao de um adequado auto-retrato
nacional. Assim que todas as naes novas enfrentam
o problema de incorporar os seus intelectuais
aos seus sistemas de Governo(Lipset, 1966:87;94).
No artigo Trtsky
e as Orqudeas Selvagens, ele diz como aproximou-se
da filosofia, antecipando a originalidade de sua
posio etnobiogrfica no cenrio intelectual
de hoje. Ou seja, refletiu sobre como conciliar
a responsabilidade em relao aos demais seres
humanos e os sentimentos pessoais que nutrimos
pelas pessoas ou coisas que amamos. Para ele,
o que determina a escolha de um ponto de vista
sobre o sujeito e o mundo so os objetivos pragmticos visados e no a posse de uma
teoria fundada em exigncias lgicas ou achados
empricos incontestveis. Concluiu que no h
qualquer necessidade racional para que esses dois
plos coincidam. Rorty redescobriu, assim, o pragmatismo
filosfico da cultura norte-americana como epicentro
das democracias ocidentais e que ter uma forte
influncia no pensamento sociolgico da Escola
de Chicago, como veremos adiante.
Finalmente, o
que poderemos interpretar sobre este representante das representaes da modernidade
no mbito do pragmatismo da cultura americana?
Talvez, para lembrarmos do presente, o fato de
que o pragmatismo americano diante da invaso,
destruio e extermnio, com a nova guerra contra
o Iraque, serviu como baluarte para uma cultura que, relacionando
pragmatismo e verdade, pragmatismo e poltica
e pragmatismo e religio consagraram a mxima
de Weber sobre a utilizao dos fins: Na nossa
concepo, fim a representao de um resultado
que se converte em causa de uma ao (Weber,1982:99).
No h resposta satisfatria tanto para a filosofia
pragmtica quanto para a pragmtica sociolgica
vis--vis a argumentao weberiana. Esse
o suposto de nossa pesquisa.
Em assim sendo
Richard Rorty afirma que,
Mas no h nada de errado com a
democracia liberal, nem como os filsofos que
tentaram ampliar seus escopos. S h algo errado
com a tentativa de ver seus esforos como falhas
em alcanar algo que eles no estavam buscando
uma demonstrao da superioridade objetiva
de nosso modo de vida frente a todas as outras
alternativas. No h, em resumo nada de errado
com as esperanas do Iluminismo, as esperanas
que criaram as democracias ocidentais. O valor
dos ideais do Iluminismo, para ns, pragmticos,
justamente o valor de algumas instituies e
prticas que eles criaram (Rorty, 1997:51).
Assim, termos
como poder, interesse, dominao, realidade
material etc., so indispensveis anlise do
autor, pois verdadeiro aquilo que nos habituaram
a aceitar como verdadeiro, pela fora ou pela
persuaso dos costumes. Enfim, a anlise lingstica
daquilo que nos habilita a descrever o mundo de
uma forma ou de outra no exclui a anlise de
como fomos levados a crer na verdade de tal descrio. Para efeitos
da ao, s existem eventos sob descrio. E a
descrio preferida do intrprete ser a mais
adequada s suas convices ticas e no a mais
iluminada pela Razo.
Rorty insiste
na utopia pragmatista da verdade, em seu livro
Pragmatismo: a Filosofia da Criao e da Mudana,
dando continuidade a voga da filosofia norte-americana
por ele reconhecida. Ele um dos responsveis
por isso, tanto no papel de participante ativo
quanto no de propagador dessa linhagem que ele
prprio afirma, remonta a Emerson, James e Dewey,
entre outros.
Contudo, no livro
Objetivismo,
relativismo e verdade. Escritos Filosficos,
(Philosophical
Papers Objectivity, Relativism & Truth,
1995), ele adverte: o pragmatismo parece-me,
como eu disse, uma filosofia antes da solidariedade
que do desespero, (...) pois tm o desejo de
alcanar a maior concordncia intersubjetiva possvel,
o desejo de estender a referncia do pronome ns
to longe quanto possvel (...) Alm do que para
eles, o pragmtico, dominado pelo desejo por
solidariedade, s pode ser criticado por levar
sua prpria comunidade muito
a srio (...) o pragmtico no tem uma teoria
da verdade, muito menos uma teoria relativista
(Rorty, 1995:45 e ss).
2 - Pragmatismo
e Poltica
Eu assumo a responsabilidade por tomar a deciso,
a difcil deciso de formar uma coalizo para
remover Saddam Hussein, porque a inteligncia
no apenas a nossa inteligncia mas a inteligncia
deste grande pas [continuou Bush, se referindo
Blair e seu pas] (...) exps um argumento claro e irresistvel de
que Saddam Hussein era uma ameaa segurana
e paz. (George W. Bush, New York Times, 18.07.2003).
Com a guerra contra o Iraque, no Golfo
Prsico, quase esquecemos que a vitria eleitoral
de George W. Bush como presidente dos EUA deu-se
por deciso da Corte Suprema, que optou por cumprir
prazos em detrimento da recontagem dos votos num
condado da Flrida, estado cujo governador era
o irmo de Bush. Voto decisivo no colgio eleitoral
j que no nmero absoluto de votos Bush no sairia
vitorioso. Os prprios reclamos da imprensa norte-americana
foram atropelados pelo atentado terrorista de
11 de setembro s torres do World
Trade Center e, a partir de ento, Bush filho
comprometeu-se com a misso de vingar o pai que no conseguira
na outra Guerra do Golfo (1991) retirar Saddan
Hussein do poder, no Iraque.
Cercado de assessores fundamentalistas, comprometido tanto com
a indstria do petrleo quanto com a de armamentos,
George W. Bush, que escapara do servio militar,
agora vai guerra (2003) disposto a impor a sua
vontade, sobretudo aps o ataque ao povo afego,
a substituio de governo no Afeganisto e a insatisfatria
resposta a Osama Bin Laden, um ex-aliado, a quem
responsabilizara pelo ato de 11 de setembro de
2001.
