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FILOSOFIA PRAGMTICA, PRAGMTICA SOCIOLGICA E DIREITOS HUMANOS 6d4s3j

Ubiracy de Souza Braga* 193t4e

1 Pragmatismo e Verdade

Os americanos ainda no criaram uma civilizao, no sentido profundo e completo que atribumos palavra civilizao. O que eles criaram uma metrpole de fora (Discurso pronunciado em 17 de janeiro de 2002, 11 ano ps-guerra do Golfo Prsico iniciada por George Bush).

Saddam Hussein

Algumas circunstncias levaram-me a redigir um texto sobre pragmatismo. A primeira, vale lembrar, que no escrevo para especialistas. Com os anos andos, cada vez mais, com a institucionalizao da cincia, da filosofia, da sociologia etc., estes falam do lugar que sua especialidade lhe valeu, com jogos tticos de linguagem entre porta-vozes e autoridades simblicas numa economia produtivista. Conhecimento , para o pragmtico, como verdade, simplesmente um elogio feito s crenas que pensam estar bem justificadas. Ou seja, para o pragmatismo, uma corrente filosfica que surgiu na segunda metade do sculo 19, o conhecimento tem um carter essencialmente prtico. O conhecer, nas suas mltiplas formas, no tem a finalidade de chegar ao conhecimento das verdades tericas, mas um processo de adaptao ao ambiente, visando assegurar a sobrevivncia do homem.

A segunda que o pragmatismo atravs do relativo sucesso de Richard Rorty nos meios acadmicos e a variedade dos assuntos que aborda, pode ser visto como mais um terico da moda. Kant tem toda razo quando acha melhor sermos tolos da moda do que ser contra a moda mesmo que certamente continue sendo uma tolice levar demasiado a srio as coisas da moda. Para Lipovetsky (1989) nos ltimos cem anos tudo se a como se o enigma da moda estivesse grosso modo resolvido. Esse consenso de fundo d lugar, conforme seus analistas, a nuanas interpretativas, a leves desvios, mas, com poucas variantes, a lgica inconstante da moda, assim como suas diversas manifestaes, so invariavelmente explicadas a partir da noo de estratificao social e das estratgias mundanas de distino honorfica. O que importa que para o autor,

A moda tornou-se um problema esvaziado de paixes e de desafios tericos, um pseudoproblema cujas respostas e razes so conhecidas previamente; o reino caprichoso da fantasia s conseguiu provocar a pobreza e a monotonia do conceito (Lipovetsky, 1989: 10).

Mais do que isso, recolocada na imensa durao das manifestaes de vida, para lembramos de Simmel (para quem o conhecimento, entendido como resultado sempre parcial de uma atividade interpretativa do sujeito que conhece), preciso redinamizar, inquietar novamente a pesquisa da moda, objeto ftil, fugidio, o que poderia estimular ainda mais a razo terica. Da que, a moda uma realidade historicamente condicionada e caracterstica do Ocidente e da prpria concepo de modernidade. Nesse sentido,

a moda menos signo das ambies de classes do que sada do mundo da tradio, um desses espelhos onde se torna visvel aquilo que faz nosso destino histrico mais singular: a negao do poder imemorial do ado tradicional, a febre moderna das novidades, a celebrao do presente social (Id., ib.).

Alm disso, moda esta inteno filosfica, porque abraa temas que vo desde questes essenciais de filosofia analtica, amadurecidos com exemplaridade em seu A filosofia e o espelho da natureza (Philosophy and the Mirror of Nature, 1979) defesa das democracias ocidentais, inclusive com o homem diante da guerra e da morte. Tende a ser avaliado pelos prprios especialistas como um diletante que fala muito do que conhece pouco. Como no registrar o desconforto das posies assumidas por Rorty diante da chamada guerra fria (economia de guerra) sem levar em conta a destruio e morte que ela acarretou no Vietn, na Amrica Latina, e ainda, posteriormente com relao Bsnia e ao apoiar a invaso de Kosovo pelas tropas americanas e seus aliados na Europa? Da os mal-entendidos, mas que fazem parte dos riscos assumidos por Rorty na defesa de sua concepo da tarefa de filsofo.

Desnecessrio dizer que Rorty tornou-se um dos mais estimulantes pensadores da atualidade porque conseguiu imprimir sua escrita a questo etnobiogrfica. Se verdade que para os historiadores a histria de vida tem seu fundamento no quadro da histria oral, tambm verdade que alguns autores apreendem outras denominaes para a histria de vida como etnobiografia, porque do ponto de vista da pesquisa, o contedo do material recolhido reflete o tempo e o ambiente poltico e social do narrador. Isto importante porque Rorty vincula seu neopragmatismo sociedade e cultura americana. Para Lipset (1966, 1970), a classe intelectual limitada a escritores e artistas criadores, professores universitrios, funcionrios pblicos da alta categoria e a advocacia que tem sido a ocupao mais importante para aqueles que possuem educao superior, colocam-se em antagonismo poltico aos titulares do poder e pode resultar tambm de algum senso de frustrao por no haver lugar para eles na velha sociedade. Ipso facto,

Seus novos valores no coincidem com aqueles que os colocariam em posies destacadas nas velhas hierarquias locais. Estes valores esto contidos numa ideologia, e a ideologia que os intelectuais perfilham a do populismo (...) A conseqente tenso entre os intelectuais e as foras dominantes da nova nao pode representar um esforo formulao de um adequado auto-retrato nacional. Assim que todas as naes novas enfrentam o problema de incorporar os seus intelectuais aos seus sistemas de Governo(Lipset, 1966:87;94).

No artigo Trtsky e as Orqudeas Selvagens, ele diz como aproximou-se da filosofia, antecipando a originalidade de sua posio etnobiogrfica no cenrio intelectual de hoje. Ou seja, refletiu sobre como conciliar a responsabilidade em relao aos demais seres humanos e os sentimentos pessoais que nutrimos pelas pessoas ou coisas que amamos. Para ele, o que determina a escolha de um ponto de vista sobre o sujeito e o mundo so os objetivos pragmticos visados e no a posse de uma teoria fundada em exigncias lgicas ou achados empricos incontestveis. Concluiu que no h qualquer necessidade racional para que esses dois plos coincidam. Rorty redescobriu, assim, o pragmatismo filosfico da cultura norte-americana como epicentro das democracias ocidentais e que ter uma forte influncia no pensamento sociolgico da Escola de Chicago, como veremos adiante.

Finalmente, o que poderemos interpretar sobre este representante das representaes da modernidade no mbito do pragmatismo da cultura americana? Talvez, para lembrarmos do presente, o fato de que o pragmatismo americano diante da invaso, destruio e extermnio, com a nova guerra contra o Iraque, serviu como baluarte para uma cultura que, relacionando pragmatismo e verdade, pragmatismo e poltica e pragmatismo e religio consagraram a mxima de Weber sobre a utilizao dos fins: Na nossa concepo, fim a representao de um resultado que se converte em causa de uma ao (Weber,1982:99). No h resposta satisfatria tanto para a filosofia pragmtica quanto para a pragmtica sociolgica vis--vis a argumentao weberiana. Esse o suposto de nossa pesquisa.

Em assim sendo Richard Rorty afirma que,

Mas no h nada de errado com a democracia liberal, nem como os filsofos que tentaram ampliar seus escopos. S h algo errado com a tentativa de ver seus esforos como falhas em alcanar algo que eles no estavam buscando uma demonstrao da superioridade objetiva de nosso modo de vida frente a todas as outras alternativas. No h, em resumo nada de errado com as esperanas do Iluminismo, as esperanas que criaram as democracias ocidentais. O valor dos ideais do Iluminismo, para ns, pragmticos, justamente o valor de algumas instituies e prticas que eles criaram (Rorty, 1997:51).

Assim, termos como poder, interesse, dominao, realidade material etc., so indispensveis anlise do autor, pois verdadeiro aquilo que nos habituaram a aceitar como verdadeiro, pela fora ou pela persuaso dos costumes. Enfim, a anlise lingstica daquilo que nos habilita a descrever o mundo de uma forma ou de outra no exclui a anlise de como fomos levados a crer na verdade de tal descrio. Para efeitos da ao, s existem eventos sob descrio. E a descrio preferida do intrprete ser a mais adequada s suas convices ticas e no a mais iluminada pela Razo.

Rorty insiste na utopia pragmatista da verdade, em seu livro Pragmatismo: a Filosofia da Criao e da Mudana, dando continuidade a voga da filosofia norte-americana por ele reconhecida. Ele um dos responsveis por isso, tanto no papel de participante ativo quanto no de propagador dessa linhagem que ele prprio afirma, remonta a Emerson, James e Dewey, entre outros.

Contudo, no livro Objetivismo, relativismo e verdade. Escritos Filosficos, (Philosophical Papers Objectivity, Relativism & Truth, 1995), ele adverte: o pragmatismo parece-me, como eu disse, uma filosofia antes da solidariedade que do desespero, (...) pois tm o desejo de alcanar a maior concordncia intersubjetiva possvel, o desejo de estender a referncia do pronome ns to longe quanto possvel (...) Alm do que para eles, o pragmtico, dominado pelo desejo por solidariedade, s pode ser criticado por levar sua prpria comunidade muito a srio (...) o pragmtico no tem uma teoria da verdade, muito menos uma teoria relativista (Rorty, 1995:45 e ss).

2 - Pragmatismo e Poltica

Eu assumo a responsabilidade por tomar a deciso, a difcil deciso de formar uma coalizo para remover Saddam Hussein, porque a inteligncia no apenas a nossa inteligncia mas a inteligncia deste grande pas [continuou Bush, se referindo Blair e seu pas] (...) exps um argumento claro e irresistvel de que Saddam Hussein era uma ameaa segurana e paz. (George W. Bush, New York Times, 18.07.2003).

Com a guerra contra o Iraque, no Golfo Prsico, quase esquecemos que a vitria eleitoral de George W. Bush como presidente dos EUA deu-se por deciso da Corte Suprema, que optou por cumprir prazos em detrimento da recontagem dos votos num condado da Flrida, estado cujo governador era o irmo de Bush. Voto decisivo no colgio eleitoral j que no nmero absoluto de votos Bush no sairia vitorioso. Os prprios reclamos da imprensa norte-americana foram atropelados pelo atentado terrorista de 11 de setembro s torres do World Trade Center e, a partir de ento, Bush filho comprometeu-se com a misso de vingar o pai que no conseguira na outra Guerra do Golfo (1991) retirar Saddan Hussein do poder, no Iraque.

Cercado de assessores fundamentalistas, comprometido tanto com a indstria do petrleo quanto com a de armamentos, George W. Bush, que escapara do servio militar, agora vai guerra (2003) disposto a impor a sua vontade, sobretudo aps o ataque ao povo afego, a substituio de governo no Afeganisto e a insatisfatria resposta a Osama Bin Laden, um ex-aliado, a quem responsabilizara pelo ato de 11 de setembro de 2001.

Para ns, poltica regulao da existncia coletiva, poder decisrio, luta entre interesses contraditrios, disputa por posies de mundo, confrontos mil entre foras sociais, violncia em ltima anlise. S que a produo poltica (os processos polticos) se diferenciam radicalmente da produo econmica porque usa eventualmente es materiais, tais como armas, livros, processos, papis onde se inscrevem as ordens, os atos de gesto, as sentenas ou as leis, mas no uma produo material. Porque consiste em decises imperativas.

Assim, tambm diferente da produo simblica porque se exercita sobre o interesse dos agentes sociais, quando no sobre o seu prprio corpo; corresponde a atos de vontade que regulam atividades coletivas; disciplina prticas sociais. No produz mensagens, discursos; produz obedincias, obrigaes, submisses, direitos, deveres, controles. Poder uma relao social: de mando e obedincia. As decises tomadas politicamente se impem a todos num dado territrio ou numa dada unidade social. Convertem-se em atividades coercitivas (esfera da segurana), istrativas (esfera da istrao), jurdico-judicirias (esfera da justia) e legislativas (esfera da deliberao). Simplificadamente, processo poltico diz respeito a pergunta: Quem pode o qu sobre quem? Eis a grande questo do processo poltico, do confronto entre foras sociais, da sujeio de vontades a outras vontades (Srour,1987, im).