Para ns, poltica regulao da existncia
coletiva, poder decisrio, luta entre interesses
contraditrios, disputa por posies de mundo,
confrontos mil entre foras sociais, violncia
em ltima anlise. S que a produo poltica
(os processos polticos) se diferenciam radicalmente
da produo econmica porque usa eventualmente
es materiais, tais como armas, livros, processos,
papis onde se inscrevem as ordens, os atos de
gesto, as sentenas ou as leis, mas no uma
produo material. Porque consiste em decises
imperativas.
Assim, tambm diferente da produo
simblica porque se exercita sobre o interesse
dos agentes sociais, quando no sobre o seu prprio
corpo; corresponde a atos de vontade que regulam
atividades coletivas; disciplina prticas sociais.
No produz mensagens, discursos; produz obedincias, obrigaes, submisses,
direitos, deveres, controles. Poder uma
relao social: de mando e obedincia. As decises
tomadas politicamente se impem a todos num dado
territrio ou numa dada unidade social. Convertem-se
em atividades coercitivas (esfera da segurana),
istrativas (esfera da istrao), jurdico-judicirias
(esfera da justia) e legislativas (esfera da
deliberao). Simplificadamente, processo poltico
diz respeito a pergunta: Quem pode o qu sobre
quem? Eis a grande questo do processo poltico,
do confronto entre foras sociais, da sujeio
de vontades a outras vontades (Srour,1987, im).
Mutatis mutandis, no bastassem os contornos de uma tragdia shakespeareana,
a aluso a mitologia grega procedente. Ela diz
que Hefestos, conforme determinao de Zeus, criou
sua primeira mulher dando a ela tudo o que de
melhor poderia dar. Nomeou-a Pandora. Entretanto,
Zeus deu a Pandora uma caixinha que continha todas
as possveis maldades do mundo com a expressa
ordem de zelar por ela e nunca abri-la. Em caso
contrrio, isso acarretaria toda a sorte de calamidades.
Incapaz de conter a sua curiosidade, Pandora abriu
a caixa libertando um inaudito sofrimento que
faz a humanidade sofrer at hoje. Pois esse
o caso: George W. Bush destampou a sua caixa de
Pandora (Cerqueira Filho e Neder, 2003).
Talvez
seja possvel itir com o homem diante da guerra
e da morte, no Golfo Prsico em 1991 (com o pai)
e 2003 (com o filho), a repetio de nomes: Bush
em ingls alude a bucha, como metfora
de guerra. E regies, marcadas como emblemas no
capitalismo globalizado, a recorrncia ao nome
do pai. E me-ptria, h dois sculos ao menos,
como representao da colonizao e a idia de
subservincia de povos.
Pai ainda, onde incide a violncia domstica
em uma complexa operao fsica fantasiada com
as drogas eletrnicas (armas inteligentes) e o
terrorismo de Estado. E psquica, (a internalizao
da lei) de ''fora (EUA) para dentro (Iraque)'',
com a configurao de ptrias degradadas. O Estado
de exceo tornou-se uma prtica freqente entre
as naes contemporneas, atingindo desde o 3
Reich at o USA Patriot Act.
O fracasso da busca por provas contundentes
de armas de destruio em massa, cuja existncia
assegurou o argumento em defesa da guerra contra
o Iraque, foi apoiada em documentos falsificados e fontes inconsistentes e sombrias, como
ficou confirmado com os escndalos tanto no Parlamento
ingls, onde foi solicitada a deposio do premier
Tony Blair [que respondeu em silncio], ou ainda,
sobre a culpa de acusao falsa contra o Iraque, da Casa
Branca e CIA, conforme o artigo publicado em El Pas intitulado Casa Branca e CIA
culpam-se mutuamente sobre acusao falsa contra
Iraque (12.07.2003). Alm disso, para usar a
noo de metrpole de fora, utilizada no discurso
de Saddam Hussein aps o massacre de 1991 no Golfo
Prsico causado pelo pai George Bush, de acordo
com o Financial
Times,
A derrubada do regime iraquiano retirou dali
um tirano sanguinrio e cruel que invadiu dois
pases vizinhos, empregou armas de destruio
em massa contra o Ir e seu prprio povo e causou
milhes de mortes. A queda de Saddam Hussein representa
o nico benefcio inquestionvel desta guerra
embora como afirmara ainda no ms de maio o
vice-secretrio de Defesa americano, Paul Wolfowitz,
no era uma razo para colocar em risco a vida
dos garotos americanos, ao menos na escala em
que colocamos (Financial Times, 16.07.2003).
O
Editorial do Financial
Times insiste na idia de que
argumentou, de modo consistente, que a melhor
alternativa para desarmar Hussein seria dar continuidade
s inspees determinadas pela resoluo 1441
do Conselho de Segurana da ONU. Ao interromper
prematuramente estas inspees, Bush e Blair debilitaram
o rgo internacional mais capacitado para conter
a proliferao de armas de destruio em massa
(Id., Ib.).
Ora,
se sociologicamente itimos anteriormente que
fim a representao de um resultado que se
converte em causa de uma ao, tal argumento
j teria sido justificado enquanto motivo para
a guerra. Um argumento sutil defendia que, existisse
ou no tal equipamento, Hussein pretendia adquirir armas de destruio
em massa. Noutras palavras, j estava sendo justificada
em termos preventivos e no em termos
de proteo. O jornal El
Pas itiu que seria ilusrio pensar que
no transmitiram essas dvidas Casa Branca nos
meses seguintes. De outra parte, que o secretrio
de estado Colin Powell foi mais perspicaz ou mais
cauteloso, mesmo defendendo W. Bush afirmando:
quando revisamos minha apresentao na ONU, uma
ou duas semanas depois do discurso do presidente,
achamos que no era mais adequado usar esse exemplo
(Id., Ib.).