Mutatis mutandis, no bastassem os contornos de uma tragdia shakespeareana, a aluso a mitologia grega procedente. Ela diz que Hefestos, conforme determinao de Zeus, criou sua primeira mulher dando a ela tudo o que de melhor poderia dar. Nomeou-a Pandora. Entretanto, Zeus deu a Pandora uma caixinha que continha todas as possveis maldades do mundo com a expressa ordem de zelar por ela e nunca abri-la. Em caso contrrio, isso acarretaria toda a sorte de calamidades. Incapaz de conter a sua curiosidade, Pandora abriu a caixa libertando um inaudito sofrimento que faz a humanidade sofrer at hoje. Pois esse o caso: George W. Bush destampou a sua caixa de Pandora (Cerqueira Filho e Neder, 2003).

Talvez seja possvel itir com o homem diante da guerra e da morte, no Golfo Prsico em 1991 (com o pai) e 2003 (com o filho), a repetio de nomes: Bush em ingls alude a bucha, como metfora de guerra. E regies, marcadas como emblemas no capitalismo globalizado, a recorrncia ao nome do pai. E me-ptria, h dois sculos ao menos, como representao da colonizao e a idia de subservincia de povos.

Pai ainda, onde incide a violncia domstica em uma complexa operao fsica fantasiada com as drogas eletrnicas (armas inteligentes) e o terrorismo de Estado. E psquica, (a internalizao da lei) de ''fora (EUA) para dentro (Iraque)'', com a configurao de ptrias degradadas. O Estado de exceo tornou-se uma prtica freqente entre as naes contemporneas, atingindo desde o 3 Reich at o USA Patriot Act.

O fracasso da busca por provas contundentes de armas de destruio em massa, cuja existncia assegurou o argumento em defesa da guerra contra o Iraque, foi apoiada em documentos falsificados e fontes inconsistentes e sombrias, como ficou confirmado com os escndalos tanto no Parlamento ingls, onde foi solicitada a deposio do premier Tony Blair [que respondeu em silncio], ou ainda, sobre a culpa de acusao falsa contra o Iraque, da Casa Branca e CIA, conforme o artigo publicado em El Pas intitulado Casa Branca e CIA culpam-se mutuamente sobre acusao falsa contra Iraque (12.07.2003). Alm disso, para usar a noo de metrpole de fora, utilizada no discurso de Saddam Hussein aps o massacre de 1991 no Golfo Prsico causado pelo pai George Bush, de acordo com o Financial Times,

A derrubada do regime iraquiano retirou dali um tirano sanguinrio e cruel que invadiu dois pases vizinhos, empregou armas de destruio em massa contra o Ir e seu prprio povo e causou milhes de mortes. A queda de Saddam Hussein representa o nico benefcio inquestionvel desta guerra embora como afirmara ainda no ms de maio o vice-secretrio de Defesa americano, Paul Wolfowitz, no era uma razo para colocar em risco a vida dos garotos americanos, ao menos na escala em que colocamos (Financial Times, 16.07.2003).

O Editorial do Financial Times insiste na idia de que

argumentou, de modo consistente, que a melhor alternativa para desarmar Hussein seria dar continuidade s inspees determinadas pela resoluo 1441 do Conselho de Segurana da ONU. Ao interromper prematuramente estas inspees, Bush e Blair debilitaram o rgo internacional mais capacitado para conter a proliferao de armas de destruio em massa (Id., Ib.).

Ora, se sociologicamente itimos anteriormente que fim a representao de um resultado que se converte em causa de uma ao, tal argumento j teria sido justificado enquanto motivo para a guerra. Um argumento sutil defendia que, existisse ou no tal equipamento, Hussein pretendia adquirir armas de destruio em massa. Noutras palavras, j estava sendo justificada em termos preventivos e no em termos de proteo. O jornal El Pas itiu que seria ilusrio pensar que no transmitiram essas dvidas Casa Branca nos meses seguintes. De outra parte, que o secretrio de estado Colin Powell foi mais perspicaz ou mais cauteloso, mesmo defendendo W. Bush afirmando: quando revisamos minha apresentao na ONU, uma ou duas semanas depois do discurso do presidente, achamos que no era mais adequado usar esse exemplo (Id., Ib.).

Fora da idia de nacionalismo, a partir da competio entre naes, foi o filsofo Simmel quem chamou ateno para o fato de que, ''a luta contra uma potncia estrangeira d ao grupo um vivo sentimento de sua unidade'', e alm disso, ''um fato que se verifica quase sem exceo. No h, por assim dizer, grupo - domstico, religioso, econmico ou poltico - que possa ar sem esse cimento''. Essa atividade intelectual, porque psquica e de preparao psicolgica, quase exclusivamente entre homens, pode representar com o homem diante da guerra um crime contra a humanidade, individual ou coletivamente com o intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, tnico, racial, militar, ou religioso.

Estamos diante do mito de banhos de sangue que para a gramaticalidade do lingista Chomsky (e Herman), a partir da guerra do Vietn, explica porque se deve continuar a matar em grande escala. Mas isso s foi possvel com a agem da produo de massa e da economia de mercado para as sociedades de conhecimento baseadas na informao e comunicao.

Com a generalizao dos conflitos aparentemente iniciados com os atentados ao WTC e Pentgono, amplamente divulgados pela mdia norte-americana e de resto na Europa, refletimos noutra oportunidade, no propriamente sobre a questo de uma nova guerra no Afeganisto, mas sobre duas ou trs noes correlatas que nestes dias "escapam" ao gravssimo problema dos dispositivos discursivos editados na e pela informao globalizada.

A palavra terrorista, em primeiro lugar, no pode, de certo, ter reconhecimento para o confronto de entidades "terroristas de manuteno das tradies e sobre ocupaes de terra", historicamente constitudo. A maioria dos estudiosos erra quando considera um ato "terrorista" isolado, praticado por um grupo religioso fantico. E concordar com a idia de que derrubar o WTC um ato de guerra histrico equivalente ao que ocorreu em Saravejo em 1914 , conforme entendemos, apressado. Difcil concordar ainda, como alguns afirmam, que em NY explodiu a primeira guerra da globalizao.

Nada! NY construiu o que Marc Aug problematizou como "ego ficcional". Isto , cmulo de um fascnio que se aciona em toda relao exclusiva com a imagem, porque um ego sem relaes (est un moi sans relations) e, por isso mesmo, sem e identitrio, suscetvel de absoro pelo mundo de imagens onde ele pensa poder reencontrar-se e reconhecer-se. Slavoj Zizek denominou-o de fantasia paranica americana mxima, isto , um paraso consumista, onde um indivduo percebe um espetculo encenado para convenc-lo de que ele vive em um mundo real. Exemplo: O filme "Tempo Fora dos Eixos" (Time Out of t).

Dias depois dos atentados de 11 de setembro que, parado no drive thru do McDonalds, na cidade de Fortaleza, Brasil, nos deparamos com Vinny que a nossa filha Bianca de 2 anos de idade brincava. Tratava-se de propaganda da empresa, uma figurinha com a rubrica de Walt Disney que divulga "Atlantis - O Reino Perdido (nos cinemas)". Literalmente refere-se a : "Vinny. Nome: Vincenzo Santorini. Apelido: Vinny. Funo: especialista em demolies. Misso: explodir as coisas. Hobbies: fazer as coisas explodirem. Caractersticas: explosivo. Comentrio: 'Eu gosto apenas de explodir as coisas'".

Na dcada de 1960, em segundo lugar, uma cano de Dylan, "Subterranean Homesick Blues", quando ela diz: "No preciso um meteorologista para dizer de que lado sopra o vento..." (You don't need a Weatherman to Know which way the wind blows...) inspirou um movimento da juventude norte-americana que se propunha a destruir a sociedade pela violncia. O movimento surgiu como a faco militante dos 40 mil estudantes da Studentes Democratic Society (SDS). No Congresso nacional do SDS em Chicago (1969) essa faco tornou-se dominante e conseguiu expulsar os marxistas no-violentos. Adotaram uma poltica de violncia imediata com o nome Weathermen e foram os autores de bombas atiradas em bancos, tribunais, universidades etc.

Anlises importantes, todavia provisrias, tm sido feitas a respeito, no caso dos Estados Unidos. O primeiro talvez a chamar a ateno, naquele momento, tenha sido o escritor Gore Vidal, talvez melhor que os autores de Banhos de Sangue (Bains de sang constructifs dans le sang et la propagande, 1973) ainda que estes tenham demonstrado at que ponto o governo dos Estados Unidos anteriormente tenham se envolvido em crimes praticados na Guerra do Vietn. Vidal divulgou em El Pas (Madri) parte do contedo das cartas-correspondncias que mantinha com o terrorista norte-americano Timothy, pouco antes da violncia letal atribuda ao Estado. Dizia ele,- contra o terror de Estado, - que melhor teria ocorrido ao terrorista explodir bombas para efeito simblico de destruio de prdios, sem vtimas, p. ex., o prprio Pentgono.

No que se refere especificamente ao confronto contra os afegos e a utilizao de imagens, como sabemos, o Coro probe a reproduo de figuras humanas e sagradas. Para os fundamentalistas, a interdio, feita h 1.300 anos, vale para fotos e imagens transmitidas pela TV. Porque querem preservar, a todo custo, o que construram: as regras e normas do islamismo professado por Maom.

Embora o pas tenha sido devastado nos ltimos 200 anos por uma dezena de conflitos, trs guerras contra a Inglaterra at sua independncia em 1919, um golpe de estado que derrubou o rei em 1973, e ainda, em 1979 a ento URSS - Unio das Repblicas Socialistas Soviticas, devastou o pas permanecendo em guerra por dez anos. Quando estes foram expulsos, assumiu o poder a milcia islmica Taliban, que significa estudante, no dialeto pashto, a segunda lngua da regio. O grupo foi criado em 1994 por um movimento estudantil radical. O imprio americano realizou uma "guerra longa" contra o Afeganisto como anunciaram pela mdia. No caso do Iraque, nestes dias e em termos de submisso das vontades, a guerra foi considerada rpida na contabilidade americana porque culminou com a morte de dez mil militares, aproximadamente trs mil civis e dezesseis jornalistas em pouco mais de vinte dias.

Da a terceira questo e breve, que diz respeito a duas definies weberianas entrelaadas ao esprito do capitalismo. Todavia trata-se apenas de uma intuio. Weber em 1904/05 afirmava o seguinte: "Ningum sabe ainda a quem caber no futuro viver nessa priso [o capitalismo vencedor] ou se, no fim desse tremendo desenvolvimento, no surgiro profetas inteiramente novos, ou um vigoroso renascimento de velhos pensamentos e idias, ou ainda se nenhuma dessas duas - a eventualidade de uma petrificao mecanizada caracterizada por esta convulsora espcie de auto-justificao" (sich-wichtig nehmen).

O fato que estes ltimos homens poderiam ser designados de acordo com Weber, como "especialistas sem esprito, sensualistas sem corao, nulidades que imaginam ter atingido um nvel de civilizao nunca antes alcanado". E em contraposio, o carisma, que particularmente refere-se a faculdades mgicas, revelaes ou herosmo, poder intelectual ou de oratria. O sempre novo, o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam constituem a fonte da devoo pessoal. Representam eles a dominao do profeta, do heri guerreiro e do grande demagogo. uma relao social especificamente extracotidiana e puramente pessoal. O pressuposto indispensvel para isso "fazer-se acreditar". Se "lhe falha o xito, seu domnio oscila".

A impresso que temos diante da mdia norte-americana e de resto na Europa, para no falarmos no Brasil, quanto ao nome de bin Laden [bin em letra minscula significa "filho de"] que, como justificativa para o fim da economia de guerra - ou a chamada "guerra fria", os conflitos mundiais perderam sua matriz poltico-ideolgica e ganharam desde a guerra contra o Golfo Prsico (1991) mediaes culturais e religiosas, de "suposta" rivalidade entre emblemas como Ocidente e Oriente, entre cristos, judeus e islmicos. Ele assim [bin Laden] a a ser o que Weber intuiu: "no surgiro profetas inteiramente novos?".

Finalmente, repetimos, ainda um exemplo sobre o gravssimo problema dos dispositivos discursivos editados na e pela informao globalizada. A pergunta , para lembrarmos de Michel Foucault (1984a, 1984b): Que saber se forma a partir da?. Posto que no se trata de determinar se essas produes discursivas e esses efeitos de poder levam a formular a verdade, ou, ao contrrio, mentiras destinadas a ocult-lo, mas revelar a vontade de saber que lhe serve ao mesmo tempo de e e instrumento, quando interessa-nos levar em considerao, quem fala, os lugares e os pontos de vista de que se fala, as instituies que incitam a faz-lo, que armazenam e difundem o que se diz, em suma o fato discursivo global.