Fora da idia de nacionalismo, a partir
da competio entre naes, foi o filsofo Simmel
quem chamou ateno para o fato de que, ''a luta
contra uma potncia estrangeira d ao grupo um
vivo sentimento de sua unidade'', e alm disso,
''um fato que se verifica quase sem exceo.
No h, por assim dizer, grupo - domstico, religioso,
econmico ou poltico - que possa ar sem esse
cimento''. Essa atividade intelectual, porque
psquica e de preparao psicolgica, quase exclusivamente
entre homens, pode representar com o homem diante
da guerra um crime contra a humanidade, individual
ou coletivamente com o intuito de destruir, total
ou parcialmente, um grupo nacional, tnico, racial,
militar, ou religioso.
Estamos diante do mito de banhos de sangue
que para a gramaticalidade do lingista Chomsky
(e Herman), a partir da guerra do Vietn, explica
porque se deve continuar a matar em grande escala.
Mas isso s foi possvel com a agem da produo
de massa e da economia de mercado para as sociedades
de conhecimento baseadas na informao e comunicao.
Com a generalizao dos conflitos aparentemente iniciados com os atentados
ao WTC e Pentgono, amplamente divulgados pela
mdia norte-americana e de resto na Europa,
refletimos noutra oportunidade, no propriamente
sobre a questo de uma nova
guerra no Afeganisto, mas sobre duas ou trs
noes correlatas que nestes dias "escapam" ao
gravssimo problema dos dispositivos discursivos
editados na e pela informao globalizada.
A
palavra terrorista,
em primeiro lugar, no pode, de certo, ter reconhecimento para o confronto de entidades
"terroristas de manuteno das tradies e sobre
ocupaes de terra", historicamente constitudo.
A maioria dos estudiosos erra quando considera
um ato "terrorista" isolado, praticado por um
grupo religioso fantico. E concordar
com a idia de que derrubar o WTC um ato de
guerra histrico equivalente ao que ocorreu
em Saravejo em 1914 , conforme entendemos, apressado.
Difcil concordar ainda, como alguns afirmam,
que em NY explodiu a primeira guerra da globalizao.
Nada!
NY construiu o que Marc Aug problematizou como
"ego ficcional". Isto , cmulo de um fascnio
que se aciona em toda relao exclusiva com a
imagem, porque um ego sem relaes (est un moi sans relations) e, por isso
mesmo, sem e identitrio, suscetvel de
absoro pelo mundo de imagens onde ele pensa
poder reencontrar-se e reconhecer-se. Slavoj Zizek
denominou-o de fantasia
paranica americana mxima, isto , um paraso
consumista,
onde um indivduo percebe um espetculo
encenado para convenc-lo de que ele vive em um
mundo real. Exemplo: O filme "Tempo Fora dos Eixos"
(Time Out of t).
Dias depois dos atentados de 11 de setembro
que, parado no drive
thru do McDonalds, na cidade de
Fortaleza, Brasil, nos deparamos com Vinny que a nossa filha Bianca de 2 anos
de idade brincava. Tratava-se de propaganda da
empresa, uma figurinha com a rubrica de Walt Disney
que divulga "Atlantis - O Reino Perdido (nos cinemas)".
Literalmente refere-se a : "Vinny. Nome: Vincenzo Santorini. Apelido: Vinny. Funo: especialista em demolies. Misso: explodir as coisas. Hobbies: fazer as coisas explodirem. Caractersticas: explosivo. Comentrio: 'Eu gosto apenas de explodir
as coisas'".
Na dcada de 1960, em segundo lugar, uma
cano de Dylan,
"Subterranean Homesick Blues", quando ela
diz: "No preciso um meteorologista para dizer
de que lado sopra o vento..." (You
don't need a Weatherman to Know which way
the wind blows...) inspirou um movimento da juventude
norte-americana que se propunha a destruir a sociedade
pela violncia.
O movimento surgiu como a faco militante dos
40 mil estudantes da Studentes Democratic Society (SDS). No
Congresso nacional do SDS em Chicago (1969) essa
faco tornou-se dominante e conseguiu expulsar
os marxistas no-violentos. Adotaram uma poltica
de violncia imediata com o nome Weathermen
e foram os autores de bombas atiradas em bancos,
tribunais, universidades etc.
Anlises importantes, todavia provisrias,
tm sido feitas a respeito, no caso dos Estados
Unidos. O primeiro talvez a chamar a ateno,
naquele momento, tenha sido o escritor Gore Vidal,
talvez melhor que os autores de Banhos
de Sangue (Bains
de sang constructifs dans le sang et la propagande,
1973) ainda que estes tenham demonstrado at que
ponto o governo dos Estados Unidos anteriormente
tenham se envolvido em crimes praticados na Guerra
do Vietn.
Vidal divulgou em El
Pas (Madri) parte do contedo das cartas-correspondncias que mantinha com
o terrorista norte-americano Timothy, pouco antes
da violncia letal atribuda ao Estado. Dizia
ele,- contra o terror de Estado, - que melhor
teria ocorrido ao terrorista explodir bombas para
efeito
simblico de destruio de prdios, sem vtimas,
p. ex., o prprio Pentgono.
No que se refere especificamente ao confronto
contra os afegos e a utilizao de imagens, como
sabemos, o Coro probe a reproduo
de figuras humanas e sagradas. Para os fundamentalistas,
a interdio, feita h 1.300 anos, vale para fotos
e imagens transmitidas pela TV. Porque querem
preservar, a todo custo, o que construram: as regras e normas do islamismo professado
por Maom.
Embora o pas tenha sido devastado nos
ltimos 200 anos por uma dezena de conflitos,
trs guerras contra a Inglaterra at sua independncia
em 1919, um golpe de estado que derrubou o rei
em 1973, e ainda,
em 1979 a ento URSS - Unio das Repblicas
Socialistas Soviticas, devastou o pas permanecendo
em guerra por dez anos. Quando estes foram expulsos,
assumiu o poder a milcia islmica Taliban, que significa estudante, no dialeto
pashto,
a segunda lngua da regio. O grupo foi criado
em 1994 por um movimento estudantil radical. O
imprio americano realizou uma "guerra longa"
contra o Afeganisto como anunciaram pela mdia.