Mark Bowden, que dispensa apresentao sobre sua imerso jornalstica no iderio europeu e americano um tpico exemplo. No artigo, Mil e uma histrias que traam o perfil de Saddam Hussein, nitidamente inspirado em As Mil e Uma Noites (Las Mil y Una Noches, 1985), particularmente no conto A Histria do rei Schahriar e de seu irmo o rei Schahzmn (Historia del rey Schahriar y de su hermano el rey Schahzmn), ele endossa tudo que o jornalismo mundial faz enquanto capital da notcia, modalidade que Marcondes Filho (1986) explica a notcia como mercadoria, como veculo ideolgico e como agente poltico. Ele fantasia a narrativa a partir de uma idia de profeta e tirano rabe com origens humildes. Citaremos alguns trechos, com breves comentrios.

Para o articulista, Saddam Hussein, o Ungido, o glorioso lder, descendente direto do profeta presidente do Iraque, presidente de seu Conselho da Revoluo, marechal de seus exrcitos, doutor de suas leis e Grande Tio de seu povo, costuma acordar por volta das 3h da manh. Ele nunca dorme mais do que quatro ou cinco horas por noite, mas ele tem 65 anos, mas ningum pode ver que ele est envelhecendo: o seu poder baseia-se no medo, no no afeto.

Saddam um tirano [que] no pode se mostrar curvado, frgil, grisalho (...) Quando ele precisa fazer um discurso, os seus conselheiros lhe fornecem um texto com letras enormes (...) O seu problema nas costas o faz mancar ligeiramente; por isso, ele evita ser visto ou filmado andando. Ele tem longos braos e mos grossas e fortes. No Iraque, o tamanho de um homem ainda importante, e Saddam impressiona. Com 1 m88, ele domina os seus conselheiros. O seu peso varia entre 95 e 100 quilos. Como presidente vitalcio, a todos os dias longas horas em um de seus escritrios, alternadamente, acompanhado por seus agentes de segurana.

Saddam l com voracidade e se interessa por muitos assuntos. Entre outros, ele nutre uma paixo pela histria do mundo rabe e a histria militar, embora, recorra a ghosts writers para alimentar um fluxo ininterrupto de discursos, artigos, livros de histria de filosofia; a sua obra tambm comporta livros de fico. Mas ele parece ter escrito e publicado duas fbulas romnticas (...) antes de publicar os seus livros, Saddam os distribui discretamente para escritores profissionais iraquianos, e pede seus comentrios e sugestes. Ningum ousa ser sincero.

De acordo com o articulista, o que quer Saddam? Deseja acima de tudo ser irado, reverenciado e ficar para a histria. Afirma ele que,

a sua biografia oficial em 19 volumes uma leitura obrigatria para os funcionrios iraquianos; Saddam tambm encomendou um filme de seis horas sobre a sua vida, intitulado Os Longos Dias e dirigido por Terence Young, mais conhecido por ter sido o diretor de trs filmes de James Bond. Saddam disse sua bigrafa que ele no se interessava por aquilo que pensam dele, e sim apenas o que pensariam dele dentro de 500 anos. A busca tenaz e sangrenta de Saddam pelo poder parece ter por nica origem a vaidade (sic).

Finalmente, Mark Bowden, patina em dois argumentos preconceituosos, mas tambm pragmticos para um certo jornalismo, com base em alguns historiadores europeus e americanos:

Apesar de se extasiar com a rica histria da Arbia, Saddam reconhece a superioridade do mundo ocidental em dois campos. O primeiro a tecnologia do armamento (da os seus esforos incansveis para importar material militar avanado e para desenvolver armas de destruio macia). O segundo a arte de tomar e de manter o poder. Ele se tornou irador de um dos dirigentes mais tirnicos da histria: Joseph Stalin (sic).

3 - Pragmatismo e Religio

A misria religiosa , ao mesmo tempo, a expresso da misria real e o protesto contra a misria real. A religio o suspiro da criatura oprimida, o sentimento de um mundo sem corao, assim como o esprito de uma condio sem esprito. Ela o pio do povo. (Karl Marx)

Entendidas algumas idias gerais sobre pragmatismo e verdade e pragmatismo e poltica , emos agora, mesmo que provisoriamente, ao exame da relao pragmatismo e religio tomando como referncia as expresses: guerra limpa; guerra tecnolgica, guerra justa; guerra contra infiis, entre outros.

Os episdios de 11 de setembro em Nova Iorque recolocaram em pauta o conceito de guerra justa, pragmaticamente pensado como auto-defesa. Diante da ineficcia simblica, da idia de guerra limpa, guerra tecnolgica, onde no haveria mais banhos de sangue a ser exibido, nem combate corpo a corpo. Em verdade este conceito foi elaborado pela cristandade ocidental no sculo XII, a partir da expanso da sociedade europia ocidental atravs das lutas contra os hereges, das investidas das cruzadas e da criao da Inquisio. De modo que, estamos diante de um embate ideolgico travado no interior da teologia poltica ocidental que percorreu vrios sculos (Cerqueira Filho e Neder, 2003).

A idia de guerra justa, lembram os autores, tambm pode ser itida como guerra contra os infiis, erigida a partir do expansionismo da igreja romana, catlica, no qual as cruzadas condensam toda a sua magnitude. Situa-se neste enquadramento ideolgico a expanso martima e colonial da cristandade europia para a Amrica, sia e frica, a partir do sculo XVI, num quadro onde a escravido e o trfico de escravos de africanos e indgenas no devem ser esquecidos.

Para os que nos interessa, a idia de guerra justa implicou, como implica ainda, ser uma absolvio moral da guerra e daqueles que a decidem e praticam (Id., Ib.). Mas decidem, em primeiro lugar, porque a guerra hoje vista pelo ''espelho emocional das sociedades''. A televiso amplifica a personalizao exacerbada dos comportamentos. E para um lder poltico, o virtual permite mostrar um tipo particular de proteo: a imunidade miditica. E em segundo lugar porque o ''novo imprio'', uma empresa plutocrtica que exerce poder simblico sobre a sociedade civil mundial e prope-se a istrar e hierarquizar as diferenas numa economia geral de comando.

Da que a radicalizao poltica ocorre de forma mais aguda na dcada de 1990. Os fatores que contriburam para tal fato foram, o fim da poltica internacional de equilbrio entre blocos, representado, no plano simblico, pela queda do Muro de Berlim, que havia garantido, bem ou mal, que os conflitos permanecessem confinados em fronteiras imaginrias, ou seja, para que a guerra imperialista fosse percebida como localizada. Assim, a velocidade com que ocorreu o desmantelamento do bloco socialista deveu-se a uma conjuno de variveis desfavorveis articulao de um novo equilbrio.

Estas variveis desfavorveis representaram, de acordo com Cerqueira Filho e Neder (2003) de um lado, os governos republicanos nos EUA (Reagan e Bush, pai meados da dcada de 1980/meados dos 90). Estes governos desancaram a voracidade expansionista e o exclusivismo do imprio, impedindo, inclusive a formao da Comunidade de Estados Independentes (CEI) na antiga URSS, ento proposta por M. Gorbachev. Com receio dos partidos comunistas do Iraque e do Ir, por exemplo, que eram organizaes polticas fortes at o incio do processo de distenso poltica na regio, apoiaram (militarmente) foras polticas ligadas a grupos fundamentalistas islmicos, at ento minoritrios em vrios pases asiticos (dentre eles o Ir e o Iraque).

De outro lado:

a eleio de Joo Paulo II como papa polons da Igreja Romana deu uma guinada direita na insero poltica da cristandade ocidental e interferiu diretamente na velocidade do desmantelamento do bloco socialista na Europa oriental (a partir da Polnia), dificultando uma repactuao poltica em termos internacionais. Todavia, foi muito mais fraco o tom, para no falar em omisso, do Papado Romano na condenao moral das carnificinas entre cristos greco-ortodoxos e muulmanos nos Blcs. Mesmo no conflito palestino-israelense a omisso ronda a presena do Vaticano. Tambm na Amrica Latina, os efeitos desta guinada fizeram-se presentes, atravs do esvaziamento poltico da teologia da libertao, com desdobramentos significativos, sendo o caso da Nicargua o mais emblemtico (Cerqueira F e Neder, 2003).

Estes episdios repetimos, demonstram porque o genocdio, a vitimizao de civis (seja pela guerra convencional, seja pela guerra de guerrilha ou pelo terrorismo), e a tortura, comearam a ganhar a condenao moral da sociedade civil internacional, que vem progressivamente reclamando, no tempo presente, por um Tribunal Penal Internacional. Porque tem sido importante declarar direitos universais que devem ultraar as barreiras dos Estados constitudos. E alm disso, retomar o processo de elaborao do conceito de dignidade humana e dos direitos fundamentais que se constituem como sua garantia, como condio para a consolidao de uma vida estvel e digna de ser vivida em todo o planeta.

4 Pragmatismo e Sociedade

Pelo que sei , s Comte sabia o que ele ia fazer durante todo o resto da vida. Florestan Fernandes (1978:3).

Conquanto saibamos que as questes referentes vida social e aos produtos culturais da atividade humana permeiam as cincias sociais e as humanidades em geral, no podemos concordar com Giddens e Turner (1999) quando afirmam: no consideramos a teoria social propriedade de nenhuma disciplina. Ao contrrio, entendemos que toda teoria social propriedade de uma disciplina. Por qu? Uma disciplina pode ser definida como uma categoria que organiza o conhecimento cientfico e que institui nesse conhecimento a diviso e a especializao do trabalho respondendo diversidade de domnios que as cincias recobrem. Apesar de estar englobada num conjunto cientfico mais vasto, uma disciplina tende naturalmente autonomia pela delimitao de suas fronteiras, pela linguagem que instaura, pelas tcnicas que levada a elaborar ou a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe so prprias.

A organizao disciplinar instituiu-se no sculo 19, principalmente com a formao das universidades modernas e, depois, se desenvolveu no sculo 20, com o progresso da pesquisa cientfica. Isto significa que as disciplinas tm uma histria: nascimento, institucionalizao, evoluo, decadncia. Esta histria inscreve-se na da Universidade que, por sua vez, inscreve-se na histria da sociedade. Portanto, o estudo da disciplinaridade, da organizao da cincia em disciplinas, decorrente da sociologia das cincias, da sociologia do conhecimento, de uma reflexo interna em cada disciplina e, tambm, de um conhecimento extremo.

Ipso facto a sociologia do conhecimento pretende identificar os nexos que existem entre as dimenses racional e histrica do conhecimento, e os sujeitos individuais e coletivos junto com os elementos culturais de contedo cognitivo predominante, tais como se processam em prticas e saberes sociais constitudos no mbito das cincias naturais e sociais, doutrinas, crenas, explicaes racionais etc., que foram elaboradas e expressas pelos mesmos sujeitos. A sociologia do conhecimento, portanto, tem por objetivo estudar a gnese social do saber, distinguindo dois conceitos epistmicos que, embora a linguagem cotidiana no se aperceba manifestam sentidos diversos como saber ter por verdadeiro, e conhecer -, como representao de uma convivncia do falante com aquilo que fala, analisando as relaes que ocorrem entre as estruturas da sociedade e as formas de conhecimento, como tambm tentar demonstrar analiticamente o modo como tais formas se influenciam reciprocamente.

No basta situar-se como analista social no interior de uma disciplina para conhecer os problemas que lhe so concernentes. Assim, o leitor que busca consenso quanto natureza e os objetivos de quaisquer teorias sociais no se sentir desapontado. S depois do golpe militar desencadeado pela interveno norte-americana no Chile, tendo como prcer o general Haig, com a destruio da Casa de La Moeda e a deposio de Allende em 1973, que o socilogo Alain Touraine escreveu posteriormente em Pour la Sociologie (1974) sobre a exigncia principal do conhecimento sociolgico: o reconhecimento de que o sentido da ao no jamais dado inteiramente pela conscincia do ator, lembrando que o conhecimento no prepara a ordem de amanh.

Isto importante na medida em que o pragmatismo enquanto uma filosofia da ao serviu como fonte filosfica da Escola de Chicago. E do ponto de vista da teoria sociolgica, o real significado do interacionismo simblico e sua fecundidade terica s podem ser compreendidos quando contrastados com a velha Escola de Chicago, a quem do continuidade. O interacionismo simblico visto como a continuao de certas partes do pensamento e obra do heterogneo grupo interdisciplinar de tericos da Universidade de Chicago que exerceram certa influncia na sociologia americana entre 1890 e 1940, durante a fase de institucionalizao propriamente dita da disciplina.