No caso do Iraque, nestes dias e em termos de
submisso das vontades, a guerra foi considerada
rpida na contabilidade americana porque culminou
com a morte de dez mil militares, aproximadamente
trs mil civis e dezesseis jornalistas em pouco
mais de vinte dias.
Da a terceira questo e breve, que diz
respeito a duas definies weberianas entrelaadas ao esprito do capitalismo. Todavia trata-se
apenas de uma intuio. Weber em 1904/05 afirmava
o seguinte: "Ningum sabe ainda a quem caber
no futuro viver nessa priso [o capitalismo vencedor] ou se,
no fim desse tremendo desenvolvimento, no surgiro
profetas inteiramente novos, ou um vigoroso
renascimento de velhos pensamentos e idias, ou
ainda se nenhuma dessas duas - a eventualidade
de uma petrificao mecanizada caracterizada por
esta convulsora espcie de auto-justificao"
(sich-wichtig nehmen).
O fato que estes ltimos homens poderiam
ser designados de acordo com Weber, como "especialistas
sem esprito, sensualistas sem corao, nulidades
que imaginam ter atingido um nvel de civilizao
nunca antes alcanado". E em contraposio, o
carisma, que particularmente refere-se
a faculdades mgicas, revelaes ou herosmo,
poder intelectual ou de oratria. O sempre novo,
o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento
emotivo que provocam constituem a fonte da devoo
pessoal. Representam eles a dominao do profeta,
do heri guerreiro e do grande demagogo. uma
relao social especificamente extracotidiana
e puramente pessoal. O pressuposto indispensvel
para isso "fazer-se acreditar". Se "lhe falha
o xito, seu domnio oscila".
A impresso que temos diante da mdia norte-americana e de resto na Europa,
para no falarmos no Brasil, quanto ao nome de
bin Laden [bin em letra minscula significa
"filho de"] que, como justificativa para o fim
da economia de guerra - ou a chamada "guerra
fria", os conflitos mundiais perderam sua matriz
poltico-ideolgica e ganharam desde a guerra
contra o Golfo Prsico (1991) mediaes culturais
e religiosas, de "suposta" rivalidade entre emblemas
como Ocidente e Oriente, entre cristos, judeus
e islmicos. Ele assim [bin Laden] a a ser
o que Weber intuiu: "no surgiro profetas
inteiramente novos?".
Finalmente, repetimos, ainda um exemplo
sobre o gravssimo problema dos dispositivos discursivos editados na e
pela informao
globalizada. A pergunta , para lembrarmos de
Michel Foucault (1984a, 1984b): Que saber se
forma a partir da?. Posto que no se trata de
determinar se essas produes discursivas e
esses efeitos de poder levam a formular a verdade,
ou, ao contrrio, mentiras destinadas a ocult-lo,
mas revelar a vontade de saber que lhe serve
ao mesmo tempo de e e instrumento, quando
interessa-nos levar em considerao, quem fala,
os lugares e os pontos de vista de que se fala,
as instituies que incitam a faz-lo, que armazenam
e difundem o que se diz, em suma o fato discursivo
global.
Mark Bowden, que dispensa apresentao
sobre sua imerso jornalstica no iderio europeu
e americano um tpico exemplo. No artigo, Mil
e uma histrias que traam o perfil de Saddam
Hussein, nitidamente inspirado em As Mil e Uma
Noites (Las Mil y Una Noches, 1985), particularmente
no conto A Histria do rei Schahriar e de seu
irmo o rei Schahzmn (Historia
del rey Schahriar y de su hermano el rey Schahzmn),
ele endossa tudo que o jornalismo mundial faz
enquanto capital da notcia, modalidade que
Marcondes Filho (1986) explica a notcia como
mercadoria, como veculo ideolgico e como
agente poltico. Ele fantasia a narrativa a partir
de uma idia de profeta e tirano rabe com origens
humildes. Citaremos alguns trechos, com breves
comentrios.
Para
o articulista, Saddam Hussein, o Ungido, o glorioso
lder, descendente direto do profeta presidente
do Iraque, presidente de seu Conselho da Revoluo,
marechal de seus exrcitos, doutor de suas leis
e Grande Tio de seu povo, costuma acordar por
volta das 3h da manh. Ele nunca dorme mais do
que quatro ou cinco horas por noite, mas ele
tem 65 anos, mas ningum pode ver que ele est
envelhecendo: o seu poder baseia-se no medo, no
no afeto.
Saddam
um tirano
[que] no pode se mostrar curvado, frgil, grisalho
(...) Quando ele precisa fazer um discurso, os seus conselheiros
lhe fornecem um texto com letras enormes
(...) O seu problema nas costas o faz mancar ligeiramente;
por isso, ele evita ser visto ou filmado andando. Ele tem longos braos e mos grossas e
fortes. No Iraque, o tamanho de um homem ainda
importante, e Saddam impressiona. Com 1 m88,
ele domina os seus conselheiros. O seu peso varia
entre 95 e 100 quilos.
Como presidente vitalcio, a todos
os dias longas horas em um de seus escritrios,
alternadamente, acompanhado por seus agentes de
segurana.
Saddam l com voracidade e se interessa
por muitos assuntos. Entre outros, ele nutre uma
paixo pela histria do mundo rabe e a histria
militar, embora,
recorra a ghosts writers para alimentar
um fluxo ininterrupto de discursos, artigos, livros
de histria de filosofia; a sua obra tambm comporta
livros de fico. Mas ele parece ter escrito
e publicado duas fbulas romnticas (...) antes
de publicar os seus livros, Saddam os distribui
discretamente para escritores profissionais iraquianos,
e pede seus comentrios e sugestes. Ningum ousa
ser sincero.