De acordo com Joas,

A dificuldade maior reside no fato de a Escola de Chicago que pode ser descrita como combinao de uma filosofia pragmtica, de uma orientao poltica reformista para as possibilidades da democracia num quadro de rpida industrializao e urbanizao, e dos esforos para transformar a sociologia numa cincia emprica, sem deixar de atribuir grande importncia s fontes pr-cientficas do conhecimento experimental ser apenas uma relao parcial, do ponto de vista terico, das possibilidades inerentes filosofia social do pragmatismo (Joas, 1999:131).

Mas, o nome dessa linha de pesquisa sociolgica e sociopsicolgica foi cunhado em 1938 por Herbert Blumer. Seu escopo so os processos de interao ao social caracterizada por uma orientao imediatamente recproca -, ao o que o exame desses processos se baseia num conceito especfico de interao que privilegia o carter simblico da ao social.

O pragmatismo desenvolveu o conceito de ao, por que uma filosofia da ao, mas no como Talcott Parsons, e, pelo menos segundo a interpretao que este lhe deu, ou os pensadores clssicos em sociologia considerando aqui Marx, Durkheim, Weber e Simmel no quadro do utilitarismo. Decerto, o pragmatismo no se mostra menos crtico em relao ao utilitarismo do que os clssicos em sociologia.

Todavia, no ataca o utilitarismo devido ao problema da ao e da ordem social, mas por causa do problema da ao e da conscincia, j que no plano da teoria, se que podemos pensar assim, a teoria pragmtica da ordem social , pois, orientada pela concepo do controle social no sentido de auto-regulao e soluo de problemas coletivos. Essa concepo da ordem social moldada por idias sobre democracia e estrutura de comunicao nas comunidades cientficas. Rorty foi quem melhor percebeu isso. A real importncia desse tipo de ordem social, nas modernas sociedades, suscita um dos principais problemas da filosofia poltica pragmtica e da sociologia baseada nessa filosofia.

O conceito de ao desenvolvido pelo pragmatismo emerge a partir da idia de superar os dualismo cartesianos. Ou seja, resumidamente, os pragmticos pem em dvida o sentido da dvida cartesiana. Melhor dizendo, nada mais do que a defesa de autoridades inquestionveis contra a reivindicao emancipatria do eu pensante. portanto, um pleito em defesa da verdadeira dvida, em defesa do enraizamento da cognio em situaes concretas. A noo central cartesiana do eu solitrio que duvida sucumbe, conforme Joas, idia de uma busca coletiva da verdade para solucionar os problemas reais encontrados no curso da ao. Poder-se-ia atribuir a essa transformao o mesmo significado histrico concedido filosofia de Descartes. O que muda, para esta concepo toda relao entre cognio e realidade. O conceito de verdade j no expressa a correta representao da realidade na cognio, que pode ser considerada uma espcie de metfora de uma cpia; expressa, antes, um aumento do poder de agir em relao a um ambiente.

Isto quer dizer que, todas as etapas da cognio, da percepo sensorial, atravs da extrao lgica de concluses at a auto-reflexo, devem ser agora concebidas de outra maneira. Charles Pierce encetou esse programa. William James que parece ter influenciado Simmel com suas teorias, aplicou-o a um bom nmero de problemas, principalmente de natureza religiosa ou existencial. Movido pelo desejo de mostrar a impossibilidade de encontrar solues universalmente vlidas para esses problemas, James estreitou, e portanto debilitou de um modo decisivo, a idia bsica do pragmatismo. Contrariamente a Pierce, formulou o critrio de verdade em termos dos resultados realmente obtidos, no dos resultados esperados. Em sua psicologia, James no considerou a ao como ponto de partida, mas o puro fluxo da experincia consciente. Formulou, entretanto, anlises extraordinariamente profundas e intrigantes que mostravam a seletividade da percepo e a distribuio da ateno como funo dos objetivos do sujeito.

Contudo, a influncia decisiva do pragmatismo na sociologia comeou com John Dewey e George Herbert Mead que ando inicialmente pelos contorno de uma psicologia funcionalista, pretendia interpretar todos os processos e operaes psquicas no apenas as cognitivas segundo sua eficcia para a soluo dos problemas encontrados pelas pessoas no curso da conduta. Tal empresa significava a rejeio das abordagens epistemolgicas ditas tradicionais, utilizadas na interpretao dos fenmenos psquicos, e uma crtica a todas as psicologias que, em maior ou menor grau, acatam tais posturas filosficas. A crtica de Dewey e Mead, volta-se sobretudo contra as teorias que reduzem a ao a uma conduta determinada pelo meio. Entretanto, o modelo de ao utilizado nessa crtica revela tambm a modificao do significado da intencionalidade em comparao com as teorias que vem a ao como a concretizao de fins predeterminados. Para Joas,

no pragmatismo, justamente porque ele considera todas as operaes psquicas luz de sua eficcia para a ao, impossvel sustentar que a determinao de um fim seja um ato consciente per se, que ocorre fora dos contextos da ao. Ao contrrio, a determinao de um fim s pode ser o resultado de ponderaes sobre as resistncias que uma conduta variamente orientada em diversas direes encontra. Ao ser impossvel acompanhar simultaneamente todos os impulsos ou compulses que levam ao, ocorrer um motivo dominante que, como se fora um fim, sufocar os demais ou lhes conceder eficcia apenas num grau subordinado (Joas, 1999:136).

A crtica de que esse modelo reduz o conceito de ao de um modo instrumentalista ou ativista perdeu sua plausibilidade, graas ao interesse que Dewey e Mead tinham pelas brincadeiras infantis, no s porque queriam promover uma reforma educacional, mas tambm porque as brincadeiras lhes serviam como modelo de uma ao sujeita a um mnimo de obstculos para sua realizao. Para Dewey, o pragmatismo era nada menos que uma maneira de criticar aqueles aspectos da vida americana que tornam a ao um fim em si mesmo e tm dos fins uma viso muito estreita e muito prtica. Ou seja, somente na ao a imediaticidade qualitativa do mundo e de ns mesmos nos revelada.

Mas a objeo principal para ns, diz respeito ao desenvolvimento das idias de Dewey e Mead, reiteradas por Joas em comparao com a abordagem utilitarista, quando afirma:

a teoria pragmtica da ao inaugura novos campos de fenmenos e, ao mesmo tempo, torna necessrio repensar os campos conhecidos e os faz de um modo que no encontra precedentes na crtica feita pelos pensadores da sociologia clssica ao utilitarismo (Joas, 1999:137).