De
acordo com o articulista, o que quer Saddam? Deseja
acima de tudo ser irado, reverenciado e ficar
para a histria. Afirma ele que,
a sua biografia oficial em 19 volumes
uma leitura obrigatria para os funcionrios
iraquianos; Saddam tambm encomendou um filme
de seis horas sobre a sua vida, intitulado Os
Longos Dias e dirigido por Terence Young, mais
conhecido por ter sido o diretor de trs filmes
de James Bond.
Saddam disse sua bigrafa que ele no
se interessava por aquilo que pensam dele, e sim
apenas o que pensariam dele dentro de 500 anos.
A busca tenaz e sangrenta de Saddam pelo poder
parece ter por nica origem a vaidade (sic).
Finalmente,
Mark Bowden, patina em dois argumentos preconceituosos,
mas tambm pragmticos para um certo jornalismo,
com base em alguns historiadores europeus e americanos:
Apesar de se
extasiar com a rica histria da Arbia, Saddam
reconhece a superioridade do mundo ocidental em
dois campos. O primeiro a tecnologia do armamento
(da os seus esforos incansveis para importar
material militar avanado e para desenvolver armas
de destruio macia). O segundo a arte de tomar
e de manter o poder. Ele se tornou irador de
um dos dirigentes mais tirnicos da histria:
Joseph Stalin (sic).
3 - Pragmatismo e Religio
A misria religiosa , ao mesmo tempo, a expresso
da misria real e o protesto contra a misria
real. A religio o suspiro da criatura oprimida,
o sentimento de um mundo sem corao, assim como
o esprito de uma condio sem esprito. Ela
o pio do povo. (Karl Marx)
Entendidas
algumas idias gerais sobre pragmatismo e verdade
e pragmatismo e poltica , emos agora, mesmo
que provisoriamente, ao exame da relao pragmatismo e religio
tomando como referncia as expresses: guerra
limpa; guerra tecnolgica, guerra justa;
guerra contra infiis, entre outros.
Os
episdios de 11 de setembro em Nova Iorque recolocaram
em pauta o conceito de guerra justa, pragmaticamente pensado como auto-defesa. Diante da ineficcia simblica,
da idia de guerra limpa, guerra tecnolgica,
onde no haveria mais banhos de sangue a ser
exibido, nem combate corpo a corpo. Em verdade
este conceito foi elaborado pela cristandade ocidental no sculo XII, a
partir da expanso da sociedade europia ocidental
atravs das lutas contra os hereges, das investidas
das cruzadas e da criao da Inquisio. De modo
que, estamos
diante de um embate ideolgico travado no interior
da teologia poltica ocidental que percorreu vrios
sculos (Cerqueira Filho e Neder, 2003).
A
idia de guerra justa, lembram os autores, tambm
pode ser itida como guerra contra os infiis,
erigida a partir do expansionismo da igreja romana,
catlica, no qual as cruzadas condensam toda a
sua magnitude. Situa-se neste enquadramento ideolgico
a expanso martima e colonial da cristandade
europia para a Amrica, sia e frica, a partir
do sculo XVI, num quadro onde a escravido
e o trfico de escravos de africanos e
indgenas no devem ser esquecidos.
Para os que nos interessa, a idia de
guerra justa implicou, como implica ainda, ser
uma absolvio moral da guerra e daqueles que
a decidem e praticam (Id., Ib.). Mas decidem,
em primeiro lugar, porque a guerra hoje vista
pelo ''espelho emocional das sociedades''. A televiso
amplifica a personalizao exacerbada dos comportamentos.
E para um lder poltico, o virtual permite mostrar
um tipo particular de proteo: a imunidade miditica.
E em segundo lugar porque o ''novo imprio'',
uma empresa plutocrtica que exerce poder simblico
sobre a sociedade civil mundial e prope-se a
istrar e hierarquizar as diferenas numa
economia geral de comando.
Da que a radicalizao
poltica ocorre de forma mais aguda na dcada
de 1990. Os fatores que contriburam para tal
fato foram, o fim da poltica internacional de
equilbrio entre blocos, representado, no plano
simblico, pela queda do Muro de Berlim, que havia
garantido, bem ou mal, que os conflitos permanecessem
confinados em fronteiras imaginrias, ou seja,
para que a guerra imperialista fosse percebida
como localizada. Assim, a velocidade com que
ocorreu o desmantelamento do bloco socialista
deveu-se a uma conjuno de variveis desfavorveis
articulao de um novo equilbrio.
Estas variveis desfavorveis
representaram, de acordo com Cerqueira Filho e
Neder (2003) de um lado, os governos republicanos
nos EUA (Reagan e Bush, pai meados da dcada
de 1980/meados dos 90). Estes governos desancaram
a voracidade expansionista e o exclusivismo do
imprio, impedindo, inclusive a formao da
Comunidade de Estados Independentes (CEI) na antiga
URSS, ento proposta por M. Gorbachev. Com receio
dos partidos comunistas do Iraque e do Ir, por
exemplo, que eram organizaes polticas fortes
at o incio do processo de distenso poltica
na regio, apoiaram (militarmente) foras polticas
ligadas a grupos fundamentalistas islmicos, at
ento minoritrios em vrios pases asiticos
(dentre eles o Ir e o Iraque).
De outro lado:
a eleio de Joo Paulo II como papa polons da
Igreja Romana deu uma guinada direita na insero
poltica da cristandade ocidental e interferiu
diretamente na velocidade do desmantelamento do
bloco socialista na Europa oriental (a partir
da Polnia), dificultando uma repactuao poltica
em termos internacionais. Todavia, foi muito mais
fraco o tom, para no falar em omisso, do Papado
Romano na condenao moral das carnificinas entre
cristos greco-ortodoxos e muulmanos nos Blcs.
Mesmo no conflito palestino-israelense a omisso
ronda a presena do Vaticano. Tambm na Amrica
Latina, os efeitos desta guinada fizeram-se presentes,
atravs do esvaziamento poltico da teologia da
libertao, com desdobramentos significativos,
sendo o caso da Nicargua o mais emblemtico (Cerqueira F e Neder, 2003).
Estes episdios repetimos, demonstram
porque o genocdio, a vitimizao de civis (seja
pela guerra convencional, seja pela guerra de
guerrilha ou pelo terrorismo), e a tortura, comearam
a ganhar a condenao moral da sociedade civil
internacional, que vem progressivamente reclamando,
no tempo presente, por um Tribunal Penal Internacional. Porque tem
sido importante declarar direitos universais que
devem ultraar as barreiras dos Estados constitudos.
E alm disso, retomar o processo de elaborao
do conceito de dignidade
humana e dos direitos fundamentais que se
constituem como sua garantia, como condio para
a consolidao de uma vida estvel e digna de
ser vivida em todo o planeta.
4 Pragmatismo e Sociedade
Pelo que sei , s Comte sabia o
que ele ia fazer durante todo o resto da vida.
Florestan Fernandes
(1978:3).
Conquanto saibamos que as questes referentes
vida social e aos produtos culturais da atividade
humana permeiam as cincias sociais e as humanidades
em geral, no podemos concordar com Giddens e
Turner (1999) quando afirmam: no consideramos
a teoria social propriedade de nenhuma disciplina.
Ao contrrio, entendemos que toda teoria social
propriedade de uma disciplina. Por qu? Uma
disciplina pode ser definida como uma
categoria que organiza o conhecimento cientfico
e que institui nesse conhecimento a diviso e
a especializao do trabalho respondendo diversidade
de domnios que as cincias recobrem. Apesar de
estar englobada num conjunto cientfico mais vasto,
uma disciplina tende naturalmente autonomia
pela delimitao de suas fronteiras, pela linguagem
que instaura, pelas tcnicas que levada a elaborar
ou a utilizar e, eventualmente, pelas teorias
que lhe so prprias.
A organizao disciplinar instituiu-se
no sculo 19, principalmente com a formao das
universidades modernas e, depois, se desenvolveu
no sculo 20, com o progresso da pesquisa cientfica.
Isto significa que as disciplinas tm uma histria:
nascimento, institucionalizao, evoluo,
decadncia. Esta histria inscreve-se na da
Universidade que, por sua vez, inscreve-se na
histria da sociedade. Portanto, o estudo da disciplinaridade,
da organizao da cincia em disciplinas, decorrente
da sociologia das cincias, da sociologia do conhecimento, de uma
reflexo interna em cada disciplina e, tambm, de um conhecimento extremo.
Ipso facto
a
sociologia do conhecimento pretende identificar
os nexos que existem entre as dimenses racional
e histrica do conhecimento, e os sujeitos individuais
e coletivos junto com os elementos culturais de
contedo cognitivo predominante, tais como se
processam em prticas e saberes sociais constitudos
no mbito das cincias naturais e sociais, doutrinas,
crenas, explicaes racionais etc., que foram
elaboradas e
expressas pelos mesmos sujeitos. A sociologia
do conhecimento, portanto, tem por objetivo estudar
a gnese social do saber,
distinguindo dois conceitos epistmicos que, embora
a linguagem cotidiana no se aperceba manifestam
sentidos diversos como saber ter por verdadeiro, e conhecer -, como representao de uma
convivncia do falante com aquilo que fala,
analisando as relaes que ocorrem entre as estruturas
da sociedade e as formas de conhecimento, como
tambm tentar demonstrar analiticamente o modo
como tais formas se influenciam reciprocamente.
No basta situar-se como analista social no interior
de uma disciplina para conhecer os problemas
que lhe so concernentes. Assim, o leitor que
busca consenso quanto natureza e os objetivos
de quaisquer teorias sociais no se sentir desapontado.
S depois do golpe militar desencadeado pela interveno
norte-americana no Chile, tendo como prcer o
general Haig, com a destruio da Casa de La Moeda e a deposio de Allende em
1973, que o socilogo Alain Touraine escreveu
posteriormente em Pour la Sociologie (1974)
sobre a exigncia principal do conhecimento sociolgico:
o reconhecimento de que o sentido da ao no
jamais dado inteiramente pela conscincia do
ator, lembrando que o conhecimento no prepara
a ordem de amanh.
Isto importante na medida em que o pragmatismo enquanto uma filosofia da
ao serviu como fonte filosfica da Escola de
Chicago. E do ponto de vista da teoria sociolgica,
o real significado do interacionismo simblico
e sua fecundidade terica s podem ser compreendidos
quando contrastados com a velha Escola de Chicago,
a quem do continuidade. O interacionismo simblico
visto como a continuao de certas partes do
pensamento e obra do heterogneo grupo interdisciplinar
de tericos da Universidade de Chicago que exerceram
certa influncia na sociologia americana entre
1890 e 1940, durante a fase de institucionalizao
propriamente dita da disciplina.
De acordo com Joas,
A dificuldade maior reside no fato de a Escola
de Chicago que pode ser descrita como combinao
de uma filosofia pragmtica, de uma orientao
poltica reformista para as possibilidades da
democracia num quadro de rpida industrializao
e urbanizao, e dos esforos para transformar
a sociologia numa cincia emprica, sem deixar
de atribuir grande importncia s fontes pr-cientficas
do conhecimento experimental ser apenas uma
relao parcial, do ponto de vista terico, das
possibilidades inerentes filosofia social do pragmatismo
(Joas, 1999:131).
Mas,
o nome dessa linha de pesquisa sociolgica e sociopsicolgica foi cunhado em 1938
por Herbert Blumer. Seu escopo so os processos
de interao ao social caracterizada por uma
orientao imediatamente recproca -, ao o
que o exame desses processos se baseia num conceito
especfico de interao que privilegia o carter
simblico da ao social.