O prprio Giddens reviu este aspecto posteriormente com o sugestivo ttulo de seu livro Poltica, Sociologia e Teoria Social: Encontros com o Pensamento Social Clssico (Politics, Sociology and Social Theory. Encounters with Classical and Contemporary Social Thought, 1995) quando afirma no captulo A Sociologia Poltica de Durkheim:

...Durkheim no estava, como freqentemente se afirma, preocupado acima de tudo com a natureza da anomia, mas antes com a explorao da complexa inter-relao entre as trs dimenses da anomia, egoismo e individualismo. A diviso do trabalho social constituiu o pensamento de Durkheim a esse respeito, e ele no se desviou posteriormente da posio defendida naquela obra, embora no tenha elaborado completamente algumas de suas implicaes seno bem mais tarde. A concluso substancialmente mais importante a que chegou Durkheim em A diviso do trabalho social foi a de que a solidariedade orgnica pressupe um individualismo moral: em outras palavras, que errado contrastar uma sociedade que vem de uma comunidade de crenas (solidariedade mecnica) com outra que tem uma base cooperativa (solidariedade cooperativa), reconhecendo apenas na primeira um carter moral e vendo na segunda simplesmente um agrupamento econmico. A fonte imediata desse individualismo moral, tal como explicitada por Durkheim em sua contribuio para a discusso pblica a respeito do caso Dreyfus, estava nos ideais gerados pela Revoluo de 1789. O individualismo moral no pode de modo algum ser confundido com o egosmo (ou seja, com a busca do interesse prprio), tal como postulado na teoria econmica clssica e na filosofia utilitarista. O crescimento do individualismo, derivado da expanso da solidariedade orgnica, no deveria ser necessariamente equiparado anomia (a condio anmica da diviso do trabalho era um fenmeno transitrio, que se originava precisamente do fato de que a celebrao de contratos estava insuficientemente governada pela regulao moral (Giddens, 1998:106-107).

Finalmente, se o pragmatismo era nada menos que uma maneira de criticar aqueles aspectos da vida americana que tornam a ao um fim em si mesmo e tem dos fins uma viso muito estreita e muito prtica, e ainda, que a escolha da ao como ponto de partida da reflexo filosfica no significa que o mundo decaiu ao nvel de simples material disposio das interaes dos agentes, diante de uma guerra ps-imperialista que define a ao a partir do mercado, o particular mercado das naes como idealizao principesca, seu peer ranking, como no itir a idia de ao como um fim em si mesmo, como fantasia de um pas que d tiros nos prprios ps.

Assim, talvez seja possvel pensar numa histria e numa lgica da dramaturgia do desprezo - de base psico-poltica - como ingrediente constitutivo da fantasia de Prncipe perfeito que, num af, de responder ao absolutismo do mercado, se coloca no lugar de idealizao narcsica diante do extermnio humano, da possibilidade da destruio das imagens e na crena de um ter por verdadeiro suficientemente vlido, mas apenas no plano subjetivo.

Notas

1. Seymour Martin Lipset, A Sociedade Americana. Uma Anlise Histrica e Comparada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1966, O Papel dos Intelectuais, pp. 86-94; O Homem Poltico (Political Man). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967; captulo X Os Intelectuais Americanos: Sua Poltica e Status, pp. 326-362; Talcott Parsons, A Sociologia Americana. Perspectivas, Problemas, Mtodos. So Paulo: Editora Cultrix, 1970, Parte I, Componentes dos Sistemas Sociais; pp. 25-119.

2. Jurandir Freire Costa, O Interesse de Richard Rorty In: Folha de S. Paulo: Olho Clnico. Mais!. 21 de maio de 1995, im.

3. [Annimo] Las Mil y Una Noches. Textos Integros. Tomo I. Barcelona, 1985.

4. Cf. Hans Hoas, Interacionismo Simblico In: Teoria Social Hoje/Anthony Gidens e Jonathan Turner (orgs.). So Paulo: Editora UNESP, 1999, pp. 135 e ss.

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Revista 6rd1i

Depoimento do Exmo. Sr. Presidente dos Estados Unidos da Amrica George W. Bush para a revista A Voz: Todas as pessoas querem fidelidade.

Resumo: O presente artigo pretende analisar a partir do pragmatismo de Richard Rorty, as representaes da modernidade no mbito da cultura norte-americana. Tal reflexo deve-se ao fato de que diante da destruio, extermnio e crimes de guerra cometidos com a nova ocupao militar no Iraque, serviu como baluarte para uma cultura que, relacionando pragmatismo e verdade, pragmatismo e poltica e pragmatismo e religio consagrou a mxima de Weber calcada na idia de que fim a representao de um resultado que se converte em causa de uma ao. No h resposta satisfatria tanto para a filosofia pragmtica quanto para a pragmtica sociolgica. Alm disso, este episdio demarcou, do ponto de vista da sociedade civil mundial, uma condenao moral com o pedido de formao de um Tribunal Penal Internacional contra o consrcio anglo-americano representado por Bush-Blair.

Palavras-chave: filosofia pragmtica; pragmatismo e verdade; pragmatismo e poltica; guerra preventiva; consrcio anglo-americano.

Abstract: The present article intends to analyse starting from Richard Rorty's pragmatism, the representations of the modernity in the ambit of the North American culture. Such reflection is due to the fact that before the destruction, extermination and war crimes made with the new military occupation in Iraq, it was good as rampart for a culture that, relating pragmatism and truth, pragmatism and politics and pragmatism and religion consecrated the maximum wearing from Weber in the idea that " 'end' is the representation of a result that turns into cause of an action ". There is not satisfactory answer so much for the pragmatic philosophy as for the pragmatic sociological. Besides, this episode to demarcate, of the point of view of the world civil society, a moral condemnation with the request of formation of a International Penal Tribunal against the Anglo-American consortium represented for Bush-Blair.

Word-key: pragmatic philosophy; pragmatism and truth; pragmatism and politics; preventive war; Anglo-American consortium.

* Socilogo (UFF), Doutor em Cincias (USP). Professor e pesquisador da Coordenao do Curso de Cincias Sociais da Universidade Estadual do Cear UECE. Mail: [email protected]

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