O pragmatismo
desenvolveu o conceito de ao, por que uma
filosofia da ao, mas no como Talcott Parsons,
e, pelo menos segundo a interpretao que este
lhe deu, ou os pensadores clssicos em sociologia
considerando aqui Marx, Durkheim, Weber e Simmel
no quadro do utilitarismo. Decerto, o pragmatismo
no se mostra menos crtico em relao ao utilitarismo
do que os clssicos em sociologia.
Todavia, no
ataca o utilitarismo devido ao problema da ao
e da ordem social, mas por causa do problema da
ao e da conscincia, j que no plano da teoria,
se que podemos pensar assim, a teoria pragmtica
da ordem social , pois, orientada pela concepo
do controle social no sentido de auto-regulao
e soluo de problemas coletivos. Essa concepo
da ordem social moldada por idias sobre democracia
e estrutura de comunicao nas comunidades cientficas.
Rorty foi quem melhor percebeu isso. A real importncia
desse tipo de ordem social, nas modernas sociedades,
suscita um dos principais problemas da filosofia
poltica pragmtica e da sociologia baseada nessa
filosofia.
O
conceito de ao
desenvolvido pelo pragmatismo emerge a partir
da idia de superar os dualismo cartesianos. Ou
seja, resumidamente, os pragmticos pem em dvida
o sentido da dvida cartesiana. Melhor dizendo,
nada mais do que a defesa de autoridades inquestionveis
contra a reivindicao emancipatria do eu pensante.
portanto, um pleito em defesa da verdadeira
dvida, em defesa do enraizamento da cognio
em situaes
concretas. A noo central cartesiana do eu solitrio
que duvida sucumbe, conforme Joas, idia de
uma busca coletiva da verdade para solucionar
os problemas reais encontrados no curso da ao.
Poder-se-ia atribuir a essa transformao o mesmo
significado histrico concedido filosofia de
Descartes. O que muda, para esta concepo toda
relao entre cognio e realidade. O conceito
de verdade j no expressa a correta representao
da realidade na cognio, que pode ser considerada
uma espcie de metfora de uma cpia; expressa,
antes, um aumento do poder de agir em relao
a um ambiente.
Isto
quer dizer que, todas as etapas da cognio, da
percepo sensorial, atravs da extrao lgica
de concluses at a auto-reflexo, devem ser agora
concebidas de outra maneira. Charles Pierce encetou
esse programa. William James que parece ter influenciado
Simmel com suas teorias, aplicou-o a um bom nmero
de problemas, principalmente de natureza religiosa
ou existencial. Movido pelo desejo de mostrar
a impossibilidade de encontrar solues universalmente
vlidas para esses problemas, James estreitou,
e portanto debilitou de um modo decisivo, a idia
bsica do pragmatismo. Contrariamente a Pierce,
formulou o critrio de verdade em termos dos resultados
realmente obtidos, no dos resultados esperados.
Em sua psicologia, James no considerou a ao
como ponto de partida, mas o puro fluxo da experincia
consciente. Formulou, entretanto, anlises extraordinariamente
profundas e intrigantes que mostravam a seletividade
da percepo e a distribuio da ateno como
funo dos objetivos do sujeito.
Contudo,
a influncia decisiva do pragmatismo na sociologia
comeou com John Dewey e George Herbert Mead que
ando inicialmente pelos contorno de uma psicologia
funcionalista, pretendia interpretar todos os
processos e operaes psquicas no apenas as
cognitivas segundo sua eficcia para a soluo
dos problemas encontrados pelas pessoas no curso
da conduta. Tal empresa significava a rejeio das
abordagens epistemolgicas ditas tradicionais,
utilizadas na interpretao dos fenmenos psquicos,
e uma crtica a todas as psicologias que, em maior
ou menor grau, acatam tais posturas filosficas.
A crtica de Dewey e Mead, volta-se sobretudo
contra as teorias que reduzem
a ao a uma conduta determinada pelo meio.
Entretanto, o modelo de ao utilizado nessa crtica
revela tambm a modificao do significado da
intencionalidade em comparao com as teorias
que vem a ao como a concretizao de fins
predeterminados. Para Joas,
no pragmatismo, justamente porque ele considera
todas as operaes psquicas luz de sua eficcia
para a ao, impossvel sustentar que a determinao
de um fim seja um ato consciente per se, que ocorre
fora dos contextos da ao. Ao contrrio, a determinao
de um fim s pode ser o resultado de ponderaes
sobre as resistncias que uma conduta variamente
orientada em diversas
direes encontra. Ao ser impossvel acompanhar
simultaneamente todos os impulsos ou compulses
que levam ao, ocorrer um motivo dominante
que, como se fora um fim, sufocar os demais ou
lhes conceder eficcia apenas num grau subordinado
(Joas, 1999:136).
A
crtica de que esse modelo reduz o conceito de
ao de um modo instrumentalista ou ativista perdeu
sua plausibilidade, graas ao interesse que
Dewey e Mead tinham pelas brincadeiras infantis,
no s porque queriam promover uma reforma educacional,
mas tambm porque as brincadeiras lhes serviam
como modelo de uma ao sujeita a um mnimo de
obstculos para sua realizao. Para Dewey, o
pragmatismo era nada menos que uma maneira de
criticar aqueles aspectos da vida americana que
tornam a ao um fim em si mesmo e tm dos fins
uma viso muito estreita e muito prtica. Ou
seja, somente na ao a imediaticidade qualitativa
do mundo e de ns mesmos nos revelada.
Mas
a objeo principal para ns, diz respeito ao
desenvolvimento das idias de Dewey e Mead, reiteradas
por Joas em comparao com a abordagem utilitarista,
quando afirma:
a teoria pragmtica da ao inaugura novos
campos de fenmenos e, ao mesmo tempo, torna necessrio
repensar os campos conhecidos e os faz de um
modo que no encontra precedentes na crtica feita
pelos pensadores da sociologia clssica ao utilitarismo
(Joas, 1999:137).
O
prprio Giddens reviu este aspecto posteriormente
com o sugestivo ttulo de seu livro Poltica,
Sociologia e Teoria Social: Encontros com o Pensamento
Social Clssico (Politics,
Sociology and Social Theory. Encounters with Classical
and Contemporary Social Thought, 1995) quando
afirma no
captulo A Sociologia Poltica de Durkheim:
...Durkheim no estava, como freqentemente
se afirma, preocupado acima de tudo com a natureza
da anomia, mas antes com a explorao da complexa
inter-relao entre as trs dimenses da anomia,
egoismo e individualismo. A diviso do trabalho
social constituiu
o pensamento de Durkheim a esse respeito,
e ele no se desviou posteriormente da posio
defendida naquela obra, embora no tenha elaborado
completamente algumas de suas implicaes seno
bem mais tarde. A concluso substancialmente mais
importante a que chegou Durkheim em A diviso
do trabalho social foi a de que a solidariedade
orgnica pressupe um individualismo moral: em
outras palavras, que errado contrastar uma
sociedade que vem de uma comunidade de crenas
(solidariedade mecnica) com outra que tem uma
base cooperativa (solidariedade cooperativa),
reconhecendo apenas na primeira um carter moral
e vendo na segunda simplesmente um agrupamento
econmico. A fonte imediata desse individualismo
moral, tal como explicitada por Durkheim em sua
contribuio para a discusso pblica a respeito do
caso Dreyfus, estava nos ideais gerados pela Revoluo
de 1789. O individualismo moral no pode de modo
algum ser confundido com o egosmo (ou seja, com
a busca do interesse prprio), tal como postulado
na teoria econmica clssica e na filosofia utilitarista.
O crescimento do individualismo, derivado da expanso
da solidariedade orgnica, no deveria ser necessariamente
equiparado anomia (a condio anmica da diviso
do trabalho era um fenmeno transitrio, que se
originava precisamente do fato de que a celebrao
de contratos estava insuficientemente governada
pela regulao moral (Giddens, 1998:106-107).
Finalmente,
se o pragmatismo era nada menos que uma maneira de criticar aqueles aspectos
da vida americana que tornam a ao um fim em
si mesmo e tem dos fins uma viso muito estreita
e muito prtica, e ainda, que a escolha da ao
como ponto de partida da reflexo filosfica no
significa que o mundo decaiu ao nvel de simples
material disposio das interaes dos agentes,
diante de uma guerra ps-imperialista que define
a ao a partir do mercado, o particular
mercado das naes como idealizao principesca,
seu peer
ranking, como no itir a idia de ao
como um fim em si mesmo, como fantasia de um pas
que d tiros nos prprios ps.
Assim, talvez
seja possvel pensar numa histria e numa lgica
da dramaturgia do desprezo - de base psico-poltica
- como ingrediente constitutivo da fantasia de
Prncipe perfeito que, num af, de responder
ao absolutismo do mercado, se coloca no lugar
de idealizao narcsica diante do extermnio
humano, da possibilidade da destruio das imagens
e na crena de um ter por verdadeiro suficientemente
vlido, mas apenas no plano subjetivo.
Notas
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e Comparada. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1966, O Papel dos Intelectuais, pp. 86-94; O
Homem Poltico (Political Man). Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1967; captulo X Os Intelectuais
Americanos: Sua Poltica e Status, pp. 326-362;
Talcott Parsons, A
Sociologia Americana. Perspectivas, Problemas,
Mtodos. So Paulo: Editora Cultrix, 1970,
Parte I, Componentes dos Sistemas Sociais; pp.
25-119.
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2k3q71
Revista 6rd1i
Depoimento do Exmo. Sr. Presidente dos Estados Unidos
da Amrica George W. Bush para a revista A Voz:
Todas as pessoas querem fidelidade.
Resumo: O presente artigo pretende analisar
a partir do pragmatismo de Richard Rorty, as representaes
da modernidade no mbito da cultura norte-americana.
Tal reflexo deve-se ao fato de que diante da
destruio, extermnio e crimes de guerra cometidos
com a nova ocupao militar no Iraque, serviu
como baluarte
para uma cultura que, relacionando pragmatismo
e verdade, pragmatismo e poltica e pragmatismo
e religio consagrou a mxima de Weber calcada
na idia de que fim a representao de um
resultado que se converte em causa de uma ao.
No h resposta satisfatria tanto para a filosofia
pragmtica quanto para a pragmtica sociolgica.
Alm disso, este episdio demarcou, do ponto de
vista da sociedade civil mundial, uma condenao
moral com o pedido de formao de um Tribunal Penal Internacional contra o
consrcio anglo-americano representado
por Bush-Blair.
Palavras-chave: filosofia
pragmtica;
pragmatismo e verdade; pragmatismo e poltica;
guerra preventiva; consrcio anglo-americano.
Abstract:
The present article intends to analyse starting
from Richard Rorty's pragmatism, the representations
of the modernity in the ambit of the North American
culture. Such reflection is due to the fact that
before the destruction, extermination and war
crimes made with the new military occupation in
Iraq, it was good as rampart for a culture that,
relating pragmatism and truth, pragmatism and
politics and pragmatism and religion consecrated
the maximum wearing from Weber in the idea that
" 'end' is the representation of a result that
turns into cause of an action ". There is not
satisfactory answer so much for the pragmatic
philosophy as for the pragmatic sociological.
Besides, this episode to demarcate, of the point
of view of the world civil society, a moral condemnation with the request of
formation of a International
Penal Tribunal against the Anglo-American
consortium represented for Bush-Blair.
Word-key:
pragmatic philosophy;
pragmatism and truth; pragmatism and politics;
preventive war; Anglo-American consortium.
* Socilogo (UFF), Doutor em Cincias (USP). Professor
e pesquisador da Coordenao do Curso de Cincias
Sociais da Universidade Estadual do Cear UECE.
Mail: [email protected]
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